Freud

03.03.2017 Views

algumas semanas, creio — ela recuperou a confiança e tornou a visitá-lo em seu apartamento. O restante já sabemos do primeiro relato. As novas informações eliminam a dúvida quanto à natureza patológica das suspeitas, em primeiro lugar. Facilmente se nota que a superiora de cabelos brancos é um sucedâneo da mãe, que o amante, apesar de sua juventude, foi posto no lugar do pai, e que é a força do complexo relativo à mãe que leva a paciente a imaginar uma relação amorosa entre dois parceiros tão improváveis. Com isso vai embora também a aparente contradição em relação à expectativa, alimentada pela teoria psicanalítica, de que um vínculo homossexual forte seria a precondição para o desenvolvimento de uma mania de perseguição. O perseguidor original, a instância a cuja influência o indivíduo quer se furtar, não é aqui o homem, mas a mulher. A chefe sabe da ligação amorosa da garota, menospreza essa ligação e a faz perceber isso com alusões misteriosas. O vínculo com o mesmo sexo contraria o esforço em adotar um membro do outro sexo como objeto amoroso. O amor à mãe torna-se o porta-voz de todos os impulsos que, no papel de “consciência”, procuram deter a garota em seu primeiro passo no caminho novo, perigoso em muitos sentidos, da satisfação sexual normal — e consegue perturbar a relação com o homem. Quando a mãe inibe ou detém a atividade sexual da filha, realiza uma função normal, já traçada nas relações da infância, que possui fortes motivações inconscientes e tem a sanção da sociedade. Cabe à filha libertar-se dessa influência e, com base em motivos amplos, racionais, decidir-se por um certo grau de permissão ou negação do prazer sexual. Se nessa tentativa de liberação sucumbe a uma neurose, via de regra existe um forte complexo relativo à mãe, não dominado, cujo conflito com a nova tendência libidinal será resolvido, segundo a predisposição, na forma dessa ou daquela neurose. Em todo caso, os fenômenos da reação neurótica não serão determinados pela relação presente com a mãe real, mas pelas relações infantis com a imagem primeva da mãe. A paciente nos disse que há muitos anos perdera o pai, e podemos supor que não teria permanecido afastada dos homens até os trinta anos se uma forte 150/225

ligação afetiva à mãe não lhe tivesse servido de amparo. Esse amparo se torna um pesado grilhão para ela, desde que sua libido, em resposta a uma solicitação insistente, começa a voltar-se para um homem. Ela procura livrar-se dele, desembaraçar-se de seu vínculo homossexual. Sua predisposição — de que não necessitamos falar aqui — permite que isso suceda na forma de um delírio paranoico. A mãe se torna, então, observadora e perseguidora hostil, malévola. Ela poderia ser superada como tal, se o complexo relativo à mãe não mantivesse o poder de impor sua intenção de afastá-la dos homens. No fim dessa primeira fase do conflito, ela se alienou da mãe e não se ligou ao homem. Ambos conspiram contra ela, afinal. Então o vigoroso empenho do homem consegue atraí-la resolutamente para si. Ela supera a objeção da mãe e está disposta a conceder ao amado um novo encontro. A mãe já não aparece nos acontecimentos seguintes; mas podemos insistir em que nessa fase o homem amado não se torna o perseguidor diretamente, e sim através da mãe e graças à sua relação com a mãe, que na primeira formação delirante tem o papel principal. Agora seria de crer que a resistência foi definitivamente superada e que a garota, até então vinculada à mãe, consegue amar um homem. Mas após o segundo encontro surge um novo delírio, que, mediante hábil utilização de alguns acasos, faz malograr esse amor e, assim, realiza o propósito do complexo relativo à mãe. Ainda nos parece estranho que uma mulher se defenda do amor de um homem com ajuda de um delírio paranoico. Mas antes de examinar mais de perto esse fato, vamos ver os acasos em que se fundamenta a segunda formação delirante, voltada apenas para o homem. Semidesnuda no divã, estendida junto ao amante, ela ouve um barulho como um clique ou uma batida, cuja causa não conhece, mas que depois interpreta, após deparar com dois homens na escada, um deles carregando algo como uma caixa embrulhada. Ela adquire a convicção de que eles a espreitaram e fotografaram durante o encontro íntimo, a mando de seu amante. Estamos longe de pensar, naturalmente, que se não fosse o infeliz ruído a 151/225

ligação afetiva à mãe não lhe tivesse servido de amparo. Esse amparo se torna<br />

um pesado grilhão para ela, desde que sua libido, em resposta a uma solicitação<br />

insistente, começa a voltar-se para um homem. Ela procura livrar-se dele,<br />

desembaraçar-se de seu vínculo homossexual. Sua predisposição — de que<br />

não necessitamos falar aqui — permite que isso suceda na forma de um delírio<br />

paranoico. A mãe se torna, então, observadora e perseguidora hostil, malévola.<br />

Ela poderia ser superada como tal, se o complexo relativo à mãe não<br />

mantivesse o poder de impor sua intenção de afastá-la dos homens. No fim<br />

dessa primeira fase do conflito, ela se alienou da mãe e não se ligou ao homem.<br />

Ambos conspiram contra ela, afinal. Então o vigoroso empenho do homem<br />

consegue atraí-la resolutamente para si. Ela supera a objeção da mãe e está disposta<br />

a conceder ao amado um novo encontro. A mãe já não aparece nos<br />

acontecimentos seguintes; mas podemos insistir em que nessa fase o homem<br />

amado não se torna o perseguidor diretamente, e sim através da mãe e graças à<br />

sua relação com a mãe, que na primeira formação delirante tem o papel<br />

principal.<br />

Agora seria de crer que a resistência foi definitivamente superada e que a<br />

garota, até então vinculada à mãe, consegue amar um homem. Mas após o segundo<br />

encontro surge um novo delírio, que, mediante hábil utilização de alguns<br />

acasos, faz malograr esse amor e, assim, realiza o propósito do complexo<br />

relativo à mãe. Ainda nos parece estranho que uma mulher se defenda do amor<br />

de um homem com ajuda de um delírio paranoico. Mas antes de examinar mais<br />

de perto esse fato, vamos ver os acasos em que se fundamenta a segunda formação<br />

delirante, voltada apenas para o homem.<br />

Semidesnuda no divã, estendida junto ao amante, ela ouve um barulho<br />

como um clique ou uma batida, cuja causa não conhece, mas que depois interpreta,<br />

após deparar com dois homens na escada, um deles carregando algo<br />

como uma caixa embrulhada. Ela adquire a convicção de que eles a espreitaram<br />

e fotografaram durante o encontro íntimo, a mando de seu amante.<br />

Estamos longe de pensar, naturalmente, que se não fosse o infeliz ruído a<br />

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