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Freud

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passou-lhe as cartas que o suspeito lhe enviara sobre o tema. Pude ver algumas<br />

dessas cartas depois; fizeram-me uma ótima impressão. Seu principal teor era o<br />

lamento de que uma tão bela e carinhosa relação fosse destruída por tal “ideia<br />

infeliz e doentia”.<br />

Não requer justificação, creio, o fato de o meu julgamento haver sido o<br />

mesmo do acusado. Mas o caso teve, para mim, um interesse diverso daquele<br />

puramente diagnóstico. Afirmava-se, na literatura psicanalítica, que o paranoico<br />

luta contra uma intensificação de suas tendências homossexuais, algo<br />

que remete, no fundo, a uma escolha narcísica de objeto. Sustentava-se também<br />

que o perseguidor, no fundo, é alguém que o indivíduo ama ou amou. Da<br />

junção dessas duas teses resulta que o perseguidor tem de ser do mesmo sexo<br />

que o perseguido. É certo que não vimos como universalmente válida e sem<br />

exceções a proposição de que a homossexualidade condiciona a paranoia, mas<br />

isso apenas porque nossas observações não eram suficientemente numerosas.<br />

Por outro lado, ela era uma dessas proposições que, devido a certas considerações,<br />

são significativas apenas quando podem reivindicar universalidade. Na<br />

literatura psiquiátrica não faltavam, sem dúvida, casos em que o doente se<br />

acreditava perseguido por parentes do outro sexo, mas ler esses casos não<br />

produzia a mesma impressão que ter um deles diante de si. O que eu e meus<br />

amigos pudéramos observar e analisar havia facilmente confirmado a relação<br />

da paranoia com a homossexualidade. E esse caso depunha resolutamente contra<br />

isso. A garota parecia rejeitar o amor a um homem, transformando o<br />

amado diretamente em perseguidor; não havia traço da influência de uma mulher,<br />

de revolta contra um vínculo homossexual.<br />

Ante esse estado de coisas, o mais simples era renunciar à validez geral da<br />

teoria de que a mania de perseguição depende da homossexualidade, e a tudo o<br />

mais que a ela se relacionava. Era preciso abandonar essa percepção, se não<br />

quiséssemos, levados por essa decepção de nossas expectativas, assumir a<br />

posição do advogado e, como ele, admitir uma vivência corretamente interpretada,<br />

em vez de uma combinação paranoica. * Mas eu divisei uma outra<br />

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