Volume 2 - Machinima - Via: Ed. Alápis
O segundo volume da oleção CINUSP, Machinima, trata sobre filmes criados em ambientes virtuais, originalmente a partir de videogames
O segundo volume da oleção CINUSP, Machinima, trata sobre filmes criados em ambientes virtuais, originalmente a partir de videogames
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divertir e entreter, as vozes humanas oferecem outro quadro de referências afetivas, outra<br />
forma de aproximação com os personagens e outra maneira de compreendêdos. As vozes<br />
introduzem sensibilidade e humor no admirável mundo dos gráficos 3D, elas dão algum<br />
sentido e alguma razão às imagens dos videogames, muitas vezes gratuitamente violentas.<br />
À frieza das imagens virtuais, as vozes se contrapõem com o calor do corpo vivo e mortal.<br />
“Polígonos e avatares adquirem uma nova dimensão, uma nova personalidade, como se um<br />
corpo humano pudesse preencher e respirar dentro de um boneco” (Arvers, 2010: 231).<br />
Uma vez que os videogames em geral não trabalham com diálogos orais, eles desenvolveram<br />
poucos recursos de articulação de boca para os personagens. Isso torna muito<br />
difícil o trabalho de dublagem na machinima e também explica a predominância de cenas<br />
em voz-offe voz-over, além de diálogos anotados apenas em forma de subtítulos (como em<br />
The French Democracy). Uma série como Bill et John (2007), por exemplo, utiliza apenas<br />
imagens de aviões extraídas de um game de simulação de voo militar chamado Lock on:<br />
Modem Air Combat. Mas os realizadores (que se denominam Kik Beb & Seb) imaginaram<br />
uma ficção em que dois pilotos estariam no interior dos aviões, sem que, todavia, nós os<br />
possamos ver, pois deles só ouvimos os diálogos trocados no ar, em off, através de aparelhos<br />
de intercomunicação. Os diálogos são hilariantes e absurdos, cheios de palavrões<br />
obscenos, o que quebra a secura e a frieza dos jogos de guerra. No fundo, a série francesa<br />
Bill et John parte de um game belicista para desconstruí-lo e obter como resultado vários<br />
“filmes” decididamente anti-bélicos. A série também parodia vários filmes de guerra ou<br />
de aventura aérea, como Top Gun (1986), Dr. Strangelove (Doutor Fantástico, 1964) e<br />
2001: A Space Odissey (2001: Uma Odisséia no Espaço, 1968), exigindo, portanto, certo<br />
conhecimento de cinema para que os diálogos possam ser apreciados.<br />
Nem todos os vídeos machinima podem ser considerados “filmes” no sentido narrativo<br />
usual do cinema. Dr. Strangeman (2008), de Xanatus, é, por exemplo, uma debochada<br />
paródia do célebre filme de Kubrick Dr. Strangelove (com algumas pitadas de 2001)<br />
e, curiosamente, um machinima em preto e branco! O grupo multimídia francês Les Riches<br />
Douaniers é conhecido por um trabalho de natureza mais poética, que lembra a sensibilidade<br />
cromática, rítmica e sonora da videoarte (como, por exemplo, em Sonate pour<br />
la désespérance d’unpetit héros, 2007). Mas uma das obras mais criativas do machinima é<br />
um curta denominado Jurnp ofthe clones - 1KProject II (2006), assinado por BlackShark.<br />
Com música de Moby e criado a partir de um videogame online chamado Trackmania<br />
de simulação de corrida de carros, o realizador interfere na física do programa para modificar<br />
os seus parâmetros de gravidade, de modo que os carros literalmente “voam” pelo<br />
ar depois de se chocarem uns contra os outros aos milhares. Completamente surrealista.<br />
Os vídeos machinima constituem uma curiosa surpresa no mundo dos videogames<br />
e também uma inovação no campo do cinema, que parecia paralisado por uma certa<br />
inércia criativa. Eles também parecem comprovar que uma tecnologia é definida não<br />
apenas pelos seus produtores, mas também pelos seus usuários, que podem redirecionar<br />
as suas funções através de um uso diferenciado. Isso aconteceu também com o videotape<br />
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