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Revista Dr. Plinio 224

Novembro de 2016

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A chave da História


Francisco Lecaros<br />

Musicalidade das<br />

relações humanas<br />

Acortesia é a perfeita relação que passa por cima do abismo que há<br />

de homem para homem. Essa força que liga este abismo chama-se<br />

amor fraterno católico. A cortesia é o lado cheio de respeito, distinção<br />

e afeto que une as pessoas diferentes e as coloca numa relação como as<br />

notas de uma música. Dir-se-ia que as notas de uma bela música estão em<br />

estado de cortesia entre si.<br />

Se uma pessoa irrefletida passa diante de um piano que está com a tampa<br />

aberta, escorrega e se apoia no teclado para não cair, sai um som horroroso<br />

parecido com uma descortesia. Porque não há harmonia. A cortesia é a musicalidade<br />

das relações humanas.<br />

(Extraído de conferência de 29/6/1974)<br />

2


Sumário<br />

Ano XIX - Nº <strong>224</strong> Novembro de 2016<br />

A chave da História<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

no ano de 1992.<br />

Foto: Mario Shinoda<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Gilberto de Oliveira<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Editorial<br />

4 A chave da História<br />

Piedade pliniana<br />

5 Confiança em Maria<br />

Dona Lucilia<br />

6 Reflexo da compaixão do Salvador<br />

Reflexões teológicas<br />

10 Jesus Cristo Rei, Profeta e Sacerdote<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Antônio Pereira de Sousa, 194 - Sala 27<br />

02404-060 S. Paulo - SP<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Gráfica Print Indústria e Editora Ltda.<br />

Av. João Eugênio Gonçalves Pinheiro, 350<br />

78010-308 - Cuiabá - MT<br />

Tel: (65) 3617-7600<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 130,00<br />

Colaborador........... R$ 180,00<br />

Propulsor.............. R$ 415,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 655,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Hagiografia<br />

16 Moldura para a figura de São Willehade<br />

Calendário dos Santos<br />

20 Santos de Novembro<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

22 O amor ao maravilhoso por meio da<br />

admiração aos arquétipos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

30 Critérios para um bom relacionamento<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

33 Movimentos do mar...<br />

...e da alma humana<br />

Última página<br />

36 Mãe da Divina Providência<br />

3


Editorial<br />

A chave da História<br />

Odesejo do sobrenatural é inerente à alma humana, por isso todos os homens estão sempre à procura<br />

do maravilhoso e, no fundo, apetentes de Deus.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, com sua habitual clareza, comenta como essa apetência natural a algo que é superior<br />

só é realmente saciada dentro da Igreja Católica. De modo inédito demonstra como a sede do maravilhoso<br />

constitui a chave de toda a História da humanidade e o caminho para o Reino de Maria.<br />

Existe em todo ser humano inocente um impulso para o maravilhoso, um desejo de maravilhamento<br />

diante das coisas.<br />

Como nossa capacidade nativa de conceber coisas maravilhosas e de desejá-las é violenta e magnífica<br />

como uma espécie de tufão de ouro, temos um desejo do sobrenatural, do metafisicamente perfeito,<br />

do magnífico que o lado elevado de nosso ser deseja com toda a alma.<br />

A partir daí nasce a apetência de algo que a Religião Católica satisfaz completamente.<br />

A alma que tem esse élan ou senso originário bem posto voa para o maravilhoso. Então ela se torna<br />

católica fervorosa, quer essa maravilha para a ordem espiritual e para a ordem temporal e em tudo<br />

procura o maravilhoso.<br />

Nesse estado, as almas estão prontas para a recusa indignada, prévia e repulsiva de qualquer coisa<br />

que possa conduzir ao reino do demônio.<br />

Há no ser humano dois élans: um é para o “sonho” que, quando reto, é uma visão de fé e participa<br />

dos melhores aspectos de nossa alma. Outro para a realidade vista luminosamente, porém como ela<br />

é concretamente, e que se chama bom senso.<br />

Quando a alma tem esses dois aspectos bem ordenados, sabe resolver superiormente um problema<br />

concreto, porque está inspirada no maravilhoso. Mas, de outro lado, quando se põe a ela uma<br />

questão relativa ao maravilhoso, ela voa sem ter nostalgia da realidade mais baixa.<br />

O amor de Deus cogente, que pega, segura, agarra, um amor de Deus que invade a alma, não se<br />

consegue a não ser quando se realizam essas condições preliminares. E a Revolução pôs o seu punhal<br />

nesse ponto.<br />

O senso do maravilhoso é sempre criativo, original e voltado para o futuro. Quem tiver a harmonia<br />

desses dois aspectos terá o espírito voltado para a realização mais alta, sendo-lhe próprio querer<br />

sempre mais.<br />

Isso é o amor ao Ser, portanto, a Deus, projetado para o futuro. Mas o amor ao mesmo Ser, projetado<br />

para o presente, mostra que a sociedade ordenada segundo o Reino de Maria é digna de amor.<br />

Ela não é o fim, é uma etapa, que se deve amar como o último degrau da escada na qual queremos<br />

subir.<br />

Aqui está propriamente a chave da História. É uma chave essencialmente religiosa. Se esse conjunto<br />

está bem posto, a alma humana trabalha bem. Se alguma coisa aqui está errada, tudo vai para o<br />

mal. E, sabendo disso, o demônio trabalha para perturbar essa harmonia.<br />

A Igreja é o maravilhoso que nos satisfaz como se fosse o Céu na Terra 1 .<br />

1) Conferência de 13/5/1988.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Confiança<br />

em Maria<br />

Minha Mãe, Rainha do<br />

Céu e da Terra, dai-me<br />

a graça de nunca me<br />

sentir longe de Vós. Porque Vós,<br />

Senhora, estais sempre próxima,<br />

e quem a Vós reze afincadamente<br />

tudo obtém. Convencei-me, ó<br />

Mãe, de que Vós estais ao alcance<br />

não de mãos que se estiram, mas<br />

de mãos que se põem juntas para<br />

rezar, rezar, rezar seriamente.<br />

“Nunca se ouviu dizer<br />

que alguém que recorresse<br />

a vossa proteção ou reclamasse<br />

vosso socorro fosse<br />

por Vós desamparado”. Minha<br />

Mãe, fazei-me compreender que,<br />

se “nunca se ouviu dizer”, não serei<br />

eu o primeiro a não ser atendido.<br />

Assim, pois, régia Senhora,<br />

fazei que sempre me volte para<br />

Vós com confiança.<br />

Assim seja.<br />

Santíssima Virgem Maria<br />

Paray-Le-Monial, França<br />

5<br />

Hugo Grados kilteka


Dona Lucilia<br />

Reflexo da<br />

compaixão<br />

do Salvador<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

A compaixão de Dona Lucilia por aqueles a quem ela via<br />

sofrer era cheia de afeto e respeito, nunca esperando uma<br />

retribuição da parte de seus beneficiados, verdadeiro<br />

reflexo da misericórdia do Sagrado Coração.<br />

Guilherme Gaensly (CC3.0)<br />

Arespeito de mamãe, eu tenho<br />

dito várias vezes que<br />

ela não era senão uma dona<br />

de casa com uma cultura afrancesada,<br />

ligeiramente inglesada, das senhoras<br />

de boa família do tempo dela.<br />

Ela possuía essa cultura suficientemente,<br />

mas não se destacava pela<br />

inteligência.<br />

Finura de percepção<br />

Chamava-me a atenção que em<br />

um certo sentido ela se mostrava excepcionalmente<br />

inteligente, e era<br />

uma forma de inteligência ligada à<br />

compaixão e à ajuda. Quer dizer, ela<br />

tinha uma noção muito clara de tudo<br />

o que pudesse contundir ou fazer<br />

sofrer qualquer pessoa; ela percebia<br />

logo.<br />

Era uma pergunta primeira, ou<br />

um olhar primeiro — um olhar dedicado<br />

— que ela deitava sobre a pessoa.<br />

O ponto de partida era o que a<br />

pessoa sofria. Dado que toda criatura<br />

humana sofre, ela procurava ver<br />

qual era o ponto dolorido, o lado por<br />

onde a pessoa sofria, etc., e tomava<br />

um cuidado extraordinário em, nem<br />

de longe, ter uma distração, uma referência<br />

de conversa ou qualquer<br />

coisa que pudesse fazer sofrer essa<br />

pessoa de qualquer forma, sendo de<br />

uma penetração e de uma delicadeza<br />

para isso verdadeiramente notável.<br />

Mas ela entendia bem também, dada<br />

a pessoa e as circunstâncias — aqui<br />

é uma obra de psicologia —, o que ela<br />

deveria fazer para ajudar e qual era a<br />

forma de compaixão que ela deveria<br />

manifestar para atender àquela forma<br />

de sofrimento. Nisso ela era muito,<br />

muito fina de percepção e muito delicada<br />

no pôr a compaixão dela. Porque<br />

a compaixão se exprimia muito mais<br />

pelo olhar e pelas maneiras do que pelo<br />

que ela dizia.<br />

6


... ela entendia<br />

bem também, o que<br />

ela deveria fazer<br />

para ajudar e qual<br />

era a forma de<br />

compaixão que ela<br />

deveria manifestar<br />

para atender<br />

àquela forma de<br />

sofrimento.<br />

Discrição cheia de afeto<br />

Era quase impossível ela procurar<br />

desvendar o santuário do sofrimento<br />

de cada um com palavras indiscretas,<br />

que a introduzisse numa intimidade<br />

que a pessoa, às vezes legitimamente,<br />

não queria dar, às vezes por<br />

amor-próprio, por mil razões. Mas<br />

no modo de tratar e de agradar, ela<br />

de tal maneira tão discretamente realçava<br />

o que ela via de bom, de honroso<br />

na pessoa, que esta se sentia envolta<br />

pelo afeto dela, mas não se sentia<br />

nem um pouco solicitada ou penetrada,<br />

invadida, por uma comiseração<br />

importuna. Ela revelava nisso<br />

muito tato. Era um modo aristocrático<br />

de ter pena.<br />

Entretanto, deixava entender à<br />

pessoa, e a todo mundo com quem<br />

ela tratava, que se quisessem usar da<br />

bondade dela, ela era uma porta que<br />

se abriria, mas nunca se abriria e chamaria<br />

alguém para dentro. Isso não.<br />

Às vezes isso aparecia em termos<br />

explícitos quando se tratava de<br />

tomar a defesa de alguém que ela<br />

achava que era objeto de um ataque<br />

por demais carregado, ou que pelo<br />

menos não se tomava em consideração<br />

alguma atenuante que a pessoa<br />

tinha.<br />

Então, por exemplo, ela tinha um<br />

filho muito truculento, e esse filho<br />

não fazia cerimônia de sair de lança<br />

em riste. Ela, às vezes, ouvia e dizia:<br />

— Coitado!<br />

Mas um coitado que me fazia sentir<br />

no que aquele homem era um sofredor.<br />

“Coitado!... Também não<br />

tanto assim...” Quase como quem<br />

pedia compaixão para ela pessoalmente.<br />

— Filhão, você não notou que ele<br />

tem tal qualidade?<br />

— Mas, meu bem, mãezinha —<br />

conforme o momento —, a senhora<br />

não nota que se a gente for ver<br />

isso dá em liberalismo?<br />

Ela dizia:<br />

— Não, você pense o que quiser,<br />

o que for verdade, mas ponha<br />

a verdade inteira, ponha as qualidades<br />

também.<br />

Naturalmente, isso me impressionava<br />

de um modo muito<br />

favorável, nem preciso dizer. É<br />

absolutamente óbvio.<br />

E se acontecia de numa situação<br />

crítica ou outra, ela ter que<br />

se aproximar e falar com a pessoa,<br />

ela falava como quem entra<br />

nas pontas dos pés no santuário<br />

da desventura da pessoa.<br />

Ela tratava num crescendo<br />

gradual e sondando o terreno;<br />

de maneira que a pessoa,<br />

se quisesse, do modo mais fácil<br />

do mundo, faria entender<br />

que preferia que não entrasse.<br />

Ela também encerrava a<br />

coisa e estava acabado.<br />

Trato bondoso,<br />

sem ilusões<br />

Não pensem com isto que<br />

ela via apenas o lado positivo<br />

das pessoas. Não. As amarguras<br />

e as coisas duras que<br />

a vida tem, ela não só via bem, mas<br />

nos premunia para estarmos prontos<br />

para isso. Naturalmente, tudo era<br />

visto segundo a experiência da vida<br />

de uma senhora que vive no lar.<br />

Ela nunca foi o que no meu tempo<br />

de moço chamavam mulher-paraíba<br />

— mulher feminista que sai<br />

da casa, toma atitudes, conhece a vida<br />

dos homens, fecha negócios, coisas<br />

desse gênero. Ela era de um jeito<br />

que era preciso ter conhecido.<br />

Eu dou um exemplo que ela contou<br />

mais de uma vez.<br />

Cristo atado<br />

Igreja de São<br />

João dos<br />

Reis, Toledo,<br />

Espanha<br />

Francisco Lecaros<br />

7


Dona Lucilia<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Meu avô tinha um escritório de<br />

advocacia e, entre outros clientes, tinha<br />

uma viúva rica e sem filhos. Ela<br />

tinha uma casa muito boa, grande,<br />

com jardins, criadas, etc., mas era<br />

uma pessoa muito cacete.<br />

Meu avô tinha pena dessa senhora<br />

porque ela possuía uma saúde<br />

boa, tinha tudo para fazer uma vida<br />

feliz, mas vivia numa espécie de<br />

isolamento por causa de seu mau gênio.<br />

Era uma senhora moralizada,<br />

sim, mas quanto ao mais de um trato<br />

muito recusável.<br />

Aconteceu que um dia ela de repente<br />

adoeceu gravemente e escreveu<br />

uma carta a meu avô, dizendo isso<br />

e pedindo se podia arranjar-lhe<br />

uma criada, qualquer coisa assim,<br />

um favor desses. Meu avô procurou<br />

minha mãe e disse:<br />

— Sua mãe não tem condições de<br />

dirigir nossa casa com tanto movimento<br />

e ainda cuidar dessa senhora.<br />

É nossa obrigação de caridade mandá-la<br />

vir e tratar dela. Tem aqui<br />

tal quarto — um quarto de hóspedes<br />

—; eu vou mandá-la vir<br />

e você vai tratá-la, e eu quero<br />

que esta senhora saia de nossa<br />

casa encantada com sua caridade.<br />

Mamãe, de pena dessa senhora,<br />

e para agradar meu<br />

avô, logo topou a parada.<br />

Meu avô ficou tranquilizado.<br />

Pouco depois chegou essa<br />

senhora, minha mãe a recebeu<br />

com mil afagos, acompanhou-a<br />

ao quarto, tratou-<br />

-a, mas como mais não se podia<br />

tratar.<br />

Uma irmã de mamãe, seis<br />

anos mais moça, mas já francamente<br />

em idade de ajudar,<br />

tratava essa senhora com a<br />

“ponta dos dedos”. Entrava<br />

no quarto uma ou duas vezes<br />

por dia, já pronta para<br />

sair à rua:<br />

— Oh, eu não quis sair<br />

à rua sem saber como a<br />

senhora está. Já está melhor, não<br />

é? Mantenha o otimismo que vai<br />

tudo bem.<br />

O que equivale a dizer para<br />

o doente “não amole”, “não se<br />

queixe”. Isso uma vez ou duas<br />

por dia e acabou-se.<br />

E mamãe dizia para sua irmã:<br />

— Você não pode fazer isso.<br />

Você não vê que papai quer isso?<br />

Depois, coitada...<br />

Minha tia dizia:<br />

— Você vai ver, você está fazendo<br />

por ela absurdos de dedicação,<br />

não tem o menor propósito,<br />

e ela, quando sair daqui, se<br />

não sair num caixão, mas viva,<br />

ela vai agradecer a mim.<br />

Mamãe punha em dúvida<br />

que a coisa chegasse a esse<br />

ponto, porque a diferença<br />

de trato era fabulosa. Mas, dito<br />

e feito!<br />

A senhora sarou e se preparou<br />

para voltar para sua casa.<br />

Havia várias pessoas juntas para<br />

se despedir dela; entre outras, estava<br />

essa minha tia. Vendo-a, essa senhora<br />

disse:<br />

— Vem cá! Ah! Você que foi meu<br />

anjo durante esse período...<br />

A maldade humana é isto! Não<br />

adianta discutir, nem sondar. É repugnante<br />

até, hein!<br />

E deu-lhe um presente...<br />

A mamãe, falou apenas “obrigado”.<br />

Mamãe não dizia, mas enquanto<br />

ela nunca foi bonita, sua irmã era<br />

muito bonita, na linha em que vovó<br />

era bonita e fascinava. Portanto,<br />

qualquer agradinho de minha tia<br />

brilhava, e as dedicações sem nome<br />

de mamãe essa senhora tomava<br />

assim. Neste ponto também está a<br />

maldade humana.<br />

Mamãe contava isso para mim e<br />

uma vez contou-me na presença dessa<br />

minha tia, que acompanhou com<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

8


atenção, dando risada em alguns trechos<br />

e, no fim, disse que foi exatamente<br />

o que ela contava.<br />

Afeto que não esperava<br />

retribuição<br />

Longinus crava a lança em<br />

Jesus - Museu da Semana<br />

Santa, Zamora, Espanha<br />

A moral do caso é que se eu não<br />

tivesse sido formado assim, pela falta<br />

de retribuição que vem, me tornaria<br />

um homem ruim, e isso ela não<br />

queria. Ela queria que eu fosse bom,<br />

como ela era e como considerava<br />

que era o pai dela.<br />

De fato, meu avô tinha gestos como<br />

esses, de magnanimidade, de<br />

desconcertar. Ela contou vários.<br />

Nesse ponto a formação do pai sobre<br />

ela foi muito, muito eficaz. Daí<br />

esse afeto que, aliás, é preciso dizer<br />

que as três filhas tinham pelo pai,<br />

um afeto que eu não as vi terem a<br />

ninguém, e não vi que nenhuma filha<br />

tivesse para com um pai. Não vi.<br />

Uma coisa sem igual. Queriam bem<br />

à mãe, respeitavam-na, mas veneração<br />

era com o pai.<br />

Mamãe foi quem me formou nisso.<br />

Não estou analisando se eu correspondi<br />

ou não à graça dessa formação.<br />

Mas por esse modo caseiro,<br />

não deu uma filosofia. Ela não falava<br />

do pecado original, nem nada disso,<br />

mas contava esse caso e ficava entendido.<br />

Uma pessoa que de um “fatinho”<br />

como esse tira essa conclusão, vê<br />

muito mais do que o comum das senhoras<br />

vê a respeito disso e manifesta<br />

aí, para este efeito, uma lucidez de<br />

vista, uma penetração, um discernimento<br />

— não ouso falar de discernimento<br />

dos espíritos —, mas um<br />

discernimento das psicologias, das<br />

mentalidades muito grande. E que<br />

realmente é muito bonito.<br />

Se fosse necessário ela faria tudo<br />

de novo, mesmo sabendo que o resultado<br />

seria esse, mas aproveitando<br />

a experiência da última vez para<br />

arranjar jeitos de melhor servir. Não<br />

se arrependeria! Porque ela não fazia<br />

para receber retribuição, mas para<br />

ser boa. No fundo está Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, o Sagrado Coração<br />

de Jesus.<br />

Aquela frase d’Ele a Santa Margarida<br />

Maria corresponde bem a isso:<br />

“Eis aqui o Coração que tanto amou<br />

os homens e por eles foi tão pouco<br />

amado.” Toda a atitude de Nosso Senhor<br />

durante a Paixão foi isso. Aliás,<br />

é um dos traços pelos quais se dobram<br />

os joelhos diante d’Ele, não é?<br />

Porque levou esta perfeição moral<br />

a um grau inimaginável. Por exemplo,<br />

Longinus, que furou com a lança<br />

o lado d’Ele e saiu uma água que<br />

curou esse soldado de uma espécie<br />

de semicegueira. Quer dizer, isso é<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo a conta<br />

inteira.<br />

Assim, haveria outros casos dela<br />

a contar, muitas coisas desse gênero!<br />

Mas muitas que ela sabia arranjar,<br />

mexer, acalmar; muitas, muitas,<br />

muitas!<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

9/8/1986)<br />

Francisco Lecaros<br />

9


Reflexões teológicas<br />

Francisco Lecaros<br />

Jesus Cristo Rei,<br />

Profeta e Sacerdote<br />

Seria uma belíssima leitura do Evangelho considerar, nas<br />

várias atitudes do Divino Salvador, se Ele está agindo como Rei,<br />

Profeta ou Sacerdote. Maria Santíssima tem, como ninguém,<br />

uma correlação com cada um desses títulos. Também os<br />

acontecimentos da História, o mundo angélico e mesmo o<br />

mundo visível poderiam ser analisados sob esse prisma.<br />

A<br />

respeito da trilogia “Rei,<br />

Sacerdote e Profeta” aplicada<br />

a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo eu gostaria de expor algumas<br />

considerações, começando por tratar<br />

da ordenação interna desses três<br />

títulos, isto é, sobre como eles se relacionam.<br />

Rei da História<br />

A qual deles pertence o primado:<br />

é Ele como Rei, como Sacerdote ou<br />

como Profeta?<br />

Tenho a impressão de que, na ordem<br />

lógica, o primado fundamental<br />

é d’Ele como Rei; e o primado na ordem<br />

final é como Sacerdote. O Profeta<br />

quase faz uma ponte entre os<br />

outros dois.<br />

Ele é o Rei da História no seguinte<br />

sentido: Deus teve as suas intenções<br />

com a História, que são as do Homem-Deus.<br />

E suas intenções foram<br />

um plano que Ele concebeu, o qual<br />

a humanidade segue ou não, cumpre<br />

ou não cumpre. Esse plano é, prevalentemente,<br />

relacionado com a atitude<br />

do homem perante Deus, com a<br />

atitude religiosa do homem, no sentido<br />

mais lato da palavra.<br />

Em segundo lugar, é um plano da<br />

ordenação das coisas como corolário,<br />

como o homem deve ordenar, desde<br />

que ame Deus. De maneira tal que a<br />

ordenação dos homens traz uma ordenação<br />

dos acontecimentos, e uma ordenação<br />

destes acarreta uma ordenação<br />

das coisas materiais. Então as civilizações,<br />

as culturas, as obras de arte,<br />

os arranjos no mundo etc., também<br />

correspondem ao plano de Deus.<br />

10


Nosso Senhor intenciona fazer isso,<br />

mas dá liberdade ao homem de<br />

realizar uma coisa ou outra; entretanto,<br />

o plano d’Ele, de um modo ou<br />

de outro, acaba se cumprindo no que<br />

tem de essencial, e por uma imposição<br />

d’Ele. Porque Nosso Senhor, como<br />

Rei, faz realizar-se a glória que<br />

Ele queria. Ele manda e, portanto, é<br />

um Rei que governa de fato os acontecimentos,<br />

por mais que estes pareçam<br />

desgovernados.<br />

Um exemplo característico seria<br />

com a vida de Jesus. Dir-<br />

-se-ia que havia um plano<br />

que era de Ele vir à Terra e<br />

converter o gênero humano.<br />

E entrou um plano B<br />

em que — não é verdade,<br />

mas dir-se-ia — houve a<br />

morte e Ele resgatou o gênero<br />

humano. De fato, Ele<br />

resgatou e cumpriu mais a<br />

fundo o plano de levar a<br />

humanidade até o Céu. E<br />

Nosso Senhor é Rei fundamentalmente<br />

por essa<br />

condução forte dos acontecimentos.<br />

Ele tem o plano,<br />

o direito e o poder de<br />

mandar. Jesus Cristo tem<br />

o mando efetivo. E com<br />

esses ou aqueles desvios,<br />

as coisas se realizam como<br />

Ele quer.<br />

A própria liberdade que<br />

o homem possui e, portanto,<br />

pode usá-la contra Ele,<br />

é dada por Nosso Senhor.<br />

Porque, se Ele quisesse,<br />

não criava o homem. Ele<br />

quis e, no fundo, é a bondade<br />

d’Ele que está sendo<br />

feita. Ele é o Rei.<br />

Rei-Profeta que<br />

sabe tudo quanto<br />

irá acontecer<br />

No elemento terminal<br />

da trilogia, Jesus é Sacerdote<br />

no sentido de que<br />

Matheus Rambo<br />

aquilo que Ele fez e ordenou, Ele<br />

oferece ao Padre Eterno.<br />

Nosso Senhor é Profeta na acepção<br />

de que Ele, como Rei, sabe o<br />

que vai acontecer. Não é como os<br />

reis da Terra que conjecturam, mas<br />

pode não acontecer o que queriam,<br />

e suceder o que não previram. Mas<br />

Ele sabe tudo quanto vai acontecer e<br />

anuncia. E depois Ele leva à condução<br />

o que Ele disse.<br />

O dom profético em Nosso Senhor<br />

é o conhecimento que Ele tem<br />

Jesus apresentado ao povo por Pilatos:<br />

Ecce Homo (acervo particular)<br />

da própria vontade e do poder; de como<br />

e em que medida os fatos, dentro<br />

dos planos d’Ele, se ajustarão de maneira<br />

a realizar os seus desígnios. E<br />

enquanto revelador, porque o profeta<br />

revela. Assim eu concebo a trilogia.<br />

Impostação das almas<br />

face a Nosso Senhor<br />

Por comodidade de expressão eu<br />

disse Rei, Sacerdote, Profeta. Mas<br />

cada um desses títulos poderia ser<br />

tomado por outra ordem<br />

na qual um dos elementos<br />

da trilogia teria a dianteira<br />

sobre os outros.<br />

Poder-se-ia dizer, por<br />

exemplo, que Ele, como<br />

Profeta, é o Profeta-Rei:<br />

Ele previu, Ele fará, Ele<br />

oferecerá. Por qualquer<br />

das pontas pode-se ver o<br />

triedro todo.<br />

Caráter<br />

fundamentalmente<br />

moral do plano<br />

de Deus<br />

E o que faz dentro disso<br />

o plano moral?<br />

Não que o plano moral<br />

esteja numa posição secundária<br />

à vista disso, mas<br />

é uma outra coisa. Ele tem<br />

uma amplitude, um senso<br />

lato e até latíssimo que ultrapassa<br />

a mera interpretação<br />

mais estrita do exame<br />

de consciência individual,<br />

mesmo quando transposto<br />

para a clave dos povos,<br />

se esta equivale apenas<br />

a uma soma de mortificações<br />

que os homens têm<br />

que oferecer para alcançar<br />

a vida eterna.<br />

A realidade moral a<br />

que me refiro é a impostação<br />

total da alma humana,<br />

11


Reflexões teológicas<br />

atingindo, portanto, a disposição<br />

da vontade, da inteligência<br />

e da sensibilidade, o<br />

cumprimento do Primeiro<br />

Mandamento em toda<br />

a sua amplitude pelo<br />

homem. Mas numa<br />

amplitude tal que<br />

não fica apenas<br />

o preceito a ser<br />

cumprido, mas um<br />

voo da alma para<br />

Deus, que se realiza,<br />

por assim dizer,<br />

independente do preceito,<br />

por uma propriedade da<br />

alma que vai para o Criador.<br />

Fundamentalmente, é a<br />

impostação das almas em face<br />

d’Ele, não só para que todas vão<br />

para o Céu e sejam felizes, mas é para<br />

que possam ordenar para a glória<br />

de Deus esta Terra, teatro de batalha<br />

esplendoroso da glória d’Ele.<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo amará<br />

a Terra mesmo depois de destruída<br />

pelo incêndio, por ocasião do Juízo,<br />

como um general preza um campo<br />

de batalha no qual ganhou um grande<br />

embate. Se depois houve um homem<br />

que ateou fogo e liquidou com<br />

as gramas do campo de batalha; para<br />

o general isso é uma coisa muito<br />

secundária. O importante é que ele<br />

venceu a batalha naquele campo.<br />

Assim também a Terra. Os homens<br />

bons, os justos tornaram-na<br />

sagrada pela batalha que venceram<br />

com Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

É nessa amplitude que se pode<br />

falar do caráter fundamentalmente<br />

moral desse plano.<br />

Gustavo Kralj<br />

Um só todo na ordem moral<br />

Ao estudar certas correntes teológicas,<br />

vi que faziam uma distinção<br />

entre o plano moral e o ontológico.<br />

Entretanto, não me parecia adequado<br />

distinguir o plano moral do ontológico<br />

daquela maneira, porque a<br />

raiz da Moral está na Ontologia. A<br />

boa Ontologia das coisas é o funda-<br />

O Divino Mestre - Igreja de<br />

São João e São Paulo,<br />

Veneza, Itália<br />

mento, o ponto de partida da Moral,<br />

pois a ordem das coisas está na natureza<br />

das mesmas coisas, é um imperativo<br />

desta natureza.<br />

...devemos<br />

pensar em Nosso<br />

Senhor Jesus<br />

Cristo Sacerdote:<br />

oferecendo esse<br />

imenso bonum,<br />

verum, pulchrum<br />

que o precioso<br />

Sangue d’Ele<br />

tornou possível.<br />

Na época, eu li aquilo, percebi<br />

que estava errado e não sabia refutar.<br />

Com o curso dos anos, fui refletindo<br />

e conseguindo explicitar.<br />

Ademais, a ordem moral latu<br />

sensu é intimamente vinculada<br />

à ordem moral em seu<br />

sentido estrito. Elas se<br />

condicionam mutuamente.<br />

De maneira<br />

que não pode haver<br />

uma ordem moral<br />

sem verdadeiro<br />

pulchrum, sem um<br />

autêntico verum; e<br />

não pode haver um<br />

autêntico verum sem<br />

pulchrum; os três elementos<br />

do triângulo por<br />

sua vez se revertem uns nos<br />

outros e constituem um só<br />

todo no qual, entretanto,<br />

podem-se fazer distinções.<br />

Então, um mundo pulcro, acontecimentos<br />

pulcros, almas pulcras,<br />

uma História pulcra, tudo isso faz<br />

parte desse conjunto moral ao qual<br />

me refiro.<br />

É assim também que devemos<br />

pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

Sacerdote: oferecendo esse imenso<br />

bonum, verum, pulchrum que o<br />

precioso Sangue d’Ele tornou possível.<br />

Enquanto Rei, Ele tinha o plano de<br />

fazer com que a História apresentasse<br />

um verum, bonum, pulchrum resplandecente,<br />

e que a Terra fosse mais bela,<br />

depois de ter vencido a prova e as<br />

tentações do demônio, do que seria se<br />

ao demônio não fosse dada a oportunidade<br />

de tentar.<br />

Pensemos nas naus de Vasco da<br />

Gama procurando atravessar o cabo<br />

da Boa Esperança. Aquilo tem um<br />

pulchrum em si que é o pulchrum da<br />

tormenta e o do homem procurando<br />

enfrentá-la. Tem uma beleza própria<br />

da luta do homem contra os elementos.<br />

Maior ainda é a beleza da luta do<br />

homem contra o homem. E uma batalha<br />

— que é a luta de muitos contra<br />

muitos — tem uma beleza muito<br />

maior do que a luta de um contra<br />

outro.<br />

12


Reflexos da trilogia<br />

no mundo angélico<br />

Reportando ao mundo angélico,<br />

eu seria propenso a achar que os elementos<br />

dessas três manifestações de<br />

glória de Nosso Senhor — Rei, Sacerdote<br />

e Profeta — se encontram<br />

refletidos na ordem angélica, de maneira<br />

que há Anjos chamados, por<br />

sua natureza, a glorificá-Lo mais enquanto<br />

Rei, Anjos mais glorificativos<br />

do Sacerdote, e outros mais glorificativos<br />

do Profeta.<br />

Em torno dessa hipótese — que<br />

submeto inteiramente ao ensinamento<br />

da Igreja — haveria temas<br />

muito “suculentos” a abordar como,<br />

por exemplo: Qual é o coro<br />

mais alto?<br />

Absolutamente falando, o que é<br />

mais elevado: a realeza ou o sacerdócio?<br />

Ou será, em algum sentido,<br />

o profetismo? Uma vez que o profeta,<br />

enquanto recebendo uma comunicação<br />

de Deus, introduz nesta ordem<br />

algo superior a ela, não é mais<br />

do que o rei e do que o sacerdote?<br />

Seria muito bonito, à luz dessas<br />

considerações, classificar os coros<br />

angélicos existentes, e imaginá-los<br />

constituídos assim, reluzindo e cantando<br />

a Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

como Rei, como Profeta e como Sacerdote<br />

de maneiras diferentes.<br />

Reluzimentos no<br />

mundo visível<br />

Sergio Hollmann<br />

A consideração<br />

de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo como<br />

Guerreiro cabe<br />

evidentemente no<br />

rei. Cristo gladífero<br />

seria Ele enquanto<br />

Rei, que avança de<br />

gládio em punho<br />

para mandar, etc.<br />

Nasceria daí uma<br />

pergunta que me<br />

encanta, mas para<br />

a qual não tenho<br />

senão vislumbres<br />

de resposta:<br />

Poder-se-ia num<br />

mundo sensível, visível,<br />

como também<br />

no mundo das almas,<br />

imaginar almas mais voltadas<br />

a contemplar a Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo como Rei, outras como<br />

Sacerdote e outras como Profeta?<br />

A consideração de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo como Guerreiro cabe<br />

evidentemente no rei. O generalato,<br />

a condição de guerreiro é própria<br />

ao rei. O rei, quando não é obedecido<br />

ou se lhe transgride a vontade<br />

em qualquer coisa, é o que luta,<br />

Cristo Gladífero<br />

Catedral de Amiens,<br />

França<br />

faz a guerra para impor a sua vontade.<br />

É conforme a ordem e o direito.<br />

De maneira que é essencial à função<br />

de rei. Cristo gladífero seria Ele<br />

enquanto Rei, que avança de gládio<br />

em punho para mandar, etc.<br />

Então nesta Terra nós não poderíamos<br />

considerar vislumbres disso,<br />

por exemplo, no pai de família?<br />

Ele não tem um pouco do sacerdote,<br />

do rei e do profeta? Reluzimentos<br />

ele possui.<br />

É conhecido o aforismo: “O pai<br />

é rei de seus filhos, o rei é pai dos<br />

pais.” Realmente, a presença do pai<br />

só é plena na casa quando ele é majestoso,<br />

o atrativo e a movimentação<br />

da residência. Ele enche a casa com<br />

o movimento forte e o pulsar de sua<br />

alma.<br />

De outro lado, o pai tem qualquer<br />

coisa de sacerdotal. A missão sacerdotal<br />

foi toda absorvida pelo sacerdócio<br />

sobrenatural e pertence a uma<br />

classe instituída por Nosso Senhor.<br />

Mas não deixa de ser verdade que o<br />

pai de família conserva residualmente<br />

uma representação da família junto<br />

a Deus. E por causa disso é ele<br />

que consagra a família ao Sagrado<br />

Coração de Jesus, não é necessariamente<br />

o sacerdote; ele pode rezar,<br />

dar bênção, tem certas funções de<br />

intermediário natural junto a Deus,<br />

que não desapareceram.<br />

Certa ocasião, um bispo me disse<br />

que a oração do pai e da mãe,<br />

Deus atende muito mais<br />

especialmente do que<br />

qualquer outra prece.<br />

Porque aquele<br />

é o pai, aquela é a<br />

mãe; embora uma<br />

pessoa possa rezar<br />

por um determinado<br />

filho de outrem<br />

com mais fervor,<br />

com mais virtude,<br />

se é o pai que está pedindo,<br />

Deus toma em consideração<br />

especial a oração do pai.<br />

Não quer dizer que Ele leve mais em<br />

13


Reflexões teológicas<br />

Francisco Lecaros<br />

Jesus expulsa os vendilhões do Templo - Catedral de Astorga, Espanha<br />

conta a oração do pai do que a de um<br />

Santo, mas que é um título especial<br />

próprio para ser atendido. De maneira<br />

que um mau pai que faça uma boa<br />

oração a favor de seu filho tem condições<br />

especiais de ser atendido. A fortiori<br />

se for bom pai. Há uma qualquer<br />

coisa de sacerdotal nisso, e a família<br />

vive suas horas augustas desse modo.<br />

Profeta. Não se pode negar que<br />

muito difusamente se encontra daqui,<br />

de lá e de acolá, além da função<br />

de guia, própria ao profetismo,<br />

uma certa capacidade de precognição<br />

do futuro em determinados pais<br />

e mães: “Olha, cuidado, vai acontecer<br />

assim...” Ou então quando dizem:<br />

“Bom filho, tu vais ser abençoado,<br />

Deus vai te dar tais graças...”; e,<br />

de um modo ou outro, Deus concede.<br />

É um complemento harmonioso<br />

da autoridade paterna.<br />

Nós não teremos uma obrigação<br />

de desenvolver esse tríplice aspecto<br />

de nossa personalidade? E no Reino<br />

de Maria esses três lados não vão reluzir<br />

muito mais nos homens, embora<br />

nas proporções da vocação de cada<br />

um? Eu acredito que sim.<br />

Por exemplo, Santo Inácio de<br />

Loyola era um verdadeiro rei, sacer-<br />

dote e profeta para os seus filhos espirituais.<br />

Distinguindo esta trilogia<br />

nos acontecimentos<br />

da História<br />

Poder-se-ia fazer uma História<br />

que procurasse distinguir os aspectos<br />

“régios”, “proféticos” e “sacerdotais”<br />

presentes em todo exercício<br />

de poder de alguém e na história<br />

de alguém ao longo da vida. Assim,<br />

todos os acontecimentos históricos<br />

dariam glória a Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo enquanto Rei, Profeta e<br />

Sacerdote, na medida em que, nesses<br />

acontecimentos, esses aspectos<br />

fossem mais salientes.<br />

Então, por exemplo, a batalha de<br />

Lepanto não é uma glorificação da<br />

realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

no que ela tem de mais quintessenciado,<br />

que é a realeza de Nossa<br />

Senhora? A meu ver, pode-se e deve-se<br />

achar isso.<br />

Considerados sob este prisma, os<br />

acontecimentos da História, à medida<br />

que se desenrolassem, glorificariam<br />

a Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

à Santíssima Trindade por meio de<br />

Nossa Senhora, pois todas as graças<br />

e favores espargidos ao longo da História<br />

por Deus vieram porque Ela pediu.<br />

Compreende-se assim a onipotência<br />

suplicante d’Ela, conseguindo<br />

que a roda da História se movesse no<br />

sentido da glória de Deus.<br />

Tudo isso ponderado, no Juízo Final<br />

reluziriam sucessivamente essas<br />

três luzes com aclamações e esplendores<br />

em que, nunca deixando<br />

de brilhar, cintilassem ora mais,<br />

ora menos, considerando a História<br />

do conjunto da humanidade. Então,<br />

diante de tal acontecimento preponderantemente<br />

régio, sacerdotal ou<br />

profético, ora as almas régias, ora as<br />

sacerdotais, ora as proféticas clamariam<br />

de um modo especial e dariam<br />

à Santíssima Trindade, ao Verbo Encarnado,<br />

a Nossa Senhora uma glória<br />

especial àquele título.<br />

A instituição da<br />

Igreja foi um ato de<br />

realeza do Redentor<br />

Maria Santíssima teria, como<br />

ninguém, uma correlação com<br />

cada um desses três títulos, na<br />

devida proporção e de modo<br />

uniforme. Ela é Regina Prophetarum<br />

e a Co-Redentora do gênero<br />

humano.<br />

Rei, Sacerdote e<br />

Profeta no Evangelho<br />

Constituiria uma belíssima leitura<br />

do Evangelho considerar, nas várias<br />

atitudes de Nosso Senhor, se Ele está<br />

agindo como Rei, como Profeta ou<br />

como Sacerdote. E, tomando a figura<br />

do Santo Sudário, imaginá-la animada,<br />

falando e exprimindo-se conforme<br />

as diversas cenas evangélicas.<br />

Vemos, então, que o conceito de<br />

realeza, sendo a d’Ele, toma uma<br />

amplitude diversa da que nossa inteligência<br />

humana seria levada a conceber.<br />

Desde logo os limites se rasgam.<br />

Por exemplo, o poder que Ele<br />

14


tinha de fazer milagres, creio que<br />

Ele o exercia como Rei: mandar<br />

aplacar a tempestade, expulsar os<br />

vendilhões do Templo são caracteristicamente<br />

atos de realeza.<br />

Também quando Ele instituiu a<br />

Igreja foi um ato de realeza. Porque<br />

é próprio ao rei fazer uma instituição.<br />

De algum modo a realeza antecede<br />

ao reino, o rei funda o reino. Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, fundando a Igreja,<br />

num sentido mais especial, funda<br />

o Reino d’Ele. Então: “Tu és Pedro e<br />

sobre esta pedra… Eu te darei as chaves<br />

do Reino do Céu...” (cf. Mt 16, 18-<br />

19), tem uma majestade!<br />

Coroado de espinhos, Ele era Rei.<br />

O Rei que reina do fundo do infortúnio.<br />

Entretanto, notem que coisa bonita:<br />

durante toda a Paixão, Ele fez,<br />

ao mesmo tempo, o papel de Rei, de<br />

Sacerdote e de Profeta. Porque Nosso<br />

Senhor profetizou durante toda a<br />

Paixão a vitória d’Ele.<br />

A divina altivez, uma das notas da<br />

presença d’Ele durante toda a Paixão,<br />

é a profecia da vitória. Ele, como<br />

Rei, coroado de espinhos, entretanto<br />

sabia muito bem que haveria<br />

um momento em que o portador<br />

da mais alta coroa da Terra, em certo<br />

sentido, a da França, faria uma capela<br />

para conter um espinho da Coroa<br />

d’Ele. Apesar daqueles verdugos estarem<br />

caçoando, havia n’Ele a segurança<br />

do Profeta.<br />

Quando Ele disse “Destruí este<br />

templo e Eu o reconstruirei em três<br />

dias” (Jo 2, 19), falava de Si mesmo<br />

como templo, e que ressuscitaria ao<br />

cabo de três dias. Entra aí o Sacerdote,<br />

em termos magníficos, falando de<br />

Si mesmo como se fosse um templo:<br />

Pontífice e Vítima. Porque Ele como<br />

Vítima é Ele como Sacerdote. Quer<br />

dizer, as coisas se entrecruzaram.<br />

Nosso Senhor, com uma vara na<br />

mão, o cetro de irrisão da realeza, e<br />

a túnica de bobo, sabendo, entretanto,<br />

que todos os doutores iriam analisar<br />

ponto por ponto o que Ele tinha<br />

dito e encontrariam abismos de<br />

sabedoria onde aqueles boçais estavam<br />

fazendo o que estavam fazendo.<br />

É um profetismo de sabedoria.<br />

Nenhum rei ousaria empunhar essa<br />

cana! Vou dizer mais: nenhum Papa<br />

ousaria empunhá-la. No máximo<br />

consideraria uma glória imensa possuir<br />

um fragmentozinho dessa cana.<br />

No total, Ele é que foi Rei! E sabia<br />

que aquilo proclamava a grandeza<br />

d’Ele. Quer dizer, era Profeta, um<br />

Rei que profetizava, e que Se oferecia<br />

com Vítima. Ele era, pois, na Paixão,<br />

o Rei, o Profeta e o Sacerdote.<br />

É uma verdadeira beleza! <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

26/11/1982)<br />

Jesus é condenado<br />

à morte - Museu<br />

da Semana Santa,<br />

Zamora, Espanha<br />

Paulo Mikio<br />

Francisco Lecaros<br />

15


Hagiografia<br />

Rami Tarawneh (CC3.0)<br />

Moldura para<br />

a figura de<br />

São Willehade<br />

Os saxões eram pagãos muito agressivos e frequentemente<br />

invadiam as terras dos francos, cometendo crimes e<br />

pilhagens. Carlos Magno, numa cruzada em defesa<br />

da Religião Católica, atacou-os e derrotou-os. Eles se<br />

revoltaram, mas novamente o Imperador venceu-os e lhes<br />

impôs um tributo em benefício da Santa Igreja.<br />

São Willehade, bispo e confessor.<br />

Foi o primeiro Bispo de Bremen,<br />

diocese criada pelo Imperador<br />

Carlos Magno, após suas conquistas.<br />

No ano de 788, 21º do seu reinado,<br />

Carlos Magno deu àquela igreja um<br />

diploma lavrado nos seguintes termos:<br />

“Em nome de Nosso Senhor e Salvador<br />

Jesus Cristo, Carlos, por vontade<br />

da Providência Divina, Rei. Sob o auxílio<br />

do Deus dos exércitos, conseguimos<br />

uma vitória nas guerras. É só n’Ele que<br />

nos gloriamos. E é d’Ele que nós esperamos<br />

neste mundo a paz e a prosperidade,<br />

e no outro a recompensa eterna.<br />

Salvem-se, pois, todos os fiéis de<br />

Cristo, e os saxões rebeldes aos nossos<br />

ancestrais, pela obstinação da perfídia<br />

e por um tão longo tempo rebeldes<br />

a Deus e a nós, até que os tivésse-<br />

mos vencido pela Cruz do Senhor, não<br />

pela nossa. Por sua misericórdia, nós<br />

recebemos a graça do batismo, e os levamos<br />

à antiga liberdade, desobrigando-os<br />

de todos os antigos tributos que<br />

nos devem. Pelo amor d’Aquele que<br />

nos deu a vitória, de tributários os declaramos<br />

devotamente súditos.<br />

Como se recusaram a tal presente e<br />

o jugo de nosso poder, agora que foram<br />

vencidos pelas armas e pela Fé, ficam<br />

obrigados a pagar a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo e seus sacerdotes o dízimo de todos<br />

os seus animais, frutos e culturas.” 1<br />

Zelo do poder civil para<br />

com o poder eclesiástico<br />

A ficha não se presta propriamente<br />

a um comentário a respeito<br />

de São Willehade, bispo e confessor,<br />

porque a propósito dele diz que foi<br />

Bispo de Bremen, e a respeito dessa<br />

cidade transcreve o decreto de criação<br />

da Diocese de Bremen, no ano<br />

de 788, por Carlos Magno.<br />

De maneira que, inevitavelmente,<br />

o comentário tem que ser sobre<br />

o decreto. Parece uma coisa extravagante<br />

fazer a respeito de um documento<br />

legal uma conferência que deveria<br />

versar sobre a vida de um Santo.<br />

Quem lesse os decretos promulgados<br />

hoje não encontraria tema para<br />

tal conferência. Por exemplo, um<br />

decreto sobre o trânsito ou, como no<br />

presente caso, a respeito de questões<br />

fiscais — porque Carlos Magno está<br />

lançando um imposto —: que matérias<br />

de vida espiritual podem caber?<br />

16


É interessante analisarmos este<br />

decreto para compreendermos a<br />

modificação completa do ambiente<br />

que vai da civilização cristã para a<br />

de nossos dias: o Imperador especifica<br />

o modo pelo qual esse tributo precisa<br />

ser pago, e torna obrigatório o<br />

cumprimento desse dever para com<br />

a Igreja.<br />

Vejam que relações íntimas entre<br />

o poder eclesiástico e o poder civil<br />

havia naquele tempo, o cuidado do<br />

poder civil pelo poder eclesiástico. E<br />

com que abundância estava provida<br />

a manutenção do clero e do culto na<br />

Catedral de Bremen, para a glória<br />

de Deus antes de tudo e, secundariamente,<br />

para a cristianização desses<br />

povos ainda semipagãos.<br />

Um ato ilícito que<br />

produziu bons frutos<br />

Observem uma outra coisa interessante:<br />

como o Imperador descreve<br />

o seu papel enquanto cobrando<br />

esse imposto. Carlos Magno mostra<br />

que se trata de um povo que era pagão,<br />

o qual ele reduziu pelas armas,<br />

quer dizer, tem sobre esse povo o direito<br />

de conquista. E um direito de<br />

conquista legítimo porque os saxões,<br />

muito agressivos, continuamente invadiam<br />

as terras dos francos, de<br />

quem Carlos Magno era o rei, fazendo<br />

provocações, crimes e pilhagens<br />

nas fronteiras, e queriam impor a religião<br />

pagã.<br />

Então, Carlos Magno, numa cruzada<br />

em defesa da Religião Católica,<br />

invadiu as terras deles e derrotou-os.<br />

Passando um pouco dos limites, ele<br />

estabeleceu o princípio: ou crê ou<br />

morre; quem não é batizado deve ser<br />

morto. E, naturalmente, o número<br />

de batismos foi enorme.<br />

Também a quantidade de execuções<br />

capitais foi muito grande. Correu<br />

água batismal e correu sangue às<br />

torrentes nessa ocasião. E ele até foi<br />

censurado pelo Papa, porque não se<br />

pode colocar ninguém diante da alternativa:<br />

ou crê ou morre.<br />

Eu estou de acordo com o Papa e<br />

não com Carlos Magno. E não é numa<br />

atitude contestatária — longe<br />

de mim isto — que vou, entretanto,<br />

fazer a seguinte observação: é que<br />

muitos batizados forçados deram resultado<br />

certo; e depois eles e os seus<br />

filhos ficaram na Fé Católica e nela<br />

perseveraram até hoje, ou até pouco<br />

tempo atrás.<br />

Quer dizer, talvez não tenha sido<br />

inteiramente lícito, ou não foi lícito<br />

e por isso não foi bom. Afirmar<br />

que não tenha sido útil já é uma outra<br />

questão.<br />

Produziu lá seus frutos...<br />

Da barbárie para o píncaro<br />

da cultura e da civilização<br />

Depois o Imperador mostra como<br />

os saxões se revoltaram de novo. E<br />

Carlos Magno teve que exercer, outra<br />

vez, uma ação de conquista sobre<br />

esse povo. E, então, os saxões viviam<br />

pela misericórdia do Imperador.<br />

Conforme as leis da guerra, ele<br />

poderia ter exterminado os saxões,<br />

porque junto a eles não era possível<br />

viver, ou ter reduzido muitos ao cativeiro.<br />

Carlos Magno não fez nada disso.<br />

Ele instituiu, fixou suas fortalezas,<br />

intensificou a cristianização, mas co-<br />

Carlos Magno recebe a submissão<br />

de um rei vencido - Palácio<br />

de Versailles, França<br />

heiligenlexikon.de (CC3.0)<br />

17


Hagiografia<br />

Rami Tarawneh (CC3.0)<br />

Jürgen Howaldt (CC3.0)<br />

Aspectos da cidade de<br />

Bremen, Alemanha<br />

brou um imposto particularmente<br />

grande, porque os saxões eram rebeldes<br />

vencidos. E o rebelde vencido<br />

é obrigado a um imposto maior.<br />

Vemos, assim, como ele sabia, nas<br />

suas apreciações, temperar a justiça<br />

com a misericórdia. Ele mostrou ser<br />

misericordioso com esse povo em várias<br />

circunstâncias, mas chegando a<br />

ocasião da justiça ele tinha o direito<br />

de exigir o imposto.<br />

Eu falei em extermínio. É claro<br />

que Carlos Magno não podia exterminar<br />

o povo inteiro, mas sim ordenar<br />

a matança de um certo número<br />

deles que fossem presos com armas<br />

nas mãos, para intimidar e nunca<br />

mais haver a possibilidade de atacarem.<br />

Vê-se que ele foi benigno, não<br />

levou as coisas tão longe; pelo contrário,<br />

soube amenizá-las de maneira<br />

que, dotando a catedral e o clero tão<br />

bem, obrigava o povo a pagar um imposto,<br />

do qual a principal vantagem<br />

era para Deus.<br />

Deus não precisa de nada, mas, enfim,<br />

era para o culto divino. E o povo<br />

tinha o maior dos benefícios, porque,<br />

bem implantada a Religião numa situação<br />

de prestígio, apoiada pelo poder<br />

temporal, pelo Imperador, dotada<br />

de meios para influenciar, podia<br />

deitar fundo as suas raízes no meio<br />

daquela gente. E isto para eles era o<br />

melhor, pois saíam do estado de barbárie<br />

e podiam chegar, como de fato<br />

chegaram, ao píncaro da cultura e da<br />

civilização. É a Alemanha.<br />

Compreendemos, portanto, como<br />

Carlos Magno era sábio e benfazejo<br />

no que estava dispondo e estabelecendo.<br />

E isto está mais ou menos dito<br />

no decreto, embora este não desça<br />

tanto a fundo nas coisas.<br />

Carlos Magno, servidor<br />

da Santa Igreja<br />

É bonito notarmos como o Imperador<br />

atribui todas essas vitórias<br />

a Deus. Ele diz: nós vencemos pelo<br />

auxílio divino. Como quem afirma:<br />

Eu sei que venci essas batalhas, mas<br />

não passei de instrumento de Deus;<br />

se não fosse a interferência d’Ele eu<br />

teria perdido essa guerra.<br />

Todas essas ideias a respeito da<br />

missão de Carlos Magno na História,<br />

do seu papel junto aos povos pagãos,<br />

como distribuidor da justiça e<br />

da misericórdia em nome de Deus,<br />

como braço direito da Igreja na ordem<br />

temporal, tudo isso cabe no título<br />

inicial, que é este: “Em nome de<br />

Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,<br />

Carlos, por vontade da Providência<br />

Divina, Rei.” Tem uma beleza extraordinária!<br />

Observem a incisão das palavras.<br />

Quer dizer, aqui estou eu, mas isso<br />

desce do alto. Tem-se a impressão<br />

que a indicação desse título é acompanhada<br />

de revoadas de Anjos, de<br />

sinos de catedrais que tocam, de esplendor<br />

e de luz no céu: Carlos, por<br />

vontade do Onipotente, Rei, porque<br />

a Providência Divina queria que ele<br />

fosse rei. O representante de Deus<br />

na Terra para as coisas temporais,<br />

e o servidor da Santa Igreja Católica<br />

em tudo quanto ela possa querer<br />

dentro da ordem temporal.<br />

Tudo quanto a palavra tem de sacral,<br />

toda a plenitude de seu poder brilha<br />

por causa do que vem antes: é a<br />

vontade de Deus, o desígnio da Providência<br />

dando o fundamento, o sentido<br />

e a tônica a esse poder. Então compreendemos<br />

a beleza desse decreto.<br />

A verdadeira vida<br />

é a santidade<br />

A esses comentários será inteiramente<br />

estranho São Willehade?<br />

Eu creio que de nenhum modo.<br />

Tudo isso está para São Willehade<br />

mais ou menos como o vaso para a<br />

flor. Tomem um vaso magnífico feito<br />

para conter uma flor. Enquanto nele<br />

não entra a flor, ele está numa certa<br />

orfandade. O vaso só se explica,<br />

18


Oppaxd (CC3.0)<br />

mostra a sua beleza inteira quando<br />

nele se põe uma flor ainda mais<br />

bela do que o vaso; a beleza<br />

da natureza, da obra direta de<br />

Deus, supera, de algum modo,<br />

a pulcritude que o homem<br />

fez para conter aquela<br />

obra-prima da natureza.<br />

E São Willehade é a<br />

flor desse vaso. Quer<br />

dizer, do que adiantaria<br />

a grande catedral, o<br />

sólio episcopal, o grande<br />

Imperador, se para<br />

um lugar como esse nunca<br />

fosse designado um<br />

verdadeiro Santo, se<br />

o perfume e a fermentação<br />

da santidade<br />

não se espalhassem<br />

por lá? Todas essas coisas<br />

são belas, são nobres,<br />

estão no desígnio da Providência na<br />

medida em que servem à influência<br />

da santidade e como instrumentos<br />

d’Ela. Mas a verdadeira vida de tudo<br />

isto é a santidade.<br />

De tal maneira que podemos imaginar,<br />

então, Bremen com sua catedral<br />

nova, as fileiras de saxões convertidos<br />

que vão, em dias determinados,<br />

entregar os seus dízimos para<br />

que o templo e o culto divino sejam<br />

mantidos convenientemente, os<br />

Lucio C. R. Alves<br />

cânticos, o povo. Mas nada é tão belo<br />

quanto conjecturar o sólio episcopal<br />

no qual está o Santo, representando<br />

Deus, com uma plenitude<br />

e uma densidade de representação<br />

muito maior ainda que a de Carlos<br />

Magno. O poder espiritual vale<br />

mais que o poder temporal, porque<br />

é mais densamente sacral. Willehade<br />

está representando Deus enquanto<br />

bispo e enquanto Santo.<br />

Compreendemos, então, quem<br />

ele era na sua catedral e na Cristandade<br />

nascente; naquele ambiente<br />

todo preparado pelo zelo de Carlos<br />

Magno, ele era a flor. Dele é que<br />

vinha o perfume, o encanto da vida,<br />

da vida sobrenatural, da graça. Assim,<br />

nós temos a moldura na qual<br />

podemos imaginar a figura de<br />

São Willehade.<br />

Imaginar como? Para<br />

nós, a figura do tipo ideal do<br />

bispo, de um Santo que é<br />

o tipo ideal do católico.<br />

Nós lhe podemos atribuir<br />

um físico segundo<br />

a nossa fantasia. Mas a<br />

alma sabemos em linhas<br />

gerais como é,<br />

porque os Santos são<br />

todos tão diferentes<br />

uns dos outros, mas tão<br />

parecidos uns com os outros.<br />

Ali se encontrava um<br />

Santo, está tudo dito. De<br />

maneira que o “Santo do<br />

Dia” começa assim: Carlos,<br />

por vontade de Deus e por<br />

desígnio da Providência, Rei.<br />

E termina: São Willehade, Bispo<br />

por vontade de Deus e desígnio<br />

da Providência, Santo. Inicia com um<br />

Rei e termina num Santo.<br />

Aí está a Idade Média no seu esplendor.<br />

<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

8/11/1971)<br />

1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />

desta ficha.<br />

19


Francisco Lecaros<br />

C<br />

alendário<br />

1. São Nuno Álvares Pereira<br />

(†1431). Condestável do Reino, vencedor<br />

de muitas batalhas, abandonou<br />

o mundo e ingressou na Ordem Carmelita,<br />

sob o nome de Nuno de Santa<br />

Maria.<br />

2. Comemoração de Todos os Fiéis<br />

Defuntos.<br />

Santo Ambrósio, abade (†c. 520).<br />

Por sua exemplar conduta, foi enviado<br />

como abade ao mosteiro de Saint-<br />

-Maurice-en-Valais, Suíça, onde estabeleceu<br />

a prática do louvor perpétuo.<br />

3. São Martinho de Porres, religioso<br />

(†1639).<br />

Beata Alpaídes, virgem (†1211).<br />

Sendo muito jovem foi cruelmente espancada<br />

e abandonada pelos seus familiares.<br />

Viveu reclusa numa pequena<br />

cela até à velhice, em Cudot, França.<br />

4. São Carlos Borromeu, bispo<br />

(†1584).<br />

São Félix de Valois (†séc. XIII).<br />

Príncipe da casa real francesa, renunciou<br />

ao mundo e auxiliou São João da<br />

Mata na fundação da Ordem da San-<br />

Santa Gertrudes<br />

dos Santos – ––––––<br />

tíssima Trindade para a Libertação<br />

dos Cativos.<br />

5. São Geraldo, bispo (†1123). Homem<br />

de admirável simplicidade, brilhou<br />

por sua profunda humildade como<br />

cônego regular de Santo Agostinho<br />

e mais ainda como Bispo de<br />

Béziers, França.<br />

6. Solenidade de Todos os Santos<br />

(no Brasil, transferida do dia 1º).<br />

Beata Cristina de Stommeln, virgem<br />

(†1312). Ingressou aos 12 anos<br />

no convento das beguinas de Colônia,<br />

Alemanha, e aos 15 recebeu os estigmas<br />

da Paixão.<br />

7. Santo Atenodoro, bispo (†séc.<br />

III). De nobre família pagã, converteu-se<br />

junto com seu irmão, São<br />

Gregório Taumaturgo. Foi Bispo de<br />

Nova Cesareia, na Capadócia.<br />

8. São Willehade, bispo (†789). Ver<br />

página XX.<br />

9. Dedicação da Basílica do Latrão.<br />

Beato Luís Morbioli (†1485). Filho<br />

de uma antiga família de Bolonha,<br />

Itália, aos 29 anos deixou o caminho<br />

dos vícios e levou vida de penitente.<br />

Com sua palavra e seu exemplo converteu<br />

muitos para a vida de piedade.<br />

10. São Leão Magno, Papa e Doutor<br />

da Igreja (†461).<br />

São Justo, bispo (†627). Enviado<br />

pelo Papa São Gregório Magno para<br />

ajudar Santo Agostinho na evangelização<br />

da Inglaterra, foi eleito Bispo<br />

de Rochester e depois de Cantuária.<br />

11. São Martinho de Tours, bispo<br />

(†397).<br />

Santa Marina de Omura, virgem<br />

e mártir (†1634). Terciária dominicana<br />

que foi encarcerada em Nagasaki,<br />

Japão, levada a uma casa pública para<br />

Francisco Lecaros<br />

escárnio da sua castidade, e finalmente<br />

queimada viva.<br />

12. São Josafá, bispo e mártir<br />

(†1623).<br />

Santo Emiliano, presbítero (†574).<br />

Depois de muitos anos de vida eremítica<br />

nas redondezas de Berceo, Espanha,<br />

abraçou a vida monástica, tornando-se<br />

exemplo de generosidade<br />

para com os pobres.<br />

Santo Edmundo<br />

13. XXXIII Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Homobono (†1197). Comerciante<br />

de Cremona, Itália, que se destacou<br />

pela sua caridade para com os<br />

pobres e as crianças abandonadas.<br />

14. Santos Nicolau Tavelic, Deodato<br />

Aribert, Estêvão de Cuneo e Pedro<br />

de Narbona, presbítero e mártir<br />

(†1391). Religiosos franciscanos queimados<br />

vivos pelos sarracenos em Jerusalém,<br />

por pregarem de público a Religião<br />

cristã.<br />

15. Santo Alberto Magno, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†1280).<br />

20


–––––––––––––– * Novembro * ––––<br />

Memmingen (CC3.0)<br />

Santo Odon<br />

São Rafael de São José, presbítero<br />

(†1907). Engenheiro militar, participou<br />

da insurreição lituano-polonesa<br />

contra a Rússia, sendo condenado<br />

a trabalhos forçados. Posto em liberdade,<br />

tornou-se carmelita.<br />

16. Santa Margarida da Escócia,<br />

rainha (†1093).<br />

Santa Gertrudes, virgem (†1302).<br />

Religiosa do convento cisterciense de<br />

Helfta, Alemanha, recebeu revelações<br />

a respeito do Sagrado Coração<br />

de Jesus.<br />

17. Santa Isabel da Hungria, religiosa<br />

(†1231).<br />

Beato Lopo Sebastião Hunot,<br />

presbítero (†1794). Por ser sacerdote,<br />

foi encerrado num barco-prisão ancorado<br />

em Rochefort, França, onde<br />

morreu consumido pelas febres.<br />

20. Solenidade de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, Rei do Universo. Ver página<br />

2.<br />

Santo Edmundo, mártir (†869).<br />

Rei dos anglos orientais, foi capturado<br />

por invasores pagãos e mereceu<br />

ser coroado com o martírio.<br />

21. Apresentação de Nossa Senhora.<br />

Santo Agápio, mártir (†306). Depois<br />

de ser submetido a diversos suplícios<br />

na cidade de Cesareia da Palestina,<br />

foi atirado ao mar com pedras<br />

atadas nos pés.<br />

22. Santa Cecília, virgem e mártir<br />

(†séc. inc.).<br />

São Benigno, bispo (†c. 470). Durante<br />

a grande perturbação causada<br />

pelas invasões em Milão, Itália, administrou<br />

sua diocese com grande zelo e<br />

piedade.<br />

23. São Clemente I, Papa e mártir<br />

(†séc. I).<br />

São Columbano, abade (†615).<br />

24. Santos André Dung-Lac, presbítero,<br />

e companheiros, mártires<br />

(†1625-1886).<br />

São Porciano, abade (†d. 532).<br />

Sendo jovem escravo, procurou refúgio<br />

num mosteiro da região de Auvergne,<br />

França, do qual chegou a ser<br />

abade.<br />

Francisco Lecaros<br />

27. I Domingo do Advento.<br />

Nossa Senhora das Graças ou da<br />

Medalha Milagrosa.<br />

São Gulstano, monge (†c. 1040).<br />

Ainda muito jovem, escapou das<br />

mãos dos piratas e foi acolhido por<br />

São Félix no mosteiro de Rhuys,<br />

França. Embora analfabeto, recitava<br />

de cor o Saltério e prestava assistência<br />

aos navegantes.<br />

28. São Tiago da Marca, presbítero<br />

(†1476). Religioso da Ordem dos Menores<br />

em Nápoles, Itália, brilhou pela<br />

sua pregação e austeridade de vida.<br />

29. Beatos Dionísio da Natividade,<br />

presbítero, e Redento da Cruz<br />

(†1638). Carmelitas descalços martirizados<br />

na ilha de Sumatra, Indonésia.<br />

30. Santo André, Apóstolo.<br />

São Tudual, abade e bispo (†séc.<br />

VI). Foi o primeiro Bispo de Tréguier,<br />

na Bretanha Menor, França. Construiu<br />

ali diversos mosteiros.<br />

18. Dedicação das Basílicas de São<br />

Pedro e São Paulo, Apóstolos.<br />

Santo Odon, abade (†942). Segundo<br />

abade de Cluny, reformou a observância<br />

monástica segundo a Regra de<br />

São Bento.<br />

19. Santos Roque González, Afonso<br />

Rodríguez e João del Castillo, presbíteros<br />

e mártires (†1628).<br />

Santa Matilde, virgem (†c. 1298).<br />

Mestra de Santa Gertrudes no Mosteiro<br />

de Helfta, Alemanha.<br />

25. Santa Catarina de Alexandria,<br />

virgem e mártir (†séc. inc.).<br />

São Márculo, bispo e mártir<br />

(†347). Segundo a tradição, foi despenhado<br />

de um rochedo, na Argélia, no<br />

tempo do imperador Constante.<br />

26. Beata Delfina (†1358-1360). Esposa<br />

de Santo Eleázar de Sabran, Conde<br />

de Ariano (no Reino de Nápoles),<br />

com o qual fez voto de guardar castidade.<br />

Depois da morte do seu esposo,<br />

viveu em pobreza e dedicada à oração.<br />

São Félix de Valois<br />

21


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

David Ayusso<br />

O amor ao maravilhoso<br />

por meio da admiração<br />

aos arquétipos<br />

Um dos melhores modos<br />

de preparar-se para a visão<br />

beatífica é, já nesta Terra,<br />

amar o maravilhoso por meio<br />

da admiração aos arquétipos.<br />

Que relação tem esse amor<br />

com a prática do primeiro<br />

Mandamento?<br />

Para saber o que é um arquétipo,<br />

é preciso saber o que é<br />

um tipo: a palavra arquétipo<br />

vem de “arqui”e “tipo”.<br />

Definindo o que é um<br />

tipo e um arquétipo<br />

Arquibancada é uma bancada por<br />

cima de outra. Tal coisa é arqui-conhecida,<br />

quer dizer, há uma porção<br />

de outras coisas que são conhecidas,<br />

esta é mais do que todas as outras;<br />

mais do que muitas outras.<br />

Então, cada conhecimento, vamos<br />

dizer, cada degrau de uma escada<br />

é análogo ao outro, mas o mais<br />

alto degrau da escada pode ser mais<br />

ornado, com um tapete que deita suas<br />

franjas. É o mais importante, porque<br />

é o fim da escada. Ele é, de algum<br />

modo, o “arquétipo” dos outros<br />

degraus.<br />

Na linguagem de nossa comissão<br />

de estudos chamamos de arquetipia<br />

o fato de que Deus pôs nas criaturas<br />

uma ordem, uma relação, pela<br />

qual umas são “tipo” das outras e a<br />

que está mais no alto é a arquetípica.<br />

Quer dizer, é o tipo dos tipos.<br />

Uma rosa, por exemplo: é bonita,<br />

agradável de ver. É possível que<br />

alguém goste de olhá-la, embora<br />

não a ache “tipo”. Mas se ela tem<br />

todas as formas de beleza próprias<br />

a essa flor, dizemos: “Rosa é isto!”<br />

Ou seja, é uma rosa que caracteriza,<br />

que resume em si, que apanha<br />

as qualidades de todas as rosas. É<br />

um tipo!<br />

Fulano é um brasileiro típico.<br />

O que quer dizer isto? Que se tra-<br />

22


Gustavo Kralj<br />

ta de um brasileiro que reúne em si<br />

as qualidades comuns da nação —<br />

qualidades e defeitos! —, mas de<br />

um modo especial aquilo por onde o<br />

brasileiro, nas suas qualidades e nos<br />

seus defeitos, é diferente das outras<br />

nações. Então olha-se para ele e diz-<br />

-se: “Aquele é típico”.<br />

Dentro do Brasil há tipos. Pode<br />

ser um gaúcho típico, um catarinense,<br />

um paranaense, um paulista, um<br />

carioca. Percorreríamos toda a lista<br />

dos Estados, cada um tem seu tipo.<br />

Quer dizer, ele tem os traços que<br />

todos têm, mas aquilo por onde, naquele<br />

Estado as pessoas são diferentes<br />

das outras, ele tem muito marcado.<br />

Então, ele é um tipo aquele Estado.<br />

O arquétipo é o tipo multiplicado<br />

pelo tipo.<br />

Outro exemplo: “Fulano é um siamês<br />

típico”. Quer dizer que ele tem<br />

tudo quanto é próprio a alguém que<br />

nasceu na Indochina onde havia o<br />

antigo Reino do Sião. Ou seja, ele<br />

tem tudo quanto é próprio a quem<br />

nasceu ali, mas tem de um modo característico<br />

que o diferencia dos outros.<br />

Quando esse “tudo” que ele reúne<br />

é “tudíssimo”, e o que o diferencia,<br />

diferencia muito, então ele é um<br />

arquétipo. Ele tem aquilo levado ao<br />

mais alto grau.<br />

Tipos e arquétipos<br />

na Criação<br />

Então, a tese é esta: Deus nosso<br />

Senhor criou as coisas de tal maneira<br />

que, por exemplo, toda espécie<br />

de pedras acaba tendo uma que é<br />

arquétipo das outras. Há pedras comuns,<br />

pedras “tipos” e pedras “arquétipos”.<br />

Podemos imaginar um rubi<br />

que um joalheiro pega com uma<br />

pinça. Perguntam a ele:<br />

— Que pedra é essa?<br />

Ele analisa, pensa um pouco e diz:<br />

— Será um berilo? Será uma turmalina<br />

vermelha? Será uma granada?<br />

Ele pensa mais um pouco e diz:<br />

— Isto aqui é um rubi!<br />

Se lhe dão uma outra pedra, ele<br />

olha um pouco e diz:<br />

— Isto é um rubi!<br />

Este é um “tipo”.<br />

O primeiro é um rubi meio apagado,<br />

meio que se confunde com outras<br />

coisas. O segundo, não. É um rubi típico!<br />

Mas se lhe mostram um rubi da<br />

coleção dos antigos xás da Pérsia, um<br />

rubi multiplicado pelo rubi, ele diz:<br />

— Oh, que rubi!!!<br />

Tomemos outra coisa: um esquilo.<br />

É um bichinho tão engraçadinho, e<br />

faz coisas que têm muito de engraçadinho.<br />

Stephen Nami<br />

Entendemos, e há certos fundamentos<br />

disso em São Tomás, que todos<br />

os esquilos que Deus criou desde<br />

o começo do mundo até ao fim do<br />

mundo, não são criados a esmo, mas<br />

formam uma coleção. De maneira<br />

que todo os modos de ser principais,<br />

possíveis no gênero esquilo acaba<br />

até o fim do mundo existindo. E formam<br />

uma coleção de esquilos que<br />

morrem. Mas Deus criou essa coleção<br />

de esquilos.<br />

Coleção de coleções<br />

Assim tudo está coleções no universo.<br />

Mais perfeitas, mais graduadas,<br />

menos graduadas, mas tudo forma<br />

coleções.<br />

Eu me lembro ter lido uma vez que<br />

num lugar do Polo Sul, por debaixo<br />

da neve — o Polo Norte é todo feito<br />

de água consolidada, já no Polo Sul<br />

há terra; terra é um modo de dizer,<br />

há corpos sólidos — há cardumes de<br />

camarões tão numerosos que através<br />

do gelo meio transparente se percebe<br />

o róseo passear. Não é bem o róseo, é<br />

a cor típica daquele camarão.<br />

23


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Éric F. S. Varela<br />

“La Virgen Blanca” - Catedral de Toledo, Espanha<br />

Todos os camarões desde o começo<br />

do mundo até o fim, todos os camarões,<br />

no fim, esgotam uma coleção.<br />

De maneira que quem os visse<br />

— se fosse possível ver todos os camarões<br />

que houve e haverá até o fim<br />

do mundo — compreenderia que é<br />

uma verdadeira beleza.<br />

Alguém poderá dizer:<br />

“Por que Deus faz isso? Se esses<br />

bichos desaparecem e Ele, no entanto,<br />

é eterno e tem em Si todas as perfeições,<br />

que lucro tem em ver esses<br />

bichinhos?<br />

Para dar uma resposta: basta que os<br />

Anjos vejam para se justificar. Os Anjos<br />

assistem a tudo isso. Eles estão colocados,<br />

de algum modo, fora do tempo.<br />

Para eles tudo é de algum modo simultâneo;<br />

de algum modo, eu estou<br />

simplificando. Então, eles têm essa<br />

noção, eles cantam glórias a Deus.<br />

Alguém dirá: “Mas quando acabar<br />

o mundo acabou isso também”.<br />

Não, porque na recordação deles<br />

fica. Fica na nossa admiração, porque<br />

nós não vemos como eles e não podemos<br />

imaginar como é. Então, é uma<br />

bonita coisa, por exemplo, olharmos<br />

para o esquilinho e perguntarmo-nos:<br />

“Quantas modalidades de esquilo<br />

houve e haverá até o fim do mundo?<br />

Em cada gênero, quantas espécies?<br />

Em cada espécie, quantas famílias?<br />

Em cada família, quantos indivíduos?<br />

Que riqueza da obra de Deus!<br />

Que maravilha há dentro disso!” Dá<br />

para uma meditação muito bonita.<br />

Seria interessante um dia, com<br />

calma, tomarmos alguns exemplos e<br />

analisar. Seria uma coisa muito adequada,<br />

muito boa!<br />

Imaginem todas as criaturas, já<br />

não apenas cada gênero formando<br />

uma coleção, mas todas as criaturas<br />

que há ou houve na Terra, formando<br />

uma coleção de coleções — notem<br />

que os Anjos veem isso assim! — podemos<br />

imaginar a variedade.<br />

Depois, em cada pináculo de uma<br />

coleção, um arquétipo, que é como o<br />

rei e o monarca daquela coleção! Várias<br />

modalidades de arquétipo, porque<br />

a natureza, vamos dizer, dos esquilos é<br />

tão rica que não basta ver um para dar<br />

uma ideia do “tipo” de esquilo. Oito,<br />

cinco, cinquenta, cinquenta mil arquétipos<br />

de esquilos. No fim pode-se imaginar<br />

o rei dos esquilos!<br />

Mensagens de Deus<br />

Isto que estou falando é acessível,<br />

é fácil de entender. E distrai o espírito.<br />

Por exemplo, não dá certo repouso<br />

tratar disso? Ora, a matéria é filosófica…<br />

Acredito que sendo apresentada<br />

a coisa de um modo humano,<br />

vivo e não apenas esquelético, as<br />

coisas da Filosofia podem atrair, e<br />

aqui está um exemplo concreto.<br />

Agora, por que que Deus criou tudo<br />

isso? É para os Anjos verem. Está<br />

bem. Só para isso? Haverá uma outra<br />

razão? Há. É que todas essas coisas<br />

exprimem de algum modo a perfeição<br />

infinita d’Ele. Cada ser que<br />

existe é como que uma mensagem de<br />

Deus que nos diz:<br />

“Meu filho, note, Eu também sou<br />

isto! O esplendor de todas as auroras,<br />

a majestade de todos os meios-<br />

-dias e a dignidade vitoriosa de todos<br />

os ocasos, tudo isto reflete-Me a<br />

Mim. E se Eu devesse ser conhecido<br />

apenas nesse filme fantasmagórico<br />

que representasse todas as auroras,<br />

todos os meios-dias e todos os ocasos<br />

de todos os lugares do mundo,<br />

em toda a História, ainda Eu, nem<br />

de longe, estava esgotado para tu teres<br />

uma ideia do que Eu sou. Mas<br />

enfim, aqui está uma coleção que<br />

pode dar uma ideia genérica, global<br />

do que sou Eu, debaixo desse ponto<br />

de vista.<br />

“Olhe agora para o esquilo! Na<br />

sua agilidade, naquilo em que ele faz<br />

sorrir, compreenda que há algo por<br />

onde Eu sou infinitamente aprazível,<br />

atraente, distensivo. Infinitamente…<br />

Sendo infinito, Eu tenho também<br />

em Mim a matriz infinita daquilo<br />

por onde o esquilo é engraçadi-<br />

24


nho. Poder-se-ia dizer: ‘Eu sou o mino,<br />

Eu sou a graça! Eu sou a majestade,<br />

Eu sou a bondade. Veja, meu<br />

filho, são mensagens que Eu dou!’”<br />

O mais alto cume<br />

Outro exemplo. Há uma imagem<br />

muito bonita — aliás, são duas imagens<br />

meio parecidas —; uma é a de<br />

Notre-Dame, está na fachada da Catedral<br />

de Notre-Dame de Paris, é<br />

Nossa Senhora com o Menino Jesus<br />

nos braços. Ela está complacente,<br />

muito materna com Ele que repousa<br />

posto nos braços d’Ela com intimidade!<br />

Mãe e o Filhinho criança. Ela<br />

é régia. O Menino Jesus, Homem-<br />

-Deus, não terá feito algumas coisas<br />

à maneira de criança e com graça de<br />

criança para Ela olhar?<br />

Outra imagem parecida é a de La<br />

Virgen Blanca.. São Luís, rei de França,<br />

primo-irmão do rei São Fernando<br />

de Espanha, mandou essa Virgen<br />

Blanca para a Catedral de Toledo,<br />

onde é conservada para veneração.<br />

É uma obra-prima. Ela tem<br />

uma expressão ligeiramente entretenida<br />

da reação infantil de Deus em<br />

face d’Ela! E Ela que é Filha do Padre<br />

Eterno, Mãe do Verbo Encarnado<br />

e Esposa do Espírito Santo, que<br />

conhece Deus como jamais criatura<br />

humana conheceu e que tem a ideia<br />

de todas as majestades, todas as<br />

grandezas de Deus como nenhuma<br />

criatura humana teve, Ela sabe que<br />

Deus, da excelsitude de suas perfeições,<br />

a está fazendo sorrir.<br />

Sente-se o envolvimento do carinho,<br />

da bondade e um incitamento à<br />

confiança na misericórdia; tudo isto<br />

dá mil ideias sobre Ele, que é o ápice<br />

de tudo. É a ponta, o mais alto cume<br />

de tudo.<br />

Coluna símbolo de<br />

certas almas<br />

Uma vez vi, numa ruína de um lugar<br />

de civilização greco-romana da<br />

Ásia Menor, no meio do cacareco,<br />

uma só coluna de pé! Havia acontecido<br />

tudo, mas aquela coluna tinha ficado<br />

de pé, sozinha! Eu senti um arrepio<br />

vendo-a. Era uma coluna de<br />

ordem coríntia, muito ornada, com as<br />

folhas de acanto. Pensei: “Por que razão<br />

eu estou tendo essa impressão?<br />

Por que chegou a me arrepiar? É porque<br />

essa coluna lembra certo tipo de<br />

resistências que o homem pode opor,<br />

quando tudo em torno dele cai, mas<br />

ele continua de pé”.<br />

Havia uma altiva família de príncipes,<br />

em Roma, que se chamava<br />

Colonna — Colonna quer dizer coluna<br />

— e o brasão deles era uma coluna<br />

com os dizeres: Mole sua stat —<br />

por seu próprio peso, por sua própria<br />

figura, está de pé.<br />

Aí eu percebi qual era a razão pela<br />

qual aquela coluna me tinha arrepiado.<br />

Começo por dizer que não me<br />

arrepio com arte grega nem romana,<br />

não tenho grande interesse. Tem coisas<br />

muito bonitas, mas não é para o<br />

meu gosto especial. Cada um é lá de<br />

um jeito. O meu é este!<br />

Aquela coluna me impressionou,<br />

não por ser de estilo grego, mas por<br />

estar de pé daquela maneira. Entendi<br />

que a coluna lembrava uma ordem<br />

de seres, uma categoria de seres<br />

muito superior a ela, que é o homem.<br />

O fato de lembrar o homem,<br />

de indicar que ele transcende a coluna<br />

por sua natureza — ele é muito<br />

mais! A coluna tem, em pedra ou em<br />

tijolo, o que o homem tem na alma.<br />

Firmeza de alma. Essa firmeza o homem-coluna<br />

tem!<br />

Por exemplo, Santo Atanásio chegou<br />

a ser muito perseguido porque<br />

combatia os arianos com muito vigor.<br />

No tempo do Império Romano do<br />

Ocidente e do Oriente, já cristianizado,<br />

católico, o mundo inteiro, de repente,<br />

ficou ariano e ele quase ficou<br />

sozinho na luta. Foi tão perseguido<br />

que em certo momento ele não teve<br />

outro remédio, para evitar ser morto,<br />

do que entrar na sepultura dos pais e<br />

morar ali, escondido. Mas ele lutou<br />

contra tudo e contra todos e o Concílio<br />

de Nicéia, com gáudio enorme,<br />

acabou definindo algo sobre a relação<br />

da natureza humana e da natureza<br />

divina em Jesus Cristo, de acordo<br />

com a verdadeira doutrina e contra<br />

o que Ario queria. Daí decorria que<br />

Nossa Senhora era Mãe de Deus.<br />

Santo Atanásio pode ser chamado<br />

a coluna da Igreja. Pobre coluna<br />

que eu vi de pé no meio das ruínas…<br />

Otto Bitschnau (CC3.0)<br />

Mais: Ele não é só o mais alto<br />

cume. É mais do que isso.<br />

Perseguição de Santo Atanásio<br />

25


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Um terremoto a derruba! Nada derrubou<br />

Santo Atanásio!<br />

Ele tinha a graça de Deus que o<br />

ajudou. Mas ele correspondeu! A<br />

muitos Deus oferece a graça e não<br />

correspondem. A ele não, Deus ofereceu<br />

e ele correspondeu largamente,<br />

generosamente! O nome dele ficou<br />

com uma espécie de glória de fogo<br />

na História da Igreja.<br />

Santo Atanásio transcende as colunas.<br />

Quer dizer, ele é de uma natureza<br />

superior. Aquilo que a coluna<br />

tem por analogia ele tem com muito<br />

mais propriedade, pois está na natureza<br />

humana.<br />

Deus é transcendente. O que tem<br />

o esquilo, o rubi, a coluna, Santo<br />

Atanásio, Deus é tão superior, mas<br />

tão superior que Ele transcende a<br />

isso. É de uma superioridade que é<br />

um abismo entre Ele e nós. Para lá<br />

desse abismo está a perfeição d’Ele.<br />

Pelo seguinte: podemos<br />

dizer que Santo Atanásio<br />

era fiel, era forte. Deus<br />

não é nem fiel nem forte,<br />

Ele é a Fidelidade, a Força.<br />

Todo mundo que é fiel<br />

o é por uma participação<br />

d’Ele. Ele é o Motor Imóvel.<br />

Tudo subsiste porque<br />

Ele sustenta. Por cima de<br />

tudo está Ele!<br />

Em busca do<br />

mais excelente<br />

Para compreendermos<br />

essa relação e para se ter<br />

uma certa noção da infinitude<br />

de Deus, consideremos<br />

que Ele criou uma<br />

coleção enorme de coleções,<br />

de tipos e de arquétipos.<br />

O homem não é o<br />

arquétipo da coluna; Santo<br />

Atanásio está para a coluna<br />

numa relação, não<br />

igual, mas um tanto parecida<br />

com a relação entre<br />

Deus e o homem. Deus,<br />

Gustavo Kralj<br />

não tem ninguém acima de Si, Ele é<br />

supremo, perfeito, infinito.<br />

Então o que acontece com a natureza<br />

humana? Quando ela é reta, instintivamente<br />

procura os arquétipos.<br />

Uma criança deitada no berço,<br />

que apenas sabe dizer “maaaaa”, se<br />

amarrarem num fio de linha uma bolinha<br />

de pingue-pongue, branca e comum,<br />

o seu instinto lhe diz que algo<br />

existe. E ela procurará desajeitadamente<br />

com os braços, pegar a coisa.<br />

Quando pega, ela tem o instinto<br />

de propriedade. Tenta-se tirar e ela<br />

não deixa… Mas há algo que não falha:<br />

há bolas bonitas que se põem<br />

em árvores de Natal. Eram bonitas,<br />

com cores reluzentes, dourado, verde,<br />

vermelho, azul, cores lindas! Se<br />

suspenderem ao mesmo tempo diante<br />

da criança a bolinha de Natal e a<br />

de pingue-pongue. Ela tem um movimento<br />

para o maravilhoso: ela vai<br />

para aquilo que tem mais luz! É uma<br />

coisa instintiva!<br />

Ponham para uma criança um instrumento<br />

de música que bata: pam!<br />

pam! pam! — um só som. A criança<br />

se habitua e não nota. Imaginem<br />

que se ponha um pouquinho de música.<br />

A criança, estando um pouco<br />

mais desenvolvida, presta mais atenção.<br />

Por quê?<br />

Porque a sua natureza é apetente<br />

de maravilhoso, no fundo apetente<br />

de Deus! Se de algum modo, nos<br />

seus sentidos, ela fosse tocada por<br />

Deus, ela inteira se voltaria para Ele.<br />

A criança apetente do maravilhoso<br />

e no fundo, por isto mesmo, apetente<br />

de Deus, ela, quando se coloca<br />

diante de algo mais excelente, ela<br />

tende para aquilo que é mais excelente.<br />

Isso é reto. Pode ser que depois<br />

a criança abuse, tenha a mania<br />

de ter uma coisa, desordens próprias<br />

da natureza humana.<br />

Mas, em si, este primeiro<br />

movimento é um<br />

movimento reto. É um<br />

movimento pelo qual<br />

o homem quer aquilo<br />

que é mais excelente,<br />

que lhe convém mais!<br />

“Enorme”, um<br />

cavalinho de pano<br />

Por causa disso, a<br />

criança tem uma imaginação<br />

muito fértil. Ela<br />

facilmente atribui aos<br />

brinquedos que tem<br />

uma qualidade que eles<br />

não têm.<br />

Uma vez passei por<br />

uma cruel decepção.<br />

Eu tinha talvez três ou<br />

quatro anos e possuía<br />

um brinquedo comum:<br />

um cavalinho de pano<br />

posto sobre umas rodinhas<br />

com eixo de metal<br />

e havia um laçozinho<br />

pelo qual eu podia pu-<br />

26


xar o cavalo. Ele, para meus braços,<br />

era um cavalo muito grande, tinha<br />

até uma certa dificuldade de segurá-<br />

-lo, então, chamava-o de “Enorme”.<br />

Quando ia brincar, pedia para me<br />

darem o meu “Enorme”.<br />

Quando minha mãe adoeceu, fui<br />

com ela para a Europa, para ela ser<br />

operada, e guardaram num armário<br />

o “Enorme” para eu brincar quando<br />

voltasse.<br />

Ddurante a viagem à Europa, de<br />

vez em quando eu falava do “Enorme”<br />

e quando voltei, eu tinha talvez<br />

um ano a mais e nesse período um<br />

ano faz uma boa diferença, pedi:<br />

— Quero o meu “Enorme”!<br />

Levaram-me, lembro-me como se<br />

fosse hoje, para o quarto do andar térreo<br />

da casa, onde havia um armário<br />

onde se guardavam os brinquedos de<br />

minha irmã, de minha prima e meus.<br />

Estava tudo trancado, porque todo<br />

mundo esteve fora nesse período. Então,<br />

tiraram e me deram o “Enorme”.<br />

A minha primeira reação foi:<br />

— Esse não é o “Enorme”!<br />

Risadas de duas ou três pessoas<br />

em torno de mim. Era terrivelmente<br />

parecido com o “Enorme”, mas<br />

terrivelmente mais “poca” do que o<br />

“Enorme”. Qual era a razão?<br />

Em parte eu tinha crescido, o<br />

“Enorme” tinha deixado de ser enorme.<br />

Em parte, eu via o “Enorme” e<br />

notava muito que ele era de pano;<br />

quando fiquei mais velho, vi que era<br />

um boneco. Quando eu fui viajar imaginava-o<br />

quase como se fosse um ente<br />

vivo. Eu atribuía ao “Enorme” algumas<br />

qualidades que um cavalo deveria<br />

ter e que um boneco não podia ter. Estava,<br />

no fundo, à procura da arquetipia<br />

do cavalo, de alguma coisa que o<br />

transcendesse: era o cavalo vivo!<br />

Desejo de coisas mais altas<br />

Coisas dessas são movimentos que<br />

existem na alma de todas as crianças.<br />

E uma das coisas que faz a maravilha<br />

da criança é exatamente isto.<br />

Por exemplo, a árvore de Natal.<br />

Não há quem, em criança, não se tenha<br />

extasiado diante de uma árvore<br />

de Natal. Mas o que é a árvore de<br />

Natal?<br />

Podemos imaginar que ela seja a<br />

figura de uma árvore como poderia<br />

existir no Paraíso terrestre.<br />

O homem como está na terra de<br />

exílio, não tem as coisas como as do<br />

Paraíso. Nele as coisas são muito mais<br />

bonitas. O que no Paraíso é mero tipo,<br />

para a terra é um arquétipo não<br />

alcançável. Então, o homem imagina<br />

a árvore de Natal e a criança se encanta,<br />

porque sua alma é desejosa de<br />

uma perfeição não existente nas coisas<br />

que existem. E ela quereria uma<br />

ordem de coisas, quereria uma natureza,<br />

quereria outras pessoas, quereria<br />

tudo como não existe, porque a<br />

sua alma foi feita para coisas maiores<br />

e deseja essas coisas maiores.<br />

Agora, porque ela deseja essas<br />

coisas maiores acontece que ela tem<br />

uma forma de talento por onde ela<br />

como que adivinha a perfeição que<br />

tudo deve ter. E por causa disso também,<br />

a criança tem uma imaginação<br />

muito criativa e tem o senso do maravilhoso<br />

levado a um alto grau.<br />

Educar catolicamente<br />

Numa educação verdadeiramente<br />

católica, os pais deveriam fazer o<br />

quê? Lecionar, ensinar às crianças a<br />

realidade inteira. Quer dizer, o que<br />

tem aqui é isto. É assim porque estamos<br />

na terra de exílio, foi cometido o<br />

pecado original, depois nós também<br />

pecamos, o que merecemos é isto. Isso<br />

é muito bonito. Então, o esquilo é<br />

muito bonito! Mas se quiser imaginar<br />

que haja esquilos se movimentando<br />

no Paraíso, como seriam?!<br />

E quando passa, às vezes, um bicho<br />

muito extraordinário: uma borboleta<br />

azul e prata, um beija-flor, alguma<br />

coisa assim, temos a impressão<br />

de que se extraviou do Paraíso e foi<br />

parar na Terra!<br />

Por isso, quando uma criança que<br />

tem uma rede dessas para pegar borboleta,<br />

vê passar — diante de si, num<br />

parque ou na mata brasileira, ou sul-<br />

-americano em geral, suponho —,<br />

uma borboleta azul e prata voando,<br />

a criança fica louca e quer pegar<br />

de todo jeito. É algo de maravilhoso<br />

que ela quer pegar.<br />

A essa tendência, o pai ou a mãe<br />

deveria dizer:<br />

“Olha, está vendo, Deus fez assim o<br />

Paraíso. Isso aqui era o ponto de partida.<br />

Isto aqui está aqui para você ter<br />

ideia de como as coisas poderiam ser e<br />

não são. Procure imaginar, olhe para o<br />

que Deus fez de maravilhoso, procure<br />

prestar atenção, procure imaginar como<br />

seria o Paraíso. Procure fazer com<br />

que tudo quanto você mexa, você modele,<br />

tenha alguma coisa que exprima<br />

essa sua tendência para o Paraíso. Rume<br />

para a perfeição!<br />

“Mas, pobre Paraíso terrestre em<br />

comparação com o Paraíso celeste!<br />

No Paraíso celeste não há flores,<br />

há Anjos! E os Anjos estão dispostos<br />

desta maneira, daquela outra. E<br />

por cima de tudo está Nossa Senhora,<br />

mais sua Mãe do que é sua própria<br />

mãe. Porque Ela te ama mais do<br />

que todas as mães juntas amariam<br />

o filho único que tivessem. A você!<br />

E se você se sente um ratinho para<br />

ser amado assim por Nossa Senhora,<br />

acredite porque é de Fé, a cada ‘ratinho<br />

humano’ Ela ama assim! Creia<br />

e confie! Alegre-se e reze! Cuide de<br />

servi-la, de batalhar por Ela!<br />

“Mas olhe para os olhos de Nossa<br />

Senhora, você verá que no fundo<br />

há um lumen que vai muito além<br />

do d’Ela. Ela está olhando para você,<br />

mas Ela, ao mesmo tempo, está<br />

olhando para alguém, [esse] alguém<br />

é o Divino Filho d’Ela! Há um lumen<br />

Christi, uma luz de Cristo n’Ela que já<br />

vai além do humano. É humano, mas<br />

é divino. Mais ainda, Ela está vendo<br />

Deus face a face! Olhe para os olhos<br />

d’Ela e é como se você olhasse num<br />

espelho para ver o Sol: o maravilho-<br />

27


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Cmleseux (CC3.0)<br />

é possível. Uma coisa não se perde,<br />

não se recupera: é o tempo perdido!<br />

Estado de amor ao<br />

maravilhoso<br />

so do maravilhoso do maravilhoso, a<br />

perfeição de todas as perfeições!”<br />

Se todos os homens tivessem isso<br />

diante de si, o mundo não seria outro?<br />

Por exemplo, um sermão sobre<br />

isso numa igreja, realçado por algo<br />

que tem a palavra do padre que a do<br />

leigo não tem: é a graça do sacerdócio.<br />

Realçado pelo púlpito, pela dignidade<br />

do edifício sagrado e pelas<br />

bênçãos especiais que Deus põe nele.<br />

Tudo ali reunido e um padre dizendo<br />

isso. Não seria de comover?<br />

As pessoas não chegariam meia hora,<br />

uma hora antes para reservar o<br />

lugar para ouvir o sermão?<br />

Assim deveriam ser os homens.<br />

O contrário da<br />

formação católica<br />

Quanta gente eu vi em torno de<br />

mim, já naquela remota época em<br />

que eu era pequeno, em que a formação<br />

não era dita assim, mas era isto:<br />

“Essas coisas são bobagens de infância,<br />

não pense nisso! Tudo quanto<br />

é maravilha é sonho. Você perde<br />

a partida da vida se você pensar<br />

em coisas dessas. Seja prático! E, para<br />

ser prático, você precisa das duas<br />

coisas: ter saúde e ganhar dinheiro!<br />

“Preocupe-se em saber responder<br />

a esta pergunta: ‘Como ter saúde?’<br />

Saiba o que é que lhe fez bem, o que<br />

é que lhe faz mal. Faça os seus exercícios.<br />

Mova-se de maneira a ter saúde,<br />

porque a doença é um horror. Outra<br />

coisa que é precis: ganhar dinheiro.<br />

Seja rico! Porque a pobreza é a mais<br />

triste das condições. Aprenda como<br />

ganhar dinheiro. Saiba sorrir, agradar,<br />

bajular, dar rasteiras, dar golpes, avançar,<br />

recuar; saiba fazer tudo, contanto<br />

que te caia nas mãos esta coisa incomparável:<br />

o ouro! Corra atrás do ouro!<br />

Não sonhe com as coisas nesta ordem.<br />

Que dinheiro te dão? Que saúde<br />

te dão? Feche seu horizonte e fique só<br />

nisso. Toque para frente na vida! Você<br />

terá o prazer, você terá a riqueza!”<br />

Isso é o contrário da formação católica!<br />

A resposta pode vir assim:<br />

Alguém — com A maiúsculo e letras<br />

de ouro, que é o próprio Homem-Deus<br />

— disse: “Não vos preocupeis,<br />

nolite esse solliciti, olhai os lírios<br />

do campo, não tecem nem fiam,<br />

entretanto, nem Salomão em toda a<br />

sua glória se vestiu como eles… (Mt<br />

6, 28)”... Tecer e fiar eram profissões<br />

lucrativas no tempo d’Ele, não tinha<br />

máquina, então o trabalhador manual<br />

muitas vezes era tecelão, fiava<br />

e tecia. Quer dizer: confiai! Confiai,<br />

porque isso se arranja. A saúde pode<br />

ser recuperada e também a fortuna<br />

que se perdeu. Pode ser ganha a fortuna<br />

que não se teve. Pode ser obtida<br />

a saúde que não se perdeu. É possível<br />

— não digo que é certo — mas<br />

É preciso uma graça muito grande<br />

para que uma alma que se tenha deixado<br />

trancar nesses horizontes mais<br />

baixos volte a compreender e a querer<br />

o maravilhoso. É uma verdadeira<br />

conversão. Para essa conversão é<br />

preciso ter graças muito grandes e<br />

muito especiais. Uma graça assim se<br />

chama o “thau”!<br />

Então, saibamos compreender o<br />

nosso “thau”: esse estado de amor ao<br />

maravilhoso, de amor desinteressado<br />

ao maravilhoso que é um dos aspectos<br />

por onde se vê o amor a Deus<br />

— amar a Deus sobre todas as coisas,<br />

primeiro Mandamento — esse aspecto,<br />

esse amor ao maravilhoso, que é<br />

um modo de focalizar o amor a Deus,<br />

eu não falei o que é porque o meu tema<br />

se tornaria inesgotável. O ver, por<br />

exemplo, as grandes figuras históricas<br />

canonizadas que refletiram a Deus de<br />

um modo, de outro modo, como foi<br />

etc. Por exemplo, na Basílica de São<br />

João de Latrão, onde mostram, no<br />

chão, a laje de pedra sobre a qual estava<br />

ajoelhado Carlos Magno na noite<br />

de Natal quando o Papa entrou e o<br />

coroou imperador, sem ele saber.<br />

Se qualquer um de nós fosse dono<br />

dessa pedra, dava até a sua vida<br />

para defendê-la. É maravilhoso muito<br />

mais do que rubi, do que flor, do<br />

que não sei o quê. São duas almas.<br />

Carlos Magno, que em alguns lugares<br />

é venerado como Santo — a Igreja<br />

não se pronunciou — e que deixou<br />

um aroma de santidade na Igreja<br />

inteira até hoje, e Leão III, Papa,<br />

Vigário de Cristo, representante de<br />

Cristo na Terra, com o poder de ligar<br />

e desligar — “O que ligares na Terra<br />

estará ligado no Céu, o que desligares<br />

na Terra estará desligado no<br />

Céu” (Mt 16, 19) — coroando o Imperador<br />

do Sacro Império.<br />

28


Pobre rubi, pedregulho engraçadinho<br />

diante da majestade dessa cena.<br />

Os sinos da Cidade Eterna bimbalhando,<br />

o Papa que entra: Carlos Magno<br />

majestosamente humilde, ajoelhado<br />

naquela laje de pedra para rezar e<br />

o Papa que manda trazer uma coroa<br />

com a qual ele não contava e o coroa<br />

ali imperador do Sacro Império. Funda<br />

o Sacro Império! Que beleza!<br />

Wolfgang Sauber (CC3.0)<br />

Que esse Sol volte a<br />

iluminar o mundo<br />

Quando uma alma conserva a inocência,<br />

ela encontra o “thau”. Mais<br />

ou menos como uma flor que está<br />

para se abrir encontra, de manhã, o<br />

primeiro raio de sol que bate.<br />

Às vezes, chegamos a certa idade<br />

com a inocência reduzida a cacos.<br />

Mas, oh cacos preciosos! Eles são<br />

como aqueles peixes e pães da multiplicação.<br />

Bondosamente, Nossa Senhora<br />

os toma e os apresenta a Nosso<br />

Senhor: “Vede que cacos, Meu Filho”<br />

e Ele os recompõe.<br />

Aí temos o ideal católico: Forte,<br />

puro, unido e se regozijando com<br />

coisas tão espirituais.<br />

Isto tudo nos leva a muito altas<br />

considerações, nos leva à ideia de<br />

que devemos pedir a Nossa Senhora<br />

essa inocência. Devemos pedir para<br />

nós, devemos pedir para os nossos irmãos<br />

de vocação. Devemos pedir para<br />

todas as criaturas de Deus, porque<br />

Deus é infinito no seu desejo de bem<br />

e quer abarcar com sua grandeza e<br />

com sua bondade a criação inteira.<br />

E então compreendemos o seguinte:<br />

há uma coisa em nossa época que<br />

tem uma beleza comparável à beleza<br />

de Carlos Magno sendo coroado por<br />

Leão III: É lutar para que esse Sol<br />

volte a iluminar o mundo.<br />

Esse Sol é Deus, é Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo! O vitral por onde entra<br />

esse Sol é Nossa Senhora! v<br />

(Extraído de conferência de<br />

12/10/1985)<br />

Coroação de Carlos Magno - Paróquia de São<br />

Pedro e São Paulo, Thaya, Áustria<br />

29


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Amauri Moreira Cezar<br />

Critérios para um<br />

bom relacionamento<br />

Depois de analisar alguns dos critérios segundo os quais<br />

costumamos avaliar as pessoas com quem desejamos<br />

estabelecer relações, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> indica os verdadeiros<br />

princípios que devem orientar o relacionamento humano.<br />

Como devemos analisar-nos<br />

uns aos outros? De que modo<br />

precisamos olhar, interpretar,<br />

considerar o valor de cada um?<br />

Como devemos entender e julgar as<br />

pessoas?<br />

Duas categorias de pessoas<br />

Eis uma boa qualificação: algumas<br />

pessoas têm alma para compreender<br />

que não existe só e nem principalmente<br />

esta vida. Há uma outra<br />

ordem de grandezas e um Ser espiritual,<br />

superior, infinito, perfeito. Em<br />

última análise, Deus Nosso Senhor e<br />

todos aqueles que O cercam na hie-<br />

rarquia divina. E tudo isso se espelha<br />

de algum modo na Criação.<br />

Essas pessoas, quando olham um<br />

pé de ipê, uma esmeralda ou uma orquídea,<br />

por exemplo, são admirativas<br />

porque sabem ver o que é mais do<br />

que elas, sem inveja e por desinteresse.<br />

Essa é uma categoria de pessoas.<br />

Outra categoria é das que só<br />

olham para cima a fim de ter inveja,<br />

e preferem não olhar para o alto. Dirigem<br />

os olhos para o lado com indiferença<br />

e para baixo com desprezo.<br />

De que gênero de pessoas é cada<br />

um de nós? Se essas são as duas categorias,<br />

temos que caber numa delas.<br />

Como somos nós?<br />

Devemos tomar em consideração<br />

que Deus ama mais os que são<br />

mais voltados para Ele. Nossa Senhora<br />

ama mais os que são mais voltados<br />

para Ela. E nós, portanto, devemos<br />

desejar o que é mais elevado,<br />

mais nobre, mais belo, mais reto,<br />

mais santo. Mas desejar admirando!<br />

E admirando desinteressadamente!<br />

O verdadeiro entusiasmo<br />

se exprime pela dedicação<br />

A partir do momento em que admiremos<br />

isto desinteressadamente,<br />

tornamo-nos entusiastas e combativos.<br />

Porque o verdadeiro entusiasmo<br />

30


Francisco Lecaros<br />

se exprime pela dedicação. Ter entusiasmo<br />

por algo ou alguém a quem<br />

não sou dedicado não significa nada.<br />

Se tenho entusiasmo sincero, eu me<br />

dedico.<br />

Então, quando notamos alguém<br />

lutar, devemos procurar na atitude<br />

dele o seguinte: pelo que ele combate?<br />

Até que ponto ele vê e entende a<br />

grandeza daquilo pelo que luta? Até<br />

que ponto sua alma está cheia disso?<br />

Até que ponto ele se dedica? Até<br />

que ponto ele é combativo?<br />

Através dessas perguntas nós podemos<br />

aquilatar uma pessoa.<br />

A partir disso compreende-se a<br />

inanidade, o zero de muitos elogios<br />

feitos às vezes a mim, que tenho a<br />

Se tenho<br />

entusiasmo<br />

sincero, eu me<br />

dedico. Então,<br />

quando notamos<br />

alguém lutar,<br />

devemos procurar<br />

na atitude dele o<br />

seguinte: pelo que<br />

ele combate?<br />

impressão de dizerem respeito a um<br />

outro, porque de tal maneira o que<br />

tem de essencial em mim não figura<br />

naquele elogio, que estão elogiando<br />

um outro.<br />

Então, elogia-se alguém porque<br />

é muito inteligente. Ora, a pessoa<br />

nasce inteligente. Já lhes passou pela<br />

mente elogiar um homem qualquer<br />

porque é narigudo, ou porque<br />

tem um nariz muito pequeno? Ninguém<br />

escolhe o nariz que tem. O sujeito<br />

nasceu com aquele nariz e precisa<br />

levá-lo até a sepultura. Goste ou<br />

não goste, seja um nariz lindo ou comum<br />

ou grotesco.<br />

Se determinada pessoa nasceu inteligente,<br />

é um dom que Deus lhe<br />

concedeu. Não é um dom sobrenatural,<br />

mas natural. Aprecia-se. O que<br />

se conclui daí?<br />

Alguém poderá dizer: “Mas ela<br />

aproveitou bem a própria inteligência.”<br />

Não se deduz muita coisa, pois<br />

há muitas pessoas que aproveitam<br />

a inteligência que possuem, e ficam<br />

muito instruídas, cultas, brilhantes.<br />

Entretanto, fazem um uso bom dessa<br />

inteligência ou são malfeitoras?<br />

Assim é com a boa educação e<br />

tantas outras qualidades…<br />

Antigamente, era raro encontrar<br />

chá no Brasil, e as pessoas que gostavam<br />

de tomá-lo mandavam vir da Inglaterra,<br />

da China, etc. E eram naturalmente<br />

as pessoas mais finas. Então<br />

se dizia “Fulano tomou chá em<br />

pequeno”, para indicar que ele teve<br />

uma educação muito seleta. O outro<br />

que só tomou café não teve uma<br />

educação muito fina, porque qualquer<br />

um tem café. Ninguém possui<br />

mérito por ter tomado chá em pequeno.<br />

Então, qual é o verdadeiro mérito?<br />

É a elevação de alma, e isso nós<br />

devemos procurar.<br />

Relacionamento com base<br />

na Fé, esperança e caridade<br />

Que relação tem isso com a Religião?<br />

Quem foi batizado e recebeu o<br />

dom da fé, tendo o espírito elevado<br />

possui muita fé. Porque quem tem<br />

espírito elevado ama, sobretudo, o<br />

que há de mais alto. E o que há de<br />

mais elevado são as verdades sobrenaturais<br />

reveladas, é a Igreja Católica<br />

que é Mestra dessas verdades.<br />

Possui muita esperança. Esperança<br />

de conseguir aquilo que sua fé lhe<br />

ensina: o Céu depois desta Terra, e<br />

dar glória a Deus, a Nossa Senhora,<br />

nesta Terra; e espera que Maria Santíssima<br />

o ajudará.<br />

Tem muita caridade, a qual não é<br />

principalmente o amor do próximo,<br />

mas é o amor de Deus, e do próximo<br />

por amor de Deus.<br />

Então possui muita fé, esperança<br />

e caridade. E depois as virtudes cardeais:<br />

justiça, fortaleza, temperança,<br />

prudência, e outras virtudes. Aí está<br />

o edifício de uma alma.<br />

Quando nos relacionamos com<br />

os outros, procuramos ver quais são<br />

os que têm o espírito mais elevado e<br />

31


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Gustavo Kralj<br />

buscamos mais a companhia, a prosa<br />

desses, ou procuramos saber quem<br />

diverte mais, conta mais chistes,<br />

brinca mais, é mais agradável de trato?<br />

Ou, então, o mais influente que<br />

comunica uma certa importância a<br />

quem é amigo dele?<br />

Essas não são razões para se dar<br />

com alguém. Motivo para se dar com<br />

alguém é fé, esperança e caridade, a<br />

elevação de alma.<br />

Uma pessoa pode passar por um<br />

oratório onde há uma imagem de<br />

Nossa Senhora, fazer o Nome do Padre,<br />

mas não tem grande fé. Um outro<br />

faz o Sinal da Cruz e possui muita<br />

fé. Um terceiro não tem fé, é emigrado<br />

do Afeganistão, mas ele olha<br />

com uma certa elevação para a imagem,<br />

e a fé começa a germinar no espírito<br />

dele.<br />

Procurem as companhias que lhes<br />

aproximam mais desse estado de espírito.<br />

Cuidado com os brincalhões!<br />

Alguém poderá objetar:<br />

— Mas a questão é que, estando<br />

com os outros, eu preciso me divertir.<br />

A esse eu responderia:<br />

— Cuidado com as pessoas brincalhonas<br />

ou que fazem muitos chistes!<br />

Em minha vida vi poucas pessoas ao<br />

mesmo tempo engraçadas e sérias. E,<br />

32<br />

Oratório em Sevilha, Espanha<br />

assim mesmo, a<br />

seriedade estava<br />

arriscada por serem<br />

engraçadas.<br />

Os Evangelhos<br />

apresentam Nosso<br />

Senhor Jesus<br />

Cristo nas mais<br />

variadas atitudes,<br />

desde Menino recém-nascido<br />

até<br />

a idade perfeita<br />

dos trinta e três<br />

anos com que Ele<br />

morreu. Nunca<br />

se vê, apesar dessa<br />

variedade de<br />

espírito, o Divino Mestre rindo.<br />

Tomem em consideração as bodas<br />

de Caná. Ele estava na festa e até concorreu<br />

para que esta tivesse alegria, fazendo<br />

um milagre estupendo: a transmutação<br />

da água em vinho. Entretanto,<br />

o Evangelho não conta que Ele tenha<br />

rido alguma vez. Eu nunca vi uma<br />

imagem, nas nossas igrejas, representado<br />

Nosso Senhor rindo. Nem sequer<br />

propriamente sorrindo.<br />

Numa atitude próxima do sorriso,<br />

às vezes. A imagem do Menino Jesus,<br />

por exemplo, é apresentada próxima<br />

do sorriso, porque se supõe que<br />

Ele está olhando para Nossa Senhora.<br />

Quem vê uma criança, imagina-<br />

-a olhando para a mãe, é normal. Então<br />

se supõe que Ele esteja sorrindo,<br />

ou melhor, olhando com sumo comprazimento<br />

para a Mãe. Rindo, nunca!<br />

Muitas imagens de Nosso Senhor<br />

O apresentam com suma afabilidade,<br />

sorrindo não. É um exemplo para nós.<br />

Alguém conhece uma aparição<br />

em que Nossa Senhora ou qualquer<br />

Anjo ou Santo diga uma coisa engraçada?<br />

Nunca!<br />

Por outro lado, tome cuidado<br />

também aquele que, por ser engraçado,<br />

atrai todos os que desejam se<br />

divertir e dar uma gargalhada, mas<br />

os desvia de Nossa Senhora.<br />

Às vezes foge-se de certas companhias<br />

que têm coisas sérias para<br />

comentar, vão ao fundo dos assuntos.<br />

Entretanto, tais pessoas, embora<br />

não digam coisas jocosas, poderiam<br />

nos aproximar da Santíssima Virgem<br />

Maria. <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

7/1/1982)<br />

Jesus abençoando - Catedral<br />

de Barcelona, Espanha<br />

Sergio Hollmann


Luzes da Civilização Cristã<br />

Movimentos do mar...<br />

Teresita Morazzani A.<br />

...e da alma humana<br />

O movimento das águas do mar, ora tempestuoso,<br />

ora calmo, deixa transparecer uma série de gamas<br />

de beleza, todas elas extasiantes. Do mesmo modo,<br />

a arquitetura religiosa parece simbolizar os diversos<br />

aspectos da alma humana ao louvar seu Criador.<br />

V<br />

endo o mar — objeto perpétuo de meu enlevo, de<br />

meu encanto, de meu entusiasmo! — eu seria capaz<br />

de passar uma tarde inteira sozinho olhando-o,<br />

quieto, inteiramente entretido, contemplando-o...<br />

Beleza do mar e o pulchrum<br />

de sua movimentação<br />

No mar me chamava muito a atenção o seguinte: ele —<br />

na minha ótica; compreendo que outro sinta de um modo<br />

diferente, depende de cada um — apresentava para mim<br />

dois pontos extremos, com todas as gamas intermediárias.<br />

Ao contemplá-lo era-me agradável ver tantas formas<br />

de beleza que Deus tirava fazendo o mar passar de um extremo<br />

a outro através das gamas intermediárias. Ou, de<br />

repente, interromper a sequência em qualquer gama intermediária,<br />

dar um giro e passar para o outro lado.<br />

Quer dizer, o ordenado, bonito, quando avançam<br />

aquelas grandes ondas, em ofensiva para<br />

a terra, mas são ondas que não são descabeladas<br />

fazendo tumulto — o descabelado<br />

não me agrada —, mas são grandes ondas<br />

em ordem, um ataque em regra de uma<br />

cavalaria nobre. É a maré montante de<br />

certos dias, que vai cobrindo a praia. É<br />

uma coisa bonita. É a bataille rangée, em<br />

fileiras. É até bonita a variedade, por-<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

33


Rodrigo Aguiar<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

Antonio Lutiane<br />

Lucio C. R. Alves<br />

Francisco Lecaros<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Gustavo Kralj<br />

que às vezes as ondas não chegam a arrebentar, quase arrebentam,<br />

formam assim aquelas eminências e vão adiante.<br />

Outras não, pelo contrário: arrebentam e há um gáudio<br />

de gotas pelo ar que depois caem e seguem na sua<br />

ofensiva, parando um pouco antes de chegar à terra para<br />

saltitar pelo ar, antes de se entranhar nas profundidades<br />

das areias; e até aquilo virar água de novo é um<br />

processo enorme. Elas então bailam um pouco pelo ar,<br />

jubilosamente; são guerreiros que antes de dar o ataque<br />

definitivo dançam a dança da vitória. Uma coisa bonita,<br />

que me agrada ver.<br />

Mas também agrada ver quando o mar está inteiramente<br />

calmo, quase imóvel. Diríamos que está de tal maneira<br />

absorto na contemplação do céu, que nem pensa<br />

em si mesmo. Eu falo o céu, não o Céu celeste, mas a<br />

abóboda celeste, que se vê com os olhos.<br />

De repente, de um lugar qualquer, notamos que a surpresa<br />

vem, algo começa a se mover. É um vagalhão, é<br />

uma bagunça aquática, é um assalto contra a terra, porém<br />

os vários elementos do mar não vêm em bataille rangée,<br />

mas parecem se empurrar uns aos outros para tomar<br />

a dianteira e conquistar a terra mais depressa. É a<br />

beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do<br />

imprevisto, que tem, a meu ver, seu encanto próprio. E a<br />

sucessão das coisas torna o mar muitíssimo entretenido.<br />

Esses vários modos de ser do pulchrum... Esse é mais<br />

um pulchrum do movimento do que do mar. Quer dizer, se o<br />

mar fosse feio, o movimento dele não seria bonito. A dança<br />

é bela quando o que dança é belo. Um exército que avança é<br />

muito bonito quando é composto de homens fortes, robustos;<br />

pelo contrário, um exército de capengas que se arrasta<br />

em certa ordem não vale dois caracóis. Do mesmo modo, o<br />

mar é belo, mas a movimentação está à altura dele.<br />

Fracisco Lecaros<br />

34


Hector Mattos<br />

Depois, os mistérios que ele contém; é outro mundo<br />

que se move nas entranhas dele, que ele oculta, não se<br />

vê um polvo, é raro um peixe, é raro ver qualquer coisa,<br />

há um mundo que vive aí dentro, um mistério. Não sei se<br />

sentem como eu. Eu tenho, assim, entusiasmo pelo mar!<br />

Élans da alma expressos na arquitetura<br />

Agora, a arquitetura, e a arquitetura religiosa, diante<br />

dos movimentos da alma humana, tão parecidos com os<br />

do mar, parecem se assemelhar. Há homens cujo pensamento<br />

avança em bataille rangée, cuja oratória, cuja argumentação,<br />

cuja dialética aperta, estala. Mas há homens<br />

que não são do gênero do famoso general de Luís<br />

XIV, Turenne, mas são “condeanos” 1 : pulos de vitória<br />

em meio de raios de luz, aventura! Captam uma coisa e<br />

liquidam uma situação. Há feitios de inteligência assim,<br />

espíritos assim, há formas de beleza assim.<br />

Por exemplo, Notre-Dame. Ela é irrepreensível, ordenada,<br />

perfeita, lindíssima! Tudo lógico, mas de um lógi-<br />

co com poesia; são as lógicas não do filosofastro, mas as<br />

lógicas da mãe de família, do pai, da vida, é essa lógica<br />

verdadeira. É isso que às vezes a arquitetura apresenta.<br />

Às vezes a arquitetura borbulha e apresenta coisas<br />

meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa,<br />

nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus<br />

impulsos, na sua generosidade, nos lances à la Santa Teresa<br />

de Jesus, por exemplo, enormes, que deixam a alma<br />

desconcertada diante da grandeza daquilo.<br />

E isso se exprime mais na arquitetura religiosa da<br />

Igreja grega, do tempo que estava unida à Igreja Católica.<br />

Daí vem o jogo das várias cúpulas que borbulham,<br />

como o mar se move, e que se notam na Basílica de Santo<br />

Antônio na cidade de Pádua.<br />

Eu queria, então, mostrar um pouco a descrição daquilo<br />

que em Pádua me agradou... <br />

v<br />

Continua no próximo número.<br />

(Extraído de conferência de 25/11/1988)<br />

1) Luís II de Bourbon, 4º Príncipe de Condé (*1621 - †1686).<br />

Sobre o estilo “condeano”, ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 213, p. 30.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em 1993, contempla<br />

o mar pelas janelas de uma<br />

hospedagem em Ubatuba, Brasil<br />

Basílica de Santo Antônio, Pádua, Itália<br />

35<br />

Arquivo <strong>Revista</strong>


Leandro S. Souza<br />

Mãe da Divina<br />

Providência<br />

Oamor materno de Maria tem<br />

força regeneradora para elevar<br />

e santificar uma alma; Ela é a<br />

Medianeira das graças necessárias para<br />

a justificação daquele a quem Ela ama.<br />

Confiemos a todo instante em Nossa Senhora,<br />

lembrando-nos sempre de sua<br />

extrema meiguice para conosco, de sua<br />

compaixão para com as misérias de cada<br />

um de nós. Tenhamos presente que, na<br />

Salve Rainha, Nossa Senhora é chamada<br />

“Mãe de misericórdia”, e que o Lembrai-vos<br />

acentua a bondade d’Ela para<br />

com o pecador arrependido.<br />

Sem nos compenetrarmos da misericórdia<br />

de Maria Santíssima, nada de<br />

bom faremos. Cultivando-a, nossa alma<br />

se cumula de confiança, de alegria e<br />

de ânimo. Tendo a Mãe da Divina Providência<br />

como nossa própria Mãe, nada<br />

nos deve abater. Ela tudo resolverá se,<br />

confiantes, implorarmos seu maternal<br />

socorro.<br />

(Extraído de conferência de 16/11/1965)<br />

Rafael E. Rissi<br />

Nossa Senhora da Divina<br />

Providência - Mairiporã, Brasil

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