Freud

03.03.2017 Views

irracional que tudo o que é inconsciente traz consigo, quando o traduzimos para o consciente. O desejo de sonhar também não pode ser confundido com os desejos que possivelmente, mas não necessariamente, se encontravam entre os pensamentos oníricos pré-conscientes (latentes). Mas, tendo havido esses desejos pré-conscientes, o desejo de sonhar junta-se a eles como o reforço mais eficaz. Vejamos agora as vicissitudes posteriores desse desejo que na sua essência representa uma reivindicação instintual inconsciente, e que no Pcs formou-se como desejo de sonhar (fantasia realizadora de desejo). Ele poderia se resolver em três caminhos diferentes, segundo nos diz a reflexão. Pelo caminho que na vida desperta seria o normal, irrompendo na consciência a partir do Pcs, ou criando uma descarga motora direta, evitando a consciência, ou tomando o caminho insuspeitado que a observação nos faz realmente seguir. No primeiro caso ele se tornaria uma ideia delirante tendo o conteúdo da realização do desejo, mas isso não ocorre jamais no estado do sono. (Embora bem pouco familiarizados com as condições metapsicológicas dos processos anímicos, podemos talvez extrair desse fato a indicação de que o esvaziamento completo de um sistema o faz pouco inclinado a responder a incitações.) O segundo caso, a descarga motora direta, deveria ser excluído pelo mesmo princípio, pois normalmente o acesso à motilidade se acha ainda um tanto além da censura da consciência, mas de forma excepcional é observado como sonambulismo. Não sabemos que condições o tornam possível, e por que não acontece com maior frequência. O que sucede realmente na formação do sonho é uma decisão muito notável e inteiramente imprevisível. O processo urdido no Pcs, e reforçado pelo Ics, toma um caminho retrógrado através do Ics, rumo à percepção que se impõe à consciência. Essa regressão é a terceira fase da formação do sonho. Vamos repetir as anteriores, para ter uma visão geral: reforço dos vestígios diurnos Pcs pelo Ics — produção do desejo onírico. Uma tal regressão chamamos de topológica, para distingui-la da temporal ou histórico-evolutiva, já mencionada. As duas não têm que coincidir sempre, 118/225

mas o fazem justamente no exemplo que para nós se oferece. A reversão do curso da excitação, do Pcs pelo Ics até à percepção, é ao mesmo tempo o retorno ao estágio primeiro da realização alucinatória do desejo. Sabemos, a partir da Interpretação dos sonhos, de que maneira se dá a regressão dos vestígios diurnos pré-conscientes na formação do sonho. Os pensamentos são transpostos em imagens — predominantemente visuais —, as representações de palavras são reconduzidas às representações de coisas que lhes correspondem, como se, no todo, o processo fosse governado por considerações atinentes à figurabilidade. Depois de consumada a regressão, resta no sistema Ics uma série de investimentos, investimentos das lembranças de coisas sobre as quais atua o processo psíquico primário, até que, pela sua condensação e pelo deslocamento dos investimentos entre elas, dá forma ao conteúdo manifesto do sonho. Apenas quando as representações de palavras que se acham nos restos diurnos são vestígios frescos, reais, de percepções, e não expressão de pensamentos, é que são tratadas como representações de coisas e submetidas às influências da condensação e do deslocamento. Daí a regra oferecida na interpretação de sonhos, e depois confirmada até se tornar evidência, segundo a qual palavras e falas do conteúdo onírico não são novas criações, mas recriações de falas do dia do sonho (ou de outras impressões frescas, também de leituras). É digno de nota quão pouco o trabalho do sonho se atém às representações de palavras; a todo momento ele se dispõe a trocar as palavras umas pelas outras, até encontrar a expressão mais conveniente para a representação plástica. 2 Neste ponto se mostra a diferença decisiva entre o trabalho do sonho e a esquizofrenia. Nesta, as palavras mesmas em que estava expresso o pensamento pré-consciente são objeto da elaboração pelo processo primário; no sonho isso não sucede às palavras, mas às representações de coisas a que remontaram as palavras. O sonho conhece uma regressão topológica, a esquizofrenia não; no sonho se acha livre o trânsito entre investimentos de palavras (pcs) e investimentos de coisas (ics), enquanto é típico da esquizofrenia que ele seja 119/225

mas o fazem justamente no exemplo que para nós se oferece. A reversão do<br />

curso da excitação, do Pcs pelo Ics até à percepção, é ao mesmo tempo o retorno<br />

ao estágio primeiro da realização alucinatória do desejo.<br />

Sabemos, a partir da Interpretação dos sonhos, de que maneira se dá a regressão<br />

dos vestígios diurnos pré-conscientes na formação do sonho. Os<br />

pensamentos são transpostos em imagens — predominantemente visuais —,<br />

as representações de palavras são reconduzidas às representações de coisas que<br />

lhes correspondem, como se, no todo, o processo fosse governado por considerações<br />

atinentes à figurabilidade. Depois de consumada a regressão, resta no<br />

sistema Ics uma série de investimentos, investimentos das lembranças de coisas<br />

sobre as quais atua o processo psíquico primário, até que, pela sua condensação<br />

e pelo deslocamento dos investimentos entre elas, dá forma ao conteúdo<br />

manifesto do sonho. Apenas quando as representações de palavras que se<br />

acham nos restos diurnos são vestígios frescos, reais, de percepções, e não expressão<br />

de pensamentos, é que são tratadas como representações de coisas e<br />

submetidas às influências da condensação e do deslocamento. Daí a regra<br />

oferecida na interpretação de sonhos, e depois confirmada até se tornar evidência,<br />

segundo a qual palavras e falas do conteúdo onírico não são novas criações,<br />

mas recriações de falas do dia do sonho (ou de outras impressões frescas,<br />

também de leituras). É digno de nota quão pouco o trabalho do sonho se<br />

atém às representações de palavras; a todo momento ele se dispõe a trocar as<br />

palavras umas pelas outras, até encontrar a expressão mais conveniente para a<br />

representação plástica. 2<br />

Neste ponto se mostra a diferença decisiva entre o trabalho do sonho e a esquizofrenia.<br />

Nesta, as palavras mesmas em que estava expresso o pensamento<br />

pré-consciente são objeto da elaboração pelo processo primário; no sonho isso<br />

não sucede às palavras, mas às representações de coisas a que remontaram as<br />

palavras. O sonho conhece uma regressão topológica, a esquizofrenia não; no<br />

sonho se acha livre o trânsito entre investimentos de palavras (pcs) e investimentos<br />

de coisas (ics), enquanto é típico da esquizofrenia que ele seja<br />

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