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Freud

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da capacidade, dos quais sofremos, seriam determinados essencialmente, entre<br />

outras coisas, pelo fato de não podermos conservar nossa atitude anterior<br />

frente à morte e não termos ainda encontrado uma nova. Nisso talvez ajude<br />

apontarmos nossa investigação psicológica para duas outras relações com a<br />

morte: aquela que podemos atribuir ao homem da pré-história e aquela que<br />

ainda se mantém em cada um de nós, mas se esconde, invisível para a nossa<br />

consciência, em camadas profundas de nossa vida psíquica.<br />

Quanto à atitude do homem pré-histórico diante da morte, naturalmente só<br />

podemos conhecê-la mediante inferências e construções, mas acho que esses<br />

meios nos deram informações razoavelmente confiáveis.<br />

O homem primevo comportou-se de modo bem peculiar frente à morte. De<br />

maneira nada coerente, antes contraditória. Por um lado levou a morte a sério,<br />

reconheceu-a como abolição da vida e serviu-se dela nesse sentido; mas, por<br />

outro lado, também negou a morte, rebaixando-a a nada. O que tornava possível<br />

tal contradição era o fato de ele assumir, ante a morte do outro, do<br />

desconhecido, do inimigo, uma postura radicalmente diferente da que assumia<br />

ante a sua própria. A morte do outro lhe era justa, significava a eliminação do<br />

que era odiado, e o homem primevo não tinha escrúpulo em executá-la. Ele<br />

era sem dúvida um ser muito passional, mais cruel e mais malvado que outros<br />

bichos. Assassinava com gosto, e como se fosse algo óbvio. Não precisamos<br />

atribuir-lhe o instinto * que impediria outros animais de matar e devorar seres<br />

da mesma espécie.<br />

A história primeva da humanidade é plena de assassinatos, portanto. Ainda<br />

hoje, aquilo que nossos filhos aprendem na escola sob o nome de História<br />

Universal é, na essência, uma longa série de matanças de povos. O obscuro<br />

sentimento de culpa a que está sujeita a humanidade desde os tempos préhistóricos,<br />

que em muitas religiões condensou-se na ideia de uma culpa primordial,<br />

de um pecado original, é provavelmente expressão de uma dívida de<br />

sangue ** em que a humanidade primeva incorreu. No livro Totem e tabu (1913)<br />

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