Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
no seu caminho, em fúria enceguecida, como se depois dela não devesse existir<br />
nem futuro nem paz entre os homens. Ela destrói todos os laços comunitários<br />
entre os povos que combatem uns aos outros, e ameaça deixar um legado de<br />
amargura que por longo tempo tornará impossível o restabelecimento dos<br />
mesmos.<br />
Ela trouxe também à luz o fenômeno quase inconcebível de que os povos<br />
civilizados se conhecem e se entendem tão pouco, que um deles pode voltar-se<br />
com ódio e repulsa contra o outro. E até mesmo uma das grandes nações cultas<br />
é universalmente tão pouco estimada que se pode tentar excluí-la da comunidade<br />
civilizada por ser “bárbara”, embora há muito tenha demonstrado sua<br />
valia, por contribuições das mais formidáveis. Vivemos na esperança de que<br />
uma historiografia imparcial venha trazer a prova de que justamente essa<br />
nação, em cuja língua escrevemos, e para cuja vitória combatem os seres que<br />
amamos, tenha sido aquela que menos infringiu as leis da moralidade humana;<br />
mas quem pode, em tempos como esses, arvorar-se em juiz da própria causa?<br />
Os povos são mais ou menos representados pelos Estados que formam;<br />
esses Estados, pelos governos que os conduzem. O cidadão individual pode<br />
verificar com horror, nessa guerra, o que eventualmente já lhe ocorria em<br />
tempo de paz: que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça, não<br />
porque deseje acabar com ela, mas sim monopolizá-la, como fez com o sal e o<br />
tabaco. O Estado beligerante se permite qualquer injustiça, qualquer violência<br />
que traria desonra ao indivíduo. Ele se serve, contra o inimigo, não apenas da<br />
astúcia autorizada, mas também da mentira consciente e do engano intencional,<br />
e isso numa medida que parece ultrapassar o costumeiro em guerras anteriores.<br />
O Estado requer extremos de obediência e sacrifício de seus cidadãos,<br />
privando-os ao mesmo tempo de sua maioridade por um excesso de sigilo e<br />
uma censura da comunicação e da expressão, que deixa o ânimo daqueles assim<br />
oprimidos intelectualmente indefeso ante qualquer situação desfavorável e<br />
todo rumor sinistro. Ele se desliga dos tratados e garantias mediante os quais<br />
161/225