Volume 6 - Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais - Via: Ed. Alápis
Em Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais, 6° volume da coleção CINUSP, pesquisadores e realizadores de diversas regiões do Brasil colocam suas inquietações sobre atores sociais emergentes, cujo lugar na historiografia do cinema brasileiro ainda é uma incógnita, apesar da calorosa discussão e presença laureada em festivais de cinema nacional e internacional.
Em Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais, 6° volume da coleção CINUSP, pesquisadores e realizadores de diversas regiões do Brasil colocam suas inquietações sobre atores sociais emergentes, cujo lugar na historiografia do cinema brasileiro ainda é uma incógnita, apesar da calorosa discussão e presença laureada em festivais de cinema nacional e internacional.
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imaginação transformadora. A duração dos planos e a montagem hábil de<br />
espaços, que não se entregam de imediato, sugerem a presença criativa da<br />
imaginação na reconfiguração da vida dos personagens.<br />
Shockito teve a perna amputada depois de ela ser esmagada pela cavalaria,<br />
nos idos dos anos 1980. Hoje a sua oficina também está em um<br />
espaço intrigante: perto do trem e aberta, sem paredes, no segundo andar<br />
de uma laje com vista para os telhados locais. Um ateliê de próteses. Pedaços<br />
de braços e pernas. Ele faz manutenção, sugere membros adequados a<br />
outros mutilados dessa guerra que, afinal, não é tão particular. Ceilândia<br />
provavelmente está entre os lugares visitados por MV Bill para o seu Falcão,<br />
meninos do tráfico (2006). As imagens de próteses lembram os filmes do<br />
Vietnã com veteranos mutilados, as guerras mundiais. Shockito manuseia<br />
um braço, demonstrando os movimentos da mão. Nesse gesto identifiquei<br />
a prótese do avô que não conheci, mas que foi ferido na Primeira Guerra<br />
Mundial. Um alemão em terras francesas.<br />
Shokito se move lentamente. Quando está vestindo calças compridas,<br />
seu problema físico pode passar desapercebido. Acompanhamos seu<br />
perambular até chegar à sua casa. A arquitetura de autoconstrução, que<br />
é parte do mistério do filme, vai se revelando aos poucos. A certa altura<br />
percebemos que aquele ruído do motor no primeiro plano é do elevador<br />
panorâmico, instalado na fachada da casa, que leva Markim ao andar onde<br />
ele mora. Não sabemos o que há no andar térreo. Na casa de Shockito o<br />
mistério também existe. Ele sobe e desce, sem que a planta se esclareça<br />
por inteiro.<br />
A bomba, que os amigos preparam do passado para explodir no presente,<br />
é o próprio filme: a informação que pode abalar alguma estrutura<br />
profunda, ainda encoberta. Um abalo que pode resultar em alguma reparação<br />
e transformação. Os efeitos são toscos como o caráter labiríntico da<br />
arquitetura de autoconstrução, que marca a paisagem da cidade satélite<br />
à margem do monumento modernista. Os espaços não se entregam, mas<br />
sugerem. Os fatos que se apresentam, mas se dão a perceber.<br />
Um filme de baixo orçamento, uma ficção científica que não conta<br />
com os cada vez mais sofisticados efeitos especiais de pós-produção que<br />
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