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Fevereiro 2017

Edição nº 216 - Fevereiro 2017

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OPINIÃO<br />

<strong>Fevereiro</strong> <strong>2017</strong><br />

21<br />

do que o verificado até aí. É de Almeida<br />

Santos a expressão: «As indefinições geradas<br />

por essa decisão foram o combustível<br />

para a fogueira que foi a descolonização».<br />

Ou seja, as condições estavam criadas, mas<br />

a nebulosa introduzida por Spínola deu-<br />

-lhes força.<br />

A pressão, porém, continuava a chegar<br />

de África, mas não apenas dos movimentos<br />

de libertação, também as tropas portuguesas<br />

iam dando conta da necessidade<br />

urgente de se iniciarem conversações tendo<br />

em vista o estabelecimento da paz. O<br />

impasse que se verificava na então Metrópole<br />

levou a tensões, que geraram ultimatos,<br />

como o que de seguida se expõe: «Ou<br />

vocês (MFA) fazem o cessar-fogo imediatamente,<br />

ou somos nós a fazê-lo com eles,<br />

independentemente de vocês», terá ameaçado<br />

Pires Veloso, delegado do MFA em<br />

Moçambique.<br />

Também de outras partes do mundo<br />

chegavam sinais de pressão. «O apoio ao<br />

novo regime português continuava condicionado<br />

a uma clara posição descolonizadora<br />

dos novos governantes». Vítor Alves,<br />

em entrevista concedida a O Século, de 16<br />

de Junho de 1974, não deixou dúvidas sobre<br />

o pensamento que perpassava o MFA<br />

relativamente às províncias ultramarinas,<br />

ignorando o «Portugal pluricontinental»,<br />

tão ao gosto de Spínola, afirmou que tudo<br />

se devia fazer para: «… evitar que o caminho<br />

da paz, da descolonização e da autodeterminação<br />

em África seja obstruído…». O<br />

Diário de Lisboa, de 2 de Julho, dava conta<br />

de uma conferência da OUA, de onde saiu<br />

um apelo a todos os países para que não<br />

estabelecessem relações diplomáticas com<br />

Portugal, enquanto «os portugueses não<br />

reconhecerem o direito à independência<br />

das suas colónias».<br />

Só com a Lei nº 7/74, que foi aprovada a<br />

26 de Julho, na vigência do II Governo Provisório,<br />

que reconhecia o direito dos povos<br />

à autodeterminação, ficavam criadas as<br />

condições para que fosse possível a assinatura<br />

dos acordos de paz e o cessar-fogo nas<br />

várias frentes de guerra. A reconciliação de<br />

Portugal com a ONU também só se verificou<br />

após a aprovação desta Lei. No entanto,<br />

no que às relações com o continente<br />

africano respeita, só a assinatura dos acordos<br />

de Alvor, a 15 de Janeiro de 1975, foi<br />

o primeiro passo para a aceitação do novo<br />

regime português por parte dos países de<br />

África. Só então foi decretado o fim do isolamento<br />

diplomático de Portugal naquele<br />

continente. A Lei 7/74 representou o fim<br />

de uma das mais renhidas e prolongadas<br />

batalhas entre Spínola e a Coordenadora<br />

do MFA, que se iniciara na noite de 25 de<br />

Abril, na Pontinha.<br />

E os civis?<br />

E Mário Soares?<br />

Mário Soares sempre foi contra a guerra<br />

e pela independência das províncias ultramarinas.<br />

Após o 25 de Abril foi ministro<br />

dos Negócios Estrangeiros nos primeiros<br />

três governos provisórios, tendo naturalmente<br />

responsabilidades nas negociações<br />

preliminares com os movimentos de libertação.<br />

Mas é preciso que se diga, acima<br />

dos governos e até dos presidentes da República,<br />

a capacidade de decisão passava<br />

pelos militares que haviam feito o 25 de<br />

Abril e prepararam o caminho da sociedade<br />

portuguesa, quando no seu Programa<br />

defenderam com vigor os três D`s -Descolonização,<br />

Democracia e Desenvolvimento.<br />

Em entrevista concedida a Maria João<br />

Avillez, Mário Soares defendeu: «O Governo<br />

dependia da vontade do MFA». As<br />

autoridades norte-americanas são ainda<br />

mais específicas, já que, numa interessante<br />

análise política enviada pelo Departamento<br />

de Estado para Oslo, a 24 de Outubro<br />

de 1974, refere-se que «… o essencial do<br />

poder político está nas mãos da Comissão<br />

Coordenadora do MFA, cuja liderança pública<br />

é protagonizada por homens como<br />

Vasco Gonçalves, Melo Antunes e Vítor Alves».<br />

Mário Soares esteve no MNE menos<br />

de um ano, porquanto, a partir do IV Governo<br />

provisório, que entrou em funções<br />

na sequência do 11 de Março de 1975, foi<br />

substituído por Melo Antunes, como já se<br />

viu um dos homens fortes da estrutura do<br />

MFA, considerado mesmo o seu principal<br />

ideólogo.<br />

Particularmente Angola e Moçambique,<br />

foram dossiês reservados para Melo Antunes.<br />

Foi este quem o afirmou a Maria João<br />

Avillez: «(…) como o essencial do poder estava<br />

no MFA e a questão da descolonização<br />

transcendia o Ministério dos Negócios<br />

Estrangeiros, foi entendido que alguém do<br />

MFA devia ocupar-se prioritariamente da<br />

descolonização. Por exemplo: as conversações<br />

com os movimentos da Guiné, São<br />

Tomé e Cabo Verde, começaram e acabaram<br />

por ser levadas a termo por ele (Mário<br />

Soares), com uma reduzida participação<br />

minha, ao passo que Angola e Moçambique<br />

foi ao contrário».<br />

Para uma análise isenta das decisões relativas<br />

à descolonização, aos erros eventualmente<br />

cometidos por uma camada dirigente<br />

acabada de chegar à ribalta política, terá<br />

de ter em linha de conta as chagas abertas<br />

por uma guerra tão prolongada, atentos às<br />

relações de Portugal com os movimentos<br />

de libertação; a divisão e conflitualidade<br />

que se vivia, «uma certa embriaguez», nas<br />

palavras de Vítor Alves, que marcaram o<br />

período em que a descolonização se deu;<br />

por fim, uma conjuntura internacional desfavorável,<br />

de que a guerra fria é um óptimo<br />

exemplo. Lopo do Nascimento, consciente<br />

das dificuldades, mas com a distância que<br />

lhe confere o facto de ter sido um alto dirigente<br />

do MPLA, pretende ser pacificador:<br />

«Portugal fez a descolonização possível».<br />

Compreendemos que os militantes e<br />

simpatizantes comunistas tivessem alguns<br />

anticorpos relativamente a Mário Soares,<br />

afinal, juntamente com os principais militares<br />

de Abril, ele dificultou a vida ao PCP,<br />

quando este partido parecia dominar o<br />

país. Compreendemos que os fascistas ou<br />

saudosistas da ditadura caída a 25 de Abril<br />

de 1974, não gostassem de Mário Soares,<br />

porquanto ele lutou abertamente contra<br />

a ditadura, aliás com elevados custos pessoais.<br />

Sobre a descolonização, por tudo<br />

quando atrás consta, não só não teve as<br />

responsabilidades que lhe são imputadas<br />

como não encontramos decisões lesivas<br />

do interesse nacional que lhe possam ser<br />

apontadas.<br />

Se houve prejudicados com a descolonização?<br />

Houve, com certeza! Alguns mesmo<br />

muito prejudicados. Existia, contudo, um<br />

guião da História do Ocidente para cumprir<br />

que os governantes do Estado Novo ignoraram,<br />

assim como, é preciso dizê-lo, as<br />

centenas de milhares de portugueses que<br />

por terras africanas faziam a sua vida. O<br />

guião devia cumprir-se, era imperioso, assim<br />

ditavam os ventos que fazem a História<br />

e, apesar do atraso e dos custos inerentes,<br />

cumpriu-se.<br />

SE HOUVE<br />

PREJUDICADOS COM<br />

A DESCOLONIZAÇÃO?<br />

HOUVE, COM CERTEZA!<br />

ALGUNS MESMO MUITO<br />

PREJUDICADOS.

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