Volume 2 - Machinima - Via: Ed. Alápis
O segundo volume da oleção CINUSP, Machinima, trata sobre filmes criados em ambientes virtuais, originalmente a partir de videogames
O segundo volume da oleção CINUSP, Machinima, trata sobre filmes criados em ambientes virtuais, originalmente a partir de videogames
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Imagens sem Objeto<br />
O utro aspecto das poéticas em tempo real são as imagens geradas a partir de<br />
algoritmo, em que não há mais referente (no sentido semiótico). São as chamadas<br />
imagens pós-fotográficas que, conforme explica Arlindo Machado, permitem superar<br />
o que ele define como mito realista: a forma como as mídias eletrônicas e digitais tornam<br />
obsoleto o entendimento, por muito tempo hegemônico, do caráter referencial<br />
da linguagem visual. 3 Como já foi dito acima, os fenômenos em tempo real duplicam<br />
a impossibilidade de repetição e recorte que é próprio dos acontecimentos propriamente<br />
ditos. Há mediação do real, mas não da forma típica nos fenômenos visuais:<br />
ao invés do mundo das imagens reproduzir em formas, cores e texturas os volumes<br />
do mundo, ele passa a reverberar, a converter em dados visíveis as pulsações invisíveis<br />
dos radares, ou emprestar corpo às durações subjetivas e instáveis de imagens e sons<br />
manipuladas em tempo real.<br />
Quando não há diferença entre a sensação de evanescência marcante na leitura e<br />
o momento de produção de sentido, desaparece a impressão de que a linguagem transfere<br />
para seu espaço um objeto ausente. As linguagens em tempo real atuam na espessura desse<br />
intervalo, entre linguagem e mundo. Elas produzem um efeito recursivo, que projeta nos<br />
processos técnicos de mediação em rede, ou ao vivo, sentidos de autenticidade e singularidade<br />
geralmente ligados às coisas não-mediatizadas.<br />
Deste ponto de vista, as práticas em tempo real revertem uma distância, instalada<br />
há algum tempo na história da cultura, entre o que acontece dentro e fora de um corpo<br />
(o que atribui ao pensamento uma substância autônoma, independente de sua materialidade).<br />
Nesse contexto, a explicação dada por Benjamin para o desaparecimento da<br />
figura do narrador no mundo moderno ganha outro sentido: “E como se estivéssemos<br />
privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar<br />
experiências”. Para Benjamin, o mundo da imprensa e da fotografia fazem desaparecer<br />
este registro da experiência, ligado à narração. As tecnologias em tempo real<br />
sugerem uma retomada de formatos do tipo, ainda que exista aí um deslocamento do<br />
campo do diálogo para um âmbito de distribuição mediatizada, o que não restaura por<br />
completo o lugar da narração. Sincronia e defasagem entre o que acontece “no mundo”<br />
e o que é tecido na trama de ecos deste acontecimento, trançadas especialmente nas<br />
mídias online (mas também presente, de outra forma, em programas de televisão que<br />
mostram a vida como ela é, no tempo que ela dura).<br />
3 O tema da superação do mito fotográfico surge em livros como A ilusão especular, e artigos<br />
como “Fotografia em Mutação”; o debate sobre a forma como os processos eletrônicos e digitais<br />
explicitam o potencial de articular o discurso visual por meio de diferentes processos de montagem<br />
aparece em livros como Pré-cinema 8c Pós-cinemas e artigos como “O vídeo e sua linguagem” e “O<br />
filme-ensaio”.<br />
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