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Revista LiteraLivre

Revista Literária que une textos de autores do Brasil e do mundo com textos de todos os estilos escritos em Língua Portuguesa. Acesse nosso site e participe também: http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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<strong>LiteraLivre</strong> nº 1<br />

O talento está no sangue<br />

Helder Guastti-João Neiva/ES<br />

Todas as manhãs o ritual se repetia. Levantava da cama, tomava o café da manhã<br />

e ia afinar as cordas do violão.<br />

Espalhadas por todo o ambiente da diminuta casa, memórias de um tempo de<br />

grandiosidade e reconhecimento há muito esquecidos. Por vezes sentia que aquelas fotos<br />

estavam ali apenas para assombrá-lo, fazendo-o recordar de um tempo que nunca mais<br />

voltará. Toda a glória e sucesso que obteve percorrendo diversos estados junto a seus<br />

companheiros de banda, hoje são surreais. A única realização que tem é quando<br />

consegue receber cinquenta reais com suas apresentações ao ar livre...<br />

Violão afinado. Chegou o momento de sair em busca do pão de cada dia.<br />

A verdade é que não fazia isso pelo dinheiro. Até porque, diariamente, a quantia<br />

que conseguia adquirir fazendo suas apresentações em praças e calçadas, era mínima,<br />

só dava mesmo para comprar o essencial para sua sobrevivência.<br />

Pedro Júnior foi integrante de uma banda de rock nos anos oitenta. Uma daquelas<br />

bandas que surgem em garagem, com amigos reunidos, cigarros acesos e cervejas<br />

geladas. Num golpe de sorte, Pedro e seus amigos de banda foram descobertos por uma<br />

grande gravadora. Lançaram vários discos, saíram em turnê, tinham videoclipes sendo<br />

exibidos constantemente na televisão, matérias em jornais e revistas e, para aqueles<br />

jovens, o que mais importava: muitas mulheres a seus pés.<br />

Era incrível, nem Pedro ou seus companheiros poderiam ser vistos como grandes<br />

galãs, mas o sucesso era algo mágico. As mulheres pareciam se derreter a seus pés.<br />

Bastava subir ao palco e tocar um acorde de guitarra para elas ficarem ensandecidas e<br />

aparecerem depois dos shows nos bastidores.<br />

Bons tempos...<br />

Colocou o violão dentro da capa, o maço de cigarros dentro do jeans rasgado, o<br />

tênis de lona bastante gasto com alguns buracos e a sola meio frouxa, trancou a porta e<br />

saiu.<br />

Sentiu o vento gelado cortar sua face. Acendeu um cigarro, a fim de desanuviar<br />

seus pensamentos e memórias e aquecer seu interior.<br />

Andou alguns metros, indiferente a paisagem e pessoas a seu redor. O tempo<br />

passou, a dificuldade tornou-se uma constante em sua vida, o dinheiro acabou, a fama e<br />

o sucesso se extinguiram, mas a marra e o porte de artista haviam permanecido. Pedro<br />

tinha um ar blasé, adotava uma postura de superioridade. Algumas vezes, enquanto<br />

performava sobre um caixote ou sentado no meio fio parecia, aos olhos do público, que<br />

ele estava fazendo um favor a eles, que deviam agradecê-lo imensamente por estar ali,<br />

cantando e tocando para seus ouvidos inferiores, reles mortais. Talvez esta atitude seja<br />

uma das razões que fazem com que Pedro não receba muitas ofertas enquanto toca.<br />

Mas, honestamente, ele não se importa. É claro que os transeuntes, que não passam de<br />

criaturas banais, não conseguiriam compreender sua arte. Sua música era para poucos.<br />

Era obra divina.<br />

Após meia hora sentado num caixote de verduras vazio que estava largado na<br />

entrada de um mercado, Pedro, de cabeça baixa dedilhando algumas notas em seu<br />

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