Freud
formação delirante não se produziria. Reconhecemos por trás desses acasos, isto sim, algo necessário, que teria de se impor obsessivamente, tal como a hipótese de uma relação amorosa entre o amante e a mulher idosa, eleita para sucedâneo da mãe. A observação do ato sexual dos pais é um elemento que falta raramente no repertório das fantasias inconscientes que, mediante a análise, podem ser encontradas em todos os neuróticos, provavelmente em todas as pessoas. Chamo essas fantasias, as da observação do comércio amoroso dos pais, da sedução, da castração e outros, de fantasias primárias, e em outro lugar investigarei sua origem e sua relação com a experiência individual. De modo que o ruído casual funciona apenas como provocação que desencadeia a fantasia típica de espreitar a intimidade dos pais, parte do complexo a eles relativo. Sim, é discutível que possamos denominá-lo “casual”. Segundo a observação que me fez Otto Rank, é antes parte necessária da fantasia de espreitar, e reproduz ou o ruído que denuncia a relação dos genitores ou também aquele pelo qual a criança que escuta receia denunciar-se. Mas logo vemos em que terreno nos achamos. O amante é ainda o pai, e o lugar da mãe é tomado por ela mesma. Então a escuta deve ser atribuída a uma pessoa desconhecida. Torna-se claro, para nós, de que maneira ela se libertou da dependência homossexual da mãe. Com uma pequena regressão; em vez de tomar a mãe como objeto amoroso, identificou-se com ela, tornou-se ela própria a mãe. A possibilidade dessa regressão aponta para a origem narcísica de sua escolha homossexual de objeto e, assim, para a predisposição ao adoecimento paranoico nela existente. É possível esboçar um raciocínio que leva ao mesmo resultado que essa identificação: “Se minha mãe faz isso, também posso; tenho o mesmo direito que minha mãe”. Pode-se dar um passo adiante na eliminação das casualidades, sem exigir que o leitor nisso nos acompanhe, pois a ausência de uma investigação analítica aprofundada torna impossível, neste caso, ir além de uma certa probabilidade. A doente afirmou, em nossa primeira conversa, que ela havia perguntado imediatamente sobre a causa do ruído, obtendo a resposta de que 152/225
provavelmente vinha do pequeno relógio sobre a mesa. Tomarei a liberdade de explicar essa comunicação como um equívoco da memória. Parece-me bem mais plausível que primeiramente ela não tivesse qualquer reação ao ruído, e que apenas depois do encontro com os dois homens na escada ele lhe parecesse significativo. O amante talvez não tenha ouvido o barulho, e fez a tentativa de explicação envolvendo o relógio depois, quando assediado pela suspeita da garota. “Não sei o que você pode ter ouvido; talvez o relógio, que às vezes faz um ruído.” Essa utilização a posteriori de impressões e esse deslocamento das recordações são frequentes na paranoia e dela característicos. Mas, como nunca falei com o jovem nem pude prosseguir a análise da moça, não há como provar minha suposição. Eu poderia ousar ir mais adiante na análise das supostas “casualidades”. Não creio que o relógio tenha batido, ou que tenha havido algum ruído. A situação em que ela estava justificava uma sensação de batimento ou palpitação no clitóris. Foi isso, então, que ela projetou para fora, a posteriori, como percepção de um outro objeto. Algo bastante similar é possível no sonho. Uma de minhas pacientes histéricas relatou, certa vez, um breve sonho que a fazia despertar, com o qual nenhuma associação se produzia. Ele era o seguinte. Houve uma batida na porta, e ela acordou. Ninguém havia batido na porta, mas nas noites anteriores ela havia despertado com penosas sensações de polução, e então quis acordar tão logo sentiu os primeiros sinais de excitação genital. Havia “batido” * no clitóris. Eu gostaria de colocar, em nossa paranoica, essa mesma projeção no lugar do ruído ocasional. Certamente não posso garantir que em nosso breve conhecimento, com todos os sinais de uma desagradável imposição, a doente me fornecesse um relato fiel do acontecido nos dois encontros amorosos; mas uma contração isolada do clitóris combinaria com sua afirmação de que não houve união dos genitais. Na subsequente rejeição do homem, a insatisfação certamente desempenhou um papel, ao lado da “consciência”. 153/225
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podem ser encontradas em todos os neuróticos, provavelmente em todas as<br />
pessoas. Chamo essas fantasias, as da observação do comércio amoroso dos<br />
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investigarei sua origem e sua relação com a experiência individual. De modo<br />
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Sim, é discutível que possamos denominá-lo “casual”. Segundo a observação<br />
que me fez Otto Rank, é antes parte necessária da fantasia de espreitar,<br />
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aquele pelo qual a criança que escuta receia denunciar-se. Mas logo vemos em<br />
que terreno nos achamos. O amante é ainda o pai, e o lugar da mãe é tomado<br />
por ela mesma. Então a escuta deve ser atribuída a uma pessoa desconhecida.<br />
Torna-se claro, para nós, de que maneira ela se libertou da dependência homossexual<br />
da mãe. Com uma pequena regressão; em vez de tomar a mãe como<br />
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dessa regressão aponta para a origem narcísica de sua escolha homossexual<br />
de objeto e, assim, para a predisposição ao adoecimento paranoico nela<br />
existente. É possível esboçar um raciocínio que leva ao mesmo resultado que<br />
essa identificação: “Se minha mãe faz isso, também posso; tenho o mesmo<br />
direito que minha mãe”.<br />
Pode-se dar um passo adiante na eliminação das casualidades, sem exigir<br />
que o leitor nisso nos acompanhe, pois a ausência de uma investigação analítica<br />
aprofundada torna impossível, neste caso, ir além de uma certa probabilidade.<br />
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imediatamente sobre a causa do ruído, obtendo a resposta de que<br />
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