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Freud

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se comprometera com os outros Estados, admitindo desavergonhadamente sua<br />

cobiça e seu afã de poder, que o indivíduo deve então aprovar por patriotismo.<br />

E não se objete que o Estado não pode renunciar ao uso da injustiça porque<br />

desse modo estaria em desvantagem. Também para o indivíduo a observância<br />

das normas morais, a renúncia ao exercício brutal do poder é algo geralmente<br />

bem desvantajoso, e raras vezes o Estado se mostra capaz de compensar o cidadão<br />

pelo sacrifício que dele exigiu. Tampouco é de surpreender que o<br />

afrouxamento das relações morais entre os “grandes indivíduos” da humanidade<br />

tenha tido repercussão na moralidade do indivíduo, pois nossa consciência<br />

não é o juiz inflexível pelo qual a têm os mestres da ética, é em sua origem<br />

“medo social” e nada mais. Quando a comunidade suspende a recriminação,<br />

também cessa a repressão dos apetites maus, e as pessoas cometem atos de<br />

crueldade, perfídia, traição e rudeza que pareceriam impossíveis, devido à incompatibilidade<br />

com seu grau de civilização.<br />

Assim, o cidadão do mundo que mencionei pode estar perplexo num<br />

mundo que para ele se tornou estrangeiro, sua grande pátria tendo desmoronado,<br />

o patrimônio comum tendo sido devastado, os concidadãos divididos e<br />

envilecidos!<br />

Algumas observações críticas podem ser feitas quanto a essa decepção. A<br />

rigor ela não se justifica, pois consiste na destruição de uma ilusão. As ilusões<br />

são bem-vindas porque nos poupam sensações de desprazer, e no lugar dessas<br />

nos permitem gozar satisfações. Não podemos nos queixar, então, se um dia<br />

elas colidem com alguma parte da realidade e nela se despedaçam.<br />

Duas coisas, nessa guerra, provocaram nossa decepção: a pouca moralidade<br />

mostrada exteriormente por Estados que nas relações internas posam de<br />

guardiães das normas éticas, e a brutalidade do comportamento de indivíduos<br />

que, como membros da mais elevada cultura humana, não acreditaríamos<br />

capazes de atos semelhantes.<br />

Comecemos com o segundo ponto, e tentemos formular de maneira breve a<br />

concepção que desejamos criticar. Como se imagina realmente o processo<br />

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