Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Grandeza com afeto,<br />
ordem com bondade
Tão pequena menina e<br />
já tão grande santa<br />
Sergio Hollmann<br />
N<br />
esta fotografia aos oito anos<br />
de idade, Santa Teresinha está<br />
olhando para um ponto vago,<br />
indefinido, mas com uma espécie de<br />
contemplação enlevada, afetuosa, respeitosa.<br />
Em última análise, é o olhar<br />
próprio de um espírito possantemente<br />
contemplativo.<br />
Santo Agostinho disse de si, nas<br />
“Confissões”, referindo-se à sua infância:<br />
“Tão pequeno menino eu era, e já<br />
tão grande pecador.” Dela poder-se-<br />
-ia dizer: “Tão pequena menina era, e<br />
já tão grande santa.” Porque seu olhar<br />
tem qualquer coisa que me custa exprimir<br />
adequadamente, mas que é aquela<br />
impostação da alma em coisas que são<br />
inteiramente superiores. Foi uma infância<br />
profundamente consciente, meditada<br />
e raciocinada.<br />
Aqui está Santa Teresinha do Menino<br />
Jesus com todo seu tesouro de meditação<br />
que pode existir numa alma de<br />
criança; ela viveu a infância fiel a si e<br />
continuou a ser ela mesma até o apogeu<br />
de sua maturidade. É uma coisa magnífica!<br />
(Extraído de conferência provavelmente<br />
feita em janeiro de 1968)<br />
2
Sumário<br />
Ano XIX - Nº <strong>223</strong> Outubro de 2016<br />
Grandeza com afeto,<br />
ordem com bondade<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
na década de 1990.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Gilberto de Oliveira<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Antônio Pereira de Sousa, 194 - Sala 27<br />
02404-060 S. Paulo - SP<br />
E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Impressão e acabamento:<br />
Gráfica Print Indústria e Editora Ltda.<br />
Av. João Eugênio Gonçalves Pinheiro, 350<br />
78010-308 - Cuiabá - MT<br />
Tel: (65) 3617-7600<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 130,00<br />
Colaborador........... R$ 180,00<br />
Propulsor.............. R$ 415,00<br />
Grande Propulsor....... R$ 655,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Editorial<br />
4 O reino da ordem e da bondade<br />
Piedade pliniana<br />
5 Glória, alegria e honra de nosso povo!<br />
Dona Lucilia<br />
6 A mensagem de Dona Lucilia<br />
De Maria nunquam satis<br />
12 Nossa Senhora Aparecida e<br />
Imaculada Conceição<br />
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
15 O inter-relacionamento nas<br />
sociedades e o mundanismo<br />
Calendário dos Santos<br />
18 Santos de Outubro<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
20 Importância do olhar<br />
Reflexões teológicas<br />
24 O convívio dos Anjos<br />
Hagiografia<br />
31 Santo Aretas, firmeza e grandeza<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
34 Molduras que cantam<br />
Última página<br />
36 Uma devoção de luta!<br />
3
Editorial<br />
O reino da ordem<br />
e da bondade<br />
Avastidão territorial do Brasil recolhe em si não só uma imensa e multiforme riqueza de recursos<br />
naturais, mas, sobretudo, um universo com variados matizes de personalidade. Ora contemplamos<br />
o feitio alegre de um nordestino, ora o espírito trabalhador de um sulista ou o charme de<br />
um carioca a contemplar uma das mais belas baías do mundo, como é a de Guanabara.<br />
Com feitios de espírito às vezes tão opostos entre si, o brasileiro, entretanto, é um povo unido, que<br />
constitui harmonicamente uma só nação. Que traço comum une personalidades tão distintas? Há nisso<br />
algum desígnio da Providência?<br />
A América Latina — comentava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 1 — é uma constelação de povos irmãos. Nessa constelação,<br />
inútil é dizer que as dimensões materiais do Brasil não são senão uma figura da magnitude de<br />
seu papel providencial.<br />
A missão providencial do Brasil consiste em crescer dentro de suas próprias fronteiras, em desdobrar<br />
aqui os esplendores de uma civilização católica apostólica e romana, e em iluminar amorosamente<br />
todo o mundo com o facho desta grande luz, que será verdadeiramente o Lumen Christi que a<br />
Igreja irradia.<br />
Nossa índole meiga e hospitaleira, a pluralidade das raças dos que aqui vivem em fraternal harmonia,<br />
o concurso providencial dos imigrantes que tão intimamente se inseriram na vida nacional, e<br />
mais do que tudo as normas do santo Evangelho, jamais farão de nossos anseios de grandeza um pretexto<br />
para racismos estultos, para imperialismos criminosos. O Brasil não será grande pela conquista,<br />
mas pela Fé; não será rico pelo dinheiro tanto quanto pela generosidade.<br />
O brasileiro tem uma peculiar capacidade de querer bem e, querendo bem, assimilar, apurar sínteses,<br />
quintessências dos vários povos e com isto ficar com uma forma de preeminência que é a primazia<br />
do afeto, da bondade, do modo paciente, calmo, comunicativo de fazer as coisas.<br />
A Revolução armou a mentira de que o contrarrevolucionário não tem isso, e que a bondade é um<br />
distintivo do liberal, pois ela consiste, no fundo, no permissivismo, em deixar todo mundo fazer o que<br />
quiser. Logo, quem quer fazer leis e normas, protegê-las com sansões, estabelecer hierarquias, esse<br />
não tem bondade.<br />
Eu creio que a verdadeira Contra-Revolução se caracteriza muito bem por inaugurar, junto com o<br />
reino da ordem, o reino da bondade, mostrando a compatibilidade existente entre ambas, a tal ponto<br />
que nenhuma das duas pode-se supor sem a outra. Essa bondade é o próprio modo de ser da autoridade,<br />
do poder, da riqueza, do talento, da cultura que, quando se desenvolvem coerentemente, são<br />
exercidos com bondade.<br />
1) “O Legionário” 7/9/1942 e conferência de 2/10/1982.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Glória, alegria<br />
e honra de<br />
nosso povo!<br />
ÓMaria, abençoai-nos, cumulai-nos de<br />
graças e, mais do que todas, concedei-<br />
-nos a graça das graças: Ó Mãe, uni intimamente<br />
a Vós este vosso Brasil!<br />
Tornai sempre mais maternal o patrocínio<br />
tão generoso que nos outorgastes. Tornai sempre<br />
mais largo e misericordioso o perdão que<br />
sempre nos concedestes.<br />
Aumentai vossa largueza no que diz respeito<br />
aos bens da terra, mas, sobretudo, elevai<br />
nossas almas no desejo dos bens do Céu.<br />
Fazei-nos sempre mais fortes na luta por<br />
Cristo-Rei, Filho vosso e Senhor nosso. De<br />
sorte que, dispostos sempre a abandonar tudo<br />
para Lhe sermos fiéis, em nós se cumpra a<br />
promessa divina do cêntuplo nesta Terra e da<br />
bem-aventurança eterna.<br />
Ó Senhora Aparecida, Rainha do Brasil,<br />
com que palavras de louvor e de afeto Vos saudar<br />
no fecho desta prece? Onde encontrá-las<br />
senão nos próprios Livros Sagrados, já que sois<br />
superiora a qualquer louvor humano? De Vós<br />
exclamava, profeticamente, o povo eleito palavras<br />
que amorosamente aqui repetimos: Tu<br />
gloria Ierusalem, tu lætitia Israel, tu honorificentia<br />
populi nostri (Jt 15, 10).<br />
Sois Vós a glória, a alegria, a honra deste<br />
povo que Vos ama!<br />
(Extraído do Jornal<br />
“Última Hora” de 12/10/1983)<br />
Gustavo Kralj<br />
5
Dona Lucilia<br />
A mensagem de<br />
Dona Lucilia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Embora de um modo um<br />
tanto vago, Dona Lucilia<br />
via um grande futuro para<br />
o Brasil, providencial,<br />
meio envolto em mistério,<br />
mas que se media pela<br />
homogeneidade da Fé, pela<br />
imensidade do território,<br />
pelo misterioso das florestas<br />
e dos rios, bem como por<br />
uma forma de bondade que<br />
ela sentia aqui mais do que<br />
em qualquer outro país, e<br />
que para ela era a grande<br />
qualidade religiosa.<br />
Thiago Tamura Nogueira<br />
Vista da cidade do Rio<br />
de Janeiro, Brasil<br />
Deus deu a Nossa Senhora<br />
o império do Céu e da<br />
Terra e de todo o universo;<br />
por uma razão análoga Ele quis<br />
que debaixo do poder d’Ela houvesse<br />
subimpérios e sub-reinos.<br />
O Anjo da Guarda não só<br />
defende contra os perigos,<br />
mas educa, forma, orienta<br />
Os Anjos da Guarda têm sobre os<br />
países por eles dirigidos uma função<br />
do gênero, que se pode ler naquela<br />
6
discussão dos Anjos aos pés de Deus<br />
(cf. Dn 10, 13). Eles estão exercendo<br />
um papel assim em favor de cada<br />
uma daquelas nações. Seria considerar<br />
de modo restritivo, a meu ver, o<br />
papel do Anjo da Guarda, pensando<br />
que ele é um mero escudo que defende<br />
contra os perigos.<br />
Além de proteger contra os perigos,<br />
ele é também um modelo ideal,<br />
um arquétipo da nação; o Anjo da<br />
Guarda a modela segundo ele e tem<br />
— conforme imagino — uma certa<br />
conaturalidade com essa nação, que<br />
ele não possuiria com outra, embora<br />
em tese ele pudesse amá-la.<br />
Por exemplo, Deus ama mais a<br />
nação “X”, digamos a hebraica, mas<br />
o Anjo tem uma certa conaturalidade,<br />
por exemplo, com o Luxemburgo<br />
e ama este país de um determinado<br />
modo. Resultado, ele conduz as<br />
questões de Luxemburgo, não como<br />
um Anjo levaria as coisas em tese,<br />
mas tomando em consideração essa<br />
conaturalidade com essa nação, que<br />
Deus estabeleceu quando a criou,<br />
e depois, pelo curso da História, se<br />
constituiu o Luxemburgo.<br />
Isso forma uma como que espécie<br />
de parentesco espiritual, de condição<br />
de “padrinho” deste Anjo em relação<br />
ao Luxemburgo, que dá a ideia inteira<br />
do Anjo da Guarda, enquanto sendo<br />
o Anjo que educa, forma, orienta.<br />
E assim seriam também certos Santos<br />
com determinadas almas, tanto<br />
mais que eles são chamados a preencher<br />
no Céu os lugares que os bandidos<br />
dos demônios deixaram vazios. As<br />
almas e os povos que ficariam abandonados<br />
à míngua de proteção por não<br />
terem esses anjos, os Santos preenchem<br />
o lugar deles, segundo uma destinação<br />
e uma distribuição eventualmente<br />
um tanto reformada pelos desígnios<br />
de Deus. À vista do pecado dos<br />
anjos, do pecado original, etc., pode<br />
ser que o Altíssimo tenha retocado sucessivamente<br />
os planos d’Ele, mas na<br />
linha geral é essa a realidade, e os Anjos<br />
têm essa realeza, imagino eu, sobre<br />
esses povos. Suponho que essa seja a<br />
Doutrina Católica.<br />
O Fundador e o Anjo<br />
da Guarda de uma<br />
Ordem religiosa<br />
Uma porção de fiapos de coisas<br />
que eu vi sobre Anjos e Santos protetores<br />
me parecem caminhar nessa<br />
direção. Creio que a palavra “padrinho”<br />
e o patrocínio dos Santos sobre<br />
alguém são muito<br />
parecidos com o papel<br />
do Anjo, e poderá haver<br />
Anjos que dirijam,<br />
tenham um certo patronato<br />
sobre determinados<br />
povos, como também<br />
Santos que os possuem<br />
cumulativamente, mas sem<br />
que as funções se borrem.<br />
Por exemplo, São Miguel<br />
Arcanjo é sabidamente o patrono<br />
oficial da Igreja Católica, mas São<br />
José também o é; ambos são patronos<br />
a títulos diferentes. E nessa tarefa<br />
que toca os pés de Nossa Senhora<br />
— tão excelsa Ela é — cabem ampliações<br />
e desmembramentos harmônicos,<br />
os quais aumentam a beleza<br />
do plano de Deus. Não é fácil traçar<br />
com o próprio punho a linha divisória,<br />
mas se compreendem os critérios<br />
com que eventualmente essa linha divisória<br />
pudesse ser traçada.<br />
Isso ocorre muito especialmente<br />
com as famílias de almas das Ordens<br />
religiosas. O fundador de uma<br />
Ordem religiosa, se praticou a virtude<br />
em grau heroico, tem sobre todos<br />
os membros dessa Ordem um patrocínio<br />
dessa natureza. Quem haveria<br />
de negar que São Bento é patrono e<br />
protetor dos beneditinos? Assim, sobre<br />
os franciscanos, os dominicanos,<br />
os jesuítas e daí para fora, esses patrocínios<br />
todos se exercem.<br />
Compreendem-se, dessa forma,<br />
até os mistérios da vida de certas Ordens<br />
religiosas, pensando na batalha<br />
do fundador para mantê-las fiéis<br />
contra elementos maus que entram.<br />
Então, o fundador mais o Anjo ou os<br />
Anjos da Guarda de uma Ordem religiosa<br />
se agrupam segundo certos<br />
desígnios de Deus.<br />
Maria de Ágreda 1 diz que Nossa<br />
Senhora era acompanhada por uma<br />
guarda de mil Anjos. É evidente que<br />
dentre esses mil Anjos cada um tinha<br />
uma função própria. Como isso<br />
se divide, se especifica, não sei.<br />
Anjo da Guarda -<br />
Almenno San Salvatore,<br />
Bergamo, Itália<br />
Sergio Hollmann<br />
7
Dona Lucilia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Da. Gabriela e <strong>Dr</strong>. Antônio, pais de Dona Lucilia<br />
Então poderíamos compreender<br />
que uma pessoa tenha sido chamada,<br />
nas condições de Dona Lucilia,<br />
para um patrocínio de uma determinada<br />
família de almas.<br />
Ela possuía apenas uma inteligência<br />
e uma instrução comuns de<br />
uma senhora cultivada, como eram,<br />
em geral, as senhoras de sociedade<br />
do tempo dela, mais nada. Contudo,<br />
ela era muitíssimo inteligente<br />
nesse sentido minor da palavra, mas<br />
que envolve uma riqueza de alma<br />
muito grande, que é o conhecimento<br />
e, consequentemente, o amor das<br />
coisas por conaturalidade, pela qual<br />
a inteligência e o afeto dela abarcavam<br />
um campo muito vasto.<br />
Admiração pela França<br />
Eu analisei, sobretudo, a alma de<br />
Dona Lucilia, as reações de seu espírito<br />
no tocante à França, e percebi<br />
que ela sentia que esse país possuía<br />
e representava no horizonte dela —<br />
que um pouco ela tomava como horizonte<br />
do mundo, e de fato o era —<br />
por excelência uma coisa que, por conaturalidade,<br />
para ela tinha o maior<br />
valor: a delicadeza de sentimentos.<br />
Mas no sentimento o que é a delicadeza,<br />
e como ela via isso na França?<br />
Para uma pessoa em que o conhecimento<br />
se fazia, sobretudo, por conaturalidade,<br />
havia uma coisa —<br />
não sei como mamãe percebia isso<br />
na França — que era o seguinte: discernir<br />
nas almas dos outros povos e<br />
nações aquilo que pode ser visto como<br />
sutil, requintado, e por isso também<br />
como despertando uma forma<br />
de afetividade mais penetrante, mais<br />
delgada, e que facilmente se transforma<br />
em carinho, em desejo de sacrificar-se<br />
por, de ajudar e de favorecer<br />
a, em uma tendência a ver o<br />
melhor da pessoa nos lados por onde<br />
estaria mais naturalmente exposta<br />
a sofrer os golpes da brutalidade,<br />
da maldade, da dureza, da crueldade<br />
humana em todos os seus aspectos.<br />
Então a ideia de que a pessoa,<br />
tendo mais desenvolvidos esses lados<br />
de alma mais tenros — que são<br />
os mais preciosos, mais diferenciados<br />
e mais plenamente existentes<br />
dentro dela e que, por isso mesmo,<br />
ela cultivou em si —, sofre mais com<br />
as pancadas que leva e é mais sujeita<br />
a brutalidades inopinadas, etc., porque<br />
pela sua bondade ela é normalmente<br />
desarmada e, portanto, necessita<br />
de um auxílio.<br />
Em consequência, ela sentia muito<br />
que a cultura francesa punha esses<br />
lados da alma humana muito em<br />
evidência, e colocava, assim, a doçura<br />
muito em saliência. Dessa forma, a<br />
França criava um tipo de ser humano<br />
que atingia, debaixo de certo ponto<br />
de vista, a sua perfeição e um convívio<br />
humano que era também o convívio<br />
perfeito, e, por causa disso, o senso<br />
da medida que se elogia tanto no<br />
francês, e também o senso da cordialidade,<br />
da suavidade, do charme. Mamãe<br />
era muito sensível ao charme, e<br />
8
um discípulo meu que soube interpretá-la<br />
muito bem, deve ter notado<br />
que, à maneira do que pode caber numa<br />
senhora de 92 anos, Dona Lucilia<br />
possuía muito charme. O charme na<br />
vida tinha para ela um papel enorme,<br />
e para mim, por exemplo, ela possuía<br />
mares de charme, mas mares de charme<br />
que eu via; entretanto, muitos outros<br />
não enxergavam.<br />
Tenho certeza de que se mamãe visse<br />
os álbuns do Fabergé — que não<br />
era francês, isso é o mais engraçado,<br />
mas remotamente descendente de<br />
imigrantes que foram para a França,<br />
e anteriormente estiveram, se não me<br />
engano, na Dinamarca, porém alguma<br />
coisa do sangue francês nele ficou,<br />
porque aquilo no Fabergé é a França<br />
pura — ela notaria neles uma expressão<br />
de algo que deveria estar em todas<br />
as almas, em todos os povos, mas que<br />
afinal na França veio à luz inteiramente,<br />
para o bem do gênero humano. E o<br />
gênero humano deveria fazer em face<br />
da França o que ela fazia largamente:<br />
mirar, admirar, deixar-se encher e modelar-se<br />
por isso.<br />
Dificuldades quanto à<br />
Alemanha; apreço por<br />
Espanha e Portugal<br />
E, nesse sentido, Dona Lucilia não<br />
soube ver bem a Alemanha: interpretava<br />
a ofensiva alemã contra a França<br />
como a investida da brutalidade militarista<br />
contra o charme francês. Não<br />
consegui que ela visse, procurei explicar<br />
etc., mas aquilo ficou radicado<br />
no espírito dela. Mamãe conheceu<br />
a Alemanha um pouco antes da<br />
I Guerra Mundial, que estava já toda<br />
tendente à ofensiva dos capacetes de<br />
aço contra a doce França, coisa que<br />
não podia ser e corria o risco de destruir<br />
a França; era um crime de matar<br />
a humanidade!<br />
Além disso, alguns alemães tinham<br />
sido muito brutos com ela, de<br />
um modo inimaginável: médicos, enfermeiros<br />
etc.<br />
O cirurgião dela, que era o médico<br />
do Kaiser, fez aquela brutalidade<br />
de lhe contar, quando ela estava<br />
apenas saindo dos primeiros estertores<br />
da operação, que vira o Kaiser<br />
despachando e cuidava de uma ofensiva<br />
alemã contra Santa Catarina, e<br />
que já estava tudo preparado, etc.<br />
É uma coisa que não se compreende:<br />
um cirurgião de fama mundial,<br />
que vai dizer isso a uma doente três<br />
ou quatro dias depois de uma operação<br />
com grande risco de vida... Não<br />
devia contar isso nunca, não tinha necessidade<br />
nenhuma. Entra uma ponta<br />
de fanfarronada, a qual mamãe<br />
sentiu bem como o resto. Eu nunca<br />
consegui tirar isso da cabeça dela.<br />
Então ela acompanhou a Guerra<br />
Mundial nesse prisma; um prisma<br />
quase de cruzada a favor da delicadeza<br />
humana contra a brutalidade.<br />
Isso era um xodó? Não, mas uma<br />
conaturalidade de altas qualidades de<br />
Dona Lucilia e de um elevado modo<br />
de ela ver as coisas. E creio que foi a<br />
Providência que a modelou para ser<br />
assim; percebe-se que entrava muito<br />
a influência do pai dela, pelo menos<br />
como ela o contemplava, bem como<br />
de sua mãe, como ela a via.<br />
Mas, por exemplo, diante da força<br />
da Espanha, do saleiro espanhol e<br />
da graça espanhola, etc., em que mamãe<br />
podia ver algo de contundente,<br />
ela não tinha nada disso, sabia contemplar<br />
o heroico, o batalhador, o<br />
garboso, etc. e, sem que fosse sua luz<br />
primordial, ela gostava muito, comentava<br />
mais de uma vez, achava<br />
interessante; costumes regionais espanhóis<br />
e coisas assim ela apreciava<br />
muito, sem insistência, sem muita fixidez,<br />
francamente muito receptiva.<br />
Uma grande propensão por Portugal,<br />
mas uma propensão afrancesada,<br />
quer dizer, destilando em Portugal o<br />
lôbrego de pé no chão, brutão, etc., do<br />
qual ela sorria, como de um ursão no<br />
fundo bom, e que ela distinguia da cultura<br />
portuguesa, da Torre de Belém,<br />
das saudades portuguesas, dos aspectos<br />
doces da alma portuguesa, em que<br />
ela sentia por algum lado tão natural<br />
com a alma francesa. Mesmo o português<br />
sendo, na apreciação dela, inferior<br />
ao francês, como o mundo inteiro<br />
era, ela achava que no português havia<br />
uma riqueza dessa afetividade que,<br />
assim, eu nunca a vi elogiar na França.<br />
Não sei se ela sabia fazer essa distinção,<br />
mas isso aflorava especialmente<br />
no modo de ela ser brasileira.<br />
Amor à Igreja Católica<br />
A moda francesa é muito exigente,<br />
até aos últimos pormenores, e em<br />
matéria de trajes mamãe era porme-<br />
Lucilia ainda menina<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
9
Dona Lucilia<br />
norizadíssima, exigentíssima, nada<br />
de parecido com o meu relaxamento.<br />
Mas tratava-se de<br />
uma exigência sem “jansenismo”<br />
e sem maldade,<br />
uma exigência cheia de<br />
bondade, porque ela via<br />
naquele amor ao primor<br />
e à perfeição um desejo<br />
de se tornar agradável.<br />
É como uma dona<br />
de casa a qual exige<br />
que uma certa receita<br />
seja feita pela cozinheira<br />
com todo o cuidado,<br />
para ela receber perfeitamente<br />
bem os hóspedes;<br />
entra uma douceur de vivre 2<br />
dentro disso.<br />
Por exemplo, quando minha<br />
irmã e eu éramos pequenos,<br />
em seu desvelo para conosco,<br />
mamãe de vez em quando fazia brinquedos<br />
para nós; ela passava às vezes<br />
até duas ou três horas da manhã pintando<br />
figurinhas de papel e coisas assim,<br />
com esmeros e cuidados únicos.<br />
Mandou fazer numa carpintaria uma<br />
casa de bonecas para Rosée, com<br />
mobiliazinha comprada em loja de<br />
brinquedos, com estilos inteiramente<br />
afins, e cortininhas, isso, aquilo e<br />
aquilo outro, tudo imaginado por ela.<br />
Mas essa exigência jorrava afeto<br />
e era feita por doçura e para produzir<br />
doçura; aí ela sabia ser muito exigente.<br />
Antes de tratar do Brasil, consideremos<br />
como Dona Lucilia via a<br />
relação França-Igreja. Eu tenho a<br />
impressão que esse problema nunca<br />
se pôs para ela com essa clareza.<br />
Devido a sua devoção ao Sagrado<br />
Coração de Jesus e ao que nela<br />
havia de entranhadamente católico,<br />
mamãe sentia por conaturalidade o<br />
oceano superlativo e transcendente<br />
de tudo o que ela amava na França;<br />
ela sentia no Sagrado Coração de<br />
Jesus e na Igreja Católica.<br />
De onde uma afeição à Igreja Católica<br />
enorme, mas era uma afeição<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Fotografia de Rosée e<br />
<strong>Plinio</strong>, tirada em Paris<br />
mais ou menos como de uma pessoa<br />
ao céu material. Um indivíduo que<br />
foi educado naquelas minas subterrâneas<br />
de carvão tem para com o céu<br />
uma admiração resultante em parte<br />
da privação; uma pessoa que nasceu<br />
como nós, olhando para o céu, possui<br />
uma admiração muito grande, mas<br />
que não resulta de privação e tem por<br />
isso uma nota diferente.<br />
Dona Lucilia não imaginava como<br />
podia ser uma vida ou uma alma<br />
fora da Igreja Católica; era inconcebível.<br />
Assim como possuía corpo e<br />
alma, ela tinha Fé, era um elemento<br />
integrante dela, não entra em discussão.<br />
Indagar se ela tinha algum<br />
pendor para o materialismo é uma<br />
pergunta que não cabe, não vale a<br />
pena perder tempo em fazê-la.<br />
No Brasil, Dona Lucilia<br />
sentia a bondade mais do<br />
que em outros países<br />
Essas almas que têm, sobretudo,<br />
conhecimento por conaturalidade<br />
não são muito explicitadoras;<br />
elas comunicam muito por conaturalidade,<br />
mas não por<br />
explicitação.<br />
Por exemplo, o modo<br />
de Dona Lucilia falar, as<br />
inflexões de sua voz continham<br />
definições —<br />
parece um exagero, mas<br />
não é — que ela não saberia<br />
explicitar, mas estavam<br />
na natureza dela,<br />
iluminada pela graça, e<br />
mamãe transmitia tudo<br />
muito ordenadamente.<br />
E assim ela mostrava<br />
que era brasileira, da seguinte<br />
maneira:<br />
Para mamãe o padrão do<br />
brasileiro — ela tinha uma certa<br />
razão no que dizia — era seu<br />
pai. Mas era também o padrão do<br />
homem justo, segundo Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, virtuoso e bom, para o<br />
qual ela possuía uma confiança, uma<br />
admiração e um enlevo completos.<br />
Nesse homem, embora mencionasse<br />
seus aspectos muito varonis,<br />
apenas como moldura, ela ressaltava<br />
essa bondade de alma, contando fatos<br />
insignes realmente. Percebia-se<br />
que ela achava que toda a nação brasileira<br />
era assim; seu pai era, portanto,<br />
um caso mais característico, mais<br />
agudo de gente que havia aos borbotões<br />
no Brasil; e essa gente era desinteressada,<br />
larga de vistas, amena, generosa<br />
e tinha um mecanismo de inter-relações<br />
psicológicas colossal,<br />
aberto para todos os países do mundo,<br />
mais do que a França. Nesse pontinho<br />
mamãe tinha uma certa restrição<br />
com a França, considerando sua<br />
atitude em relação aos outros países<br />
um tanto mesquinha, ácida, o que depois<br />
se acentuou muito na França.<br />
Dona Lucilia via de um modo vago<br />
um futuro enorme para o Brasil, meio<br />
envolto em mistério, providencial,<br />
mas que se media igualmente pela homogeneidade<br />
da Fé, pela imensidade<br />
do território, pelo misterioso das flo-<br />
10
estas, da mataria e dos rios, bem como<br />
por essa forma de bondade que ela<br />
sentia aqui mais do que em qualquer<br />
outro país, e que para ela era a grande<br />
qualidade humana e mesmo a grande<br />
qualidade religiosa.<br />
Isso seria a explicação da psicologia<br />
de Dona Lucilia. Tenho também<br />
a impressão de que essa explicação é<br />
conforme inteiramente à Moral e à<br />
Doutrina Católica, vista nos seus ângulos<br />
amplos.<br />
Ela percebia muito que no carinho<br />
que eu tinha por ela havia uma<br />
imensidade de consonância nesse<br />
ponto. E desde pequeno fui muito<br />
afim com ela. Eu nasci muito fraco,<br />
muito débil, e ela naturalmente<br />
fez esforços nem sei de que tamanho<br />
para me tornar saudável. O que ela<br />
realizou foi simplesmente colossal!<br />
Mas ela sentia a plenitude com que<br />
eu lhe respondia, e consentia completamente<br />
nesse ponto.<br />
Eu julgava que completava a alma<br />
dela fazendo-a admirar isso, e tendia<br />
para a minha tese que nunca desenvolvi<br />
para ela: que as duas partes da alma<br />
humana eram a Alemanha e a França.<br />
Mas não cheguei até lá, porque as<br />
brutalidades que mamãe sofreu foram<br />
tais que ela não entenderia.<br />
Efeito de Dona Lucilia<br />
sobre as almas<br />
De Luís XVI e Maria Antonieta,<br />
por exemplo, ela tinha muita pena e<br />
toda espécie de solidariedade, mas<br />
via muito nas monarquias e nas aristocracias<br />
o aspecto raffiné, amável,<br />
bondoso e cortês. E no pessoal do<br />
Terror ela notava o lado bruto, sanguinário,<br />
estúpido; era mais uma vez<br />
a ferocidade humana nascendo em<br />
outro aspecto, mais execrável ainda,<br />
o lado igualitário e marmiteiro, etc.<br />
Então, horror a eles que quebraram<br />
aquele antigo regime no qual<br />
ela não via um regime de opressão,<br />
mas, pelo contrário, de douceur de<br />
vivre, de requinte. E tinha toda razão,<br />
estava muito bem formulado, se<br />
compreende bem.<br />
Por exemplo, o contentamento<br />
dela em ver que eu tinha apreciado<br />
Versailles e como ela gostava de contar<br />
nossa passagem por lá. Mas não<br />
era por mundanismo, para dizer que<br />
ela tinha um filho de bom gosto, não.<br />
Era porque apreciava Versailles.<br />
Não há dúvida de que essas características<br />
se encontram em nossa família<br />
de almas. Se não se encontram<br />
mais é por nossas falhas, e ela seria<br />
muito mais ela própria se fosse marcantemente<br />
assim.<br />
Acentuo essa forma de bondade,<br />
como mamãe a via, porque se prestarmos<br />
atenção, toda ação dela sobre<br />
as almas é tratá-las com essa bondade,<br />
com o fito de que se tornem assim,<br />
boas entre si. Porque analisando<br />
o efeito dela sobre as almas, as<br />
graças que ela obtém e o efeito dessa<br />
presença espiritual dela sobre nós,<br />
notamos ser continuamente nessa<br />
direção; não há um minuto que não<br />
tenha isto que é, por assim dizer, a<br />
mensagem de mamãe.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
18/1/1986)<br />
1) Religiosa concepcionista, escritora<br />
mística, abadessa do convento de<br />
Ágreda na Espanha (*1602 - †1665).<br />
2) Do francês: doçura de viver.<br />
Library of Congress (Washigton DC, USA)<br />
Aspecto de uma rua da Berlim imperial na época<br />
em que a família Ribeiro dos Santos a visitou<br />
11
De Maria nunquam satis<br />
Nossa Senhora<br />
Aparecida e<br />
Leandro Souza<br />
Imaculada<br />
Conceição<br />
A luta que, durante séculos, houve entre os que se opunham<br />
tenazmente à Imaculada Conceição e os que a defendiam,<br />
exprime de certa forma o combate entre revolucionários<br />
e contrarrevolucionários. O Brasil, tendo como Padroeira<br />
a Imaculada Conceição Aparecida, tem uma vocação<br />
contrarrevolucionária. E chegará o dia bendito em que ele<br />
será uma grande nação escrava de sua Rainha e Senhora.<br />
Adevoção a Nossa Senhora<br />
Aparecida, de fato, refere-<br />
-se a uma imagem de Nossa<br />
Senhora da Imaculada Conceição<br />
que recebeu o título de “Aparecida”<br />
porque apareceu no Rio Paraíba, e<br />
foi recolhida por pescadores em dois<br />
lances de rede diferentes: primeiro<br />
veio o corpo da imagem de barro e<br />
depois a cabeça.<br />
Disputas internas na<br />
Igreja a propósito da<br />
Imaculada Conceição<br />
Então, o título de Nossa Senhora<br />
Aparecida é uma espécie de segunda<br />
invocação ou de segundo título que<br />
se insere, à maneira de um ramo, no<br />
tronco principal que é Maria Santíssima<br />
enquanto concebida sem pecado<br />
original, quer dizer, a Imaculada<br />
Conceição.<br />
O fato de essa imagem ter aparecido<br />
no século XVIII, quando o Brasil<br />
ainda era colônia, tem um significado<br />
muito grande para nós. Durante<br />
muito tempo, desde primórdios da<br />
Igreja até o pontificado de Pio IX,<br />
foi discutido entre os teólogos se se<br />
poderia afirmar como dogma de Fé<br />
12
que Nossa Senhora tinha sido concebida<br />
sem pecado original.<br />
Muitos teólogos sustentavam deduzir-se<br />
isto das Sagradas Escrituras<br />
e, sobretudo, da Tradição da Igreja.<br />
Entretanto, havia teólogos que achavam<br />
o contrário, que Nossa Senhora<br />
não era isenta do pecado original.<br />
Na Igreja os espíritos mais “mariais”,<br />
mais tocados pela devoção a<br />
Nossa Senhora, sempre sustentaram<br />
que Ela não tinha sido concebida no<br />
pecado original. No curso dos séculos<br />
foi se consolidando a corrente a<br />
favor da Imaculada Conceição, sendo<br />
este tema objeto de muitas disputas<br />
internas na Igreja, a tal ponto<br />
que, 150 ou 200 anos antes de Pio IX<br />
e da definição do dogma, a questão<br />
já estava tão esclarecida que todo<br />
mundo com bom espírito defendia a<br />
Imaculada Conceição de Maria.<br />
Assim, tinham se diferenciado<br />
completamente dois filões dentro da<br />
Igreja; e ser favorável à Imaculada<br />
Conceição era um sinal, um distintivo<br />
de espírito contrarrevolucionário<br />
daquele tempo. E o Brasil foi colocado<br />
sob o patrocínio desta devoção,<br />
então contrarrevolucionária, exatamente<br />
a partir daquela época.<br />
Isto indica uma vocação contrarrevolucionária<br />
do Brasil, que não<br />
podemos deixar de notar com reconhecimento<br />
a propósito desta festa.<br />
gumas pessoas que falavam da escravidão<br />
a Nossa Senhora porque tinham<br />
lido o “Tratado”, também em francês.<br />
Fiquei, assim, com uma impressão vaga,<br />
difusa de que no Brasil não houvera<br />
escravos de Maria Santíssima antes<br />
da penetração do livro de São Luís<br />
Grignion de Montfort neste País.<br />
Outro dia, lendo a biografia de<br />
Frei Galvão — aliás, vida muito bonita<br />
e cheia de pormenores interessantes<br />
—, franciscano morto em odor de<br />
santidade 1 , fundador do Convento da<br />
Luz 2 , onde foi sepultado, encontrei a<br />
fotocópia de um ato pelo qual ele se<br />
constituía escravo de Nossa Senhora,<br />
e há trechos inteiros tirados do “Tratado<br />
da Verdadeira Devoção”.<br />
Vê-se que ele adaptou um tanto<br />
a consagração de São Luís Grignion,<br />
mas no essencial é inteiramente aquilo.<br />
É uma consagração muito longa,<br />
talvez mais extensa que a de São Luís<br />
Maria Grignion de Montfort, e que<br />
enche, na caligrafia muito miúda dele,<br />
creio que os dois lados de uma folha<br />
de papel amarelada, que está exposta,<br />
aliás, no atual Museu de Arte<br />
Sacra, contíguo ao Convento da Luz.<br />
Tive a alegria de saber que Nossa<br />
Senhora já teve escravos muito anteriormente<br />
a nós, e que este País, onde<br />
a propensão sobrenatural para a<br />
devoção a Maria Santíssima é uma<br />
das bênçãos existentes, talvez tenha<br />
tido, desde o início, escravos de Nossa<br />
Senhora vivendo aqui e preparando<br />
o dia em que o Brasil inteiro seria<br />
uma grande nação escrava de sua<br />
Rainha e Senhora.<br />
Estas considerações feitas de passagem<br />
a respeito da festa de Nossa<br />
Senhora da Conceição Aparecida<br />
nos levam, entretanto, a aprofundar<br />
um pouco mais os comentários sobre<br />
o dogma da Imaculada Conceição.<br />
Santo Antônio de Sant’Ana Galvão<br />
Convento da Luz, São Paulo, Brasil<br />
Joao Paulo Rodrigues<br />
São Frei Galvão foi escravo<br />
de Nossa Senhora<br />
Por outro lado, uma coisa curiosa<br />
que eu soube recentemente é a seguinte:<br />
também no Brasil a escravidão<br />
a Nossa Senhora, ensinada por<br />
São Luís Maria Grignion de Montfort,<br />
entrou aqui muito mais cedo<br />
do que se supunha.<br />
Quando eu era pequeno nunca ouvira<br />
falar da escravidão a Nossa Senhora,<br />
e só tive notícia desta escravidão<br />
quando comprei o “Tratado da<br />
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”,<br />
em francês; e depois conheci al-<br />
Convento da Luz, São Paulo, Brasil<br />
Joao Paulo Rodrigues<br />
13
Rodrigo Aguiar<br />
De Maria nunquam satis<br />
A Sagrada Família em seus afazeres domésticos<br />
Santuário do Caraça, Minas Gerais, Brasil<br />
Efeitos do pecado original<br />
Há quem confunda a Imaculada<br />
Conceição com outro predicado<br />
nobilíssimo de Nossa Senhora, mas<br />
que é distinto daquele: a virgindade<br />
de Maria Santíssima antes, durante e<br />
depois do parto, que é dogma de Fé.<br />
A Imaculada Conceição tem o seguinte<br />
sentido: havendo Adão e Eva<br />
pecado, e sendo eles, na presença<br />
de Deus, os pais do gênero humano,<br />
contendo, portanto, todo o gênero<br />
humano em si como, por exemplo, a<br />
semente contém a árvore, aconteceu<br />
que aquele pecado recaiu sobre toda<br />
a humanidade.<br />
É mais ou menos o que acontece<br />
quando o pai ou a mãe contraem<br />
uma doença muito ruim — eles<br />
podem não ter culpa disso, mas o filho<br />
acaba nascendo com esta doença.<br />
Assim, nós nascemos com o pecado<br />
original.<br />
Os efeitos do pecado original no<br />
homem são tremendos. Todo o prosaísmo<br />
que existe na natureza humana,<br />
tudo aquilo que no homem causa<br />
repugnância, asco, por exemplo, é<br />
efeito do pecado original. Nós não sabemos<br />
como funcionava o organismo<br />
antes do pecado original, mas é positivo<br />
que nada do que se dava no orga-<br />
nismo humano antes era nojento como<br />
as coisas depois desse pecado.<br />
Os Santos acentuam muitas vezes<br />
a miséria da condição do homem depois<br />
do pecado, como tendo um corpo<br />
que de si, continuamente, produz<br />
imundícies. Isto é bem verdade, e é<br />
uma das notas mais humilhantes da<br />
condição humana. Tudo quanto sai<br />
do homem é desagradável, nós reputamos<br />
sujeira, desde o pranto até o<br />
suor, etc., porque vem carregado do<br />
prosaísmo deste corpo que tem a nódoa<br />
do pecado original.<br />
O homem se tornou sujeito à dor,<br />
à doença, à morte depois do pecado<br />
original. E sujeito ao erro; o homem<br />
não errava antes do pecado original,<br />
não havia nele esta oposição entre a<br />
sensibilidade, de um lado, e a inteligência<br />
e a vontade, do outro.<br />
Tantas vezes desejamos algo que<br />
nossa inteligência mostra ser reprovável,<br />
e daí surge a necessidade de<br />
nossa vontade mover um combate<br />
para recusarmos à nossa sensibilidade<br />
aquilo que a inteligência indica<br />
que é ruim.<br />
Nada disto existia no homem antes<br />
do pecado original, e o ser humano<br />
era uma criatura absolutamente<br />
superior, de cuja perfeição não temos<br />
ideia.<br />
Se um homem concebido antes<br />
do pecado chorasse, o seu pranto seria<br />
perfumado e bonito e nunca uma<br />
das imundícies da Terra. Do seu corpo<br />
nada de sujo exalaria; enfim, todas as<br />
mil misérias que nos afligem o homem<br />
não teria antes do pecado original.<br />
Um problema psicológico<br />
Então, por detrás do pecado original<br />
e de Nossa Senhora, se punha<br />
o seguinte problema, que tem um valor<br />
não tanto teológico quanto psicológico:<br />
a Santíssima Virgem Maria<br />
como era? Por exemplo, Ela estava<br />
sujeita ao resfriado? Teria nossas mil<br />
mazelas físicas?<br />
Não havia dentistas naquele tempo.<br />
Mas nós poderíamos imaginar<br />
Nossa Senhora indo a um dentista,<br />
se os houvesse? Ou consultando um<br />
médico, porque tinha, por exemplo,<br />
um cálculo nos rins? Naquela época<br />
o médico era um pouco mais do<br />
que um curandeiro, mas já se julgava<br />
muito seguro de sua arte.<br />
Se nós imaginássemos a Virgem<br />
Maria assim, ou nossa ideia a respeito<br />
d’Ela diminuiria, ou a nossa rejeição<br />
em relação a essas misérias do<br />
homem decresceriam, e sentiríamos<br />
menos que elas são efeito do pecado.<br />
Não quero dizer que todo mundo<br />
que foi contra a Imaculada Conceição<br />
tinha este mau espírito, mas<br />
quem possuía mau espírito era propenso<br />
a ser contrário à Imaculada<br />
Conceição. Compreende-se aí o problema<br />
psicológico que se põe.<br />
Entende-se também que espécie de<br />
família de almas combateu tenazmente<br />
a Imaculada Conceição até o fim, e<br />
nota-se algo do sentido revolucionário<br />
e contrarrevolucionário desta luta. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
12/10/1970)<br />
1) Canonizado em 11/5/2007.<br />
2) Situado em São Paulo, no bairro da<br />
Luz.<br />
14
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
O inter-relacionamento<br />
nas sociedades e o<br />
mundanismo<br />
Desde a mais primitiva tribo de<br />
aborígenes à mais requintada corte,<br />
toda coletividade humana forma para<br />
si uma concepção particular acerca<br />
de determinadas características e<br />
aspirações. Essas ambições próprias<br />
a cada grupo é o que constitui para<br />
cada um o mundanismo.<br />
NYPL (CC3.0)<br />
Onde existem homens reunidos<br />
forma-se uma espécie<br />
de opinião dominante, que é<br />
o mundanismo próprio àquele grupo<br />
humano. Ainda que seja a coisa menos<br />
mundana, no sentido corrente<br />
da palavra, ou menos parecida com<br />
o mundanismo, é um mundanismo<br />
que sopra como tal.<br />
Mundanismo, uma<br />
concepção de determinada<br />
coletividade<br />
Por exemplo, em certas tribos<br />
aborígenes, com aquela espécie de<br />
madeira dentro dos lábios, desde<br />
que aquilo corresponda a um certo<br />
modo de sentir e de ver deles, e configure,<br />
segundo eles, o tipo humano<br />
aceito e considerado pela maioria,<br />
aquilo é mundanismo.<br />
Cavaleiro medieval<br />
espanhol<br />
15
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Marcello Casal JR/ABr (CC3.0)<br />
dos em linha reta contra as qualidades,<br />
quer dizer, os bons têm um tipo<br />
humano e os maus têm outro, nós temos<br />
o sopro da moda, do mundanismo:<br />
são os maus; e temos o sopro da<br />
Contra-Revolução: são os bons.<br />
Então, o que vem a ser o mundanismo?<br />
Vem a ser, in genere, o tipo<br />
humano preponderante, mau, que<br />
sopra contra o tipo humano bom que<br />
quer resistir.<br />
O mundanismo e sua<br />
oposição ao espírito guerreiro<br />
Especificamente, o mundanismo<br />
é um determinado tipo humano que<br />
nós conhecemos e que data da época<br />
da “felicidade terrena”, em que todo<br />
mundo colocou como felicidade gozar<br />
a vida na Terra. Então, é o padrão<br />
capaz de formar, por exemplo, o tipo<br />
humano consumista, para conseguir<br />
o gáudio, o deleite contínuo na vida<br />
terrena, este tipo alegre, folgazão,<br />
despreocupado, cada vez menos medieval,<br />
menos heroico, até desaparecer<br />
o heroísmo. Ora, onde já não existe<br />
o heroísmo, existe apenas o puro e<br />
suíno estado de gozar a vida.<br />
Isso forma, na História humana,<br />
um período contra o qual o subcon-<br />
Lideranças indígenas durante uma reunião em Brasília, Brasil<br />
O mundanismo começa por ser<br />
uma concepção e uma atualização de<br />
um determinado tipo humano que,<br />
coletivamente, se tem como um tipo<br />
que o gênero humano, ou ao menos<br />
aquela coletividade, deve realizar. Seria<br />
como o ímã de atração de todo<br />
aquele grupo humano, que o mantém<br />
reunido e sobre o qual paira um consenso<br />
do tipo perfeito que aquela coletividade<br />
quer realizar. Mas, às vezes,<br />
é perfeito segundo uma concepção<br />
que sabem ser defeituosa.<br />
Quando se define um tipo humano<br />
que não se forma em função das<br />
qualidades, mas dos defeitos ou de<br />
um pot-pourri entre as qualidades e<br />
os defeitos da coletividade, estes últimos<br />
têm mais dinamismo do que<br />
as qualidades, em virtude do pecado<br />
original. E acaba sendo que esse tipo<br />
humano sopra de um modo persecutório<br />
para quem não quer aceitá-lo.<br />
Se o sujeito recusa aquele tipo<br />
humano, ou ele se isola e toca a sua<br />
vida em separado — e assim mesmo<br />
será malvisto —, ou será perseguido.<br />
Porque ele não pode ser como uma<br />
pedra colocada no meio de um rio<br />
contra as águas e fazendo desordem.<br />
Quando se trata da perseguição<br />
dos defeitos do tipo humano apontasumismo<br />
staliniano e fidelcastrista é<br />
uma reação em extremo oposto. Mas<br />
mundanismo é o soprar deste tipo<br />
humano, diletantista e consumista,<br />
em oposição ao espírito de cruz, de<br />
ideal, metafísico, batalhador e guerreiro<br />
da Idade Média.<br />
Está na ordem das coisas que o<br />
tipo humano diletantista teria que<br />
acabar sendo relativista, porque ele<br />
não quer saber de outra coisa. Enquanto<br />
o tipo humano não diletantista<br />
teria que tender para a afirmação<br />
da verdade absoluta. Cada um<br />
busca radicalizar-se na sua posição.<br />
Teoricamente, o tipo humano corresponderia<br />
à média da opinião geral,<br />
mas de fato não é, pelo seguinte:<br />
o homem, seja de que escola for,<br />
quando adota uma postura com adesão<br />
de fato, ele tende para a radicalidade.<br />
Mas essa radicalidade, que<br />
é uma resultante do pendor dele, é<br />
maior ou menor conforme a adesão<br />
que ele deu.<br />
Em geral, a maioria não tem pendores<br />
vivos e possui uma tendência<br />
para a inércia, que é combatida<br />
pela atração do tipo humano. A<br />
maioria daria uma média bem inferior<br />
ao tipo humano. Contudo, não é<br />
tão simples assim, pois o tipo humano<br />
mediano não é feito de uma mediania<br />
compacta. Ele, enquanto mediano,<br />
tem horas nas quais ele deseja<br />
muito a radicalidade. E, portanto,<br />
gosta que em alguma medida o arrastem<br />
para essa radicalidade, ainda<br />
que seja só para admirar. E por<br />
causa disso, ele sempre é levado pelos<br />
piores do que ele, para mais longe<br />
do que ele iria por si. Mas, no fundo<br />
ele quer.<br />
A soledade se estabelece, sobretudo,<br />
quando o tipo humano verdadeiramente<br />
católico fica só em relação<br />
ao tipo humano em vigor, que é velada<br />
ou claramente anticatólico. Assim,<br />
por exemplo, o católico autêntico poderia<br />
sentir-se isolado mesmo estando<br />
rodeado de outros católicos frouxos;<br />
seria um isolamento menos com-<br />
16
NYPL (CC3.0)<br />
Torneio entre cavaleiros no século XV<br />
pleto, mas não menos pungente do<br />
que se ele vivesse em meio a pagãos.<br />
Tanto mais que alguns dos tipos<br />
humanos anticatólicos têm uma<br />
agressividade muito grande, velada<br />
em doçura.<br />
O inter-relacionamento<br />
dentro das sociedades<br />
No que diz respeito à formação<br />
do tipo humano, esta depende das<br />
circunstâncias, mas é um fenômeno<br />
tão importante que raras vezes deixa<br />
de ser verdade que a Providência e o<br />
demônio agem por detrás e por dentro<br />
dessas circunstâncias, em alguma<br />
medida. Existe uma automaticidade,<br />
sem dúvida, mas condicionada a isso.<br />
Face a este assunto existem duas<br />
categorias de atitude. Uma é a de<br />
um tipo humano de uma sociedade,<br />
uma coletividade humana que está à<br />
procura do seu tipo. Mas quando ela<br />
está à procura, embora ainda não tenha<br />
encontrado, já sabe o que busca.<br />
Outra atitude é a de um conjunto<br />
de homens que, sem perceber, se<br />
concerta em torno de uma certa concepção<br />
e ruma naquele sentido. Por<br />
exemplo, um grupinho de meninotes,<br />
rapazinhos de um bairro. Eles<br />
se constituem, às vezes, se imbricam<br />
muito durante o período de meninotes,<br />
mas se imbricam muito intensamente<br />
em torno de algumas coisas<br />
que são conjunções espontâneas,<br />
trazidas por circunstâncias, em torno<br />
de algo que é um tipo humano. Esse<br />
tipo humano muitas vezes é subconsciente<br />
e tende a ser realizado.<br />
Isso todo grupo tem, ainda que o tipo<br />
humano visado seja o da inércia e<br />
do desmazelo.<br />
Posta a alma humana como é, e<br />
postas em contato essas almas entre<br />
si, levadas pelo instinto de sociabilidade,<br />
este instinto orquestra esses<br />
fenômenos todos. Há, portanto, regras<br />
fundamentais, simples, primeiras,<br />
que explicam o desenvolver desse<br />
inter-relacionamento dentro das<br />
sociedades. A respeito disso poderíamos<br />
tratar em outra ocasião. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
18/5/1989)<br />
17
Francisco Lecaros<br />
C<br />
alendário<br />
1. Santa Teresinha do Menino Jesus,<br />
virgem e Doutora da Igreja<br />
(†1897). Ver página 2.<br />
2. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />
Santos Anjos da Guarda. Ver página<br />
24.<br />
Beato Antônio Chevrier, presbítero<br />
(†1879). Fundou em Lyon, França,<br />
a Obra da Providência do Prado.<br />
3. Bem-aventurados André de Soveral,<br />
Ambrósio Francisco Ferro,<br />
presbíteros, e companheiros, mártires<br />
(†1645).<br />
São Cipriano de Toulon, bispo (†d.<br />
543). Discípulo de São Cesário de Arles,<br />
defendeu em vários Concílios a<br />
verdadeira Fé sobre a graça.<br />
4. São Francisco de Assis, religioso<br />
(†1226).<br />
Santa Áurea de Paris, abadessa<br />
(†c. 666). Superiora do Mosteiro de<br />
São João de Capistrano<br />
dos Santos – ––––––<br />
São Marcial, em Paris, onde viviam<br />
cerca de 300 virgens sob a regra de<br />
São Columbano.<br />
5. São Benedito, o Negro, religioso<br />
(†1589).<br />
Santa Maria Faustina Kowalska,<br />
virgem (†1938). Religiosa das Irmãs<br />
da Bem-Aventurada Virgem Maria<br />
da Misericórdia, que muito trabalhou<br />
em Cracóvia, Polônia, para manifestar<br />
o mistério da Misericórdia Divina.<br />
6. São Bruno, presbítero e eremita<br />
(†1101).<br />
Beato Adalberon de Würzburg,<br />
bispo (†1090). Foi perseguido pelos<br />
cismáticos e expulso de sua Diocese<br />
de Würzburg, Alemanha, por haver<br />
defendido a Sé Apostólica.<br />
7. Nossa Senhora do Rosário.<br />
São Marcos, Papa (†336). Em seu<br />
curto Pontificado instituiu o pálio, fez<br />
o primeiro calendário das festas religiosas<br />
e mandou construir as Basílicas<br />
de São Marcos e de Santa Balbina.<br />
8. Beatos João Adams, Roberto Dibdale<br />
e João Lowe, presbíteros e mártires<br />
(†1586). Mortos após sofrerem<br />
atrozes suplícios, no reinado de Isabel I.<br />
9. XXVIII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Dionísio, bispo, e companheiros,<br />
mártires (†séc. III).<br />
São João Leonardi, presbítero<br />
(†1609).<br />
10. São Paulino de York, bispo<br />
(†644). Monge e discípulo do Papa São<br />
Gregório Magno, enviado para pregar<br />
o Evangelho na Inglaterra. Batizou o<br />
rei Eduíno da Nortúmbria, seus dois filhos<br />
e muitos outros nobres.<br />
11. Santo Anastácio, presbítero<br />
(†666). Companheiro de São Máximo,<br />
o Confessor, na defesa da Fé e<br />
nos sofrimentos, morreu exilado nas<br />
montanhas do Cáucaso.<br />
Hugo Grados Kilteka<br />
São Bruno<br />
12. Solenidade de Nossa Senhora da<br />
Conceição Aparecida. Ver página 12.<br />
Beato Pacífico Salcedo Puchades,<br />
religioso e mártir (†1936). Irmão leigo<br />
capuchinho fuzilado em Massamagrell,<br />
perto de Valência.<br />
13. São Venâncio de Tours, abade<br />
(†séc. V). Com o consentimento de<br />
sua esposa, ingressou no Mosteiro de<br />
São Martinho, em Tours, a fim de viver<br />
só para Cristo.<br />
14. São Calisto I, Papa e mártir<br />
(†c. 222).<br />
Beatos Estanislau Mysakowski e<br />
Francisco Rosłaniec, presbíteros e<br />
mártires (†1942). Mortos na câmara<br />
de gás em Dachau, Alemanha.<br />
15. Santa Teresa de Jesus, virgem<br />
e Doutora da Igreja (†1582).<br />
Santa Tecla de Kitzingen, abadessa<br />
(†c. 790). Religiosa beneditina de<br />
Wimborne, Inglaterra, enviada à Alemanha<br />
para ajudar São Bonifácio.<br />
18
––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />
16. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santa Edwiges, religiosa (†1243).<br />
Santa Margarida Maria Alacoque,<br />
virgem (†1690).<br />
17. Santo Inácio de Antioquia, bispo<br />
e mártir (†107).<br />
Santo Isidoro Gagelin, presbítero<br />
e mártir (†1833). Sacerdote das Missões<br />
Estrangeiras, morto durante as<br />
perseguições no Vietnã.<br />
18. São Lucas, Evangelista.<br />
Santo Amável, presbítero (†séc.<br />
V). Sacerdote de Riom, França, elogiado<br />
por São Gregório de Tours por<br />
suas virtudes e dons de milagres.<br />
19. Santos João de Brébeuf, Isaac<br />
Jogues, presbíteros, e companheiros,<br />
mártires (†1642-1649).<br />
São Paulo da Cruz, presbítero<br />
(†1775).<br />
Beata Inês de Jesus Galand, virgem<br />
(†1634). Priora do mosteiro dominicano<br />
de Langeac, França, ofereceu a Cristo<br />
suas preces e sofrimentos nas intenções<br />
da boa formação dos sacerdotes.<br />
20. Beato Tiago Kern, presbítero<br />
(†1924). Sacerdote premonstratense,<br />
exerceu solicitamente o ministério<br />
pastoral em Viena, Áustria, superando<br />
com fortaleza a grave enfermidade<br />
que o atingira.<br />
21. Santa Laura de Santa Catarina<br />
de Sena Montoya y Upegui, virgem<br />
(†1949). Religiosa colombiana, fundou<br />
em Medellín a Congregação das<br />
Irmãs Missionárias de Maria Imaculada<br />
e Santa Catarina de Sena.<br />
22. São Donato Scoto, bispo (†c. 875).<br />
Nobre irlandês que, desejoso de perfeição,<br />
iniciou uma vida de peregrinações.<br />
Foi eleito Bispo de Fiesole, Itália, quando<br />
estava a caminho de Roma.<br />
23. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />
São João de Capistrano, presbítero<br />
(†1456).<br />
São Teodoreto de Antioquia, presbítero<br />
e mártir (†c. 362). Morto por<br />
ordem de Juliano, o Apóstata, por recusar-se<br />
a renegar a Fé.<br />
24. Santo Antônio Maria Claret,<br />
bispo (†1870).<br />
Santo Aretas, príncipe, e companheiros,<br />
mártires (†523). Ver página 31.<br />
25. Santo Antônio de Sant’Ana<br />
Galvão, presbítero (†1822).<br />
Beato Recaredo Centelles Abad,<br />
presbítero e mártir (†1936). Membro<br />
da Irmandade dos Sacerdotes Operários<br />
Diocesanos, assassinado junto ao<br />
cemitério de Nules, Espanha.<br />
26. Beato Damião Furcheri, presbítero<br />
(†1484). Sacerdote dominicano,<br />
incansável pregador nas regiões da Ligúria,<br />
Lombardia e Emília, Itália.<br />
27. Santo Evaristo, Papa (†108).<br />
Quarto sucessor de São Pedro, regeu<br />
a Igreja de Roma por cerca de dez<br />
anos.<br />
28. São Simão e São Judas Tadeu,<br />
Apóstolos.<br />
São Germano de Talloires, abade<br />
(†séc. XI). Fundou e dirigiu a abadia<br />
de Talloires, em Annecy, França.<br />
29. São Narciso de Jerusalém, bispo<br />
(†c. 222). Modelo de paciência e<br />
fé, foi eleito Bispo de Jerusalém aos<br />
100 anos de idade.<br />
30. XXXI Domingo do Tempo Comum.<br />
Beato Aleixo Zaryckyj, presbítero<br />
e mártir (†1963). Sacerdote da Arquieparquia<br />
ucraniana, preso no campo<br />
de concentração de Dolinka, Cazaquistão,<br />
onde morreu.<br />
31. Beato Domingos Collins, religioso<br />
e mártir (†1602). Irmão coadjutor<br />
jesuíta, preso, torturado e enforcado<br />
na Irlanda.<br />
Francisco Lecaros<br />
Aparição de Nossa Senhora a Santo Antônio Maria Claret<br />
19
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Mario Shinoda<br />
Importância<br />
do olhar<br />
O homem não se exprime apenas pela palavra pronunciada, mas<br />
também pelo tom de voz, pela posição do pescoço e do tronco,<br />
pelo movimento das mãos. Entretanto, o mais importante é o<br />
olhar. Eis um dos elementos da verdadeira educação que deverá<br />
nascer no Reino de Maria, pela ação do Espírito Santo.<br />
Apalavra dá o exprimível daquilo<br />
que a pessoa possa estar<br />
desejando dizer, enquanto<br />
o olhar proporciona o inefável, o<br />
inexprimível do que se está querendo<br />
dizer. Assim, há uma porção de coisas<br />
que o olhar diz e que daquele modo<br />
a palavra não conseguiria dizer.<br />
Obra-prima de retórica<br />
Por exemplo, um homem está<br />
precisando de pão; entra numa padaria<br />
e fala para o padeiro: “Quer<br />
me dar um pão?” A palavra diz: “Estou<br />
precisando de um pão, não tenho<br />
dinheiro para pagar, você quer<br />
me dar?” Mas o olhar diz uma série<br />
de coisas a respeito do próprio sujeito;<br />
o que ele está sentindo, como<br />
está sofrendo, como quem afirma:<br />
“Olhe para minha alma, veja a necessidade<br />
pela qual estou passando,<br />
olhe a minha tristeza a esse respeito,<br />
a humildade com que estou lhe<br />
pedindo, e que dureza de sua parte<br />
haveria em me recusar. Queira-me<br />
bem, porque estou necessitado!” É o<br />
que diz o olhar.<br />
Então o olhar traz uma porção de<br />
conhecimentos por conaturalidade<br />
que acompanha aquele simples pedido<br />
de pão, e é uma justificação desse<br />
pedido, e nem adiantaria a palavra,<br />
por exemplo, se esta fosse dita por<br />
detrás de um biombo.<br />
É curioso que toda atitude da pessoa<br />
constitui uma espécie de obra-<br />
-prima de retórica, da qual ela não se<br />
dá conta. É uma coisa confusa, mas<br />
uma obra-prima: o pouco que o indivíduo<br />
pode dar de retórica, ele apre-<br />
senta assim, porque também a voz<br />
modula, um pouco cantando, o que<br />
os olhos dizem olhando. E há inflexões<br />
de voz que dizem mais do que<br />
as meras palavras. Por exemplo: “O<br />
senhor queria me dar um pouco de<br />
pão?” Há mil modos de modular este<br />
pedido de maneira a, sem que o<br />
sujeito perceba, ser dito de tal forma<br />
que o tom de voz completa o que<br />
o olhar disse, e que está na linguagem<br />
da conaturalidade, não na linguagem<br />
do sentido lógico da palavra.<br />
Elementos complementares dentro<br />
disso são a posição do pescoço<br />
sobre o tronco e a do tronco sobre<br />
as pernas. E a ponta do poder convincente<br />
está na atitude das mãos.<br />
Se pedir com a mão colada às costas,<br />
ele encaminha para uma recusa,<br />
é quase insolente.<br />
20
A curvatura: quem pede, raramente<br />
entesa o tronco para pedir.<br />
Não entesa a cabeça, nem o corpo; é<br />
preciso ser um alto jogador para entesar<br />
as duas coisas e pedir. Tem um<br />
certo sentido quando o sujeito sabe<br />
dizer: “Veja o que está na miséria;<br />
veja o clamor desta injustiça que eu<br />
esteja sem pão: dê-me!” E isso pode<br />
ter seu valor cogente, conforme a<br />
circunstância.<br />
O mais interessante são as riquezas<br />
da conaturalidade, por onde o<br />
homem não percebe isto e faz esse<br />
jogo com maior ou menor êxito.<br />
O regionalismo europeu<br />
E aqui entra uma questão complexa:<br />
como formar as pessoas para<br />
isso? Qual a medida, o ponto para<br />
tratar as coisas a partir das quais<br />
se consegue formar sem tirar a autenticidade<br />
do formando? Portanto,<br />
civilizar sem extrair a autenticidade<br />
do povo a ser civilizado, educar sem<br />
fazer do indivíduo um autômato.<br />
Há algo que estimula a aseitas 1 e a<br />
orienta, mas segundo um movimento<br />
que é dela; o ideal é extrínseco a<br />
ela, mas o tropismo por onde ela se<br />
volta para o ideal é dela.<br />
Utilizando um exemplo do reino<br />
vegetal, tratar-se-ia de estimular<br />
a planta a tonificar seu<br />
tropismo mais do que torcê-<br />
-la ou esticá-la numa determinada<br />
direção. É um problema<br />
muito delicado que<br />
se aplica até aos povos.<br />
Francisco Lecaros<br />
Arquiduque Alberto d’Áustria<br />
Museu Quiñones de León,<br />
Vigo, Espanha<br />
Dou um exemplo. Antes<br />
da Primeira Guerra Mundial,<br />
o que teria sido possível<br />
ou conveniente dizer para o<br />
mundo europeu a respeito da<br />
questão do regionalismo?<br />
Se prestarmos atenção em<br />
como era o mundo europeu daquela<br />
época, em função do centripetismo<br />
nacional que vinha tomando<br />
aqueles Estados cada vez mais<br />
centralizados, e o centrifugismo regionalista<br />
de todas aquelas velhas<br />
regiões da Europa que estavam sendo<br />
trituradas, o que seria possível dizer<br />
para dar um golpe nesse centralismo<br />
e indicar o ponto de equilíbrio<br />
entre uma coisa e outra?<br />
Consideremos um bretão. Segundo<br />
minha ideia, um bretão é um francês,<br />
mas de um tipo tal como nenhum<br />
outro é, e que deve ir engendrando<br />
notas características cada vez mais.<br />
Qual o ponto ideal onde o bretão é<br />
suficientemente francês para haver<br />
uma França verdadeira, mas suficientemente<br />
bretão para ser inteiramente<br />
um cidadão da Bretanha?<br />
Que divagação agradável e interessante<br />
daria se pudéssemos lançar<br />
naquele tempo um mapa com todos<br />
os regionalismos, que são incontáveis!<br />
Na Espanha, por exemplo, pegue-se<br />
o país Basco; eu garanto que<br />
no país Basco existem particularidades,<br />
singularidades, etc., só falta ter<br />
de bairro a bairro na mesma cidade.<br />
E entre um granadino e um bilbaíno<br />
quantas diferenças há! Isso se ocultou,<br />
não se falou, a literatura não<br />
tratou disso; essas diferenças eram<br />
tidas como deformidades que deveriam<br />
ser rapadas e liquidadas, e seria<br />
preciso tornar Castela o “monstro”<br />
que engoliu a Espanha inteira.<br />
Assim foi Lisboa e toda a Europa<br />
que estava passando por esse processo.<br />
Com a guerra, naturalmente,<br />
isso se precipitou muito mais. E que<br />
coisa magnífica seria indicar o ponto<br />
de equilíbrio para que fosse a verdadeira<br />
Europa; que isso que nasce<br />
da base continuasse a florescer, a vicejar,<br />
segundo modelos locais, mas<br />
tendo algo de comum entre si que,<br />
isto sim, competiria ao país destilar.<br />
E isso mesmo que estou dizendo<br />
é mais didático do que real, porque<br />
é um pouco bonitinho, arranjadinho<br />
demais para a sociedade orgânica.<br />
A sociedade orgânica é menos<br />
simples do que isso; é mais emaranhada,<br />
mais mesclada do que essa<br />
realidade que estou pintando. E ali<br />
está a vida.<br />
Então, como seria preciso tomar<br />
cada um desses povos como um maestro,<br />
toca ali, lá, acolá, para a sinfonia<br />
dos regionalismos autênticos<br />
se desprender de uma Europa verdadeira?<br />
É um muito bonito problema.<br />
Eu estava imaginando, então,<br />
um arquiduque da Áustria<br />
que escrevesse um livro para<br />
justificar a monarquia dual,<br />
e jogasse na cara da Europa<br />
o seguinte: “A nossa monarquia<br />
é mais diferenciada do<br />
que os países de vocês. Vocês<br />
dizem que somos uns tiranos<br />
porque esmagamos os<br />
países, não permitindo que<br />
se separem os que estão sob<br />
nossa hegemonia. Vocês impediram<br />
os nascimentos; são<br />
necrópoles de crianças! Coordenar<br />
adultos que nós soubemos<br />
conservar livres é muito mais difícil<br />
do que ser administrador de um cemitério<br />
de crianças.”<br />
21
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Mario Shinoda<br />
A essência da amizade é<br />
metafísica e sobrenatural<br />
No tocante ao olhar, aos gestos, o<br />
homem deve ser educado como essas<br />
nações, nessa correlação entre<br />
um tema e outro. E se um menino<br />
tiver, por exemplo, uma governanta<br />
que afirme — a minha me disse várias<br />
vezes —: “Um homem educado<br />
não gesticula com as mãos e, portanto,<br />
você não é educado, mas não diga,<br />
pelo menos, que não lhe avisei.”<br />
Pensei com meus botões. “Eu não<br />
sou eu se não gesticular. Então prefiro<br />
ser um mal-educado do que um<br />
bem-educado que não sou inteiramente<br />
eu mesmo. Depois, ela mesma<br />
quando se deixa tomar por determinado<br />
tema gesticula também, porque<br />
todo mundo gesticula. E, portanto,<br />
essa ‘boa educação’ não serve,<br />
saberei mexer com minhas mãos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma<br />
conferência em 10/10/1992<br />
como eu quero.” Enquanto estou dizendo<br />
isso, eu as movimento.<br />
Eu temeria muito escolas assim:<br />
“Três bolos na mão porque gesticulou.”<br />
Então eu passo o tempo inteiro<br />
sem gesticular, mas sinto que, irremediavelmente,<br />
sou um piano no qual<br />
uma nota ficou quebrada. Vê-se, portanto,<br />
a dificuldade de educar.<br />
Tudo isso no Reino de Maria tem<br />
que nascer pelo efeito do Espírito<br />
Santo. Saber educar debaixo desse<br />
ponto de vista é muito delicado.<br />
Portanto, o olhar não pode ser<br />
considerado isoladamente das outras<br />
formas de expressão, pois o<br />
corpo inteiro, às vezes sem percebermos,<br />
completa a sua retórica.<br />
Contudo, as outras expressões sublinham<br />
o olhar, mas este é o dado-<br />
-mestre por onde todas as coisas falam.<br />
Quer dizer, todo o resto se ordena<br />
ao olhar.<br />
Agora, qual é a relação do olhar<br />
com a palavra expressa? Um homem<br />
que canta, sua laringe é um instrumento<br />
musical, mas o olhar é propriamente<br />
a partitura daquilo que é<br />
cantado. O olhar acrescenta à palavra<br />
o que a partitura adiciona à escrita;<br />
não é só o olhar, mas é preponderantemente<br />
o olhar.<br />
O que tem de curioso é o seguinte:<br />
os homens foram feitos — eu encontro<br />
dificuldade em convencer os<br />
outros a respeito disso, mas é uma<br />
verdade que está no fundo da cabeça<br />
de todo mundo — para se quererem,<br />
amarem uns aos outros, porém<br />
de um amor metafísico e sobrenatural,<br />
que é o único verdadeiro, por onde<br />
as almas se conhecendo profundamente<br />
umas às outras, notando consonância<br />
e harmonia, se querem porque<br />
desejam a coisa em torno da qual<br />
são consonantes. Quer dizer, o fundo<br />
da amizade é metafísico<br />
e sobrenatural.<br />
Pode haver amizade<br />
natural, mas quando ela<br />
existe verdadeiramente<br />
é construída em torno<br />
de princípios metafísicos<br />
inexpressos. E a<br />
amizade entre dois indivíduos<br />
que foram educados<br />
juntos, por exemplo,<br />
de fato tem um<br />
sentido principalmente<br />
porque houve consonância<br />
entre ambos.<br />
E, involuntariamente,<br />
dois mercadores que<br />
estão tratando no mercado,<br />
ou um homem<br />
num banco que apresenta<br />
um cheque e outro<br />
lhe entrega o dinheiro,<br />
portanto, operação<br />
puramente mercantil,<br />
sem se darem conta,<br />
quando eles se olham,<br />
um procura no olhar do<br />
outro o que se encontra<br />
em todo mundo.<br />
22
Diafragma da<br />
máquina fotográfica<br />
O ponto de partida de toda a nossa<br />
sociologia está nisso: quando olhamos<br />
assim, cada um de nós tem um<br />
ponto que é metafísico. O sujeito não<br />
sabe que é metafísico; apresenta-se a<br />
ele como um sentimento de alma. E,<br />
realmente, esse ponto metafísico produz<br />
um certo sentimento de alma,<br />
mas atrás deste há uma coisa metafísica<br />
em que se sente um certo isolamento,<br />
porque toda alma padece<br />
de viver isolada neste ponto profundo,<br />
e passa a existência olhando para<br />
os outros e perguntando: “Você é<br />
assim? Você é quem eu procurava”?<br />
É uma coisa muito interessante<br />
observar duas pessoas que se veem<br />
pela primeira vez. A vida, para quem<br />
sabe observá-la, é interessantíssima.<br />
Será alguém que está fazendo plantão<br />
numa sede nossa e toca a campainha<br />
um membro do Movimento residente<br />
em outro país; os dois nunca<br />
se viram. No primeiro olhar, o que se<br />
passa? É sempre uma procura.<br />
Às vezes também a hostilidade<br />
nasce logo porque houve uma recusa.<br />
A hostilidade vem do fato de encontrar<br />
o contrário e, às vezes, acontece<br />
o seguinte: o sujeito está particularmente<br />
desprevenido e com uma<br />
esperança subconsciente de que no<br />
próximo toque de campainha ele<br />
vai encontrar uma coisa mais afável.<br />
Aparece um dinossauro, isso pode<br />
traduzir-se num… “Logo você?”<br />
Mas essa procura é assim: há uma<br />
abertura análoga a um diafragma de<br />
máquina de fotografia que fecha e<br />
abre, conforme o sujeito puxa uma<br />
peça. No olho, a procura é o diafragma<br />
que se abre.<br />
Imaginemos um indivíduo que, ao<br />
receber a visita de outro, pensa: “Esse<br />
faz parte do mundo do anonimato<br />
para mim”, e pergunta:<br />
— O senhor o que deseja?<br />
O outro responde;<br />
— Vim cobrar uma conta.<br />
— Sei. O senhor<br />
tem o recibo?<br />
Está acabado. A conversa<br />
começou com os<br />
dois diafragmas abertos,<br />
como todas as conversas<br />
iniciam, e terminam<br />
tantas vezes com<br />
os diafragmas fechados.<br />
No fundo, tudo<br />
aquilo de que eu falava<br />
há pouco, a sinfonia<br />
toda dos gestos,<br />
do tom das palavras,<br />
da inclinação, etc., visa<br />
esse ponto metafísico.<br />
Assim, para aqueles<br />
que desejamos que<br />
tenham conosco o diafragma<br />
fechado, porque<br />
não há comércio<br />
possível, em toda<br />
a nossa atitude tomamos<br />
oposição. E para<br />
aqueles em que nós<br />
procuramos alguma coisa, assumimos<br />
uma atitude diferente.<br />
Os restos da inocência<br />
E eu não acredito, por mais incrível<br />
que seja em pleno século XX, no<br />
puro interesse. As pessoas podem de<br />
fato tratar-se segundo um objetivo,<br />
mas essa procura, no fundo, condiciona<br />
— embora nem sempre de um<br />
modo decisivo — o trato humano de<br />
ponta a ponta.<br />
Mesmo um egoísta não visa o mero<br />
interesse. Ele resolveu entregar<br />
sua vida a um interesse, mas no fundo<br />
de sua alma tem embolada, sofrida<br />
como uma zona da alma que levou<br />
uma pancada e está começando<br />
a ficar infeccionada, gangrenada, a<br />
dor daquilo que ele queria ter sido e<br />
não foi, que desejava ter feito e não<br />
fez, e uma certa procura de alguém<br />
que seja consonante com ele, com o<br />
que ele quereria ter sido.<br />
O sujeito pode, pelo mais vil dos<br />
movimentos, pegar uma pessoa com<br />
“Vendedora de frutas” - Museu<br />
Provincial, Pontevedra, Espanha<br />
quem ele é inteiramente consonante,<br />
meter-lhe um pontapé e dizer:<br />
“Se eu ficar seu amigo, deixarei de<br />
ser um homem de interesse como<br />
quero. Você, para mim, é uma tentação,<br />
vou te desprezar.” Ele não dá<br />
esse pontapé à toa, em vão, porque<br />
acaba doendo nele.<br />
E um indivíduo que pauta toda a<br />
sua vida de acordo com seus interesses,<br />
e pode chegar a ser um banqueiro<br />
ideal, de repente ele faz uma loucura;<br />
é a explosão daquela zona maltratada,<br />
colonizada e enxovalhada da alma,<br />
que muitas vezes não é o lado ruim<br />
que se revolta, mas é o lado bom que<br />
sofre; são os restos da inocência.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
5/6/1986)<br />
1) Do latim: asseidade. Termo usado<br />
pela Filosofia escolástica significando<br />
o atributo divino fundamental que<br />
consiste em existir por Si próprio.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o utiliza aqui em sentido<br />
analógico. Ver <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 140, p. 16<br />
e n. 141, p. 20.<br />
Francisco Lecaros<br />
23
Reflexões teológicas<br />
O convívio<br />
Francisco Lecaros<br />
dos Anjos<br />
Anjo com turíbulo - Catedral<br />
de Bolzano, Itália<br />
A iconografia de Anjos da Renascença<br />
e do barroco, bem como certas<br />
imagens muito difundidas no<br />
século passado não representam<br />
autenticamente os espíritos angélicos;<br />
os da Idade Média e os de Fra Angelico<br />
exprimem a realidade. Os Anjos estão<br />
dispostos numa hierarquia, em que os<br />
superiores transmitem aos inferiores<br />
“jornais falados” a respeito do que<br />
viram em Deus.<br />
Ao tratar sobre os Anjos, devemos<br />
antes estabelecer alguns<br />
princípios que nos ajudarão a<br />
nos aprofundarmos no assunto.<br />
Mosteiro de Saint-Michel<br />
O primeiro princípio que convém<br />
lembrar é o seguinte: a Providência<br />
está permitindo ao demônio ter um<br />
arrojo e uma extensão de ação como<br />
jamais se viu ao longo da História.<br />
Nós podemos ter as mais variadas<br />
impressões a respeito do passado, a<br />
História narra as ações mais estranhas,<br />
mais censuráveis, mais condenáveis.<br />
Entretanto, quando comparamos<br />
essas ações a algumas que se<br />
dão no mundo contemporâneo, vemos<br />
que o passado era simplesmente<br />
diáfano e encantador, mesmo em<br />
seus aspectos mais censuráveis, em<br />
comparação com os lados reprováveis<br />
do presente.<br />
Há dois mil anos a Igreja cultua os<br />
santos Anjos e, de quando em quando,<br />
eles aparecem e dão de si alguma<br />
manifestação. Recordemos o Mosteiro<br />
de Saint-Michel, na França, o<br />
qual, visto no seu total, é como que<br />
a fotografia, em pedra, de um espírito<br />
angélico.<br />
Aquela ponta que se ergue e depois<br />
a abadia com suas várias construções,<br />
junto àquele mar variado,<br />
ora mais mar do que terra, ora mais<br />
terra do que mar, às vezes restos de<br />
poça de mar no meio de braços de<br />
terra que vão secando e emergindo<br />
no meio daquilo tudo; e depois<br />
se percebe um vento uivando e silvando<br />
na parte do mar que é sempre<br />
mar. No meio de tudo isto o Mosteiro<br />
de Saint-Michel de pé, solene,<br />
tranquilo e firme, agarrado e dominando<br />
a rocha, mostrando aos mares<br />
a inanidade de seus movimentos<br />
e com a flecha apontada para o céu.<br />
Como o espírito humano conhece<br />
bem por meio do contraste, vamos<br />
tomar certas noções comuns, cor-<br />
24
entes, pouco precisas e infelizmente<br />
um tanto infantis a respeito dos Anjos<br />
presentes na mentalidade de todo<br />
mundo — oriundas de uma apresentação<br />
muito sumária do tema —<br />
e transpô-las para o que imaginamos<br />
de um Anjo.<br />
Com isso trataremos de ter alguma<br />
ideia daqueles Anjos cuja vinda e intervenção<br />
nós esperamos. Fica assim<br />
indicada a nossa meta, e nossas almas,<br />
ao menos por uns instantes, apontarão<br />
para essa hora da vinda deles como a<br />
torre do sino do Monte Saint-Michel.<br />
Anjo gorducho e<br />
despreocupado...<br />
Quais são as ideias que há a respeito<br />
dos Anjos? A criança forma a noção<br />
de que as figuras de Anjo que ela<br />
recebe correspondem às ideias que os<br />
pais — e também o vigário — têm do<br />
Anjo. Tanto mais que a criança sabe<br />
de um modo instintivo e confuso que,<br />
em última análise, o pai e a mãe conferem<br />
com o vigário as ideias da Religião.<br />
De maneira que toda estampa,<br />
todo medalhão, toda figura que<br />
representa um Anjo, a criança julga<br />
mais ou menos subconscientemente<br />
que significa o ensinamento da Igreja<br />
Católica sobre o Anjo.<br />
Então devemos nos reportar à estatuária,<br />
às estampas, às coisas habi-<br />
tuais a respeito dos Anjos — e que<br />
não são muitas. Podemos cogitar<br />
um pouquinho também nos magníficos<br />
Anjos da Idade Média, passando<br />
muito rapidamente pelos Anjos do<br />
barroco. Consideremos, em primeiro<br />
lugar, como os Anjos eram apresentados<br />
na nossa infância.<br />
Havia duas casas em São Paulo,<br />
ainda do centro velho, que vendiam<br />
relógios, algumas joias e objetos religiosos<br />
de luxo: a Joalheria Michel<br />
e a Casa Bento Loeb. Aquela imagem<br />
do Coração de Jesus que há em<br />
minha residência, por exemplo, foi<br />
comprada numa dessas lojas. Eu me<br />
lembro de que o fornecimento de artigos<br />
religiosos para crianças do meu<br />
tempo era encaminhado por essas<br />
duas casas. E eram, em geral, fábricas<br />
francesas que enviavam esses objetos<br />
para São Paulo.<br />
Então, eu me recordo de um medalhão<br />
que representava um Anjo<br />
e me chamou muito a atenção. Era<br />
circular, bom para presentear a uma<br />
senhora que acabava de ter um filho,<br />
a fim de amarrar o medalhão<br />
na cúpula do berço; para conceder a<br />
uma criancinha de três, quatro, cinco<br />
anos que faz aniversário; próprio<br />
também para dar a uma criança um<br />
pouco mais velha que recebe a Primeira<br />
Comunhão. Nem me lembro<br />
mais se esse medalhão era meu ou<br />
de minha irmã ou de algum de meus<br />
primos. Sei que esse medalhão conviveu<br />
comigo. E no promíscuo da infância<br />
entre parentes, em que a propriedade<br />
individual existe confusamente<br />
e os objetos são trocados, passam<br />
da gaveta de um para a mão do<br />
outro, nesse turbilhão tenho a impressão<br />
de que isso acabou sendo<br />
meu, mas não estou certo.<br />
Era um Anjo tipo, ainda, Belle<br />
Époque 1 : gorducho, com a face cheia,<br />
cabelos ligeiramente ondeados, braços<br />
bem roliços, trançados, e uma cara<br />
de inteira tranquilidade, debruçado<br />
sobre algo que era como que a base<br />
do medalhão, tendendo um pouco<br />
para o tédio, incapaz e não desejoso<br />
de qualquer esforço. Como quem<br />
olha de um terraço para um ponto vago,<br />
mas que não está muito interessado<br />
na cena que se passa embaixo<br />
Sergio Hollmann<br />
Monte Saint-Michel, França<br />
25
Reflexões teológicas<br />
e diz: “A minha batalha eu já travei e<br />
agora estou aqui gozando; você se arranje<br />
como puder!”<br />
Lembro-me de que eu olhava para<br />
o Anjo e me vinha uma ligeira<br />
perturbação ao espírito, no seguinte<br />
sentido: “Se um Anjo é assim e conhecesse<br />
bem o interior de sua alma,<br />
ele discordaria de você; porque você<br />
tem a respeito do Anjo umas ideias<br />
que esta imagem não simboliza. Logo,<br />
ou essas ideias são contra a realidade<br />
do que é um Anjo e você está<br />
errado, ou elas são a favor dessa realidade;<br />
mas então o Anjo está errado<br />
e, portanto, alguma coisa não acerta<br />
bem nisto.” A saída era, naturalmente:<br />
“Eu vou procurar.” E olhava,<br />
olhava, olhava para ver se encontrava<br />
no Anjo alguma coisa que tivesse<br />
relação com isso.<br />
...ou sentado sobre uma<br />
nuvem e tocando harpa<br />
des atrativos, um certo fundo de tédio.<br />
Esforço, não! Mas outros quadros,<br />
outras coisas de uma arte religiosa<br />
que já caminhava a passos largos<br />
para sua decadência, afirmavam<br />
isso.<br />
Por exemplo, quadro clássico, tantas<br />
vezes comentado entre nós: Anjos<br />
sentados em cima de nuvens, sobre<br />
um céu azul, tocando harpa.<br />
Quando acaba de tocar a harpa? Como<br />
é que essa nuvem não afunda?<br />
E, no total, tem-se a impressão de<br />
que eles eram pintados com uma cara<br />
animada, mas à maneira de pessoas<br />
muito bem educadas que estavam<br />
atravessando uma fase de tédio, com<br />
ar distraído, mas que no fundo eles<br />
estavam se aborrecendo…<br />
Por outro lado, há a ideia reta, insinuada,<br />
de que eles são de uma natureza<br />
inteiramente superior à nossa,<br />
apresentados em carne e osso<br />
apenas porque a arte não pode pintar<br />
o puro espírito, mas gozam da<br />
presença de Deus e da familiaridade<br />
nos inefáveis do Altíssimo e são muito<br />
bem intencionados, muito bem<br />
Então, uma primeira ideia a respeito<br />
dos Anjos: vida realizada, sem<br />
futuro, numa eternidade sem grandispostos<br />
em relação aos homens.<br />
Prontos a ajudar, a socorrer.<br />
Tornei-me adulto e as imagens de<br />
Anjos foram se repetindo no mesmo<br />
gênero. Eu me lembro de uma estampa<br />
impressa, bastante popular colocada<br />
no parlatório de um convento que<br />
frequentei muito, representando uma<br />
criancinha atravessando uma ponte, e<br />
o Anjo da Guarda, por detrás, tomando<br />
atitudes para ela não cair da ponte,<br />
com uma solicitude, um desvelo<br />
extraordinário.<br />
Eu olhava e pensava: “Essa imagem<br />
insinua, sem afirmar explicitamente,<br />
que o Anjo se preocupa muito<br />
com que a criança não quebre a<br />
perna, mas para que ela não peque<br />
e ame de fato a Deus, não estou vendo<br />
preocupação. É um pouco securitário.<br />
Onde está o zelo do Anjo pela<br />
causa de Deus?” Não formulava isto<br />
à maneira de censura, mas de perplexidade.<br />
Era algo que eu não encontrava.<br />
Então, suspendia o meu<br />
juízo e dizia: “Não, depois veremos.”<br />
Os Anjos de Fra Angelico<br />
Victor Toniolo<br />
Foi algo em minha vida meu encontro<br />
com os Anjos da Idade Média<br />
e, sobretudo, com os de Fra Angelico.<br />
E refleti: “Aqui há algo com outro<br />
pensamento, outra altura, outra<br />
classe, diferente daqueles Anjos que<br />
eu vira, de uma iconografia decadente.<br />
Ora, como Fra Angelico é beato,<br />
ele fez tudo direito”.<br />
Mas aí vinha outra perplexidade:<br />
os Anjos de Fra Angelico, os de<br />
que eu me lembro, estão sempre na<br />
bem-aventurança eterna, expressa, é<br />
verdade, de um modo perfeitamente<br />
delicado, nobre, sobrenatural, de tocar<br />
a alma. E foi esse o aspecto dos<br />
Anjos que ele procurou e nos apresentou.<br />
Eu pus em uma de nossas salas<br />
mais nobres quatro cópias de Anjos<br />
pintados por ele, e me regozijo<br />
em estarem lá. Aquilo corresponde<br />
à imagem que eu teria a respeito de<br />
um Anjo.<br />
26
Mas só naquela postura? Não há<br />
outras? Não reluzem nos Anjos também<br />
outras perfeições que a minha<br />
alma procura há tanto tempo? Como<br />
são essas perfeições?<br />
Apenas uma ideia me ficou no espírito:<br />
Por que Fra Angelico os pinta<br />
assim? Ele mesmo viveu num período<br />
em que a Idade Média já ia caminhando<br />
para seu declínio, e o heroísmo<br />
dos guerreiros medievais tinha<br />
qualquer resto ainda da ferocidade<br />
selvagem. A Europa ia afundar, dentro<br />
em breve, no que se chama anarquia<br />
feudal, quer dizer, a explosão<br />
da revolta dos senhores contra seus<br />
reis, dos senhores menores contra os<br />
senhores maiores e um mata-mata<br />
fenomenal de uns contra os outros,<br />
em parte fermento de ferocidade revolucionária<br />
que começava a crepitar,<br />
e de outro lado uma disposição<br />
de alma para a luta que tinha sido levada<br />
além do meridiano comum.<br />
Naturalmente se compreende que<br />
Fra Angelico não poderia, a uma humanidade<br />
assim, apontar Anjos em<br />
plena ação de batalha, pois acabaria<br />
por incitar aquilo que não era para<br />
estimular. Naquele tempo, os Anjos<br />
deveriam inspirar mansidão, ser distensivos,<br />
convidando à doçura. Assim<br />
como o violino de São Francisco<br />
Solano tocado para os índios do<br />
Peru os tranquilizava, e se compreende<br />
que o Santo não lhes ensinasse<br />
marchas guerreiras, pois eles já tinham<br />
aquele borbulhar em excesso.<br />
Entende-se, assim, que Fra Angelico<br />
tenha pintado os admirabilíssimos<br />
Anjos dele.<br />
Anjos da Renascença<br />
Às vezes olhamos pinturas, esculturas<br />
de Anjos da Renascença —<br />
e do Barroco, continuador em alguns<br />
sentidos da Renascença — e<br />
não sabemos se representam cupidos<br />
pagãos... Lembro-me do caso<br />
de um grande pintor da Renascença,<br />
a quem um romano famoso encomendou<br />
um São João Batista increpando<br />
os fariseus. O artista disse que<br />
possuía um quase concluído e poderia<br />
entregá-lo em breve, digamos em<br />
dez dias. De fato, passado esse prazo,<br />
o quadro estava terminado.<br />
Como se explica que um quadro,<br />
que leva muito tempo para pintar —<br />
não devido às pinceladas, mas para<br />
ir excogitando cada traço, pois é<br />
uma verdadeira composição —, estava<br />
pronto em dez dias?<br />
Ele tinha pintado um Baco, o deus<br />
indigno do vinho e da bebedeira. Como<br />
não encontrou comprador, ele<br />
pintou por cima uma pele de camelo<br />
para cobrir um pouquinho o Baco<br />
e, com a mesma expressão de fisionomia<br />
do deus da bebedeira, ele o apresentou<br />
como sendo São João Batista.<br />
Compreende-se que Anjos concebidos<br />
nessa escola de arte muito facilmente<br />
não tenham nada de católico.<br />
E são uma deformação do conceito<br />
de Anjo.<br />
Então, devemos pôr de lado essas<br />
noções, conservar na retina os Anjos<br />
de Fra Angelico e perguntar: Se<br />
um desses Anjos se zangasse, que expressão<br />
de fisionomia tomaria? Colocado<br />
em presença do mal, da Revolução,<br />
que aspecto teria?<br />
Isso nos poderia dar alguma ideia<br />
de como seria um Anjo, caso nós o<br />
víssemos. Assim preparamos nosso<br />
espírito para a cogitação sobre como<br />
deve ser um Anjo.<br />
O corpo impõe<br />
limitações ao homem<br />
O que nos diz a Doutrina Católica<br />
sobre os Anjos?<br />
O homem tem misérias de toda<br />
ordem e, quando vigia muito sobre<br />
si, ele as mantém acorrentadas e<br />
presas; mas só se livrará delas na ressurreição<br />
dos mortos quando, tendo<br />
ido para o Céu, estiver com a sua integridade<br />
perfeitamente em ordem e<br />
os efeitos do pecado original sobre<br />
ele tiverem desaparecido completamente,<br />
e o homem só se inclinar para<br />
o bem. Então não estará mais dividido.<br />
Realmente o homem é dividido<br />
e, por causa disso, hesita, du-<br />
27
Reflexões teológicas<br />
vida. Ora é propenso a querer uma<br />
coisa, ora a desejar outra; ele precisa,<br />
quase, de coisas contrárias<br />
para encontrar seu equilíbrio.<br />
Eu estou numa cadeira<br />
com dois braços e um encosto.<br />
O que isto representa<br />
de limitação humana!<br />
Preciso ora me<br />
apoiar sobre a direita,<br />
ora sobre a esquerda,<br />
ora nas costas;<br />
necessito apoio<br />
variado o tempo<br />
inteiro. É uma necessidade<br />
do corpo<br />
Mario Shinoda<br />
que simboliza as hesitações,<br />
as limitações<br />
e as misérias da<br />
alma humana.<br />
Pior. Se o homem<br />
apenas hesitasse... Às<br />
vezes ele hesita e erra,<br />
duvida e peca. E às vezes<br />
nem duvida, mas delibera e<br />
peca! Até lá chegam as coisas!<br />
Diante dessa situação podemos<br />
fazer a comparação com o<br />
Anjo. Este, por não estar ligado à<br />
matéria, não tem as limitações que a<br />
matéria nos impõe. Quanto a carne<br />
limita e condiciona o homem: bons e<br />
maus humores, nervos, etc.!<br />
Evidentemente, a carne não é<br />
má; ela é boa, sendo uma criatura de<br />
Deus. “O Verbo Se fez carne e habitou<br />
entre nós” (Jo 1, 14). Está tudo<br />
dito! Qualquer crítica que se faça<br />
da carne expira na entrada, ao pé<br />
do monte desta afirmação. Portanto,<br />
estou longe de falar contra a carne,<br />
eu a respeito.<br />
“Não desprezes a tua<br />
própria carne”<br />
Vem-me à memória o seguinte<br />
fato. Havia antigamente na região<br />
central de São Paulo muitos salões<br />
de engraxate, e fui a um localizado<br />
na Rua da Quitanda. Enquanto o rapaz<br />
engraxava meus sapatos, eu es-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em setembro<br />
de 1991<br />
tava distraído, pensando em outras<br />
coisas. Não sei se eu não punha o<br />
pé no lugar adequado, mas em certo<br />
momento notei as duas mãozonas<br />
do engraxate que pegavam o meu pé<br />
e o colocavam sobre sua perna, para<br />
ele engraxar o sapato ali, sob seu<br />
controle. Quando percebi que meu<br />
pé pousava sobre a perna do engraxate,<br />
tive um sobressalto e pensei:<br />
“Não se faz isso com a carne humana!<br />
Trata-se de um simples engraxate,<br />
mas é um homem! E o respeito à<br />
natureza humana deve levar-me a tirar<br />
o pé de cima da perna dele.”<br />
Olhei para o engraxate e percebi<br />
que seria um duelo, porque ele queria<br />
terminar o serviço e não estava pensando<br />
em sua perna, mas nos sapatos<br />
que precisava engraxar. Era uma luta<br />
que eu não venceria, pois ele agarrava<br />
meu pé. Então refleti: “Bem, é por<br />
conta dele; se o engraxate me obriga,<br />
ele está me desrespeitando e não sou<br />
eu que estou pisando nele. Ele<br />
quer ser pisado.”<br />
Mas fiquei com esta pergunta<br />
no espírito: Qual é o<br />
princípio em virtude do<br />
qual essa minha reação<br />
foi reta? Algum tempo<br />
depois me chegou<br />
às mãos, por circunstâncias<br />
fortuitas,<br />
uma citação da Escritura:<br />
“Não desprezes<br />
a tua própria<br />
carne” (Is 58,7). Eu<br />
disse: “Olha lá! Está<br />
aí justificada minha<br />
reação no caso<br />
do engraxate!”<br />
Eu não poderia desprezar<br />
a carne humana;<br />
não era minha, mas carne<br />
da qual também eu sou<br />
feito. Não posso desprezar a<br />
minha própria carne. Por isso<br />
não tenho o direito de pisar noutro<br />
homem, de tal maneira nós devemos<br />
respeito à carne.<br />
A graça prepara a alma<br />
para ser o reflexo de Deus<br />
Além da carne, há um outro fator<br />
que condiciona o espírito humano:<br />
é a graça. Quer dizer, é uma participação<br />
criada na vida divina que<br />
dá a cada um de nós lampejos, pensamentos,<br />
reflexões, volições que<br />
Deus sopra em nossa alma e por onde<br />
Ele, com muita delicadeza, prepara<br />
a alma humana para ser o reflexo<br />
d’Ele mesmo.<br />
Assim, a graça respeita a nossa<br />
fragilidade, as nossas limitações,<br />
ama essa natureza humana composta<br />
de alma e corpo que seria a natureza<br />
humana de Nosso Senhor e a<br />
de Nossa Senhora, Rainha do Céu<br />
e da Terra. Deus, por meio da graça,<br />
de um lado, e do corpo, de outro<br />
lado, faz com que a alma, se ela<br />
28
se deixa conduzir, se eleve a considerações<br />
altas, pense coisas nobres, sua<br />
vontade tome força; o homem pode<br />
tornar-se um santo, ainda que muito<br />
pouco inteligente.<br />
Houve um santo famoso por sua<br />
carência de inteligência, São José de<br />
Cupertino, que viveu na Itália. Ele<br />
era muito pouco inteligente, mas dava<br />
conselhos tão acertados que havia<br />
peregrinação para o local onde ele<br />
morava. E milagres ele praticava a<br />
jorro contínuo. É a graça superando<br />
ou compensando o que a carne não<br />
dava e fazendo dele esta maravilha<br />
de Deus: um homem de grandes horizontes,<br />
mas burro!<br />
Era preciso que isto existisse na<br />
ordem do criado, e assim compreendêssemos<br />
bem o que é a limitação, a<br />
fragilidade e o esplendor do homem.<br />
Alguém dirá: “Limitação, fragilidade,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, eu vejo; esplendor<br />
não estou vendo...”<br />
Encarnando-Se, Deus quis honrar<br />
toda a Criação, e por isso Ele tomou<br />
a condição daquele tipo de seres que<br />
reúne as duas pontas da Criação. O<br />
homem, enquanto ser espiritual, toca<br />
no Anjo, e enquanto ser material<br />
tange no animal, na planta e na pedra.<br />
Ele é um resumo de tudo quanto<br />
Deus fez.<br />
Quem é capaz de ver o mar sem<br />
se enlevar especialmente com aquela<br />
fímbria onde ele parece tocar no<br />
céu? Ora, este é o homem! É um horizonte<br />
composto.<br />
Não deixa de ser verdade que todas<br />
as coisas brilham por causa do<br />
Sol, e se o homem é o conjunto, o que<br />
há neste de mais nobre, de mais luminoso,<br />
de mais belo é a alma humana,<br />
elemento espiritual que nos assemelha<br />
aos Anjos. Entretanto, estes são<br />
de tal maneira que cada Anjo é, por<br />
natureza, distinto de outro. Puros espíritos<br />
e tão desiguais entre si que são<br />
como espécies ou gêneros diferentes.<br />
Jornal falado dos Anjos<br />
superiores aos inferiores<br />
Os Anjos estão dispostos perpendicularmente<br />
em hierarquia. Cada<br />
superior vê mais, quer com mais<br />
força, ama com mais ardor, combate<br />
com mais eficácia, seu louvor tem<br />
mais ressonância, sua presença mais<br />
calor, sua missão mais glória do que<br />
o inferior.<br />
O gráfico verdadeiro dos Anjos<br />
não seria uma pirâmide que encosta<br />
sua base noutra pirâmide e assim<br />
por diante. A perspectiva seria um<br />
fio de linha luminoso de puros espíritos<br />
que chegariam até o lugar aonde<br />
ninguém chega, nem eles mesmos:<br />
o trono de Deus.<br />
E no ápice — mas tão mais no<br />
ápice que nem sei o que dizer! —<br />
está Nossa Senhora. Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo é a segunda Pessoa da<br />
Santíssima Trindade encarnada. Sua<br />
natureza humana está ligada à divina<br />
pela união hipostática. Nossa Senhora<br />
é mera criatura. Ela está num píncaro<br />
em relação aos Anjos, os quais<br />
cantam enlevados sem poder entender<br />
inteiramente.<br />
Mas eles, ao longo deste fio esplendoroso,<br />
têm secções. Uma é<br />
a dos Serafins, outra dos Querubins,<br />
depois dos Tronos, das Dominações,<br />
das Potestades, das Virtudes,<br />
dos Principados, dos Arcanjos<br />
e dos Anjos. Estes são denominado-<br />
Antonio Lutiane<br />
Morro Dois Irmãos em<br />
Fernando de Noronha, Brasil<br />
29
Reflexões teológicas<br />
res comuns entre os quais há hierarquia.<br />
Cada Anjo vê Deus face a face,<br />
entretanto os mais elevados contam<br />
aos inferiores o jornal falado sobre o<br />
Onipotente que não foi possível eles<br />
verem. Então o mais alto diz ao inferior,<br />
com amor e solicitude: “Príncipe,<br />
meu irmão, vi tal coisa e tal outra.”<br />
E o que recebe a notícia conta<br />
ao colocado abaixo: “A ti, Príncipe,<br />
meu irmão...”, e lá vai a mensagem,<br />
a informação celeste. Cada um que<br />
fala com o mais baixo conta o que os<br />
Anjos mais elevados lhe disseram e o<br />
que ele próprio viu de Deus.<br />
De maneira que quando chega à<br />
base — quanto acima de nós! —, esta<br />
recebe uma caudal de comunicações,<br />
de incitamentos, de estímulos,<br />
de nobilitações, e canta a glória das<br />
hierarquias superiores como modo<br />
de cantar a Deus. E todo afeto, todo<br />
respeito que desce, sobe à maneira<br />
de ação de graças e louvor.<br />
É o eterno convívio entre os Anjos<br />
em que, apesar de ver Deus face a face,<br />
cada Anjo é razão de uma alegria<br />
enorme para outro, e a corte angélica<br />
nada nas suas alegrias eternas.<br />
Viver é sentir saudades<br />
dos píncaros<br />
Devemos lembrar de passagem que<br />
existem vagas nessa corte, e serão almas<br />
de criaturas humanas que preencherão<br />
esses lugares. E há, por exemplo,<br />
a tese indizivelmente simpática de<br />
que São José faz parte do coro dos Serafins.<br />
Ele está no mais alto, mais alto,<br />
mais alto que possa existir, pois é o esposo<br />
da Santíssima Virgem!<br />
Assim, esses vagos são preenchidos<br />
por gente da plebe da Criação<br />
enobrecida pelos planos de Deus, pela<br />
Igreja Católica e pela graça. E na<br />
Terra, ao longo do tempo, aqueles para<br />
isso designados, talvez todos os homens,<br />
não se sabe bem como é essa<br />
distribuição, estão sendo promovidos<br />
para obterem o trono que os espera<br />
no Céu, segundo os planos de Deus.<br />
Nunca percebi em concreto nada<br />
que me desse a impressão mais especial<br />
de um Anjo me ajudando, mas<br />
sei que eles auxiliam e lhes agradeço<br />
com todas as profundidades que em<br />
minha alma haver possa. Tenho a certeza<br />
de que os nossos Anjos da Guarda<br />
têm por especial preocupação elevar<br />
nossas almas para o desejo das<br />
coisas celestes. Não é o mero anseio<br />
de levar boa vida no Céu, mas um desejo<br />
de conhecer as coisas celestes até<br />
mesmo independentes da felicidade<br />
que o Paraíso concede. De maneira<br />
que Santa Teresa — bem espanhola<br />
na sua santidade — dizia a Deus:<br />
“Ainda que não houvesse o Céu eu Te<br />
amaria, e ainda que não houvesse o<br />
Inferno eu Te temeria!” É assim que<br />
devemos conceber o Paraíso.<br />
Para considerarmos bem as coisas<br />
do Céu, precisamos observar as coisas<br />
da Terra, criadas por Deus à maneira<br />
do Céu. Antes<br />
de tudo a Igreja Católica<br />
e depois os vários<br />
seres materiais.<br />
É mister termos<br />
um feitio de alma pelo<br />
qual, por um seletivo<br />
bem realizado,<br />
conhecemos o que<br />
devemos conhecer<br />
olhando sempre para<br />
o que de mais alto<br />
aquilo conduz. Este é<br />
o movimento de nossa<br />
alma para o Céu.<br />
Tenho certeza de<br />
que o Anjo da Guarda<br />
de cada um nos<br />
ajuda especialmente<br />
nisso.<br />
Uma alma angeliforme,<br />
consoante<br />
com seu Anjo da<br />
Guarda, é aquela<br />
que em cada circunstância<br />
procura o que<br />
há de mais elevado,<br />
e vive à procura do<br />
mais elevado.<br />
Assim, devemos entender que<br />
nossos Anjos da Guarda querem isso<br />
de nós, e que só formamos um com<br />
eles se toda nossa vida for orientada<br />
ao mais alto. Para a alma ser assim<br />
é evidentemente necessária a ajuda<br />
dos Anjos. E eu agradeço do fundo<br />
da alma ao meu Anjo da Guarda, a<br />
Nossa Senhora e a Deus Nosso Senhor,<br />
de Quem parte todo o bem<br />
que a Santíssima Virgem distribui.<br />
Viver não é comer, beber e dormir,<br />
passear, vegetar. Viver é sentir essas<br />
saudades dos píncaros. <br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
6/12/1980)<br />
1) Do francês: Bela Época. Período entre<br />
1871 e 1914, durante o qual a Europa<br />
experimentou profundas transformações<br />
culturais, dentro de um clima<br />
de alegria e brilho social. Ver <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> n. 172, p. 29-31.<br />
Santa Teresa de Jesus - Igreja de<br />
Santa Teresa, Ávila, Espanha<br />
Sergio Hollmann<br />
30
Hagiografia<br />
Santo Aretas,<br />
firmeza e grandeza<br />
A coragem e firmeza de Santo Aretas diante do martírio<br />
fazem reluzir mais uma das maravilhas produzidas pela<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana nos povos que<br />
se põem sob seu maternal domínio.<br />
N<br />
o livro do Frei José Pereira<br />
de Santana, “Os dois<br />
Atlantes da Etiópia”, encontramos<br />
alguns dados biográficos<br />
de Santo Aretas. Trata-se de uma<br />
prédica de Santo Aretas aos católicos<br />
da cidade de Najran, na Arábia,<br />
antes de ser martirizado pelo tirano<br />
Dun’an.<br />
Invectiva cheia de grandeza<br />
Ouvi-me, inumano Rei, doutores<br />
da Sinagoga, apóstatas franitas, bárbaros<br />
confederados, cortesãos ilustres<br />
e esclarecidos habitantes de Najran.<br />
Isto, sim, é saber dirigir uma apóstrofe!<br />
“Apóstatas” é uma palavra de alta<br />
expressão. “Fulano é um apóstata!”<br />
Todo o horror da apostasia se<br />
descarrega nestes dois “tas”: “após-<br />
-ta-ta”. Tem-se a impressão de que é<br />
uma coisa que caiu, que rola em dois<br />
“tas” e que se desfaz.<br />
Um “apóstata franita” dá a impressão<br />
de ser alguém que se deu a<br />
uma das heresias mais infectas, aliciantes<br />
e, ao mesmo tempo, mais<br />
digna de rejeição.<br />
“Bárbaros confederados” é também<br />
uma forma de ultraje; soa como<br />
se fossem bárbaros requintados, de<br />
tal maneira ligados a outros bárbaros<br />
que formam uma coesão de barbárie,<br />
uma espécie de ultrabarbárie,<br />
pior do que todas as barbáries.<br />
Então, os doutores da Sinagoga,<br />
os apóstatas franitas e os bárbaros<br />
confederados, todos juntos num conglomerado<br />
imundo, nefando e agressivo<br />
contra o Santo que está sozinho.<br />
Vai ser martirizado, mas, antes<br />
de morrer, diz o que quer. Não falta<br />
grandeza a essa introdução.<br />
Cântico de coragem,<br />
transbordante de Fé<br />
E continua:<br />
Companheiros, amigos, parentes<br />
e outros quaisquer dos circunstantes,<br />
sejais nobres ou plebeus, ou católicos<br />
ou infiéis, ouvi-me todos, vos suplico,<br />
pois com todos falo. Bem vos pudera<br />
dizer que canto, se observardes que,<br />
por artifício dos anos, me converti em<br />
cisne nacional, conservada na cabeça<br />
a candura, no coração, sem temor de<br />
morte, a alegria.<br />
Há uma lenda que diz que o cisne,<br />
quando vai morrer, canta. É o seu último<br />
canto, de uma beleza maviosa.<br />
A ideia é muito bonita. Imaginar um<br />
cisne que, antes de morrer, emite um<br />
canto suavíssimo em que vai toda a<br />
“cisnicidade” dele transformada em<br />
sons que batem na água, repercutem<br />
pelas árvores e morrem no céu. É uma<br />
coisa também à qual não falta poesia.<br />
31
Hagiografia<br />
Este Santo diz que ele é como um<br />
cisne, que, antes de ser martirizado,<br />
dá o seu último canto. Mas é uma<br />
beleza! É preciso ser oriental para<br />
saber fazer isso.<br />
Diz o seguinte:<br />
Eu me converti em cisne nacional<br />
pois conservei na cabeça a candura,<br />
no coração, a alegria, embora não tenha<br />
temor da morte.<br />
Ele vai morrer, mas é cândido,<br />
puro, é alvinitente na sua fronte, nas<br />
suas ideias e na sua alma; ele é alegre,<br />
apesar de que vai morrer. Com<br />
esta alegria e com esta candura ele<br />
vai deitar o seu canto de cisne, e esse<br />
canto é bom que todos ouçam.<br />
Falo primeiramente contigo, ó Rei.<br />
Mais que as feras, como já te lancei em<br />
rosto, és desumano. Respondendo às<br />
cem razões em que me acusas queixoso,<br />
condenas injusto: verdade é que sou, como<br />
dizes, a total causa, motor e única<br />
cabeça da firmeza dos najranenses, mas<br />
não dos seus padecidos escravos.<br />
Desprezaram o meu conselho sem<br />
advertirem que, em proporção das minhas<br />
cãs, era o mais maduro. Perigaram,<br />
pois, nesse desprezo e naquela resistência<br />
se perderam. O que sempre<br />
a todos persuadi foi que perseverassem<br />
confiantes na oposição, pois, não<br />
obstante serem tuas forças superiores<br />
às nossas, mais fortes que as tuas armas<br />
eram os nossos muros, e mais inconquistáveis<br />
que estes, os nossos corações.<br />
Com que poder saiu, em outro tempo,<br />
a pelejar contra tantos milhares de<br />
madianitas um Gedeão? Pois se este,<br />
porque o Céu amparava, pôde vencer<br />
com tão poucos a tantos soldados,<br />
que razão havia para que não triunfassem<br />
também os nossos do teu poder,<br />
tendo certa, do Senhor do Céu, a<br />
proteção e mais vigorosas forças do<br />
que as daquele príncipe?<br />
Não imagines que és do castigo que<br />
experimentamos o autor, senão um<br />
instrumento; por tuas mãos nos castiga<br />
Deus a temeridade de crermos que<br />
seria fiel às criaturas, quem, além de<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Santo Aretas<br />
ser traidor do seu soberano, era mais<br />
que laivoso rebelde ao seu Criador.<br />
Chama-me, ó tirano, zelador da<br />
honra de Deus. A este Senhor justamente<br />
invoco contra ti, vendo que desprezaste<br />
a sua lei, destruíste os seus<br />
templos, profanaste os seus altares, extinguiste,<br />
finalmente, os seus sacerdotes.<br />
Sabe, pois, que eu, à imitação do<br />
mesmo profeta que a tantos reis idólatras<br />
vaticinou a morte, te asseguro<br />
que, brevemente, serás desta púrpura<br />
despojado e deposto da monarquia.<br />
De sorte que, sem ficar dos teus domínios<br />
parte alguma isenta, a todos<br />
sujeitará Deus ao etiópico império de<br />
Elesbão. Este insigne varão e poderoso<br />
príncipe será, da nossa derrotada<br />
Cristandade o restaurador, prevalecendo-te<br />
de tal modo em desagravo de<br />
Jesus Cristo contra ti que, por Ele, verá<br />
admirada Najran suas igrejas novamente<br />
recuperadas e a ti, como soberbo<br />
edifício, sem que jamais seja reedificado,<br />
aos seus pés caído.<br />
Firmeza e resolução<br />
Santo Aretas, depois de dizer que<br />
iria deitar o canto do cisne, diz ao Rei:<br />
“Tu, ó Rei, és pior do que as feras e,<br />
entretanto, tu tens razão quando dizes<br />
que eu sou a causa, motor e única cabeça<br />
da firmeza e resolução com que<br />
os najranenses lutam contra ti.”<br />
Percebe-se, pelo texto, que o Rei<br />
quis tirar a Fé a esses najranenses<br />
e que eles resistiram. O Rei, então,<br />
prendeu este Santo porque ele era a<br />
cabeça da resistência. Ele diz ao Rei,<br />
como homem que não tem medo de<br />
ser condenado: “De fato, eu sou a<br />
cabeça da resistência.”<br />
Percebe-se que os tais najranenses<br />
fizeram uma resistência excessiva. O<br />
trecho não é inteiramente claro, mas<br />
dá a impressão de que eles foram temerários<br />
na resistência e padeceram<br />
muito, e Santo Aretas, então, disse<br />
a eles que não deviam resistir tanto.<br />
Por causa disto, então, o Rei o acusava,<br />
neste ponto, de uma resistência<br />
excessiva da qual ele não era o culpado.<br />
Ele, de fato, era a favor da resistência,<br />
mas de uma resistência pacífica,<br />
de uma resistência de caráter ideológico,<br />
enquanto que os najranenses<br />
tinham feito uma resistência militar.<br />
No entanto, ele não deixa de louvar<br />
a coragem dos najranenses com uma<br />
expressão muito bonita: que as armas<br />
dele, Rei, eram menos fortes do que<br />
os muros dos najranenses, e os corações<br />
deles ainda eram mais fortes do<br />
que esses muros. Portanto, não havia<br />
razão para eles terem perdido essa batalha,<br />
mas perderam por causa de um<br />
castigo que eles mereciam e que os fez<br />
ser derrotados pelo Rei ímpio, porque<br />
eles tinham confiado, durante algum<br />
tempo, nesse Rei. Ora, num herege<br />
não pode ser depositada confian-<br />
32
ça. Um homem que está rompido com<br />
Deus é ímpio e nele não se pode depositar<br />
nenhuma espécie de confiança. O<br />
fato de eles terem depositado confiança,<br />
durante algum tempo, no Rei — isto<br />
se refere a algum episódio anterior,<br />
que também não se conhece —, este<br />
fato explica que eles tenham, então, sido<br />
derrotados.<br />
“Ó Rei — diz Santo Aretas —,<br />
não imagineis, absolutamente, que<br />
vencestes.” Foi Deus Quem venceu<br />
pela mão dele, para castigar o povo.<br />
Mas esse povo que tinha sido condenado<br />
por Deus por causa disso,<br />
ia ser, por sua vez, reedificado. Viria<br />
um imperador da Etiópia, Santo<br />
Elesbão, e haveria de reconstruir toda<br />
a Cristandade na Etiópia e derrubar<br />
o Rei Eretas de maneira que, de<br />
todo o seu poder, não ficaria nada.<br />
A misteriosa<br />
economia de Deus<br />
Vemos, então, a economia de Deus.<br />
Havia um Rei ímpio, Eretas; havia um<br />
povo mole e ordinário, mas ainda católico.<br />
Deus quis punir a moleza desse<br />
povo católico, que consentia, provavelmente,<br />
em ter um Rei ímpio, e então<br />
permitiu que esse Rei perseguisse<br />
o povo católico. Ele se serviu do ímpio<br />
como açoite para flagelar o povo<br />
mole. “Se fosses frio ou quente Eu te<br />
aceitaria” — diz a Escritura —, “mas<br />
como és morno, começo a vomitar-te<br />
de minha boca” (Ap 3, 15-16).<br />
Esse povo morno foi açoitado por<br />
Deus, pela mão do Rei ímpio. Mas o<br />
Rei ímpio fez isto porque Deus permitiu<br />
e não porque Deus mandou.<br />
Por causa disso, ele pecou, e Deus<br />
tomou um varão de sua destra, Santo<br />
Elesbão, e conduziu-o vitoriosamente<br />
para a derrota do Rei ímpio.<br />
Com isso ficaram naturalmente derrotados<br />
os doutores da Sinagoga, os<br />
apóstatas franitas e outras abominações<br />
do gênero, e, durante algum<br />
tempo, se reconstruiu a Cristandade<br />
naquelas regiões.<br />
Onde a Igreja entra,<br />
tudo floresce<br />
Eu não posso deixar, ao dar este<br />
fato, de chamar a atenção para a maravilhosa<br />
beleza da Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana. Por toda<br />
parte onde ela floresce, desde que os<br />
homens correspondam à influência<br />
dela, nasce tudo quanto há de melhor,<br />
em toda forma, em todo grau,<br />
em todo jeito. É questão só de os homens<br />
corresponderem à influência e<br />
à ação dela.<br />
A Etiópia, que depois passou séculos<br />
cortada da Cristandade por<br />
falta de comunicações, caiu na miserável<br />
heresia monofisita, mas houve<br />
tempo em que foi uma nação verdadeiramente<br />
católica. Apareceram esplendores<br />
de Fé católica na Etiópia<br />
como em qualquer outro país.<br />
Esse episódio de Santo Aretas seria<br />
digno, por exemplo, da história<br />
religiosa da Espanha, nas suas melhores<br />
épocas. Ou seja, não é a Espanha<br />
que é magnífica, não é a Etiópia<br />
que é magnífica, como não é o<br />
Brasil, nem a Argentina, nem o Chile,<br />
nem o Uruguai, nem nada disso.<br />
O que é magnífica é a Santa Igreja<br />
Católica Apostólica Romana. Onde<br />
a Igreja entra, todas as maravilhas<br />
de todo gênero, de todos os modos,<br />
de todas as espécies se multiplicam<br />
do modo mais magnífico, desde que<br />
os homens digam “amém”, digam<br />
“sim” à influência da Igreja.<br />
Entretanto, desde que a Igreja<br />
saia, tudo decai, tudo rola por terra,<br />
tudo dá em “apóstatas franitas”,<br />
em reis que não prestam, em tudo<br />
o mais. A verdadeira fonte de toda<br />
grandeza, de toda beleza, de todo<br />
bem, de toda bondade, de toda santidade,<br />
de toda ordem, de toda cultura,<br />
é a Igreja Católica. Fora da Igreja<br />
Católica as coisas podem nascer, formar-se<br />
um pouquinho, mas ou estagnam<br />
ou decaem.<br />
Por exemplo, a cultura da China,<br />
do Egito, culturas, afinal de contas,<br />
extraordinárias. Levantaram-se, chegaram<br />
a um certo teto, não progrediram.<br />
É a imobilidade do Oriente parado<br />
e por dentro apodrecendo.<br />
Tomemos a cultura católica. Ela<br />
se levanta como um chafariz no meio<br />
das águas estagnadas, só ela é água<br />
límpida; e mesmo depois da Fé católica<br />
ter sido praticamente extirpada<br />
do Ocidente pela Revolução, o Ocidente,<br />
naquilo em que ainda progride,<br />
floresce na velocidade adquirida<br />
pelo fato ter havido a Fé católica.<br />
Razão pela qual nós devemos compreender<br />
que amar a Deus sobre todas<br />
as coisas e ao próximo por amor<br />
de Deus, isto importa em amar a<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana<br />
sobre todas as coisas, e amar<br />
o nosso próximo na medida em que<br />
ele está unido à Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana.<br />
Graça de admirar somente<br />
o que é segundo Deus<br />
Em conversas particulares, eu inculco<br />
tantas vezes a necessidade da<br />
graça da admiração única que é, a<br />
meu ver, um elemento integrante da<br />
graça do amor de Deus. É a graça<br />
de só admirar aquilo que é segundo<br />
Deus. Esta graça da admiração única<br />
em relação a Deus, na ordem concreta<br />
dos fatos, dá na admiração única<br />
à Igreja Católica. Tudo quanto é<br />
tocado pela Igreja e recebe a influência<br />
dela é admirável; tudo quanto<br />
está fora disso, quando merece admiração,<br />
merece com tantas reservas,<br />
com tantas restrições, com tantas<br />
condições, que praticamente não<br />
dá em nada.<br />
Então compreende-se esse enlevo,<br />
essa paixão que se deve ter pela<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana,<br />
verdadeira pátria de nossas<br />
almas, verdadeira prefigura da Igreja<br />
gloriosa, à qual nós devemos pertencer<br />
no Céu. <br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
24/10/1967)<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
ToucanWings (CC3.0)<br />
Molduras que cantam<br />
A arte de compor jardins com uma vegetação viçosa junto a<br />
edifícios antigos e veneráveis constitui um cântico à eternidade<br />
de Deus e à glória imperecível da Santíssima Virgem Maria.<br />
T<br />
enho visto muitas coisas bonitas, antigas, nas<br />
quais sempre me chamou a atenção um particular:<br />
a parte que diz respeito aos jardins.<br />
O ajardinamento constitui uma moldura dentro da<br />
qual os acontecimentos se passam. E eu, embora não entenda<br />
nada de plantas, tenho alguma prática em fazer comentários<br />
a respeito de ambientes e costumes.<br />
Debaixo desse ponto de vista, procurarei explicar o<br />
papel da vegetação para a ambientação, não somente de<br />
um prédio, mas também dos que nele moram. O que é a<br />
arte do ajardinamento?<br />
“Fugindo” para os jardins de Versailles<br />
Não posso me esquecer do verdadeiro encanto que<br />
senti quando, pela primeira vez, tive uma fotografia global<br />
do palácio de Versailles. Era uma espécie de fotografia<br />
aérea que dava uma vista panorâmica do jardim.<br />
Lembro-me de que eu tinha um cartão representando<br />
essa cena, na minha carteira no Colégio São Luís. E<br />
nas longas horas em que estava obrigado a estudar coisas<br />
interessantes, mas também outras desinteressantes,<br />
um dos modos de “fugir” era suspender o tampo da minha<br />
escrivaninha e ficar olhando a fotografia dos jardins<br />
de Versailles, as alamedas, etc. Eu ficava encantadíssimo<br />
com o jardim!<br />
Diversas formas de beleza em um jardim<br />
Sempre me atraiu a atenção o fato de que quando há<br />
um palácio ou uma igreja, e em torno um jardim, existe<br />
um elemento inerte, que é o edifício, e um elemento mutável<br />
constituído pelo próprio jardim. Este vai sofrendo<br />
transformações ao longo das várias estações do ano, é alterável<br />
de acordo com o que nele se planta, enfim, muda<br />
enormemente.<br />
Como todo prédio dura muito mais do que a vegetação<br />
que o circunda, as plantas tendem a envelhecer em<br />
torno do edifício, e por causa disso este tem a sua velhice<br />
própria agravada pelo envelhecimento da vegetação.<br />
Um prédio se cobre, então, de altas árvores cheias<br />
de sombras — às vezes estas árvores trazem no tronco a<br />
cicatriz de longas idades heroicamente atravessadas —<br />
e o tornam mais digno. Mas é uma dignidade que se soma<br />
a outra dignidade; uma velhice que se soma a outra<br />
velhice; uma penumbra que se acrescenta à moldura<br />
de outra.<br />
O cântico da soma das idades<br />
Ora, a teoria da soma das idades pediria que o prédio<br />
e o jardim apresentassem todas as idades e, ao lado de<br />
Izaaaak (CC3.0)<br />
34
uma veneranda ancianidade, mostrassem o esplendor de<br />
uma juventude repleta de viço.<br />
Compreende-se que haja um jardim só com elementos<br />
velhos, como determinados jardins de palácios italianos<br />
em que, por um inteligente descuido, as árvores até apodrecem<br />
e caem, as águas estagnam e surgem mosquitos...<br />
Isso tem uma grandeza do passado, uma coisa fenomenal!<br />
Entretanto, causava-me certa má impressão ver sempre<br />
o passado circundado de coisas que falavam de morte.<br />
E me parecia necessário que algumas formas de vegetação<br />
cercassem os prédios magníficos e antigos de todo<br />
o viço da coisa nova.<br />
Nesse sentido há determinadas plantas encantadoras<br />
que têm ar de coisa sempre jovem, cujas folhas parecem<br />
estar na sua primeira alegria, saudando os primeiros<br />
raios do Sol.<br />
A visão desse contraste sugere-me a seguinte ideia:<br />
Como é bonito plantar, ao lado de monumentos veneráveis<br />
e antigos, vegetações novas e cheias de viço! Como é<br />
belo que as idades, as forças se somem e que todos juntos<br />
cantem a eternidade de Deus e a glória imperecível<br />
de Nossa Senhora!<br />
Assim devem ser as coisas, pensava eu, e então concluí:<br />
Se algum dia me for dado dispor sobre a ordenação<br />
de algum grande jardim de palácio, igreja ou praça pública,<br />
farei com que haja, junto ao antigo — conservado na<br />
força convicta, desinibida e afirmativa de sua continuidade<br />
—, algo de novo que fale de uma vida que emerge<br />
com pujança no momento mesmo de seu nascimento. v<br />
Sergio Hollmann<br />
SnoopyCo (CC3.0)<br />
(Extraído de conferência de 8/3/1980)<br />
Ricardo Castelo Branco<br />
35
Sergio Hollmann<br />
Nossa Senhora entrega o<br />
Rosário a São Domingos<br />
Santuário de Lourdes, França<br />
Uma devoção de luta!<br />
Nossa Senhora do Rosário: a invocação é lindíssima!<br />
O Rosário faz de Maria Santíssima a grande fonte de inspiração de nossa meditação e o alvo<br />
imediato de nossa oração durante a meditação.<br />
Por causa dessa focalização muito especial de Nossa Senhora, o Rosário é a devoção marial por excelência.<br />
Foi revelada pela Santíssima Virgem a São Domingos de Gusmão, que estava lutando contra uma “lepra”<br />
que infectava o Sul da França, com penetrações no litoral mediterrâneo da Espanha: a heresia albigense.<br />
Para vencer esta heresia, Nossa Senhora revelou o Rosário que ficou, assim, o símbolo da alma ortodoxa<br />
e devota d’Ela.<br />
Aquilo que matou o prenúncio da Revolução, adiando durante alguns séculos a eclosão da Revolução<br />
protestante, é indicado pela Mãe de Deus para o adiamento do fim do mundo e para obtermos a nossa<br />
própria fidelidade.<br />
O Santo Rosário é, pois, uma devoção de luta!<br />
Estamos numa época de luta. Peçamos a Nossa Senhora que faça de nós lutadores inteiramente d’Ela.<br />
(Extraído de conferências de 6/10/1966 e 12/4/1985)