Freud
oferecer, mas trabalham também com prêmios de outro tipo, com recompensa e castigo. Então podem manifestar o efeito de que o indivíduo sujeito à sua influência decida-se pela boa conduta no sentido cultural, sem que nele tenha ocorrido um enobrecimento instintual, uma transformação de pendores egoístas em sociais. O resultado será, grosso modo, o mesmo; apenas em circunstâncias especiais se notará que uma pessoa sempre age bem porque suas inclinações instintuais a obrigam a fazê-lo, e uma outra é boa apenas enquanto e na medida em que esse comportamento cultural traz vantagens para suas intenções egoístas. Mas num conhecimento superficial do indivíduo não teremos como distinguir entre os dois casos, e certamente nosso otimismo nos levará a superestimar bastante o número das pessoas culturalmente mudadas. A sociedade civilizada, que promove a boa ação e não se preocupa com a fundamentação instintual da mesma, conquistou então para a obediência cultural um bom número de indivíduos que nisso não acompanham sua natureza. Encorajada por este sucesso, ela se viu levada a aumentar ao máximo a tensão das exigências morais, obrigando os seus membros a um distanciamento ainda maior de sua disposição instintual. A eles é imposta então uma contínua repressão instintual, * cuja tensão vem a se manifestar nos mais singulares fenômenos reativos e compensatórios. No âmbito da sexualidade, em que é mais difícil efetuar essa repressão, ocorrem os fenômenos reativos das afecções neuróticas. De resto é verdade que a pressão da cultura não traz consequências patológicas, mas se exprime em malformações de caráter e na permanente propensão de os instintos inibidos irromperem em busca de satisfação, quando a oportunidade se apresenta. Quem é assim obrigado a reagir continuamente segundo preceitos que não são expressão de seus pendores instintuais vive acima de seus meios, psicologicamente falando, e pode objetivamente ser designado como um hipócrita, esteja ele consciente ou não dessa discrepância. É inegável que nossa atual civilização favorece de maneira extraordinária a produção de tal espécie de hipocrisia. Podemos ousar afirmar que ela está edificada sobre essa hipocrisia, e que teria que admitir profundas mudanças, caso 166/225
as pessoas se propusessem viver conforme a verdade psicológica. Portanto, existem muito mais hipócritas culturais do que homens realmente civilizados, podendo-se mesmo considerar o ponto de vista de que um certo grau de hipocrisia cultural seja indispensável para a manutenção da cultura, porque a aptidão cultural já estabelecida nos homens de hoje talvez não bastasse para essa realização. Por outro lado, a manutenção da cultura, ainda que sobre uma base tão duvidosa, oferece a perspectiva de preparar o caminho, em cada nova geração, para uma transformação instintual mais ampla, portadora de uma cultura melhor. Das discussões precedentes retiramos o consolo de que era injustificada nossa amargura e dolorosa desilusão pela conduta incivilizada de nossos concidadãos do mundo nesta guerra. Fundava-se numa ilusão a que nos havíamos entregado. Na realidade eles não desceram tão baixo como receávamos, porque não tinham se elevado tanto como acreditávamos. O fato de os “grandes indivíduos” humanos, os povos e Estados, terem abandonado entre si as limitações morais, tornou-se para eles uma compreensível instigação a subtrair-se por um momento à duradoura pressão da cultura e permitir temporariamente satisfação a seus instintos refreados. É provável que nisso a relativa moralidade no interior de cada povo não tenha sofrido qualquer ruptura. Podemos aumentar a compreensão da mudança operada pela guerra em nossos ex-compatriotas, porém, e tirar daí uma advertência para não cometer injustiça para com eles. Pois os desenvolvimentos psíquicos têm uma peculiaridade que não se acha em nenhum outro processo de desenvolvimento. Quando uma aldeia cresce e se torna uma cidade, ou um menino se torna um homem, a aldeia e o menino desaparecem na cidade e no homem. Somente a lembrança pode inscrever os antigos traços na nova imagem; na realidade, os antigos materiais ou formas foram eliminados e substituídos por novos. Sucede de outro modo num desenvolvimento psíquico. Não podemos descrever o estado de coisas, que a nada pode ser comparado, senão afirmando que todo estágio de desenvolvimento anterior permanece conservado junto àquele 167/225
- Page 116 and 117: uma certa medida de interesse libid
- Page 118 and 119: irracional que tudo o que é incons
- Page 120 and 121: loqueado. A impressão feita por es
- Page 122 and 123: desejo. A alucinação deve ser, po
- Page 124 and 125: esse afastamento da realidade o seu
- Page 126 and 127: 4 Quero acrescentar, a título de c
- Page 128 and 129: Depois que o sonho nos serviu como
- Page 130 and 131: 130/225 natural. Mas o fato é que,
- Page 132 and 133: Não é essencial, portanto, saber
- Page 134 and 135: pessoa amada, numa cisão entre a c
- Page 136 and 137: 136/225 desse sofrimento. O automar
- Page 138 and 139: 138/225 psicogênicos, se o trabalh
- Page 140 and 141: É tentador buscar, a partir dessa
- Page 142 and 143: 142/225 posterior do caso. Nisso o
- Page 144 and 145: omânicas, em que "consciência" te
- Page 146 and 147: Há alguns anos, um conhecido advog
- Page 148 and 149: passou-lhe as cartas que o suspeito
- Page 150 and 151: algumas semanas, creio — ela recu
- Page 152 and 153: formação delirante não se produz
- Page 154 and 155: Voltemos agora ao fato singular de
- Page 156 and 157: CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUER
- Page 158 and 159: no entanto condenar a guerra nos se
- Page 160 and 161: 160/225 beleza, ou o profeta veemen
- Page 162 and 163: se comprometera com os outros Estad
- Page 164 and 165: a psicanálise acrescenta que não
- Page 168 and 169: 168/225 posterior, que se fez a par
- Page 170 and 171: 170/225 imbecis, tão logo o discer
- Page 172 and 173: ganho em matéria de liberdade, pro
- Page 174 and 175: da capacidade, dos quais sofremos,
- Page 176 and 177: 176/225 corpo do inimigo abatido, m
- Page 178 and 179: 178/225 ainda se acham na terra, e
- Page 180 and 181: e isso com uma certa coerência, po
- Page 182 and 183: 182/225 Façamos agora um resumo. N
- Page 184 and 185: * Ver Totem e tabu. * No original:
- Page 186 and 187: Algum tempo atrás, fiz um passeio
- Page 188 and 189: 188/225 processo tão doloroso, iss
- Page 190 and 191: ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADO
- Page 192 and 193: 192/225 realidade, que diferencia o
- Page 194 and 195: amor para pavonear-me diante de uma
- Page 196 and 197: 196/225 O trabalho psicanalítico n
- Page 198 and 199: 198/225 transformam a fantasia até
- Page 200 and 201: 200/225 [Ato v, cena 1] Por quem so
- Page 202 and 203: 202/225 (Ato iv, cena 3): Ele não
- Page 204 and 205: posteriormente nos esforçarmos em
- Page 206 and 207: Há alguns anos Rebecca e Rosmer vi
- Page 208 and 209: 208/225 não respondia a ninguém,
- Page 210 and 211: 210/225 Quem nos acompanhou até aq
- Page 212 and 213: 212/225 ela mesma de seus processos
- Page 214 and 215: 214/225 investigação psicanalíti
oferecer, mas trabalham também com prêmios de outro tipo, com recompensa<br />
e castigo. Então podem manifestar o efeito de que o indivíduo sujeito à sua<br />
influência decida-se pela boa conduta no sentido cultural, sem que nele tenha<br />
ocorrido um enobrecimento instintual, uma transformação de pendores egoístas<br />
em sociais. O resultado será, grosso modo, o mesmo; apenas em circunstâncias<br />
especiais se notará que uma pessoa sempre age bem porque suas inclinações<br />
instintuais a obrigam a fazê-lo, e uma outra é boa apenas enquanto e na<br />
medida em que esse comportamento cultural traz vantagens para suas intenções<br />
egoístas. Mas num conhecimento superficial do indivíduo não teremos<br />
como distinguir entre os dois casos, e certamente nosso otimismo nos levará a<br />
superestimar bastante o número das pessoas culturalmente mudadas.<br />
A sociedade civilizada, que promove a boa ação e não se preocupa com a<br />
fundamentação instintual da mesma, conquistou então para a obediência cultural<br />
um bom número de indivíduos que nisso não acompanham sua natureza.<br />
Encorajada por este sucesso, ela se viu levada a aumentar ao máximo a tensão<br />
das exigências morais, obrigando os seus membros a um distanciamento ainda<br />
maior de sua disposição instintual. A eles é imposta então uma contínua<br />
repressão instintual, * cuja tensão vem a se manifestar nos mais singulares fenômenos<br />
reativos e compensatórios. No âmbito da sexualidade, em que é mais<br />
difícil efetuar essa repressão, ocorrem os fenômenos reativos das afecções<br />
neuróticas. De resto é verdade que a pressão da cultura não traz consequências<br />
patológicas, mas se exprime em malformações de caráter e na permanente<br />
propensão de os instintos inibidos irromperem em busca de satisfação, quando<br />
a oportunidade se apresenta. Quem é assim obrigado a reagir continuamente<br />
segundo preceitos que não são expressão de seus pendores instintuais vive<br />
acima de seus meios, psicologicamente falando, e pode objetivamente ser designado<br />
como um hipócrita, esteja ele consciente ou não dessa discrepância. É<br />
inegável que nossa atual civilização favorece de maneira extraordinária a<br />
produção de tal espécie de hipocrisia. Podemos ousar afirmar que ela está edificada<br />
sobre essa hipocrisia, e que teria que admitir profundas mudanças, caso<br />
166/225