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Coor<strong>de</strong>nação<br />
Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Organização <strong>de</strong> textos e revisão<br />
Alicia Ivanissevich<br />
Projeto gráfico<br />
Mary Paz Guillén<br />
CIP – Catalogação na Publicação<br />
Elaborada pela bibliotecária Gabriela Faray (CRB7-6643)<br />
C417<br />
<strong>Cerrado</strong> : <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong> / Geraldo Wilson<br />
Fernan<strong>de</strong>s … [et al.]. - Rio <strong>de</strong> Janeiro : Vertente produções<br />
artísticas, 2016.<br />
212 p. ; il. col. ; 24 cm -<br />
ISBN 978-85-63100-09-2<br />
1. Botânica. 2. <strong>Cerrado</strong>. 3. Sustentabilida<strong>de</strong>. 4. Políticas<br />
públicas. 5. Bioma. 6. Ecologia. 7. Meio Ambiente. 8. Savana.<br />
9. Uso da Terra. I. Fernan<strong>de</strong>s, Geraldo Wilson, 1960-.<br />
II. Título.<br />
Belo Horizonte, 2016<br />
CDU – 58<br />
CDD – 581.7
Aldicir Scariot - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Brasília – DF<br />
aldicir@gmail.com<br />
Francisca Muniz - Departamento <strong>de</strong> Química e Biologia, Universida<strong>de</strong> Estadual do<br />
Maranhão, São Luís – MA<br />
fhmuniz@yahoo.com<br />
6<br />
12<br />
16<br />
agra<strong>de</strong>cimentos<br />
apresentação<br />
A Herança Natural<br />
do <strong>Cerrado</strong><br />
Fernando Pedroni - Instituto <strong>de</strong> Ciências Biológicas e da Saú<strong>de</strong>, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Mato Grosso, Barra do Garças – MT<br />
f.pedroni@hotmail.com<br />
Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s - Ecologia Evolutiva & Biodiversida<strong>de</strong>, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais, Belo Horizonte – MG / Department of Biology, Stanford University, USA<br />
gw.fernan<strong>de</strong>s@gmail.com<br />
80<br />
BIOMA EM<br />
TRANSFORMAÇÃO<br />
Guilherme Braga Ferreira - Instituto Biotrópicos, Diamantina - MG / Centre for<br />
Biodiversity & Environment Research, University College London; Institute of Zoology,<br />
Zoological Society of London, Reino Unido<br />
guilherme@biotropicos.org.br<br />
Jorge A. S. Costa - Centro <strong>de</strong> Formação <strong>em</strong> Ciências Ambientais, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Sul da Bahia, Porto Seguro - BA<br />
jcosta.bio@gmail.com<br />
102<br />
CONEXÕES E POSIÇÃO<br />
ESTRATÉGICA<br />
Ludmilla M. S. Aguiar - Departamento <strong>de</strong> Zoologia, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, Brasília – DF<br />
aguiar.ludmilla@gmail.com<br />
Manuel Eduardo Ferreira - Instituto <strong>de</strong> Estudos Socioambientais, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Goiás, Goiânia – GO<br />
mferreira.geo@gmail.com<br />
Maryland Sanchez - Instituto <strong>de</strong> Ciências Biológicas e da Saú<strong>de</strong>, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Mato Grosso, Barra do Garças – MT<br />
marylandsanchez@hotmail.com<br />
Renato Pinheiro - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Tocantins, Palmas – TO<br />
renaxas@hotmail.com<br />
Ricardo Machado - Departamento <strong>de</strong> Zoologia, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, Brasília – DF<br />
rbmac62@gmail.com<br />
Rodolfo Dirzo - Department of Biology, Stanford University, USA<br />
rdirzo@stanford.edu<br />
Soraia Diniz - Departamento <strong>de</strong> Zoologia, Cuiabá – MT<br />
sordiniz@gmail.com<br />
146<br />
182<br />
194<br />
198<br />
211<br />
sugestões <strong>de</strong> leitura<br />
glossário<br />
legendas e créditos <strong>de</strong> fotos<br />
Lugares e ecossist<strong>em</strong>as<br />
especiais<br />
SOLUÇÕES PARA O<br />
DILEMA
agra<strong>de</strong>cimentos<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> preparar um livro diferente sobre o cerrado, relatando não<br />
apenas suas riquezas e peculiarida<strong>de</strong>s, mas também seus principais probl<strong>em</strong>as<br />
e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mitigação para eles – voltado para a socieda<strong>de</strong><br />
civil, tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e políticos – não era nova. Durante o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do projeto da re<strong>de</strong> Com<strong>Cerrado</strong>/MCTIC/CNPq, resolv<strong>em</strong>os<br />
apresentar ao público geral os impactos que o cerrado v<strong>em</strong> sofrendo, suas<br />
causas e as projeções <strong>de</strong>sses efeitos <strong>em</strong> todas as escalas possíveis.<br />
Assim, organizamos numerosos eventos para a socieda<strong>de</strong> e para o público<br />
acadêmico na tentativa <strong>de</strong> fortalecer a importância do cerrado. Preparamos<br />
também outros tantos eventos para aten<strong>de</strong>r ao público técnico.<br />
Escrev<strong>em</strong>os para as melhores revistas <strong>de</strong> divulgação do país, artigos<br />
sobre o t<strong>em</strong>a na tentativa <strong>de</strong> mostrar as raízes do <strong>de</strong>scaso e elevar a<br />
apreciação sobre a savana mais rica <strong>em</strong> espécies do mundo.<br />
Esse livro é mais uma tentativa <strong>de</strong> fortalecer nossa mensag<strong>em</strong> sobre<br />
o <strong>de</strong>scaso para com esse bioma <strong>de</strong> importância absoluta para o funcionamento<br />
e a estabilida<strong>de</strong> climática, econômica e social da região e do<br />
Brasil. Embora saibamos que represente apenas mais uma ferramenta,<br />
t<strong>em</strong>os consciência <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> uma contribuição genuína e muito<br />
importante. Tal contribuição apenas po<strong>de</strong>rá ser concluída quando o<br />
cerrado for tratado pelo setor político e pela socieda<strong>de</strong> civil com orgulho<br />
e entendimento <strong>de</strong> suas funções.<br />
O projeto não po<strong>de</strong>ria ter sido concluído s<strong>em</strong> o apoio do MCTIC/CNPq,<br />
por meio da Com<strong>Cerrado</strong>/PPBio. Inúmeros estudantes nos auxiliaram<br />
<strong>em</strong> várias fases, ora <strong>busca</strong>ndo ilustrações, ora nos ajudando nos levantamentos<br />
e, a eles, somos muito gratos.<br />
Agra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>os também àqueles que nos assistiram no campo, às unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> conservação fe<strong>de</strong>rais e estaduais envolvidas no projeto Com-<br />
<strong>Cerrado</strong>, à Reserva Vellozia (MG) e a Eduardo Carone. Somos gratos<br />
ainda aos que gentilmente ce<strong>de</strong>ram fotografias para ilustrar o livro, uma<br />
vez que elas são fundamentais para mostrar a exuberância do cerrado.<br />
Agra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>os também à equipe do MCTIC e CNPq, que ao longo dos<br />
anos nos t<strong>em</strong> dado todo o apoio necessário ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste<br />
projeto, <strong>em</strong> especial a Cláudia Morosi Czarneski (MCTIC), Márcia Aparecida<br />
<strong>de</strong> Brito (CNPq) e Merce<strong>de</strong>s Bustamante (UnB).<br />
Finalmente, agra<strong>de</strong>ço, <strong>em</strong> particular, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter ministrado<br />
dois cursos sobre o cerrado na Universida<strong>de</strong> Stanford <strong>em</strong> 2015 e<br />
2016, pois eles foram fundamentais para montar a estrutura que daria<br />
orig<strong>em</strong> a esse livro. Sou grato também aos alunos <strong>de</strong>sses cursos, já que<br />
o entusiasmo com que participaram e escreveram sobre o cerrado e<br />
os campos rupestres foi claro indicador <strong>de</strong> que o aumento do prestígio<br />
sobre essa savana esquecida e impactada <strong>de</strong>ve ser mostrado ao mundo.<br />
Tais cursos forneceram o combustível inicial para esta gran<strong>de</strong> missão.<br />
Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s
10 11
apresentação<br />
Você já viu árvores assim? Se você mora no Brasil Central ou já viajou<br />
por essa região, <strong>de</strong>ve ter observado que a paisag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> árvores retorcidas,<br />
com cascas grossas, esparsas, b<strong>em</strong> diferente daquelas das florestas.<br />
Toda essa região, com mais <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> km 2 , era coberta por esse<br />
tipo <strong>de</strong> vegetação quando o Brasil foi colonizado. Correspondia a 25%<br />
do território brasileiro. Esse é o nosso cerrado. A savana brasileira! Em<br />
pouquíssimas partes do mundo, há um bioma como esse: extr<strong>em</strong>amente<br />
rico <strong>em</strong> espécies, mas já reduzido à meta<strong>de</strong> da sua área original.<br />
Segundo maior bioma do Brasil, o cerrado só é menor <strong>em</strong> extensão que<br />
a floresta amazônica. É, também, o segundo maior bioma da América do<br />
Sul, pois ocorre também no Paraguai, na Colômbia, Bolívia e Venezuela.<br />
Esse bioma compreen<strong>de</strong> formações vegetais campestres, savânicas<br />
e florestais, compostas <strong>de</strong> diversos tipos <strong>de</strong> vegetação, resultando <strong>em</strong><br />
mosaicos naturais bastante complexos. O que lhe confere singularida<strong>de</strong><br />
são, principalmente, as variações na topografia, nos tipos <strong>de</strong> solo e na<br />
disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água, com seis meses <strong>de</strong> seca.<br />
O cerrado é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância não apenas por sua beleza e rusticida<strong>de</strong>,<br />
mas sobretudo por abrigar, <strong>em</strong> suas planícies e montanhas,<br />
enorme diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plantas e animais que não exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> nenhum<br />
outro local da Terra. Além disso, ele po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> ‘berço das<br />
águas’ ou ‘caixa d’água do Brasil’, pois contém as nascentes das principais<br />
bacias hidrográficas brasileiras.<br />
<strong>Cerrado</strong> no Parque Estadual do Rio Preto,<br />
Serra do Espinhaço (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira
Toda essa beleza e riqueza estão <strong>em</strong> fina sintonia com as condições típicas<br />
do ambiente, como o curto período <strong>de</strong> chuvas e a longa estação seca, e até<br />
mesmo com o fogo, quando natural, atua como um controle das formas/<br />
fisionomias da vegetação e na ciclag<strong>em</strong> <strong>de</strong> minerais do solo e das plantas.<br />
O que tira a harmonia do cerrado é a <strong>de</strong>struição provocada pelo <strong>de</strong>smatamento,<br />
pelas extensas monoculturas <strong>de</strong> soja, algodão, cana-<strong>de</strong>-<br />
-açúcar e eucalipto, pela introdução <strong>de</strong> espécies exóticas que se tornam<br />
invasoras – como o capim-braquiária e o capim-gordura –, a exploração<br />
mal planejada <strong>de</strong> minérios e o <strong>de</strong>srespeito às normas ambientais. Essas<br />
ativida<strong>de</strong>s provocam a perda da biodiversida<strong>de</strong>, dos recursos hídricos<br />
e dos serviços ambientais, além <strong>de</strong> comprometer a subsistência e os<br />
meios <strong>de</strong> vida das populações tradicionais.<br />
Esse imenso território não t<strong>em</strong> força para resistir ao uso mal planejado<br />
<strong>de</strong> seus solos, da água e <strong>de</strong> sua biodiversida<strong>de</strong>. Infelizmente, esse é o<br />
resultado <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scaso político com esse importante bioma. A<br />
política vigente permite a troca injusta <strong>de</strong> uma beleza e biodiversida<strong>de</strong><br />
que evoluíram durante milhões <strong>de</strong> anos – e aten<strong>de</strong> a todos os brasileiros<br />
– por meia dúzia <strong>de</strong> commodities, carvão e energia, produzidos <strong>de</strong><br />
forma predatória, ainda que para o benefício <strong>de</strong> muitos.<br />
Em termos absolutos, o cerrado é hoje o bioma brasileiro que mais<br />
per<strong>de</strong>u cobertura vegetal nativa. Per<strong>de</strong>u mais área nativa que a floresta<br />
amazônica e que a mata atlântica! E pior, essa drástica redução ocorreu<br />
muito mais rápido que na mata atlântica, que v<strong>em</strong> sendo <strong>de</strong>struída há<br />
mais <strong>de</strong> 500 anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>scobrimento, e está quase extinta. O cerrado<br />
per<strong>de</strong>u, nos últimos 50 anos, mais <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> sua vegetação original.<br />
Esse fato por si só é alarmante, mas parece passar <strong>de</strong>spercebido<br />
não só pelos governantes, como também pela maioria dos brasileiros.<br />
Por incrível que pareça, o Brasil t<strong>em</strong> diversos mecanismos legais capazes<br />
<strong>de</strong> assegurar que a implantação <strong>de</strong> <strong>em</strong>preendimentos <strong>de</strong> significativo<br />
impacto ambiental – como a mineração, a instalação <strong>de</strong> hidrelétricas,<br />
a construção <strong>de</strong> estradas, a expansão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> agricultura,<br />
pecuária e silvicultura – seja precedida <strong>de</strong> estudos para promover a adoção<br />
<strong>de</strong> medidas mitigadoras das alterações ambientais e sociais causadas<br />
por ela. Porém, o cerrado continua sendo severamente afetado por <strong>de</strong>smatamentos<br />
e por uma constante ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada <strong>de</strong> seus solos e<br />
exploração ina<strong>de</strong>quada do subsolo e dos recursos hídricos.<br />
Por que tais <strong>em</strong>preendimentos danosos não são evitados nesse bioma?<br />
Qual será a trajetória <strong>de</strong> ocupação no futuro? Por quanto t<strong>em</strong>po<br />
ainda haverá cerrado? Como fazer o manejo racional da meta<strong>de</strong> do<br />
cerrado que ainda está <strong>de</strong> pé?<br />
As respostas para essas perguntas não são simples, pois requer<strong>em</strong><br />
novas frentes <strong>de</strong> trabalho que cont<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> o aumento da proteção<br />
ambiental, promovam o uso sustentável da biodiversida<strong>de</strong>, a recuperação<br />
das áreas <strong>de</strong>gradadas e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas pesquisas<br />
e inovações tecnológicas, visando à adoção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo econômico<br />
ambientalmente a<strong>de</strong>quado e socialmente justo.<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>sse livro é exatamente essa: dar o pontapé inicial para um<br />
projeto contínuo e muito maior – o <strong>de</strong> levar ao povo brasileiro informações<br />
que mostr<strong>em</strong> a importância <strong>de</strong> preservar o cerrado. É preciso<br />
que todos entendam o seu funcionamento e como são graves as consequências<br />
<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>struição, como já d<strong>em</strong>onstrado <strong>em</strong> diversos estudos<br />
científicos.<br />
E você? Não vai fazer nada para salvar o cerrado?<br />
Perereca Phyllomedusa burmeisteri no cerrado<br />
Foto: Célio Haddad<br />
14 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
15
A Herança Natural do <strong>Cerrado</strong><br />
O território do cerrado é vasto e conecta quatro outros gran<strong>de</strong>s biomas<br />
brasileiros: a floresta amazônica, o pantanal, a caatinga e a mata<br />
atlântica. Suas águas influenciam praticamente todo o país. Nessa região,<br />
foram encontrados os restos humanos mais antigos da América do<br />
Sul e os sítios arqueológicos mais importantes do Brasil. Também nesse<br />
ambiente savânico, a megafauna extinta do Pleistoceno coexistiu com<br />
o hom<strong>em</strong> primitivo das Américas. Foi no cerrado <strong>de</strong> Lagoa Santa (MG)<br />
A<br />
B<br />
Chamaecrista ochnacea<br />
(Fabaceae) na Serra do Cipó<br />
(MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
(A) Localização do bioma cerrado na América do Sul.<br />
(B) Mapa <strong>de</strong> uso da terra no bioma cerrado, referente ao ano<br />
<strong>de</strong> 2013, indicando as áreas transformadas <strong>em</strong> pastag<strong>em</strong> e<br />
aquelas <strong>em</strong> agricultura, <strong>em</strong> pouco mais <strong>de</strong> 40 anos.<br />
Elaboração: João Vitor Silva Costa.<br />
Fonte dos dados: Projeto TerraClass <strong>Cerrado</strong> (http://www.mma.<br />
gov.br/images/arquivo/80049/<strong>Cerrado</strong>/publicacoes/Livro%20<br />
EMBRAPA-WEB-1-TerraClass%20<strong>Cerrado</strong>.pdf).<br />
16 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
17
on<strong>de</strong> nasceu a paleontologia <strong>de</strong> nosso continente, com os trabalhos<br />
pioneiros do naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880),<br />
e on<strong>de</strong> trabalhou o pai da ecologia vegetal, o também dinamarquês<br />
Eugen Warming (1841-1924).<br />
A biodiversida<strong>de</strong> do cerrado é das mais expressivas do planeta e nenhuma<br />
outra savana no mundo é tão rica <strong>em</strong> espécies, formas e funções.<br />
Orig<strong>em</strong> e Primeiros Povos do <strong>Cerrado</strong><br />
O cerrado é um bioma muito antigo; originou-se há mais <strong>de</strong> 80 milhões<br />
<strong>de</strong> anos, quando os dinossauros ainda existiam, e a América do<br />
Sul e a África estavam conectadas no gran<strong>de</strong> continente chamado Gondwana.<br />
O cerrado que conhec<strong>em</strong>os hoje configurou-se como tal há<br />
cerca <strong>de</strong> 4 milhões <strong>de</strong> anos, e certamente, mudou muito ao longo <strong>de</strong>sse<br />
período.<br />
A presença <strong>de</strong> humanos no cerrado também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />
antiga. Os registros fósseis da presença humana mais antigos no bioma,<br />
encontrados <strong>em</strong> Lagoa Santa, datam <strong>de</strong> 13 mil anos. Tanto os aspectos<br />
paleontológicos quanto antropológicos do cerrado são fantásticos,<br />
mas, mais do que isso, são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância no que diz respeito<br />
à colonização do continente americano e à história da humanida<strong>de</strong>. Lamentavelmente,<br />
são ainda poucas as pesquisas nesse campo.<br />
O cerrado é reconhecido por sua gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> social e cultural,<br />
marcada por gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> povos indígenas e comunida<strong>de</strong>s<br />
tradicionais. Destacam-se, entre as últimas, os quilombolas, os geraizeiros,<br />
os vazanteiros, os catingueiros e as quebra<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> coco babaçu.<br />
Quilombolas são comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> negros escravos,<br />
ou ex-escravos, que durante o período escravagista no Brasil (1530-<br />
1888) fugiram dos locais on<strong>de</strong> eram mantidos <strong>em</strong> cativeiro e se estabeleceram<br />
nos quilombos (locais escondidos on<strong>de</strong> procuravam abrigo).<br />
Há aproximadamente 2,8 mil comunida<strong>de</strong>s quilombolas distribuídas<br />
<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> 24 estados no Brasil.<br />
São chamados ‘geraizeiros’ as pessoas que viv<strong>em</strong> nos ‘Gerais’ (nome<br />
popularmente atribuído a uma fisionomia savânica do cerrado); principalmente<br />
na região às margens do rio São Francisco, no norte e noroeste<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais e oeste da Bahia.<br />
Vazanteiros, ou barranqueiros, são as populações ribeirinhas que habitam<br />
ilhas e barrancos <strong>de</strong> rios, como o São Francisco, o Tocantins e o Araguaia,<br />
e retiram o seu sustento da pesca, agricultura e criação <strong>de</strong> animais.<br />
Os povos catingueiros viv<strong>em</strong> não só na caatinga, mas também <strong>em</strong><br />
áreas <strong>de</strong> transição com o cerrado.<br />
Sepultamento 37 da Lapa do Santo, Homen <strong>de</strong> Lagoa<br />
Santa, escavado <strong>em</strong> 2014 e datado <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> 9 mil<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> Matozinhos (MG)<br />
Foto: André Strauss<br />
18 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
19
A<br />
Quebra<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> coco babaçu é o nome dado ao grupo extrativista,<br />
composto quase exclusivamente por mulheres, que obtém sua renda<br />
quebrando coco na área rural entre a caatinga e o cerrado. Essas mulheres<br />
<strong>de</strong>pend<strong>em</strong> da colheita e do processamento do babaçu, palmeira<br />
brasileira (Attalea speciosa) <strong>de</strong> inestimável valor econômico.<br />
De acordo com dados do Instituto Socieda<strong>de</strong>, População e Natureza<br />
(ISPN), são vendidas mais <strong>de</strong> 120 mil toneladas anuais da amêndoa<br />
do babaçu no Brasil, o que coloca esse produto não ma<strong>de</strong>ireiro como<br />
o segundo mais comercializado no país. Diversos outros frutos – entre<br />
eles, o pequi (Caryocar brasiliense), o buriti (Mauritia flexuosa), a<br />
cagaita (Eugenia dysenterica) e o baru (Dipteryx alata) – também são<br />
coletados <strong>em</strong> algumas comunida<strong>de</strong>s do cerrado e utilizados <strong>em</strong> pratos<br />
típicos, doces e licores.<br />
B<br />
c<br />
Em certas regiões, pequenas comunida<strong>de</strong>s rurais se organizam <strong>em</strong><br />
cooperativas extrativistas que vend<strong>em</strong> esses frutos <strong>em</strong> centros urbanos<br />
maiores, compl<strong>em</strong>entando a renda das famílias envolvidas.<br />
d<br />
E<br />
(A) Detalhe <strong>de</strong> fruto <strong>de</strong> pequi (Caryocar brasiliense) expondo o<br />
caroço, com <strong>de</strong>staque para a polpa comestível, <strong>em</strong> amarelo<br />
(B) Frutos do araticum (Annona crassiflora) expostos para venda;<br />
esses frutos pod<strong>em</strong> ser consumidos in natura ou utilizados no preparo<br />
<strong>de</strong> sucos, doces e bolos<br />
(C) Frutos <strong>de</strong> baru (Dipteryx alata) maduros, dos quais serão extraídas<br />
as s<strong>em</strong>entes (amêndoas) para consumo. As amêndoas <strong>de</strong> baru pod<strong>em</strong><br />
ser consumidas in natura (torradas ou não) e utilizadas para o preparo<br />
<strong>de</strong> alimentos diversos, doces ou salgados<br />
(D) Cacho <strong>de</strong> frutos maduros da palmeira coquinho-azedo (Butia<br />
capitata); os frutos <strong>de</strong>ssa espécie são bastante apreciados para suco,<br />
sorvete e picolé<br />
(E) Frutas nativas (pequi, buriti, mangaba e coquinho-azedo) expostas<br />
para venda <strong>em</strong> feira<br />
Fotos: Aldicir Scariot<br />
20 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
21
O cerrado abriga pelo menos 216 povos indígenas <strong>de</strong> 83 diferentes<br />
etnias. Essas populações são as mais antigas a ocupar<strong>em</strong> o bioma, e<br />
pod<strong>em</strong>os dizer que foram os primeiros colonos no cerrado. Alguns<br />
dos mais conhecidos são os xavantes, tapuias, carajás, avá-canoeiros,<br />
crahôs, xerentes e xacriabás.<br />
Muitos <strong>de</strong>sses povos foram obrigados a migrar para o cerrado, <strong>de</strong>vido<br />
à invasão por colonos europeus das áreas on<strong>de</strong> originalmente viviam. A<br />
maioria dos indígenas vive da caça, da coleta <strong>de</strong> produtos da natureza e<br />
da agricultura <strong>de</strong> pequena escala <strong>em</strong> roças da região. Hoje, com o rápido<br />
avanço da urbanização, agricultura, pecuária, silvicultura e mineração,<br />
muitos povos indígenas estão confinados <strong>em</strong> áreas pequenas, ameaçados<br />
<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> expulsos <strong>de</strong> seus territórios e <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r, portanto, sua cultura<br />
e suas formas tradicionais <strong>de</strong> uso e convivência com a terra.<br />
A situação das populações tradicionais é complexa, pois contraria<br />
interesses do mo<strong>de</strong>lo econômico atual, baseado na exploração predatória<br />
dos recursos naturais, visando ao lucro <strong>em</strong> curto prazo. Esse<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>spreza a manutenção da biodiversida<strong>de</strong> <strong>em</strong> longo prazo e a<br />
cultura dos povos tradicionais. Assim, é urgente a adoção <strong>de</strong> medidas<br />
que estabeleçam ativida<strong>de</strong>s produtivas que não <strong>de</strong>struam processos<br />
ecológicos naturais e que atendam prioritariamente ao consumo local,<br />
s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scartar os mercados nacional e internacional.<br />
Uma estratégia é gerar renda e planejar melhor o uso do cerrado.<br />
É urgente também incluir na ciência investigativa o conhecimento dos<br />
povos que há séculos habitam essa região, <strong>de</strong> modo a aten<strong>de</strong>r com<br />
presteza as d<strong>em</strong>andas socioambientais.<br />
Mulheres da etnia indígena crahô participando <strong>de</strong> feira <strong>de</strong><br />
troca <strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes, <strong>em</strong> Goiatins (TO)<br />
Foto: Terezinha Dias<br />
Indígena crahô preparando paparuto, prato tradicional <strong>de</strong> sua etnia, <strong>em</strong><br />
Goiatins (TO)<br />
Foto: Terezinha Dias<br />
22 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
23
Relevo, clima e hidrografia<br />
O relevo do cerrado é caracterizado por planaltos antigos, com topografia<br />
suave ou lev<strong>em</strong>ente ondulada <strong>em</strong> geral, acima dos 500 m <strong>de</strong><br />
altitu<strong>de</strong>, separados por <strong>de</strong>pressões formadas pelas principais bacias hidrográficas<br />
do Brasil Central: Paraná-Paraguai, Tocantins-Araguaia, São<br />
Francisco e Parnaíba.<br />
Os solos do cerrado são antigos, profundos e b<strong>em</strong> drenados. Porém,<br />
são também pobres <strong>em</strong> nutrientes, frequent<strong>em</strong>ente ácidos e com alto<br />
teor <strong>de</strong> alumínio, o que os torna ina<strong>de</strong>quados e tóxicos para espécies<br />
<strong>de</strong> plantas exóticas, as quais, diferent<strong>em</strong>ente das espécies nativas, não<br />
estão adaptadas a este tipo <strong>de</strong> composição. Nos estados <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
e da Bahia, encontramos a ca<strong>de</strong>ia do Espinhaço, região mais alta do<br />
cerrado, chegando a mais <strong>de</strong> 2.000 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>.<br />
Diagrama climático para a região central<br />
do cerrado <strong>em</strong> Aragarças (GO), no vale<br />
do Araguaia, a 345 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>. A linha<br />
vermelha representa t<strong>em</strong>peratura e a linha<br />
azul pluviosida<strong>de</strong>. A área vermelha indica<br />
o período seco e a área azul claro, período<br />
superúmido<br />
Dados climáticos (1985-2015) INMET<br />
Diagrama climático do cerrado<br />
<strong>em</strong> uma região montanhosa na<br />
Serra do Cipó acima <strong>de</strong> 1,3 mil<br />
m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>. A linha vermelha<br />
representa t<strong>em</strong>peratura e a linha<br />
azul pluviosida<strong>de</strong>. A área vermelha<br />
indica o período seco e a área azul<br />
claro, período superúmido<br />
Dados climáticos 2012-2014/Peld/<br />
Site 17/Com<strong>Cerrado</strong>.<br />
A t<strong>em</strong>peratura média anual na região do cerrado é <strong>de</strong> 24 °C, mas,<br />
durante a primavera e o verão, po<strong>de</strong> alcançar os 40 °C. No inverno,<br />
entre os meses <strong>de</strong> junho, julho e agosto, a t<strong>em</strong>peratura mínima fica<br />
<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 12 °C, mas po<strong>de</strong> chegar a 0 °C nas regiões mais elevadas.<br />
Nos dias mais frios, pod<strong>em</strong> ocorrer geadas, principalmente na região<br />
sul do cerrado. Na Serra do Espinhaço (MG), a t<strong>em</strong>peratura po<strong>de</strong> até<br />
apresentar valores negativos.<br />
Mas a característica climática mais importante do cerrado é a forte<br />
sazonalida<strong>de</strong> das estações seca e chuvosa. A seca se inicia no mês <strong>de</strong><br />
abril e termina somente <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro. O período chuvoso se esten<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> outubro a março, <strong>em</strong>bora nos últimos anos o período seco na região<br />
tenha se estendido até nov<strong>em</strong>bro. A precipitação anual varia entre<br />
1.250 mm e 2.000 mm.<br />
A vida no cerrado está intimamente ligada às variações climáticas. Em<br />
muitos momentos, essas variações são rigorosas e estressantes e pod<strong>em</strong>,<br />
aparent<strong>em</strong>ente, parecer adversas. O intenso estresse ambiental,<br />
a marcante sazonalida<strong>de</strong> das chuvas e os solos pobres <strong>em</strong> nutrientes<br />
<strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> a um dos tipos <strong>de</strong> vegetação mais ricos e espetaculares<br />
do mundo. No ambiente do cerrado, fauna e flora estão <strong>em</strong> gran<strong>de</strong><br />
sintonia, como resultado <strong>de</strong> processos ecológicos e coevolutivos estabelecidos<br />
ao longo <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> anos.<br />
Algumas aves migratórias retornam ao cerrado antes das chuvas para<br />
iniciar a reprodução; cupins e formigas iniciam os voos nupciais b<strong>em</strong> no<br />
início do período chuvoso, quando o solo está macio o suficiente para<br />
po<strong>de</strong>r ser escavado para a formação <strong>de</strong> ninhos. As lagartas <strong>de</strong>sfolha-<br />
24 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
25
doras aparec<strong>em</strong> no início do período, quando as folhas dos arbustos<br />
e das árvores estão crescendo e, portanto, mais tenras. Os vagalumes<br />
também pod<strong>em</strong> apresentar picos <strong>de</strong> abundância logo <strong>de</strong>pois do início<br />
das chuvas, iluminando a região. O mesmo acontece com os besouros<br />
rola-bosta, importantíssimos para a <strong>de</strong>composição e adubação do solo.<br />
Os anfíbios aparec<strong>em</strong> aos milhares logo no início do período chuvoso.<br />
Brotamento foliar <strong>de</strong> Myrcia variabilis<br />
(Myrtaceae) <strong>em</strong> cerrado na Serra Azul,<br />
Barra do Garças (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
Besouro alimentando-se <strong>de</strong> uma<br />
flor <strong>de</strong> canela-<strong>de</strong>-<strong>em</strong>a, Vellozia<br />
alata (Velloziaceae), na Serra do<br />
Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Gafanhoto do gênero Tropidacris<br />
alimentando-se <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong><br />
orelha-<strong>de</strong>-onça, Tibouchina<br />
heteromalla (Melastomataceae),<br />
na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
26 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
27
Os aquíferos subterrâneos Bambuí, Urucuia e Guarani também se<br />
encontram <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> cerrado. Além <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r d<strong>em</strong>andas da indústria,<br />
agricultura, navegação e do turismo, as águas dos rios <strong>de</strong>sse bioma<br />
abastec<strong>em</strong> várias usinas hidrelétricas do país, como Furnas, Xingó, Ilha<br />
Solteira e Paulo Afonso IV.<br />
A ampliação da <strong>de</strong>struição do cerrado provocará consequências <strong>de</strong>sastrosas.<br />
As maiores usinas hidrelétricas, responsáveis por aproximadamente<br />
80% da energia produzida no Brasil, não teriam mais rios para<br />
a produção <strong>de</strong> energia, o que evi<strong>de</strong>ncia como o cerrado é crucial na<br />
dinâmica dos recursos hídricos e na matriz energética do país.<br />
Forte chuva no cerrado na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
O ciclo hidrológico também mantém a dinâmica <strong>de</strong> rios e bacias. A<br />
retirada <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> escala da vegetação do cerrado é um dos principais<br />
fatores que afetam o processo <strong>de</strong> erosão do solo. Tais mudanças intensificam<br />
a sua erosão <strong>de</strong> 10 a 100 vezes, causando alterações no balanço<br />
hídrico. Essa intensificação dos processos erosivos causa a perda <strong>de</strong><br />
biodiversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sequilíbrios no ciclo do carbono, poluição hídrica,<br />
mudanças no regime <strong>de</strong> queimadas e alteração do clima regional.<br />
Dez das 12 gran<strong>de</strong>s regiões hidrográficas brasileiras estão no cerrado.<br />
Importantes bacias hidrográficas, como Tocantins-Araguaia, São Francisco,<br />
Paraná-Paraguai e Parnaíba, têm as suas nascentes no cerrado. É<br />
a água proveniente <strong>de</strong>ssas bacias que abastece os sist<strong>em</strong>as ecológicos<br />
<strong>de</strong>sse e <strong>de</strong> outros biomas, como a caatinga e o pantanal, e até <strong>de</strong> bacias<br />
da Bolívia e do Paraguai.<br />
Mapa com as regiões hidrográficas brasileiras, com <strong>de</strong>staque para<br />
aquelas sob influência direta <strong>de</strong> nascentes do cerrado<br />
Elaboração: Sérgio Henrique <strong>de</strong> Moura Nogueira/LAPIG/UFG<br />
28 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
29
<strong>de</strong> Cabeça para Baixo<br />
Uma característica interessantíssima do cerrado é que, dados os seus<br />
solos profundos, pobres <strong>em</strong> nutrientes, e dada a gran<strong>de</strong> restrição imposta<br />
pela sazonalida<strong>de</strong>, ou a falta <strong>de</strong> água durante a seca, a vegetação<br />
típica apresenta mais biomassa abaixo da superfície da terra do que<br />
acima do solo. É, realmente, uma floresta, com árvores inteiras vivendo<br />
<strong>de</strong>baixo da terra, e apenas os ramos aparecendo acima do solo.<br />
Várias espécies <strong>de</strong> plantas do cerrado têm gran<strong>de</strong>s raízes que <strong>busca</strong>m<br />
a água do solo a mais <strong>de</strong> 20 m <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>. Ao ver essas árvores<br />
subterrâneas, qu<strong>em</strong> não as conhece pensa que se trata <strong>de</strong> arbustos,<br />
uma vez que só é possível enxergar os ramos.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo é a carobinha-do-campo-rupestre (Jacaranda <strong>de</strong>currens),<br />
cuja copa po<strong>de</strong> atingir 22 m <strong>de</strong> diâmetro. Em estudo recente, foi<br />
encontrado um indivíduo com mais <strong>de</strong> 3 mil anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
Muitas espécies do cerrado estão adaptadas à vida subterrânea. A imag<strong>em</strong> ilustra<br />
a espécie endêmica e ameaçada Coccoloba cereifera (Polygonaceae). O fogo elimina<br />
os ramos aéreos, mas rapidamente a planta rebrota a partir dos órgãos <strong>de</strong> reserva<br />
subterrâneos e, <strong>em</strong> seguida, a planta floresce<br />
Ilustração: Daysa Darcin<br />
Gran<strong>de</strong> proporção das espécies vegetais no cerrado t<strong>em</strong> órgãos <strong>de</strong><br />
reserva (raízes e tubérculos) resistentes ao fogo e à herbivoria (quando<br />
animais se alimentam <strong>de</strong> plantas). Estamos falando <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> floresta<br />
<strong>de</strong> cabeça para baixo!<br />
Diferentes tipos <strong>de</strong> adaptações das partes subterrâneas <strong>de</strong> plantas do cerrado<br />
Adaptado <strong>de</strong> E. Warming 1908. Ilustração: Daysa Darcin<br />
30 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
31
Essa constatação indica que os ecossist<strong>em</strong>as do cerrado estocam<br />
gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> carbono, auxiliando no sequestro do el<strong>em</strong>ento.<br />
Assim, ao contrário do que se pensa, o cerrado apresenta uma gigantesca<br />
contribuição para o funcionamento e a estabilida<strong>de</strong> climática<br />
– não apenas no Brasil, mas <strong>em</strong> todo o planeta.<br />
Mosaico típico<br />
O cerrado compreen<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> diferentes fisionomias <strong>de</strong><br />
vegetação. Os principais fatores que promov<strong>em</strong> esse mosaico <strong>de</strong> variações<br />
fisionômicas são diferenças edáficas (do solo). Em geral, quanto<br />
mais fértil o solo, mais alta e <strong>de</strong>nsa é a vegetação, ass<strong>em</strong>elhando-se<br />
com a florestal. Por outro lado, o fogo age <strong>de</strong> forma a manter a vegetação<br />
s<strong>em</strong>pre mais rasteira. Assim, quanto mais fogo, mais baixa e rala<br />
é a vegetação – ten<strong>de</strong>ndo para o campo. Logicamente, a inclinação do<br />
terreno, o microclima, a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água, entre outros fatores,<br />
adicionam variabilida<strong>de</strong> e conduz<strong>em</strong> ao gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> distintos<br />
ecossist<strong>em</strong>as ou fisionomias.<br />
Com base <strong>em</strong> seu porte e sua estrutura, as formações vegetacionais do<br />
cerrado pod<strong>em</strong> ser agrupadas <strong>em</strong> pelo menos três tipos distintos: campestre,<br />
savânica e florestal. São reconhecidas ao menos onze fisionomias.<br />
Os campos rupestres, limpo e sujo representam as principais formações<br />
campestres. Entre as fisionomias savânicas, <strong>de</strong>stacam-se o cerrado<br />
<strong>em</strong> sentido estrito e a vereda. Já as formações florestais inclu<strong>em</strong> o<br />
cerradão e as matas ciliar, <strong>de</strong> galeria e seca.<br />
A seguir, são <strong>de</strong>scritas algumas <strong>de</strong>ssas principais fisionomias.<br />
Mapa da distribuição do carbono para parte dos biomas do Brasil, com <strong>de</strong>staque<br />
para o cerrado, ao centro. Dados referentes ao carbono estocado sobre a superfície<br />
Elaboração: João Vitor Silva Costa<br />
Fonte dos dados: http://carbon.jpl.nasa.gov/PNAS-2011-Saatchi-1019576108.pdf<br />
32 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
33
Altura da<br />
vegetação (m)<br />
16<br />
Cerradão<br />
12<br />
8<br />
4<br />
0<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Perfil da vegetação das principais fisionomias do cerrado.<br />
Ilustração: Daysa Darcin<br />
<strong>Cerrado</strong><br />
Estrito<br />
Campo<br />
Sujo<br />
Campo<br />
Limpo<br />
Campo<br />
Rupestre<br />
Pico do Sol, na Serra do Caraça (MG)<br />
Foto: Lucas Perillo<br />
Larva <strong>de</strong> lepidoptera<br />
alimentando-se <strong>de</strong> flores <strong>de</strong><br />
Cuphea ericoi<strong>de</strong>s var. ericoi<strong>de</strong>s <br />
(Lythraceae) na Serra do Cipó<br />
(MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Chapéu-<strong>de</strong>-couro, Palicourea<br />
rigida (Rubiaceae) no cerrado<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Foto: Augusto Gomes<br />
34 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
35
Campo rupestre<br />
Os campos rupestres são dominados por uma vegetação herbáceo-arbustiva<br />
e ocorr<strong>em</strong> <strong>em</strong> terrenos bastante antigos geologicamente.<br />
São representados por um mosaico <strong>de</strong> formações<br />
vegetais muito distintas tanto na aparência quanto na sua<br />
composição florística.<br />
Os campos rupestres ocupam as terras mais altas do cerrado<br />
e ocorr<strong>em</strong> <strong>em</strong> solos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> rochosa – seja ela<br />
quartzítica, arenítica ou ferrífera, como itabiritos. Dada<br />
a natureza da rocha-mãe que origina esses campos,<br />
os solos são extr<strong>em</strong>amente pobres <strong>em</strong> nutrientes e,<br />
muitas vezes, com alto teor <strong>de</strong> alumínio, enquanto<br />
os <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> ferrífera apresentam altos níveis<br />
<strong>de</strong> metais pesados.<br />
Muitas espécies rupestres têm uma enorme<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptações morfológicas,<br />
anatômicas e fisiológicas e até comportamentais<br />
(fenologia) que permitiram sua<br />
sobrevivência nesse ambiente adverso.<br />
Órgãos subterrâneos especializados<br />
permit<strong>em</strong> a muitas espécies rebrotar<br />
repetidamente após algum dano, sobretudo<br />
<strong>de</strong>pois do fogo.<br />
Vegetação típica <strong>de</strong> campo rupestre quartzítico,<br />
na Reserva Vellozia, na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Vochysia pygmaea (Vochysiaceae) na Reserva<br />
Vellozia, na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
36 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
37
A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hábitats nos campos rupestres é enorme. Entre os<br />
mais comuns estão os campos quartzíticos <strong>de</strong> areia ou pedregosos, os<br />
campos alagáveis, as turfeiras, os afloramentos rochosos e as cangas<br />
couraçada e nodular. Imersos nesse mosaico herbáceo-arbustivo, ainda<br />
há matas <strong>de</strong> galeria, ilhas naturais <strong>de</strong> florestas montanas (conhecidas<br />
localmente como capões <strong>de</strong> mata), ilhas <strong>de</strong> cerrado, veredas e uma<br />
infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros ambientes.<br />
A Serra do Espinhaço apresenta o conjunto<br />
mais diverso e espetacular <strong>de</strong> campos rupestres<br />
do cerrado. A flora do campo rupestre<br />
apresenta-se como a mais rica <strong>em</strong> espécies e<br />
com uma das maiores taxas <strong>de</strong> end<strong>em</strong>ismo<br />
do Brasil: cerca <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> todas as espécies<br />
do cerrado são encontradas aí. Algumas famílias<br />
<strong>de</strong> plantas pod<strong>em</strong> atingir até 80% ou<br />
90% <strong>de</strong> end<strong>em</strong>ismo, como a Eriocaulaceae<br />
(s<strong>em</strong>pre-vivas).<br />
A topografia complexa <strong>de</strong> ambientes <strong>de</strong> montanha po<strong>de</strong> ser o principal<br />
responsável pela criação <strong>de</strong> uma gama <strong>de</strong> diferentes microclimas<br />
<strong>de</strong> importância crítica para a formação <strong>de</strong>sse ecossist<strong>em</strong>a ímpar do<br />
cerrado. Variações <strong>de</strong> latitu<strong>de</strong> e altitu<strong>de</strong>, orientação (leste ou oeste) e<br />
<strong>de</strong>clivida<strong>de</strong> do terreno, <strong>em</strong> sinergia com a gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipos<br />
<strong>de</strong> solos pobres <strong>em</strong> nutrientes e microclimas (t<strong>em</strong>peratura, luz e umida<strong>de</strong>),<br />
produz<strong>em</strong> essa infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hábitats.<br />
Nesses distintos hábitats rupestres e adversos, evoluiu uma flora espetacular<br />
tanto <strong>em</strong> formas diferentes quanto <strong>em</strong> número e singularida<strong>de</strong>s<br />
evolutivas. As famílias – os gêneros estão entre parênteses – <strong>de</strong> plantas<br />
mais comuns são: as gramíneas – Poaceae (Paspalum), as tiriricas –<br />
Cyperaceae (Bulbostylis, Rhynchospora), as margaridas, a arnica e a carqueja<br />
– Asteraceae (Baccharis, Er<strong>em</strong>anthus, Lychnophora), os manacás<br />
– Melastomataceae (Tibouchina, Lavoisiera, Microlicia, Miconia), as leguminosas<br />
– Fabaceae (Mimosa, Calliandra, Chamaecrista), as s<strong>em</strong>pre-vivas<br />
– Eriocaulaceae (Paepalanthus, Leiothrix, Actinocephalus), as canelas-<strong>de</strong>-<br />
-<strong>em</strong>as – Velloziaceae (Vellozia, Barbacenia), as orquí<strong>de</strong>as – Orchidaceae<br />
(Epi<strong>de</strong>ndrum) e os muricis – Malpighiaceae (Byrsonima).<br />
Essa fisionomia v<strong>em</strong> sendo <strong>de</strong>gradada, principalmente, pelas ativida<strong>de</strong>s<br />
da mineração, pela arborização com espécies exóticas <strong>de</strong> eucalipto,<br />
por invasões biológicas provocadas pela restauração ambiental com espécies<br />
exóticas, pela construção <strong>de</strong> estradas, entre várias outras ações.<br />
Outra ameaça a esse ecossist<strong>em</strong>a único é o aquecimento global, cujos<br />
efeitos manifestam-se, <strong>em</strong> geral, <strong>em</strong> áreas montanhosas.<br />
Os campos rupestres são ambientes extr<strong>em</strong>amente frágeis e, uma vez impactados<br />
pela ação do hom<strong>em</strong>, não costumam voltar à condição anterior.<br />
Acima: Canela-<strong>de</strong>-<strong>em</strong>a-gigante, Vellozia gigantea (Velloziaceae), no Parque<br />
Nacional da Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Abaixo: Floração <strong>de</strong> canela-<strong>de</strong>-<strong>em</strong>a – Vellozia compacta (Velloziaceae) na<br />
Reserva Vellozia, na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
38 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
39
Campo limpo<br />
Campo limpo<br />
23. Campo limpo<br />
O Campo Limpo é um tipo <strong>de</strong> vegetação que apresenta uma fisionomia<br />
campestre, on<strong>de</strong> predominam plantas herbáceas, com poucos arbustos<br />
e ausência completa <strong>de</strong> árvores. Essa vegetação está presente nas encostas,<br />
nas chapadas, nos olhos d’água, ao redor das Veredas e na borda<br />
das Matas <strong>de</strong> Galeria, <strong>em</strong> diversas posições do relevo, com diferentes<br />
profundida<strong>de</strong> e fertilida<strong>de</strong> do solo, graus <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> e matéria orgânica.<br />
Na presença <strong>de</strong> um lençol freático (reservatório subterrâneo <strong>de</strong><br />
água) profundo ocorre o Campo Limpo Seco, mas se o lençol freático<br />
é próximo à superfície do solo, apresentando alta umida<strong>de</strong>, a vegetação<br />
já passa a ser <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> Campo Limpo Úmido, cada um <strong>de</strong>sses<br />
contendo a sua flora específica.<br />
As espécies vegetais mais comuns no Campo Limpo são aquelas que<br />
pertenc<strong>em</strong> às famílias das s<strong>em</strong>pre-vivas e margaridinhas (Eriocaulaceae,<br />
Xyridaceae e Asteraceae), das família das tiriricas (Cyperaceae), das<br />
gramíneas - família dos capins e gramas - (Poaceae), e das orquí<strong>de</strong>as<br />
(Orchidaceae), <strong>de</strong>ntre outras. Os gêneros mais comuns do Campo<br />
Limpo são: Cyperaceae (Aristida, Panicum, Paspalum, Axonopus),<br />
Poaceae (Rhynchospora), Orchidaceae (Cleistes, Habenaria, Sarcoglotis),<br />
Polygalaceae (Polygala), Iridaceae (Cipura,Sisyrinchium), Lentibulariaceae<br />
(Utricularia), Burmaniaceae (Brumania), Lythraceae (Cuphea),<br />
além do gênero <strong>de</strong> plantas carnívoras Drosera (Droseraceae), que utilizam<br />
suas folhas modificadas e sensitivas para atrair e pren<strong>de</strong>r insetos<br />
que são digeridos por enzimas especiais produzidas pela planta.<br />
O campo limpo é um tipo <strong>de</strong> vegetação com fisionomia campestre,<br />
on<strong>de</strong> predominam plantas herbáceas, com poucos arbustos e ausência<br />
completa <strong>de</strong> árvores. Essa vegetação está presente nas encostas, nas<br />
chapadas, nos olhos d’água, ao redor das veredas e na borda das matas<br />
<strong>de</strong> galeria, <strong>em</strong> diversas posições do relevo, sobre solos com diferentes<br />
profundida<strong>de</strong>s e fertilida<strong>de</strong>s, graus <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> e matéria orgânica.<br />
Na presença <strong>de</strong> um lençol freático (reservatório subterrâneo <strong>de</strong><br />
água) profundo, ocorre o campo limpo seco; mas, se o lençol freático é<br />
próximo à superfície do solo, apresentando alta umida<strong>de</strong>, a vegetação<br />
já passa a ser <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> campo limpo úmido. Cada um <strong>de</strong>sses<br />
campos contém sua flora específica.<br />
As espécies vegetais mais comuns no campo limpo são as que pertenc<strong>em</strong><br />
às famílias das s<strong>em</strong>pre-vivas – Eriocaulaceae (Paepalanthus, Syngonanthus)<br />
e Xyridaceae (Xyris), das margaridinhas – Asteraceae (Aspilia),<br />
das tiriricas – Cyperaceae (Rhynchospora), das gramíneas – capins<br />
e gramas – Poaceae (Aristida, Panicum, Paspalum, Axonopus), das orquí<strong>de</strong>as<br />
– Orchidaceae (Cleistes, Habenaria, Sarcoglotis), <strong>de</strong> plantinhas<br />
com cheiro <strong>de</strong> gelol – Polygalaceae (Polygala), das moreias e íris – Iridaceae<br />
(Cipura, Sisyrinchium), Burmanniaceae (Burmannia), dos resedás<br />
– Lythraceae (Cuphea), além <strong>de</strong> algumas famílias <strong>de</strong> plantas carnívoras,<br />
como Lentibulariaceae (Utricularia) e Droseraceae (Drosera). Essas últimas<br />
utilizam suas folhas modificadas e sensitivas para atrair e pren<strong>de</strong>r<br />
insetos que são digeridos por enzimas especiais produzidas pela planta.<br />
Floração <strong>em</strong> massa <strong>de</strong> chuveirinho – Actinocephalus bongardii<br />
(Eriocaulaceae) <strong>em</strong> um campo limpo na Serra do Espinhaço (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
40 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
41
Campo limpo no alto do platô e cerrado sentido<br />
estrito no vale na Chapada dos Guimarães (MT)<br />
Foto: Kleber Vecchi Junior<br />
42 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
43
Veado-campeiro (Ozotoceros<br />
bezoarticus) próximo à cachoeira<br />
da Velha, no Jalapão (TO)<br />
Foto: Renato Pinheiro<br />
Campo sujo<br />
O campo sujo é uma vegetação com predominância <strong>de</strong> arbustos e<br />
subarbustos (às vezes, arvoretas) esparsos, menos <strong>de</strong>senvolvidos que<br />
as árvores do cerrado <strong>em</strong> sentido estrito, formando ‘ilhas’ sobre um<br />
estrato graminoso contínuo.<br />
Os solos são rasos, po<strong>de</strong>ndo ocorrer pequenos afloramentos rochosos<br />
<strong>de</strong> pouca extensão (s<strong>em</strong> caracterizar um campo rupestre), ou profundos<br />
e <strong>de</strong> baixa fertilida<strong>de</strong> (solos álicos ou distróficos).<br />
Fêmea do pica-pau Celeus obrieni<br />
(Picidae) <strong>em</strong> cerrado no Tocantins<br />
Foto: Renato Pinheiro<br />
S<strong>em</strong>elhantes ao campo limpo, também pod<strong>em</strong> ser encontrados dois<br />
subtipos <strong>de</strong> campo sujo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do nível do lençol freático. São o<br />
campo sujo seco e o campo sujo úmido, que ocorr<strong>em</strong> on<strong>de</strong> há um lençol<br />
freático mais profundo ou menos profundo, respectivamente. Quando<br />
ocorr<strong>em</strong> microrrelevos mais elevados (murundus) na área, é possível<br />
visualizar um campo <strong>de</strong> ‘pequenos morros’ com cerca <strong>de</strong> 1 m <strong>de</strong> altura<br />
e 4 m a 6 m <strong>de</strong> diâmetro – é o chamado campo sujo com murundus.<br />
Apesar <strong>de</strong> pequenas diferenças na composição da flora nos três subtipos<br />
<strong>de</strong> campo sujo – <strong>de</strong>vido, principalmente, à alteração da drenag<strong>em</strong> do<br />
solo –, as espécies mais comuns <strong>de</strong> plantas pertenc<strong>em</strong> às seguintes famílias:<br />
gramíneas – capins e gramas – Poaceae (Aristida, Axonopus, Echinolaena,<br />
Ichnanthus, Lou<strong>de</strong>tiopsis, Panicum, Paspalum, Trachypogon, Tristachya),<br />
margaridas, arnica e carqueja – Asteraceae (Aspilia, Baccharis,<br />
Calea, We<strong>de</strong>lia) e tiriricas – Cyperaceae (Bulbostylis, Rhyncosphora).<br />
Além das citadas, são comuns ainda as famílias das leguminosas – Fabaceae<br />
(Andira, Mimosa), Lamiaceae (Hyptis), da cagaita e da goiaba<br />
– Myrtaceae (Eugenia, Psidium), b<strong>em</strong> como do jenipapo e do café – Rubiaceae<br />
(Alibertia, Tocoyena).<br />
Várias espécies <strong>de</strong> outras famílias se <strong>de</strong>stacam pela floração exuberante<br />
na época chuvosa.<br />
44 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
45
<strong>Cerrado</strong> na Estação Ecológica <strong>de</strong> Pirapitinga (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
46 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
47
Flor <strong>de</strong> bate-caixa, ou douradinha,<br />
Palicourea rigida (Rubiaceae) no Parque<br />
Estadual da Serra Azul, <strong>em</strong> Barra do<br />
Garças (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
Maria-faceira (Syrigma sibilatrix) no Parque<br />
Nacional das Emas (GO)<br />
Foto: Augusto Gomes<br />
Flor e fruto <strong>de</strong> Chamaecrista campestris<br />
(Fabaceae), no Parque Estadual da Serra Azul,<br />
<strong>em</strong> Barra do Garças (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
48 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
49
<strong>Cerrado</strong> sentido estrito<br />
O cerrado sentido estrito é a fisionomia mais comum e mais característica<br />
do bioma cerrado, ocupando aproximadamente 60% da área <strong>de</strong><br />
uma paisag<strong>em</strong> típica. É caracterizado por árvores baixas, com troncos<br />
inclinados, ramos tortuosos, geralmente retorcidos, com casca espessa,<br />
fissurada com evi<strong>de</strong>ntes sinais <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> fogo.<br />
Além das árvores, compõ<strong>em</strong> o estrato lenhoso arbustos e subarbustos<br />
que ficam esparsos <strong>em</strong> meio a um estrato graminoso contínuo. Muitas<br />
<strong>de</strong>ssas espécies lenhosas rebrotam após queimadas, uma vez que<br />
contêm órgãos subterrâneos (rizomas, bulbos e cormos) perenes, que<br />
sobreviv<strong>em</strong> ao fogo.<br />
No geral, as plantas apresentam muitas características xeromórficas<br />
(adaptações à seca), como folhas coriáceas, espessas e pilosas. Tais<br />
adaptações também pod<strong>em</strong> ser associadas à táticas anti-herbivoria.<br />
Nos períodos secos, muitas espécies perd<strong>em</strong> folhas e as plantas herbáceas<br />
praticamente <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong>, para voltar exuberantes durante as<br />
chuvas, cobrindo o solo antes dominado apenas por folhas secas.<br />
Essa fisionomia ocorre predominant<strong>em</strong>ente sobre solos profundos,<br />
mas po<strong>de</strong> aparecer também sobre solos mais rasos e litólicos (rochosos).<br />
Geralmente, os solos profundos pertenc<strong>em</strong> às classes latossolo<br />
vermelho e latossolo vermelho-amarelo. Esses solos apresentam aci<strong>de</strong>z<br />
mo<strong>de</strong>rada ou forte e são pobres <strong>em</strong> nutrientes, como fósforo e nitrogênio.<br />
Outra característica importante é o teor <strong>de</strong> matéria orgânica<br />
no solo, que varia <strong>de</strong> médio a baixo. A matéria orgânica é fundamental<br />
Cega-machado ou pau-<strong>de</strong>-rosas – Physocalymma scaberrimum (Lythraceae) – <strong>em</strong> cerrado<br />
sentido estrito, no Parque Estadual da Serra Azul, <strong>em</strong> Barra do Garças (MT)<br />
Foto: Fernando Pedroni<br />
50 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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para a microbiota do solo, que a <strong>de</strong>compõe e, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>volve<br />
para o solo os nutrientes essenciais à manutenção das plantas.<br />
O cerrado sentido estrito apresenta variações fisionômicas internas <strong>em</strong><br />
relação à <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e ao espaçamento dos componentes lenhosos (cerrado<br />
ralo, cerrado típico e cerrado <strong>de</strong>nso) que <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> da variação do<br />
solo. Nos solos mais profundos, t<strong>em</strong> o cerrado <strong>de</strong>nso ou típico, e, naqueles<br />
com afloramentos rochosos, há cerrados ralos, como o rupestre.<br />
As famílias – (gêneros) – mais comuns e importantes do cerrado sentido<br />
estrito são as das leguminosas, como jatobá e carvoeiro – Fabaceae<br />
(Hymenaea, Tachigali), as da can<strong>de</strong>ia e assa-peixe – Asteraceae<br />
(Piptocarpha, Lessingianthus), a das orquí<strong>de</strong>as – Orchidaceae (Catasetum),<br />
a dos capins – Poaceae (Axonopus, Echinolaena, Ichnanthus,<br />
Lou<strong>de</strong>tiopsis, Panicum, Paspalum), a do jenipapo – Rubiaceae (Genipa),<br />
a das quaresmeiras – Melastomataceae (Miconia, Tibouchina), as da gabiroba<br />
e das pitangas – Myrtaceae (Campomanesia, Eugenia), e a dos<br />
muricis – Malpighiaceae (Byrsonima).<br />
Algumas das espécies arbóreas mais frequentes são: as da família<br />
das pinhas – Annonaceae (Annona coriacea, ou araticum, Xylopia aromatica,<br />
ou pimenta-<strong>de</strong>-macaco), a das perobas – Apocynaceae (Aspidosperma<br />
tomentosum, ou peroba-do-campo, e Hancornia speciosa,<br />
ou mangaba), a do caju – Anacardiaceae (Astronium fraxinifolium, ou<br />
gonçalo-alves), a das figueiras – Moraceae (Brosimum gaudichaudii, ou<br />
mama-ca<strong>de</strong>la), a das leguminosas – Fabaceae (Bowdichia virgilioi<strong>de</strong>s,<br />
ou sucupira-preta, Dimorphandra mollis, ou fava-d’anta, Hymenaea<br />
stigonocarpa, ou jatobá-do-cerrado, Tachigali vulgaris, ou carvoeiro) e<br />
Caryocaraceae (Caryocar brasiliense, ou pequi), a das lixeiras – Dilleniaceae<br />
(Curatella americana, ou lixeira, e Davilla elliptica, ou lixeiri-<br />
<strong>Cerrado</strong> sentido estrito no<br />
Parque Estadual do Rio<br />
Preto, Serra do Espinhaço<br />
MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Cachoeira e cerrado típico<br />
na Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros<br />
(GO)<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
52 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
53
nha), a dos cambarás – Vochysiaceae (Qualea grandiflora, ou pau-terra-<br />
-gran<strong>de</strong>) e a dos ipês – Bignoniaceae (Tabebuia aurea, ou ipê-amarelo).<br />
Amplamente distribuída <strong>em</strong> toda a extensão original do bioma, essa<br />
fisionomia t<strong>em</strong> sofrido intensa pressão, provocada <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte<br />
pela conversão <strong>de</strong>ssa classe <strong>em</strong> áreas agrícolas. Apesar dos solos pobres,<br />
a agricultura mo<strong>de</strong>rna avança suas fronteiras, envenenando solo<br />
e águas com agrotóxicos, enquanto o pastejo amplia os impactos ao<br />
alterar profundamente a estrutura da vegetação.<br />
Trilha educativa no cerrado, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Carlos, <strong>em</strong> São Carlos (SP)<br />
Foto: Marco Mello<br />
Veredas<br />
As veredas estão associadas aos cursos d’água <strong>em</strong> que o lençol freático<br />
está perto da superfície e on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca como <strong>em</strong>ergente a<br />
palmeira buriti (Mauritia flexuosa), com altura média <strong>de</strong> 12 a 15 m. Essa<br />
fisionomia é extr<strong>em</strong>amente importante para a fauna do cerrado, assim<br />
como para populações humanas, já que, durante a longa estação seca,<br />
a vereda é uma das principais fontes <strong>de</strong> água na região.<br />
As veredas funcionam como locais <strong>de</strong> abrigo, alimentação e reprodução<br />
da fauna. Além disso, têm gran<strong>de</strong> beleza cênica, e seus imponentes<br />
buritis são um importante marco na paisag<strong>em</strong> do cerrado, ao ponto <strong>de</strong><br />
ser<strong>em</strong> imortalizadas na obra-prima do escritor mineiro João Guimarães<br />
Rosa (1908-1967), Gran<strong>de</strong> sertão: veredas.<br />
Essa fisionomia v<strong>em</strong> sendo <strong>de</strong>gradada por ativida<strong>de</strong>s agrícolas e pecuárias,<br />
assim como pela construção <strong>de</strong> barragens, açu<strong>de</strong>s e estradas e<br />
mesmo por queimadas.<br />
O pisoteio do gado po<strong>de</strong> causar erosão e compactação do solo e assim<br />
afetar a taxa <strong>de</strong> infiltração da água que abastece os aquíferos subterrâneos.<br />
Outra ameaça a esse ecossist<strong>em</strong>a único é a redução do lençol freático.<br />
Com a diminuição do nível da água, o ambiente que antes era úmido<br />
fica seco, causando a morte lenta dos buritis e da vereda. Infelizmente,<br />
as veredas são ambientes frágeis, que, uma vez impactados pela ação<br />
humana, dificilmente voltam à condição anterior.<br />
As famílias <strong>de</strong> plantas mais abundantes são: a das gramíneas – Poaceae<br />
(Andropogon, Axonopus, Aristida, Panicum, Paspalum, Schizachyrium<br />
e Trachyposgon), a das margaridas e da carqueja – Asteraceae<br />
(Baccharis, Chromolaena e Lepidaploa), a das tiriricas – Cyperaceae<br />
54 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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Pôr do sol <strong>em</strong> uma vereda <strong>em</strong><br />
Minas Gerais<br />
Foto: Augusto Gomes<br />
56 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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(Bulbostylis, Cyperus e Rhyncospora), a dos manacás – Melastomataceae<br />
(Miconia, Microlicia e Tibouchina), a das leguminosas – Fabaceae<br />
(Desmodium e Stylosanthus) e a das s<strong>em</strong>pre-vivas – Eriocaulaceae<br />
(Eriocaulon, Paepalanthus e Synghonanthus).<br />
O capim-dourado (Synghonanthus nitens), que ocorre nos campos<br />
úmidos que circundam as veredas, é uma s<strong>em</strong>pre-viva muito utilizada<br />
na confecção <strong>de</strong> artesanatos. Altamente valorizados, esses artefatos<br />
são feitos pelas comunida<strong>de</strong>s tradicionais, principalmente da região do<br />
Jalapão, no Tocantins, a partir da coleta dos escapos florais (caules) do<br />
capim-dourado, para gerar renda.<br />
Vereda <strong>em</strong> Formosa do Rio Preto (BA)<br />
Foto: Jorge A. S. Costa<br />
Papagaio-verda<strong>de</strong>iro<br />
(Amazona aestiva) no<br />
Parque Estadual Veredas<br />
do Peruaçu (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Vereda próxima ao rio<br />
Carinhanha, na divisa <strong>de</strong><br />
Minas Gerais e da Bahia<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
58 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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cerradão<br />
O cerradão é uma vegetação com porte florestal, <strong>em</strong>bora com muitas<br />
espécies vegetais comuns ao cerrado sentido estrito e às matas secas,<br />
o que o torna uma fisionomia s<strong>em</strong> espécies exclusivas, mas rica <strong>em</strong><br />
diversida<strong>de</strong> e interações ecológicas.<br />
As plantas do cerradão apresentam características esclerófilas – vegetais<br />
adaptados a longos períodos <strong>de</strong> seca e calor, com folhas duras e coriáceas<br />
(com textura do couro) – e xeromórficas – vegetais suculentos, com<br />
folhas reduzidas, pilosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsa ou com cutícula grossa, que permit<strong>em</strong><br />
conservar água e, portanto, suportar condições <strong>de</strong> seca. Essa vegetação<br />
já foi chamada pelo botânico dinamarquês Eugen Warming (1841-1924)<br />
<strong>de</strong> catanduva, que a <strong>de</strong>finiu como “a mata virg<strong>em</strong> dos planaltos”.<br />
As árvores do cerradão têm entre 8 e 15 m <strong>de</strong> altura, estão próximas<br />
umas das outras, formando um dossel que agrupa as plantas <strong>em</strong> manchas<br />
<strong>de</strong> vegetação mais ou menos <strong>de</strong>nsas.<br />
Os arbustos e as plantas herbáceas são distribuídos <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scontínua<br />
sobre uma camada <strong>de</strong> folhas secas presentes no chão da floresta.<br />
Essas folhas incr<strong>em</strong>entam, a cada ano, matéria orgânica aos solos, que<br />
são b<strong>em</strong> drenados, <strong>de</strong> média e baixa fertilida<strong>de</strong> e ligeiramente ácidos.<br />
Depen<strong>de</strong>ndo da fertilida<strong>de</strong> do solo, o cerradão po<strong>de</strong> ser classificado<br />
como distrófico (que t<strong>em</strong> solos pobres <strong>em</strong> nutrientes) ou mesotrófico<br />
(com solos mais ricos, mas fertilida<strong>de</strong> mediana). As espécies vegetais<br />
estão adaptadas a cada um <strong>de</strong>sses ambientes.<br />
As famílias mais comuns e importantes do cerradão são: as leguminosas<br />
dos carvoeiros e sucupiras – Fabaceae (Tachigali e Pterodon), a do<br />
Cerradão na Estação Ecológica <strong>de</strong> Pirapitinga (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
60 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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carvão-branco e pau-<strong>de</strong>-tucano – Vochysiaceae (Callisthene e Vochysia),<br />
a do tingui – Sapindaceae (Magonia) e a do vermelhão – Chrysobalanaceae<br />
(Hirtella).<br />
As espécies arbóreas mais frequentes no cerradão são o pequi<br />
(Caryocar brasiliense), a copaíba (Copaifera langsdorffii), o sobre (Emmotum<br />
nitens), o escorrega-macaco (Vochysia haenkeana), a pindaíba<br />
ou pimenta-<strong>de</strong>-macaco (Xylopia aromatica), a mama-ca<strong>de</strong>la (Brosimum<br />
gaudichaudii) e a marmelada (Alibertia edulis).<br />
Também pod<strong>em</strong> ser encontradas a sucupira-preta (Bowdichia virgilioi<strong>de</strong>s),<br />
o jacarandá-do-cerrado (Dalbergia miscolobium), o pau-terra-gran<strong>de</strong><br />
(Qualea grandiflora), o pau-santo (Kielmeyera coriacea) e o<br />
carvoeiro (Tachigali vulgaris). Já no cerradão mesotrófico, as árvores<br />
mais comuns são o tingui (Magonia pubescens), o jacaré-da-folha-gran<strong>de</strong><br />
(Callisthene fasciculata), o gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium),<br />
o capitão-do-campo (Terminalia argentea), o imburiçu (Pseudobombax<br />
tomentosum) e a mutamba (Guazuma ulmifolia). São ainda comuns<br />
o pau-d’olinho (Copaifera oblongifolia), a pinha-do-campo (Duguetia<br />
furfuracea) e a unha-<strong>de</strong>-vaca (Bauhinia brevipes). Entre as gramíneas,<br />
<strong>de</strong>staca-se o capim-flexinha (Echinolaena inflexa) e outras dos gêneros<br />
Aristida, Axonopus, Paspalum e Trachypogon.<br />
Interior <strong>de</strong> um cerradão na Estação<br />
Ecológica <strong>de</strong> Pirapitinga (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Jaguatirica (Lepardus pardalis) na mata<br />
ciliar do rio Peruaçu (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Urubu-rei (Sarcoramphus<br />
papa) <strong>em</strong> um cerradão<br />
no Parque Nacional<br />
Cavernas do Peruaçu<br />
(MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
62 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
63
Matas <strong>de</strong> galeria e ciliar<br />
No domínio do cerrado, as formações florestais que acompanham<br />
os cursos d’água são chamadas matas <strong>de</strong> galeria (cursos d’água <strong>de</strong> pequeno<br />
porte) ou ciliares (rios <strong>de</strong> médio a gran<strong>de</strong> porte). Do ponto <strong>de</strong><br />
vista fisionômico, esse tipo <strong>de</strong> vegetação contrasta com as formações<br />
savânicas do cerrado por ocorrer <strong>em</strong> fundos <strong>de</strong> vales e manter o aspecto<br />
perenifólio (folhag<strong>em</strong> persistente), apesar da sazonalida<strong>de</strong> climática.<br />
Essas florestas pod<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas corredores ecológicos e elos<br />
florísticos entre gran<strong>de</strong>s biomas florestais do Brasil, como a mata atlântica<br />
e a amazônica. Além disso, representam o test<strong>em</strong>unho das expansões<br />
e contrações das florestas tropicais que ocorreram junto com as<br />
gran<strong>de</strong>s mudanças climáticas ao longo do Pleistoceno (entre 2,5 milhões<br />
e 11,5 mil anos atrás).<br />
A variação da riqueza <strong>de</strong> plantas nessas florestas está associada ao<br />
grau <strong>de</strong> saturação hídrica do solo: <strong>em</strong> ambientes alagados, encontra-<br />
-se um número menor <strong>de</strong> espécies adaptadas a tais condições, como<br />
o guanandi (Calophyllum brasiliense), a pindaíba-do-brejo (Xylopia<br />
<strong>em</strong>arginata) e o baguaçu (Magnolia ovata). Em condições <strong>de</strong> saturação<br />
hídrica menos restritiva, as matas <strong>de</strong> galeria e ciliares abrigam gran<strong>de</strong><br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plantas, incluindo espécies ma<strong>de</strong>ireiras, como o cedro-<br />
-rosa (Cedrella odorata), o jatobá (Hymenaea courbaril) e ipês (Tabebuia<br />
spp.); espécies ornamentais, como cega-machado (Physocalymma<br />
scaberrimum) e a caroba (Jacaranda brasiliana); e frutíferas, como caqui-do-mato<br />
(Diospyros hispida) e marmelada (Alibertia edulis).<br />
Pod<strong>em</strong>os encontrar nessas matas quase 3 mil espécies <strong>de</strong> plantas,<br />
sendo 2.528 angiospermas, 309 briófitas, 64 samambaias e licófitas e<br />
cinco espécies <strong>de</strong> gimnospermas. Entre as angiospermas, as famílias<br />
mais importantes são as das leguminosas – do amendoim-do-campo e<br />
angico – Fabaceae (Platypodium e Ana<strong>de</strong>nanthera), a das marmeladas<br />
e da falsa-quina – Rubiaceae (Alibertia e Coussarea), a do pombeiro e<br />
gonçalo-alves – Anacardiaceae (Tapirira e Astronium), a da sangra-d’água<br />
e tanheira – Euphorbiaceae (Croton e Alchornea) e a dos camboatás –<br />
Sapindaceae (Matayba e Cupania).<br />
Espécies arbóreas importantes, como angicos (Ana<strong>de</strong>nanthera spp.),<br />
copaíba (Copaifera langsdorffii), pombeiro (Tapirira guianensis), breus<br />
(Protium spp.), bacupari-da-mata (Cheiloclinium cognatum), louro<br />
(Cordia sellowiana) e tarumã (Vitex polygama), pod<strong>em</strong> ser encontradas<br />
com facilida<strong>de</strong> nesse tipo <strong>de</strong> vegetação.<br />
Além da rica biodiversida<strong>de</strong>, há ainda, na região, uma <strong>de</strong>stacada diversida<strong>de</strong><br />
cultural, importância turística e socioeconômica associadas<br />
aos cursos d’água.<br />
A diminuição da cobertura florestal das matas <strong>de</strong> galerias e ciliares<br />
traz graves danos ambientais, como perda <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da água, erosão<br />
e redução <strong>de</strong> nutrientes do solo, assoreamento dos rios e enchentes,<br />
alterações e <strong>de</strong>sequilíbrios microclimáticos e uma cascata <strong>de</strong> consequências<br />
que afetam diretamente a fauna.<br />
Por outro lado, a preservação <strong>de</strong>ssas fisionomias vegetais possibilita<br />
que os processos ecológicos funcion<strong>em</strong> a<strong>de</strong>quadamente, melhorando<br />
a qualida<strong>de</strong> do ar, da água e do solo, e permitindo o <strong>de</strong>slocamento e a<br />
migração da fauna e flora, o que garante a manutenção e recuperação<br />
da biodiversida<strong>de</strong> terrestre e aquática, b<strong>em</strong> como a riqueza cultural e<br />
socioeconômica da região.<br />
64 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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Pôr do sol no lago Quatro Bocas, <strong>em</strong> Araguaiana (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
66 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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Cachoeira do Pulo, no Parque Nacional Chapada dos Guimarães, na Chapada<br />
dos Guimarães (MT)<br />
Foto: Kleber Vecchi Junior<br />
Abaixo à esquerda, mata ciliar no rio Sapão, <strong>em</strong> Formosa do Rio Preto (BA)<br />
Foto: Jorge A. S. Costa<br />
Mata ciliar na cabeceira do reservatório <strong>de</strong> Nova<br />
Ponte, no rio Araguari (MG)<br />
Foto: Marcos Callisto<br />
68 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
69
Mata Seca<br />
São formações florestais que não estão associadas a cursos <strong>de</strong> água e<br />
apresentam diversos níveis <strong>de</strong> caducifólia (perda <strong>de</strong> folhas) na estação<br />
seca. A mata seca corre <strong>em</strong> solos mais ricos <strong>em</strong> nutrientes que as outras<br />
fisionomias do cerrado, <strong>em</strong> interflúvios (relevo ou área elevada entre<br />
dois cursos <strong>de</strong> água ou dois vales). Depen<strong>de</strong>ndo da composição florística<br />
e, portanto, da queda <strong>de</strong> folhas, pod<strong>em</strong> ser i<strong>de</strong>ntificados três tipos: mata<br />
seca s<strong>em</strong>pre-ver<strong>de</strong>, mata seca s<strong>em</strong>i<strong>de</strong>cídua e mata seca <strong>de</strong>cídua.<br />
Em solos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> calcária, po<strong>de</strong> ocorrer, com frequência, a mata<br />
seca <strong>de</strong>cídua sobre afloramentos rochosos. A altura do estrato arbóreo<br />
das matas secas po<strong>de</strong> chegar a 25 m. No período chuvoso, o dossel<br />
mais fechado não favorece as plantas arbustivas. Na época seca, o dossel<br />
mais aberto limita a presença <strong>de</strong> epífitas.<br />
As famílias botânicas mais comuns nessa vegetação são das leguminosas<br />
da maria-pobre e do monjoleiro – Fabaceae (Dilo<strong>de</strong>ndron e Senegalia),<br />
a das aroeiras – Anacardiaceae (Myracroduon), dos ipês – Bignoniaceae<br />
(Tabebuia e Handroanthus) e das mutambas, açoita-cavalos e<br />
chichás – Malvaceae (Guazuma, Luehea e Sterculia).<br />
Entre as várias espécies <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong>ssa fisionomia, <strong>de</strong>staca-se a<br />
barriguda (Cavanillesia arborea). Essa árvore, da família Malvaceae, é<br />
característica das áreas r<strong>em</strong>anescentes da mata seca.<br />
As matas secas foram bastante <strong>de</strong>struídas por ocorrer<strong>em</strong> sobre solos<br />
ricos <strong>em</strong> nutrientes, ou seja, férteis para pastagens e plantações<br />
(chamadas terras <strong>de</strong> cultura). Contribuiu para sua <strong>de</strong>struição o fato <strong>de</strong><br />
as matas secas ter<strong>em</strong> muitas árvores <strong>de</strong> importância ma<strong>de</strong>ireira, que<br />
Mata seca calcárea na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
70 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
71
Mata seca calcária na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Mata seca <strong>em</strong> afloramento calcário no Parque Nacional Cavernas do<br />
Peruaçu, área <strong>de</strong> transição entre o cerrado e a caatinga (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Flor <strong>de</strong> algodãozinho-do-cerrado – Cochlospermum regium<br />
(Cochlospermaceae) <strong>em</strong> Mata Seca <strong>em</strong> Barra do Garças (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
geram renda aos fazen<strong>de</strong>iros. Ex<strong>em</strong>plos inclu<strong>em</strong>: cerejeira<br />
ou amburana (Amburana cearensis), cedro (Cedrella<br />
fissilis) e espécies ameaçadas <strong>de</strong> extinção, como<br />
o ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa) e a aroeira (Myracroduon<br />
urun<strong>de</strong>uva), entre outras. A <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>ssas<br />
florestas foi tão intensa que é um tipo <strong>de</strong> vegetação dos<br />
mais ameaçados do planeta.<br />
72 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
73
Fauna, flora E MICRORGANISMOS: alta<br />
biodiversida<strong>de</strong><br />
A biodiversida<strong>de</strong> no cerrado é muito alta, muito maior que a <strong>de</strong> todas<br />
as outras savanas do mundo. Além <strong>de</strong> ter gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
espécies endêmicas, o cerrado também apresenta gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
espécies comuns aos biomas com os quais ele faz limite (floresta amazônica,<br />
mata atlântica, caatinga e pantanal). Isso faz com que o número<br />
<strong>de</strong> espécies seja ampliado várias vezes.<br />
Devido a sua gran<strong>de</strong> extensão (mais <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> km 2 ), há também<br />
gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> espacial, o que resulta <strong>em</strong> maior diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
hábitats para diferentes espécies. Há no cerrado três supercentros <strong>de</strong><br />
biodiversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminados por barreiras altimétricas (0-500 m –<br />
cerrados litorâneos; 500-900 m – cerrados meridionais; acima <strong>de</strong> 900<br />
m – cerrados do planalto Central) e climáticas (polígonos das secas e<br />
das geadas). Todas essas características <strong>de</strong>terminam gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sua flora e fauna.<br />
O cerrado t<strong>em</strong> importantes conexões com os biomas adjacentes,<br />
principalmente o amazônico.<br />
Setas mais largas indicam maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécies (da fauna e flora)<br />
<strong>em</strong> comum entre biomas adjacentes ou vizinhos.<br />
Elaboração: João Vitor Silva Costa<br />
Estima-se a existência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300 mil espécies <strong>de</strong> animais no cerrado,<br />
com muitas endêmicas. Por outro lado, essas são estimativas baseadas<br />
<strong>em</strong> levantamentos pontuais e, assim, não faz<strong>em</strong> jus ao que realmente<br />
existe <strong>de</strong> espécies animais nesse bioma. Infelizmente, há muitas lacunas a<br />
ser<strong>em</strong> cobertas, e o conhecimento sobre a fauna ainda é escasso. Estudos<br />
sobre história <strong>de</strong> vida, dinâmica populacional e comportamento das<br />
espécies ainda são parcos diante <strong>de</strong> tamanha diversida<strong>de</strong>.<br />
Mais da meta<strong>de</strong> das aves conhecidas no Brasil (famoso por ser o país<br />
das aves) está no cerrado (850 espécies). Há 251 espécies <strong>de</strong> mamíferos,<br />
gran<strong>de</strong> parte representada por morcegos (118 espécies). Entre<br />
os mamíferos, estão espécies ameaçadas, como o tatu-canastra, o ta-<br />
Biodiversida<strong>de</strong> do cerrado<br />
74 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
75
manduá-ban<strong>de</strong>ira, a anta, o lobo-guará e o cachorro-do-mato-vinagre.<br />
Espécies <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticas como a onça-pintada, que necessitam <strong>de</strong> ampla<br />
área para viver, estão bastante ameaçadas. Várias das espécies <strong>de</strong> mamíferos<br />
e aves que ocorr<strong>em</strong> na região são <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou, ao menos,<br />
utilizam com frequência as formações florestais.<br />
São mais <strong>de</strong> 200 espécies <strong>de</strong> anfíbios, mais <strong>de</strong> 270 <strong>de</strong> répteis e 13.144 <strong>de</strong><br />
plantas – 36,9% das espécies vegetais atualmente conhecidas pela ciência<br />
e listadas na Flora do Brasil e 4,8% da flora mundial. Devido a carência<br />
<strong>de</strong> inventários não há números precisos; porém, estima-se a existência <strong>de</strong><br />
1.200 espécies <strong>de</strong> peixes, o que representa 46,4% das espécies brasileiras.<br />
Os poucos estudos indicam que 25% da riqueza mundial <strong>de</strong> fungos micorrízicos<br />
se concentram apenas nos campos rupestres do cerrado.<br />
A vegetação rasteira e com gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ervas da região<br />
permite o convívio e a sobrevivência <strong>de</strong> uma fauna típica, como a <strong>em</strong>a<br />
(Rhea americana), o tamanduá-ban<strong>de</strong>ira (Myrmecophaga tridactyla), o<br />
veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) e a seri<strong>em</strong>a (Cariama cristata),<br />
entre outros animais.<br />
Nas áreas <strong>de</strong> montanha, como as do campo rupestre, encontra-se também<br />
uma fauna bastante variada, com mais <strong>de</strong> 175 espécies <strong>de</strong> formigas,<br />
mais <strong>de</strong> 50 <strong>de</strong> cupins, e a maior diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> insetos galhadores do país.<br />
Entre os vertebrados, <strong>de</strong>stacam-se o mocó (Kerodon rupestris), o beija-<br />
-flor-<strong>de</strong>-gravata (Augastes scutatus), várias espécies <strong>de</strong> pequenos roedores<br />
e até animais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, como a onça-parda e a onça-pintada.<br />
76 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
77 77
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BIOMA EM TRANSFORMAÇÃO<br />
A transformação do cerrado iniciou-se a partir do momento <strong>em</strong> que os<br />
primeiros colonizadores a<strong>de</strong>ntraram suas terras <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> riquezas.<br />
O processo se intensificou dramaticamente nas últimas décadas, resultando<br />
nas maiores taxas <strong>de</strong> conversão – alteração da vegetação nativa<br />
– do país. As consequências da erosão dos recursos naturais do bioma<br />
e <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> apropriação foram negativas para a biodiversida<strong>de</strong>,<br />
assim como para a prestação <strong>de</strong> serviços ambientais e sociais.<br />
Grupo <strong>de</strong> <strong>em</strong>as (Rhea americana, família Rheidae) <strong>em</strong> um campo <strong>de</strong> agricultura<br />
pós-colheita no cerrado <strong>de</strong> Goiás. Uma curiosida<strong>de</strong> é que o macho da <strong>em</strong>a é qu<strong>em</strong><br />
cuida dos filhotes!<br />
Foto: Ricardo Machado<br />
Lavouras extensivas no oeste da Bahia consom<strong>em</strong> o cerrado. A imag<strong>em</strong> da NASA,<br />
agência espacial norte-americana, mostra enormes pivôs centrais, com diâmetros<br />
que variam <strong>de</strong> 1,2 a 2 km<br />
Fonte: National Aeronautics and Space Administration - NASA (Earth Observatory)<br />
80 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
81
500 anos <strong>de</strong> mudanças<br />
Antes da chegada dos primeiros colonizadores portugueses ao Brasil,<br />
o cerrado ocupava uma extensa e contínua área. Certamente, já havia<br />
alterações causadas pelos povos nôma<strong>de</strong>s coletores e caçadores que<br />
por aqui viviam. Mas o impacto <strong>de</strong>ssas populações na natureza não foi<br />
severo, e o ambiente reagia restaurando-se naturalmente.<br />
Porém, no início do século 18, os colonizadores europeus foram atraídos<br />
para o centro do país, atrás <strong>de</strong> recursos minerais <strong>de</strong>scobertos no<br />
cerrado. A exploração do ouro foi a primeira ativida<strong>de</strong> econômica que<br />
provocou a interiorização da população brasileira, que, naquela época,<br />
ocupava sobretudo o litoral. Essa migração para o interior durou até<br />
meados do século 19.<br />
Com a primeira ocupação, outras ativida<strong>de</strong>s também foram <strong>de</strong>senvolvidas,<br />
como a pecuária bovina e a agricultura, inicialmente para a<br />
subsistência <strong>de</strong>sses novos habitantes que se fixaram na região para trabalhar<br />
na mineração.<br />
Mesmo assim, o interior do Brasil ainda estava isolado do litoral. Esse<br />
isolamento só foi interrompido quando chegaram as primeiras ferrovias.<br />
Na segunda meta<strong>de</strong> do século 19, elas a<strong>de</strong>ntraram os estados <strong>de</strong><br />
São Paulo e Minas Gerais e, na primeira meta<strong>de</strong> do século 20, chegaram<br />
ao que hoje i<strong>de</strong>ntificamos como os estados <strong>de</strong> Mato Grosso e Goiás.<br />
Nesse período (1930-1945), inicia-se a primeira fase do movimento<br />
‘Marcha para o Oeste’. É <strong>em</strong> Goiás que ocorre a transição <strong>de</strong>finitiva<br />
da agricultura <strong>de</strong> subsistência para a agricultura comercial. Esse estado<br />
assume a d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> alimentos das regiões Sul e Su<strong>de</strong>ste, até então os<br />
únicos polos industriais no país.<br />
Obra <strong>de</strong> construção do aeroporto <strong>de</strong> Aragarças (GO), <strong>em</strong> 1945<br />
Fonte: Claud<strong>em</strong>iro Sousa Luz – http://claud<strong>em</strong>iroluz.blogspot.com.<br />
br/2012_03_01_archive.html<br />
Esse período foi fundamental para a intensificação do uso da terra<br />
no cerrado, com a construção <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> rodovias – entre elas<br />
a BR-153, a famosa Belém-Brasília –, e <strong>de</strong> núcleos urbanos espalhados<br />
pelo interior do país. Representa também o início do fim das ferrovias<br />
do Brasil!<br />
A hoje reconhecida ativida<strong>de</strong> agrícola instalada no cerrado começou<br />
a tomar forma entre as décadas <strong>de</strong> 1950 e 1970. Além da recente infraestrutura<br />
e criação <strong>de</strong> um mercado consumidor, a ocupação agrária<br />
das terras foi acelerada pela introdução <strong>de</strong> alta tecnologia, apoiada <strong>em</strong><br />
planos nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Tanto é que foi criada <strong>em</strong> 1973,<br />
no período da ditadura militar, uma <strong>em</strong>presa nacional voltada especificamente<br />
para esse tipo <strong>de</strong> pesquisa, a Empresa Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa<br />
Agropecuária (Embrapa).<br />
82 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
83
1500<br />
1900<br />
Bolívia<br />
Paraguay<br />
Argentina<br />
2002<br />
2014<br />
2008<br />
2030<br />
Uma das missões da Embrapa era, por ex<strong>em</strong>plo, lidar com o melhoramento<br />
do solo do cerrado para que fosse possível produzir commodities<br />
agrícolas (culturas valorizadas no mercado internacional), como a<br />
soja, o milho e o algodão. Após os anos 1970, com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
das técnicas genéticas e moleculares, a Embrapa investiu também no<br />
melhoramento genético <strong>de</strong> plantas <strong>de</strong> interesse alimentar ou para a<br />
agroenergia, assim como nos animais <strong>de</strong> criação.<br />
Gran<strong>de</strong>s avanços foram alcançados no projeto do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da agricultura brasileira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período militar até os dias atuais, como<br />
revelam os dados econômicos agrícolas. No entanto, faltou nesse projeto,<br />
<strong>de</strong> seu início até hoje, a <strong>de</strong>vida atenção à salvaguarda ambiental.<br />
Junto com o <strong>de</strong>senvolvimento do transporte rodoviário e o crescimento<br />
do mercado <strong>de</strong> commodities, houve um gran<strong>de</strong> êxodo rural,<br />
que provocou o rápido crescimento d<strong>em</strong>ográfico <strong>de</strong> algumas cida<strong>de</strong>s. A<br />
tecnologia agrícola se interiorizou, alterando a região conhecida como<br />
‘fronteira agrícola’, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o oeste paulista, seguindo pelo sul <strong>de</strong> Goiás,<br />
até o oeste do Mato Grosso do Sul e o oeste <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Na década <strong>de</strong> 1980, foram incorporados os cerrados do oeste da<br />
Bahia e do arco do <strong>de</strong>smatamento da Amazônia (Mato Grosso e Tocantins).<br />
O arco marca a fronteira política e econômica entre a floresta<br />
amazônica e o cerrado, sendo caracterizada predominant<strong>em</strong>ente por<br />
vegetação <strong>de</strong> cerrado.<br />
Desaparecimento da vegetação do cerrado <strong>em</strong> diferentes períodos (1500, 1900,<br />
2002, 2008, 2014) e estimativas para o futuro (2030)<br />
Essa nova invasão do cerrado foi promovida, principalmente, por<br />
agricultores vindos do sul do país, atraídos pelo preço barato das<br />
terras do Brasil Central, com bons atributos para a agricultura, com<br />
relevo plano ou pouco ondulado e clima estável, com períodos chuvosos<br />
b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos. Esses agricultores se estabeleceram (ainda nas<br />
84 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
85
décadas <strong>de</strong> 1980 e 90) formando uma re<strong>de</strong> urbana que incluía tanto<br />
pequenas cida<strong>de</strong>s, que davam suporte à agricultura, quanto gran<strong>de</strong>s<br />
centros urbanos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> os negócios eram geridos.<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1990, pela falta <strong>de</strong> uma visão ambiental correta,<br />
a fronteira agrícola foi expandida <strong>em</strong> quase todas as terras restantes<br />
no cerrado, ainda a preços proporcionalmente baixos, com boas condições<br />
<strong>de</strong> mecanização e melhoramento da fertilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stacando-se<br />
uma região atualmente conhecida como ‘MA-TO-PI-BA’ – formada pela<br />
Plantio <strong>de</strong> soja na região do Xingu, no arco do <strong>de</strong>smatamento (MT)<br />
Foto: Joseph Fragoso<br />
confluência dos limites estaduais do Maranhão, Tocantins, Piauí e da<br />
Bahia. Lá estão as últimas e maiores áreas r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> cerrado.<br />
Essa fase é marcada tanto pela maior organização da agricultura –<br />
agora, b<strong>em</strong>-sucedida, com a formação <strong>de</strong> cooperativas <strong>de</strong> produtores,<br />
apoiadas pelos governos estaduais e fe<strong>de</strong>rais (por meio <strong>de</strong> políticas especiais<br />
<strong>de</strong> financiamento) – quanto pela atuação direta <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas<br />
86 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
87
8.173 km 2 8.913 km 2 4.823 km 2 3.511 km 2 4.444 km 2<br />
O uso da terra hoje<br />
3.757 km 2 2.989 km 2 3.725 km 2 7.416 km 2 7.652 km 2<br />
4.234 km 2 4.535 km 2 3.449 km 2<br />
Registro t<strong>em</strong>poral dos <strong>de</strong>smatamentos no cerrado (2002 a 2015), proveniente<br />
do Sist<strong>em</strong>a Integrado <strong>de</strong> Alerta <strong>de</strong> Desmatamentos (SIAD) da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Goiás/LAPIG, indicando as novas fronteiras agrícolas nesse bioma,<br />
especialmente na região conhecida como MATOPIBA<br />
multinacionais, importadoras e exportadoras <strong>de</strong> grãos, fibras ou produtoras<br />
<strong>de</strong> maquinários e supl<strong>em</strong>entos agrícolas.<br />
Já <strong>em</strong> meados da década <strong>de</strong> 2000, os plantios para a produção <strong>de</strong><br />
biocombustíveis (entre eles, o etanol da cana-<strong>de</strong>-açúcar, com maior<br />
<strong>de</strong>staque no mercado nacional) foram expandidos para o interior do<br />
cerrado, ampliando a força do agronegócio na região e extinguindo a<br />
chance <strong>de</strong> se criar<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> conservação ainda intactas no<br />
MATOPIBA.<br />
A população humana que vive hoje no cerrado é <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 26 milhões<br />
habitantes <strong>em</strong> 1.077 municípios. São milhares <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong><br />
estradas asfaltadas e, se imaginarmos que a largura média <strong>de</strong> uma estrada<br />
é <strong>de</strong> 9 m e sua área <strong>de</strong> influência <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 50 m para cada lado, só<br />
aí já t<strong>em</strong>os milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong> áreas diretamente afetadas pelas<br />
estradas.<br />
A agricultura <strong>de</strong> soja, milho, algodão, cana-<strong>de</strong>-açúcar e a pecuária mudaram<br />
a paisag<strong>em</strong> do cerrado. Essas são as principais ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
no bioma que abastec<strong>em</strong> o mercado nacional e internacional. A produção<br />
animal <strong>em</strong> pastagens cultivadas predomina sobre as culturas agrícolas.<br />
A produção <strong>de</strong> carvão vegetal para a indústria si<strong>de</strong>rúrgica – sobretudo,<br />
<strong>em</strong> Minas Gerais e, mais recent<strong>em</strong>ente, no Mato Grosso do Sul e<br />
<strong>em</strong> Goiás – também já se tornou uma ativida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque,<br />
mesmo sendo bastante ameaçadora para o bioma. No norte do<br />
Tocantins e no sul do Maranhão, as monoculturas <strong>de</strong> eucalipto vêm suprimindo<br />
extensas áreas <strong>de</strong> cerrado nativo para abastecer as indústrias<br />
si<strong>de</strong>rúrgica, <strong>de</strong> celulose e moveleira.<br />
Embora a ocupação e a intensificação do agronegócio tenham, por um<br />
lado, proporcionado o aumento da importância econômica do cerrado,<br />
por outro trouxeram gran<strong>de</strong>s perdas <strong>de</strong> vegetação nativa. De 2002 a<br />
2014, o <strong>de</strong>smatamento no bioma <strong>de</strong>struiu aproximadamente 64 mil km 2<br />
<strong>de</strong> área nativa. Dos 9,5 milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> carvão produzidos no<br />
Brasil <strong>em</strong> 2005, 50% vieram da queima da vegetação nativa – <strong>em</strong> sua<br />
maior parte, do cerrado. Preocupa o fato <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong> ocu-<br />
88 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
89
Produção<br />
Toneladas anuais<br />
45.000.000<br />
40.000.000<br />
35.000.000<br />
30.000.000<br />
25.000.000<br />
20.000.000<br />
15.000.000<br />
10.000.000<br />
5.000.000<br />
0<br />
1970 1975 1980 1985 1996 2006<br />
Cultura<br />
Algodão <strong>em</strong> caroço<br />
Cana-<strong>de</strong>-açúcar<br />
Milho <strong>em</strong> grão<br />
Soja <strong>em</strong> grão<br />
Des<strong>em</strong>penho da produção agrícola, <strong>em</strong> toneladas, <strong>de</strong> algodão <strong>em</strong> caroço,<br />
cana-<strong>de</strong>-açúcar, milho <strong>em</strong> grão e soja <strong>em</strong> grão no Centro-oeste (Mato<br />
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Fe<strong>de</strong>ral) <strong>de</strong> 1970 a 2006<br />
Fonte: IBGE<br />
Número <strong>de</strong> cabeças<br />
80.000.000<br />
Rebanho Bovino<br />
70.000.000<br />
60.000.000<br />
50.000.000<br />
40.000.000<br />
30.000.000<br />
20.000.000<br />
10.000.000<br />
0<br />
1974<br />
1976<br />
1978<br />
1980<br />
1982<br />
1984<br />
1986<br />
1988<br />
1990<br />
1992<br />
1994<br />
1996<br />
1998<br />
2000<br />
2002<br />
2004<br />
2006<br />
2008<br />
2010<br />
2012<br />
2014<br />
Des<strong>em</strong>penho do rebanho <strong>de</strong> gado, <strong>em</strong> cabeças, no Centro-oeste (Mato<br />
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Fe<strong>de</strong>ral) <strong>de</strong> 1974 a 2014<br />
Fonte: IBGE<br />
Gran<strong>de</strong> parcela da biodiversida<strong>de</strong> do cerrado t<strong>em</strong> sido transformada<br />
<strong>em</strong> carvão vegetal para alimentar a indústria si<strong>de</strong>rúrgica e dar lugar à<br />
agropecuária, como ocorreu no norte <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
90 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
91
Plantação <strong>de</strong> soja no estado <strong>de</strong> Goiás<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
pação continua crescendo, especialmente para o norte – no Maranhão,<br />
Piauí e Tocantins – e para o oeste, no Mato Grosso.<br />
Baseados <strong>em</strong> projeções sobre a economia e nas taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento<br />
atuais, mo<strong>de</strong>los computacionais apontam o avanço da ocupação do<br />
MATOPIBA <strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> 40 mil km 2 por década, rumo a um <strong>de</strong>sastre<br />
ambiental. Curiosamente, a região do MATOPIBA é on<strong>de</strong> estão concentradas<br />
as maiores unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação do bioma: Parque Nacional<br />
Nascentes do Parnaíba, com 7,4 mil km 2 ; Estação Ecológica da Serra Geral<br />
do Tocantins, com 7.116 km 2 ; Parque Estadual do Jalapão, com 1.590 km 2 ,<br />
e a Estação Ecológica Uruçuí-Una, com 1.351 km 2 .<br />
Mesmo on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>smatamento diminuiu <strong>em</strong> relação às décadas <strong>de</strong><br />
1990 e 2000, como na fronteira agrícola do Mato Grosso, as queimadas<br />
frequentes estão produzindo alterações na vegetação do cerrado, com<br />
prováveis consequências futuras, como a fragmentação <strong>de</strong> hábitats e a<br />
invasão biológica por meio da introdução <strong>de</strong> espécies exóticas <strong>de</strong> gramíneas<br />
africanas, entre outras.<br />
Essas ativida<strong>de</strong>s resultaram <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> km 2 <strong>de</strong> cerrado<br />
<strong>de</strong>smatados. Enquanto a agricultura ocupa aproximadamente 15% do<br />
bioma, as pastagens se estend<strong>em</strong> por cerca <strong>de</strong> 35% <strong>de</strong>le. Tal distribuição<br />
<strong>de</strong>sigual ocorre porque a criação <strong>de</strong> bovinos é do tipo extensiva,<br />
com média <strong>de</strong> lotação <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 1,2 boi/ha. Hoje t<strong>em</strong>os no Brasil<br />
mais gado do que gente: são 212 milhões <strong>de</strong> cabeças para 207 milhões<br />
<strong>de</strong> brasileiros! E o cerrado abriga <strong>de</strong> 30% a 40% <strong>de</strong>sse total.<br />
Com relação à área original <strong>de</strong> cerrado (observada até 2010), é no<br />
norte e nor<strong>de</strong>ste do bioma que se encontram os estados mais pre-<br />
Plantio <strong>de</strong> eucalipto no norte <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
92 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
93
ao norte, o <strong>de</strong>smatamento t<strong>em</strong> ocorrido para a expansão <strong>de</strong> plantios,<br />
principalmente o <strong>de</strong> soja. Os estados que registram as maiores taxas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>smatamento são: Mato Grosso, Bahia, Tocantins, Piauí e Maranhão.<br />
Expand<strong>em</strong>-se também os projetos <strong>de</strong> exploração ma<strong>de</strong>ireira, a partir<br />
<strong>de</strong> florestamentos (pinho, eucalipto, teca, mogno africano e seringueira),<br />
sobretudo no Mato Grosso do Sul e <strong>em</strong> Goiás. Reflorestamento<br />
com essas espécies, nocivas ao cerrado, t<strong>em</strong> ocorrido tanto <strong>em</strong> áreas<br />
<strong>de</strong> pastagens quanto <strong>de</strong> vegetação nativa.<br />
Sob a visão ecológica e ambiental, os plantios <strong>de</strong> florestas <strong>de</strong> espécies<br />
exóticas representam também uma conversão do uso da terra e, portanto,<br />
profunda modificação da vegetação nativa.<br />
Invasão <strong>de</strong> Pinus <strong>em</strong> área do cerrado (GO)<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
Rebanho bovino no cerrado, <strong>em</strong> Mato Grosso do Sul<br />
Foto: Fernando Gonçalves<br />
servados, com <strong>de</strong>staque para o Piauí (com 91%), Maranhão (89%),<br />
Tocantins (79%) e Bahia (74%).<br />
No outro extr<strong>em</strong>o, mais ao centro e sul do bioma, estão os estados<br />
on<strong>de</strong> o cerrado tinha sido mais <strong>de</strong>smatado até aquele momento: São<br />
Paulo (restando 13% da área original), Mato Grosso do Sul (32%),<br />
Goiás (44%), Minas Gerais (53%) e Mato Grosso (66%). Nas áreas<br />
agrícolas <strong>de</strong> Goiás e Mato Grosso, a soja continua sendo o cultivo<br />
principal, seguido pelo milho e algodão, voltados ao mercado externo.<br />
Essas culturas divid<strong>em</strong> espaço com a pastag<strong>em</strong> cultivada (<strong>em</strong> geral,<br />
<strong>de</strong>stinada à produção <strong>de</strong> carne).<br />
Em São Paulo, sobretudo na região oeste, ainda predominam os plantios<br />
<strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar (os mais extensos do Brasil). Nos estados mais<br />
94 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
95
Probl<strong>em</strong>as sociais<br />
A qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da população no cerrado apresenta índices bastante<br />
preocupantes. Apesar <strong>de</strong> a região ser rica, o Centro-Oeste, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, t<strong>em</strong> 2,4 milhões <strong>de</strong> pessoas vivendo abaixo do nível <strong>de</strong> pobreza,<br />
ganhando menos <strong>de</strong> U$ 1,00 (<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> R$ 3,50) por dia!<br />
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Domicílio<br />
(PNAD), a região t<strong>em</strong> 10% da população urbana e 18% da população<br />
rural compostas por analfabetos.<br />
A partir dos anos 1980, o país mecanizou a agricultura, e novas formas<br />
<strong>de</strong> plantio e <strong>de</strong> colheita surgiram. Com a produção agrícola necessitando<br />
cada vez menos <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra, a falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s para<br />
os jovens t<strong>em</strong> feito com que <strong>de</strong>ix<strong>em</strong> as áreas rurais e migr<strong>em</strong> para áreas<br />
urbanas <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida. S<strong>em</strong> capacitação<br />
para trabalhar nos centros urbanos, esses migrantes tornam-se mão <strong>de</strong><br />
obra jov<strong>em</strong> ociosa, engrossando os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> social.<br />
Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umburanas no município da Barra na zona <strong>de</strong> transição entre o<br />
cerrado e a caatinga (BA)<br />
Autor: Paulo Murilo Lima Rabelo<br />
Criança da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umburanas no município da Barra na zona <strong>de</strong> transição<br />
entre o cerrado e a caatinga (BA) durante processamento da mandioca<br />
Autor: Paulo Murilo Lima Rabelo<br />
96 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
97
98 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
99
100 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
101
CONEXÕES E POSIÇÃO ESTRATÉGICA<br />
A importância do cerrado transcen<strong>de</strong> seus limites geopolíticos. O bioma<br />
t<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque estratégico <strong>em</strong> nível mundial quando se consi<strong>de</strong>ram a produção<br />
<strong>de</strong> alimentos, os serviços ambientais e sua biodiversida<strong>de</strong>. O cerrado<br />
também é vital para o pleno funcionamento <strong>de</strong> outros ecossist<strong>em</strong>as e<br />
biomas, não apenas no país, mas também <strong>em</strong> todo o continente.<br />
Mesmo representando muito mais do que os olhos pod<strong>em</strong> ver, ele<br />
continua sendo <strong>de</strong>struído a taxas alarmantes, s<strong>em</strong> que haja qualquer<br />
política ambiental para sua preservação efetiva.<br />
Espécie medicinal endêmica do cerrado, o pucá-preto ou mandapuça, Mouriri pusa<br />
(Melastomataceae), é amplamente usada na região <strong>de</strong> MATOPIBA<br />
Foto: Francisca Muniz<br />
Entar<strong>de</strong>cer na Estação Ecológica <strong>de</strong> Pirapitinga, <strong>em</strong> Três Marias (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
102 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
103
Hotspot <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong><br />
esten<strong>de</strong> por mais <strong>de</strong> 6 mil km, do Maranhão até a Bolívia, e que, infelizmente,<br />
está localizada no chamado ‘arco do <strong>de</strong>smatamento’.<br />
O cerrado é internacionalmente consi<strong>de</strong>rado um ‘hotspot <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong>’<br />
– área <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância ecológica, com vegetação diferenciada<br />
e gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> espécies endêmicas (que só exist<strong>em</strong> naquela<br />
área) ameaçadas <strong>de</strong> extinção. Apenas dois biomas brasileiros ganharam<br />
esse título: o cerrado e a mata atlântica. Isso significa que o cerrado é um<br />
bioma prioritário para a conservação da biodiversida<strong>de</strong> mundial.<br />
Entre as espécies que o bioma abriga, são endêmicas 38% das plantas;<br />
37% dos lagartos e serpentes; 50% dos anfíbios; 12% dos mamíferos<br />
e 4% das aves. Porém, elas estão sob forte pressão antrópica,<br />
correndo o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer, o que aumenta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
conservação.<br />
Centros <strong>de</strong> end<strong>em</strong>ismo<br />
O cerrado abriga também muitos dos chamados centros <strong>de</strong> end<strong>em</strong>ismo,<br />
locais com muitas espécies que só ocorr<strong>em</strong> ali. É o caso da Serra<br />
do Espinhaço (MG), da Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros (GO), da Chapada dos<br />
Guimarães (MT), da planície do rio Araguaia (TO/PA) e do vale do rio<br />
Paranã (GO). Essas regiões permaneceram isoladas umas das outras<br />
por milhares <strong>de</strong> anos, possibilitando que comunida<strong>de</strong>s únicas <strong>de</strong> animais<br />
e plantas se <strong>de</strong>senvolvess<strong>em</strong> e diferenciass<strong>em</strong> umas das outras.<br />
Influência além-fronteiras<br />
Por ser muito extenso (ocupa mais <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> quilômetros<br />
quadrados), o bioma t<strong>em</strong> a dimensão <strong>de</strong> países inteiros: seu território<br />
equivale às áreas <strong>de</strong> Portugal, da Espanha, França, Holanda, Bélgica,<br />
<strong>de</strong> Lux<strong>em</strong>burgo, da Itália, Al<strong>em</strong>anha, Suíça e República Tcheca juntas.<br />
Dada essa dimensão territorial, políticas errôneas do ponto <strong>de</strong> vista<br />
ambiental têm, <strong>em</strong> geral, consequências catastróficas para o bioma do<br />
país e além-fronteiras.<br />
Dez das 12 bacias hidrográficas do Brasil são influenciadas por nascentes<br />
localizadas no cerrado. As bacias dos rios Paraná e Paraguai têm relevância<br />
internacional, uma vez que envolv<strong>em</strong> outros países da América do Sul.<br />
Assim como os benefícios da biodiversida<strong>de</strong> e dos serviços ambientais<br />
não reconhec<strong>em</strong> fronteiras políticas, o uso insustentável dos recursos naturais<br />
<strong>em</strong> um país ou região po<strong>de</strong> trazer consequências in<strong>de</strong>sejáveis nas<br />
áreas próximas. Um ex<strong>em</strong>plo é a poluição transfronteiriça, que se origina<br />
num país, mas, ao atravessar a fronteira por meio <strong>de</strong> vias aquáticas ou aéreas,<br />
é capaz <strong>de</strong> causar danos ao meio ambiente <strong>de</strong> outra nação. Assim, a<br />
poluição e as alterações causadas pela utilização ina<strong>de</strong>quada dos recursos<br />
naturais no cerrado têm impactos negativos nos países fronteiriços.<br />
Regiões <strong>de</strong> contato do cerrado com outros biomas também têm<br />
ambientes únicos, como a área <strong>de</strong> transição com a Amazônia, que se<br />
104 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
105
Serviços ambientais e biodiversida<strong>de</strong><br />
O campo rupestre representa apenas 0,8% do território brasileiro, mas contém mais <strong>de</strong><br />
6 mil espécies <strong>de</strong> plantas. Campo rupestre na Reserva Vellozia, Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
O bioma presta importantes serviços ambientais – purificação da água<br />
e do ar, manutenção do clima, fertilização do solo, polinização, dispersão<br />
<strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes, oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer e educação –, que resultam<br />
no b<strong>em</strong>-estar humano, <strong>em</strong> escalas local, regional e global. Entre os benefícios,<br />
inclu<strong>em</strong>-se ainda produtos materiais retirados diretamente dos<br />
ecossist<strong>em</strong>as, como alimentos, matérias-primas e recursos genéticos.<br />
O cerrado é responsável pela manutenção da dinâmica hídrica das<br />
bacias dos rios Amazonas, Araguaia-Tocantins, Parnaíba, São Francis-<br />
co, Paraná e Paraguai. Extensas áreas, especialmente os chapadões do<br />
Brasil Central, contribu<strong>em</strong> para a recarga e a manutenção do volume,<br />
da vazão e da qualida<strong>de</strong> da água <strong>de</strong> aquíferos, como o Guarani. Sua vegetação<br />
nativa, principalmente os campos úmidos e as várzeas, regula o<br />
fluxo <strong>de</strong> água e mantém sua qualida<strong>de</strong>, reduzindo o custo do tratamento<br />
<strong>de</strong> água <strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> 100 vezes.<br />
Animais também cumpr<strong>em</strong> importantes papéis. Cupins e formigas<br />
são fundamentais na reciclag<strong>em</strong> <strong>de</strong> nutrientes e estruturação dos solos.<br />
106 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
107
Abelhas, besouros, morcegos e aves participam da polinização, aumentando<br />
a produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivos, como o <strong>de</strong> café, laranja, limão, tomate,<br />
berinjela, abóbora, pequi, jatobá e muitos outros.<br />
Aumentar a produtivida<strong>de</strong> com a ajuda <strong>de</strong>sses animais é muito mais<br />
barato e rápido do que, por ex<strong>em</strong>plo, fazer a polinização artificial, como<br />
ocorre <strong>em</strong> culturas como a do maracujá. Estudos <strong>em</strong> cafezais mineiros<br />
constataram que aqueles localizados perto da vegetação nativa são 14,6%<br />
mais produtivos que os mais distantes. Essa diferença se <strong>de</strong>ve à ação dos<br />
polinizadores que habitam as áreas nativas próximas aos plantios.<br />
Povos indígenas, comunida<strong>de</strong>s tradicionais e agricultores familiares<br />
extra<strong>em</strong> do cerrado diversos bens para consumo próprio e geração<br />
<strong>de</strong> renda: alimentos, fibras, óleos, medicamentos e materiais <strong>de</strong> construção.<br />
Muitos frutos comestíveis, como o pequi (Caryocar brasiliense),<br />
o buriti (Mauritia flexuosa), a mangaba (Hancornia speciosa), o baru<br />
(Dipteryx alata), o araticum ou panã, ou marolo (Annona crassiflora), o<br />
coquinho-azedo (Butia capitata) e o maracujá-do-mato (Passiflora setacea),<br />
são retirados da natureza e comercializados <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s<br />
pelas indústrias agrícola e extrativista, seja in natura ou na forma <strong>de</strong><br />
conservas, compotas, sorvetes, óleos, farinhas, entre outros. Com amplo<br />
consumo regional, alguns <strong>de</strong>sses produtos chegam a outras partes do<br />
país, como o pequi, presente <strong>em</strong> feiras da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (SP).<br />
Há milhares <strong>de</strong> comerciantes que compram a produção diretamente<br />
<strong>de</strong> agroextrativistas e <strong>de</strong> cooperativas que processam os frutos para<br />
vendas <strong>em</strong> feiras e nas margens <strong>de</strong> rodovias. Essas ativida<strong>de</strong>s envolv<strong>em</strong><br />
milhares <strong>de</strong> pessoas.<br />
O comércio <strong>de</strong> castanhas-<strong>de</strong>-baru, por ex<strong>em</strong>plo, po<strong>de</strong> gerar, <strong>em</strong> um<br />
ano, para uma única família, rendimentos <strong>de</strong> 10 a 80 salários mínimos. Durante<br />
a safra <strong>de</strong> pequi, homens e mulheres <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s colh<strong>em</strong> os<br />
frutos para vendê-los a intermediários, obtendo renda diária que exce<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> quatro vezes a obtida como <strong>em</strong>pregados <strong>em</strong> fazendas. É importante<br />
apontar estudos que evi<strong>de</strong>nciam ser possível extrair, <strong>de</strong> forma sustentável,<br />
40% dos frutos <strong>de</strong> pequi, <strong>de</strong>ixando o suficiente para a fauna nativa.<br />
O volume <strong>de</strong> frutos colhidos e comercializados e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pessoas ocupadas com as ca<strong>de</strong>ias produtivas relacionadas às espécies<br />
Espécie <strong>de</strong> mamangava raríssima (Centris tetrazona) visitando flor <strong>de</strong> olho-<strong>de</strong>-boi<br />
ou macunã (Dioclea glabra), uma trepa<strong>de</strong>ira da família das leguminosas (Fabaceae)<br />
próximo ao lago Mimoso <strong>em</strong> Araguaiana (MT)Foto: Maryland Sanchez<br />
108 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
109
Frutos <strong>de</strong> mangaba (Hanconia speciosa, da família Apocynaceae) no cerrado <strong>de</strong> Goiás<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
nativas, <strong>em</strong>bora <strong>de</strong>sconhecidos, indicam que o agroextrativismo no<br />
cerrado é uma ativida<strong>de</strong> importante para a economia e para os meios<br />
<strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s tradicionais. Como essas ativida<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>gradam<br />
a vegetação natural, pod<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas aliadas no manejo<br />
sustentável e na conservação da biodiversida<strong>de</strong>.<br />
Cooperativas e associações <strong>de</strong> agricultores <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham papel importante<br />
nesse processo. Algumas chegam a processar até 240 toneladas<br />
<strong>de</strong> frutos nativos por ano. Porém, os números oficiais dos volumes<br />
<strong>de</strong> plantas nativas comercializados estão muito abaixo dos valores reais.<br />
Torna-se necessário, portanto, apurar esses dados para melhor enten<strong>de</strong>r<br />
a gran<strong>de</strong> e insubstituível importância da região.<br />
Fruto <strong>de</strong> maracujá (Passiflora elegans, da família Passifloraceae)<br />
e flor <strong>de</strong> maracujá (Passiflora mansoi) no Lago Mimoso (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
A biodiversida<strong>de</strong> do cerrado fornece também uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> medicamentos,<br />
como a rutina, substância que fortalece os vasos sanguíneos,<br />
e a isoquersetina, usada no tratamento do diabetes e da catarata – ambas<br />
extraídas da fava-d’anta (Dimorphandra mollis).<br />
Muitas espécies têm gran<strong>de</strong> valor estético; entre elas, as s<strong>em</strong>pre-vivas<br />
são coletadas por populações <strong>de</strong> baixa renda e exportadas como<br />
plantas ornamentais para mais <strong>de</strong> 50 países. Esse comércio ocorre há<br />
décadas, r<strong>em</strong>unerando famílias <strong>de</strong> baixa renda nas zonas rural e urbana,<br />
e constituindo um rico patrimônio cultural ainda pouco conhecido por<br />
pessoas <strong>de</strong> fora da região. Ao lado do ipê-amarelo, que floresce indicando<br />
que as chuvas estão próximas, as s<strong>em</strong>pre-vivas são também um<br />
110 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
111
Córrego do Indaiá na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Marcos Callisto<br />
símbolo do cerrado. Por meio da exportação, viajam pelo mundo, <strong>de</strong>vido<br />
à sua beleza, aparência exótica e durabilida<strong>de</strong>. Na cultura popular,<br />
<strong>em</strong> um sentido amplo, ‘s<strong>em</strong>pre-vivas’ é sinônimo <strong>de</strong> ‘flores da serra’,<br />
‘flores do planalto’ ou ‘plantas secas do cerrado’.<br />
De gran<strong>de</strong> importância também são os capins, os arbustos, as árvores,<br />
as palmeiras, os musgos e até os liquens. Várias partes <strong>de</strong>ssas espécies –<br />
inflorescências, frutos, s<strong>em</strong>entes, ramos, folhas, cascas, bainhas foliares e<br />
até indivíduos inteiros – são utilizadas na produção <strong>de</strong> arranjos florais. O<br />
mesmo ocorre com o capim-dourado (Syngonanthus nitens), s<strong>em</strong>pre-viva<br />
típica dos campos úmidos do Jalapão, região leste do Tocantins.<br />
Faltam, entretanto, mais estudos ecológicos que indiqu<strong>em</strong> os níveis<br />
<strong>sustentáveis</strong> <strong>de</strong> rendimento para a maior parte <strong>de</strong>ssas espécies. No<br />
Fava-d’anta (Dimorphandra mollis) <strong>em</strong> cerrado no Parque<br />
Estadual da Serra Azul, <strong>em</strong> Barra do Garças (MT)<br />
112 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
Foto: Fernando Pedroni<br />
113
Palmeirinha-azul (Syagrus glaucescens - Arecaceae) <strong>em</strong> ambiente rupestre da<br />
Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
mercado das coroas funerárias, por ex<strong>em</strong>plo, é comum usar folhas da<br />
palmeira Syagrus glauscecens (Arecaceae), nativa do campo rupestre,<br />
espécie consi<strong>de</strong>rada vulnerável à extinção pela IUCN (sigla <strong>em</strong> inglês<br />
para União Internacional para a Conservação da Natureza). Ainda não<br />
há estudos científicos que tenham avaliado se a retirada contínua <strong>de</strong><br />
folhas aumenta a mortalida<strong>de</strong> das plantas exploradas.<br />
Ecoturismo e educação ambiental<br />
A paisag<strong>em</strong> do cerrado apresenta gran<strong>de</strong> valor cênico e turístico <strong>em</strong><br />
toda sua extensão. As chapadas, formações planas sobre regiões <strong>de</strong><br />
serra, são belíssimas e importantes divisores <strong>de</strong> água. As Chapadas dos<br />
Guimarães (MT) e dos Vea<strong>de</strong>iros (GO), por ex<strong>em</strong>plo, divid<strong>em</strong> as águas<br />
das bacias amazônica, platina, dos rios São Francisco e Tocantins. Já a<br />
Serra do Espinhaço divi<strong>de</strong> as bacias dos rios Doce e São Francisco.<br />
Exist<strong>em</strong> 15 parques nacionais e cinco estações ecológicas na região,<br />
cujas belezas naturais são convites para a cont<strong>em</strong>plação <strong>de</strong>ssa paisag<strong>em</strong><br />
tão peculiar e <strong>de</strong> beleza extraordinária, entre eles: Cavernas do<br />
Peruaçu, Chapada das Mesas, Chapada dos Guimarães, Chapada dos<br />
Vea<strong>de</strong>iros, Serra da Bodoquena, Serra do Cipó, Emas, S<strong>em</strong>pre-vivas,<br />
Araguaia, Gran<strong>de</strong> Sertão Veredas, Nascentes do Rio Parnaíba, Brasí-<br />
Artesanato feito com capim-dourado (Syngonanthus nitens -<br />
Eriocaulaceae) na região do Jalapão (TO)<br />
Foto: Renato Pinheiro<br />
114 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
115
lia. Os parques nacionais do cerrado proteg<strong>em</strong> centenas <strong>de</strong> nascentes,<br />
vegetações únicas, fauna diversa, sítios arqueológicos e cavernas. Mas<br />
ainda há muito a preservar. Os parques representam muito pouco da<br />
extensa região ameaçada do bioma e, se mais áreas não for<strong>em</strong> preservadas,<br />
pouco restará para admirar. De acordo com o portal do Instituto<br />
Chico Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Biodiversida<strong>de</strong> (ICMBio: http//<br />
www.icmbio.gov.br), são cerca <strong>de</strong> 6.608.260 ha <strong>de</strong> terras com algum<br />
grau <strong>de</strong> proteção no cerrado (parques nacionais = 3.436.278 ha), mas<br />
isto representa apenas 3,2% do bioma!<br />
O <strong>de</strong>smatamento, a fragmentação <strong>de</strong> hábitats, as queimadas intensas<br />
e as invasões biológicas representam gran<strong>de</strong>s ameaças ao bioma.<br />
O <strong>de</strong>saparecimento ou mesmo o <strong>de</strong>sequilíbrio ecológico que resultam<br />
no <strong>de</strong>clínio populacional <strong>de</strong>ssas espécies e ambientes pod<strong>em</strong> ocasionar<br />
gran<strong>de</strong>s catástrofes ambientais que só serão percebidas mais tar<strong>de</strong>. A<br />
responsabilida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> todos.<br />
sua área, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela estiver localizada. Dev<strong>em</strong> ser mantidas<br />
reservas legais e áreas <strong>de</strong> preservação permanente. Há aqueles que<br />
<strong>de</strong>fend<strong>em</strong> que ações <strong>de</strong> comando e controle, por parte do Estado, irão<br />
assegurar a manutenção do cerrado.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista científico, é muito difícil imaginar que uma enorme<br />
supressão <strong>de</strong> ecossist<strong>em</strong>as nativos não causará extinções locais<br />
<strong>de</strong> espécies da fauna e flora, sobretudo daquelas endêmicas. Espécies<br />
endêmicas viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> distribuição relativamente pequenas, e<br />
aquelas <strong>de</strong>scritas recent<strong>em</strong>ente tend<strong>em</strong> a ocupar áreas ainda menores.<br />
Assim, novos <strong>de</strong>smatamentos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser evitados.<br />
Mas como manter a ativida<strong>de</strong> agrícola e a constante d<strong>em</strong>anda por aumento<br />
da produção s<strong>em</strong> o acréscimo <strong>de</strong> mais terras ao sist<strong>em</strong>a produtivo?<br />
A resposta, talvez, esteja no próprio setor que promove a expansão<br />
da área plantada, o do agronegócio. Li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong>sse segmento,<br />
Agricultura, pecuária e <strong>de</strong>smatamento<br />
Extensas áreas <strong>de</strong> matas secas na transição da região <strong>de</strong> Jaíba<br />
(MG) têm sido convertidas <strong>em</strong> plantações<br />
Foto: Lucas Perillo<br />
O <strong>de</strong>smatamento é o fator que mais <strong>de</strong>safia a manutenção do funcionamento<br />
do cerrado como provedor <strong>de</strong> serviços ambientais para as<br />
próximas gerações, para a sua biodiversida<strong>de</strong>, funcionalida<strong>de</strong> e beleza.<br />
Pesquisadores da NASA (agência espacial norte-americana) apontaram,<br />
<strong>em</strong> 2015, um avanço s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes do <strong>de</strong>smatamento para o plantio<br />
<strong>de</strong> soja na região do Maranhão, Piauí, Tocantins e da Bahia, justamente as<br />
partes mais conservadas do bioma (<strong>de</strong>talhes <strong>em</strong> http://goo.gl/UTkMqs).<br />
A reversão <strong>de</strong>sse quadro não é tarefa fácil. De acordo com a legislação,<br />
um proprietário rural po<strong>de</strong> r<strong>em</strong>over até 80% da vegetação nativa <strong>em</strong><br />
116 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
117
cujo coro é também engrossado por pesquisadores <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas como<br />
a Embrapa, argumentam que o uso das terras já <strong>de</strong>smatadas e com baixa<br />
produção seria suficiente para evitar qualquer novo <strong>de</strong>smatamento<br />
no cerrado. A i<strong>de</strong>ia é atrativa. O probl<strong>em</strong>a é que nunca chegou a ser<br />
posta <strong>em</strong> prática. Pelo menos, não <strong>em</strong> larga escala.<br />
Talvez a coisa mais importante a ser feita para o cerrado é a proposição<br />
<strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo, capaz <strong>de</strong> permitir o <strong>de</strong>senvolvimento econômico,<br />
social e ambiental das áreas que ainda <strong>de</strong>têm uma expressiva cobertura<br />
nativa. Não se trata apenas <strong>de</strong> explorar os frutos e as essências do cerrado,<br />
pois coletas indiscriminadas também causam impacto às espécies<br />
nativas. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>ve ser <strong>busca</strong>da na coletivida<strong>de</strong>,<br />
<strong>em</strong> processos participativos e colaborativos, <strong>em</strong> que cada grupo social<br />
<strong>de</strong>verá ter a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressar e propor medidas que vis<strong>em</strong><br />
ao b<strong>em</strong>-estar <strong>de</strong> todos e à preservação da biodiversida<strong>de</strong>.<br />
As veredas têm sido alvo <strong>de</strong> vários<br />
tipos <strong>de</strong> distúrbios <strong>em</strong> todo o cerrado.<br />
A imag<strong>em</strong> mostra impacto do fogo na<br />
vegetação <strong>em</strong> Bonito <strong>de</strong> Minas (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Presença <strong>de</strong> gado no Parque<br />
Estadual <strong>de</strong> Terra Ronca (GO)<br />
Foto: Ludmilla Agiuar<br />
Extrativismo insustentável<br />
A coleta indiscriminada das espécies nativas, s<strong>em</strong> obe<strong>de</strong>cer à capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> suporte das espécies exploradas, representa um gran<strong>de</strong> risco econômico<br />
para as pessoas envolvidas. Casos <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> espécies ornamentais<br />
são clássicos e, no cerrado, não é diferente. Por ex<strong>em</strong>plo, alguns pesquisadores<br />
acreditam que o <strong>de</strong>clínio observado no volume das exportações <strong>de</strong><br />
s<strong>em</strong>pre-vivas, plantas da família Eriocaulaceae, a partir da década <strong>de</strong> 1980,<br />
po<strong>de</strong> estar relacionado à menor oferta <strong>de</strong> flores no campo. Tal fato seria<br />
indicador ou um reflexo da superexploração das espécies.<br />
Há relatos <strong>de</strong> que populações <strong>de</strong> espécies endêmicas <strong>de</strong>clinaram e<br />
<strong>de</strong> que a área <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> várias <strong>de</strong>las diminuiu nos últimos 40<br />
anos. Em 2000, 15 espécies <strong>de</strong> Eriocaulaceae <strong>de</strong> valor comercial foram<br />
adicionadas à Lista Oficial <strong>de</strong> Espécies Ameaçadas do Estado <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais na categoria ‘criticamente <strong>em</strong> perigo’. Cerca <strong>de</strong> sete anos <strong>de</strong>pois,<br />
com a atualização <strong>de</strong>ssa lista, 54 espécies <strong>de</strong> Eriocaulaceae foram<br />
enquadradas <strong>em</strong> algum nível <strong>de</strong> ameaça.<br />
118 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
119
Portanto, o melhor a fazer para evitar que as populações das espécies<br />
exploradas sejam <strong>de</strong>gradadas e extintas é observar os limites <strong>sustentáveis</strong><br />
<strong>de</strong> extrativismo. Embora exista uma gran<strong>de</strong> lacuna <strong>de</strong> conhecimento<br />
nessa área, com poucas pesquisas concluídas, é possível, a partir <strong>de</strong><br />
trabalhos conjuntos com extrativistas experientes, <strong>de</strong>finir boas práticas<br />
<strong>de</strong> manejo. Essas recomendações, quando organizadas <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada,<br />
respeitando as peculiarida<strong>de</strong>s ecológicas das espécies envolvidas<br />
e das práticas das comunida<strong>de</strong>s que as exploram, pod<strong>em</strong> contribuir<br />
sobr<strong>em</strong>aneira para assegurar a manutenção do extrativismo.<br />
Exposição <strong>de</strong> flores secas do cerrado <strong>em</strong> uma feira <strong>em</strong> Brasília (DF)<br />
Foto: Ana C. Neves<br />
Política conservacionista <strong>de</strong>ficiente<br />
A ocupação do cerrado é resultado <strong>de</strong> uma política pública bastante<br />
ousada, impl<strong>em</strong>entada nos anos 1970 por meio <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento como o <strong>de</strong> Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento<br />
dos <strong>Cerrado</strong>s (Pro<strong>de</strong>cer). Naquela época, o cerrado<br />
foi errônea e propositalmente consi<strong>de</strong>rado uma região inóspita, que<br />
precisaria ser <strong>de</strong>senvolvida para fins <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> grãos – “a transformação<br />
<strong>de</strong> uma terra estéril <strong>em</strong> celeiro do mundo”, como justificava<br />
o projeto.<br />
O gran<strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong>ssa estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional é<br />
que as salvaguardas ambientais não foram concebidas ou impl<strong>em</strong>entadas,<br />
ou seja, houve a transformação da paisag<strong>em</strong>, mas s<strong>em</strong> a preocupação<br />
<strong>de</strong> proteger os recursos naturais do bioma. O reflexo <strong>de</strong>ssa política<br />
s<strong>em</strong> o componente ambiental resultou <strong>em</strong> um baixo número <strong>de</strong> áreas<br />
protegidas (unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação) e na ausência <strong>de</strong> mecanismos<br />
legais que assegur<strong>em</strong> uma conservação mais efetiva da região.<br />
Se consi<strong>de</strong>rarmos todos os tipos <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, que<br />
têm a função básica <strong>de</strong> proteção à fauna e à flora, ver<strong>em</strong>os que eles<br />
representam hoje apenas 8,3% da área original do cerrado, mas esse<br />
percentual cai para 6,5% quando o <strong>de</strong>smatamento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas áreas<br />
é contabilizado, principalmente naquelas áreas <strong>de</strong> proteção ambiental.<br />
Se for<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>radas apenas as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção<br />
integral, notadamente os parques, as reservas biológicas e estações<br />
ecológicas, esse percentual cai para 3,2% do cerrado.<br />
O Brasil assumiu vários compromissos no âmbito internacional para<br />
conter a perda <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong> – Convenção sobre Diversida<strong>de</strong> Bio-<br />
120 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
121
lógica (CDB): https://www.cbd.int – e para reduzir as <strong>em</strong>issões <strong>de</strong> gases<br />
<strong>de</strong> efeito estufa, entre eles, o CO2 – Convenção-Quadro das Nações<br />
Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC): http://newsroom.unfccc.<br />
int, ambos firmados <strong>em</strong> 1992, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Na 10ª Conferência das Partes da CDB, realizada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nagoya,<br />
<strong>em</strong> Aichi (Japão), <strong>em</strong> 2010, os países signatários concordaram <strong>em</strong><br />
elevar o percentual <strong>de</strong> proteção dos ecossist<strong>em</strong>as terrestres para 17%<br />
da área original até 2020 (Meta 11). Esses compromissos preve<strong>em</strong> o<br />
aumento da proteção da biodiversida<strong>de</strong> e a redução dos <strong>de</strong>smatamentos,<br />
tornando prioritária a i<strong>de</strong>ntificação das áreas mais ameaçadas pela<br />
perda da vegetação e dos locais que mais contribu<strong>em</strong> para o sequestro<br />
<strong>de</strong> carbono. O cerrado, porém, parece não estar se beneficiando dos<br />
acordos internacionais.<br />
Em todo o mundo, unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação são a base para a proteção<br />
da biodiversida<strong>de</strong>. No cerrado, os locais protegidos representam<br />
pouco mais <strong>de</strong> 8,3% da área original do bioma. Desse total, 4,9% são<br />
Áreas <strong>de</strong> Proteção Ambiental (APA), ou seja, com baixíssima contribuição<br />
efetiva para a conservação do bioma. Embora os compromissos<br />
assumidos internacionalmente pelo Brasil recomend<strong>em</strong> que até 2020<br />
esse percentual <strong>de</strong>va dobrar, consi<strong>de</strong>rando-se as medidas ineficientes e<br />
tendências políticas <strong>de</strong> conservação, dificilmente a meta será alcançada.<br />
Agravando a situação, a d<strong>em</strong>anda local e global por acesso e uso dos<br />
recursos naturais já exerce pressão para diminuir e recategorizar as<br />
unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Entre 1981 e 2012, a perda do status <strong>de</strong><br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação, conhecida juridicamente como <strong>de</strong>safetação,<br />
totalizou uma área <strong>de</strong> quase 300 mil ha no cerrado.<br />
Atualmente, enquanto a ciência aponta a necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong><br />
apoiar a implantação <strong>de</strong> áreas protegidas e facilitar o uso público das<br />
mesmas, há várias iniciativas <strong>em</strong> curso que atuam na direção oposta e<br />
<strong>busca</strong>m rever seus limites para a <strong>de</strong>safetação das áreas. Esse processo<br />
não é novo e, no passado, algumas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação tiveram<br />
suas áreas reduzidas, como o Parque Nacional do Araguaia (<strong>de</strong> 1,5 milhão<br />
para 555 mil ha) ou o Parque Nacional Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros (<strong>de</strong><br />
620 mil na época <strong>de</strong> sua criação para míseros 60 mil ha).<br />
Alguns ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> tentativas recentes <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> áreas protegidas<br />
no cerrado são o Parque Nacional da Serra da Canastra (Minas<br />
Gerais), cogitado pela Medida Provisória 542, que previa a retirada <strong>de</strong><br />
80 mil dos 200 mil ha da unida<strong>de</strong>; o Parque Estadual do Mirador (Maranhão),<br />
que per<strong>de</strong>u 63 mil ha após a revisão dos seus limites; o Parque<br />
Estadual Ricardo Franco (Mato Grosso), que po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r 100 mil dos<br />
atuais 157 mil ha; e o Parque Nacional das S<strong>em</strong>pre-Vivas, que po<strong>de</strong>rá<br />
ser recategorizado como reserva extrativista.<br />
Além do fato <strong>de</strong> o cerrado ter um nível <strong>de</strong> proteção bastante baixo –<br />
praticamente a meta<strong>de</strong> da meta <strong>de</strong>finida pela CDB –, a ausência <strong>de</strong> esforços<br />
mais contun<strong>de</strong>ntes para aumentar o estado <strong>de</strong> proteção do bioma<br />
é muito preocupante. Segundo o Cadastro Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Conservação, base <strong>de</strong> dados mantida pelo Instituto Chico Men<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Conservação da Biodiversida<strong>de</strong> (ICMBio) e pelo Ministério do Meio<br />
Ambiente, <strong>de</strong> 2010 a 2014, foram criadas somente quatro unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
conservação, que totalizam uma área pouco superior a 0,5 milhão <strong>de</strong><br />
hectares. Esse valor equivale a um aumento médio <strong>de</strong> 100 mil hectares<br />
a cada ano no conjunto das áreas protegidas do cerrado.<br />
Já as estimativas <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento calculadas pelo Centro <strong>de</strong> Sensoriamento<br />
R<strong>em</strong>oto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos<br />
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam que, nesse mesmo período,<br />
foi <strong>de</strong>smatado um total <strong>de</strong> 1,5 milhão <strong>de</strong> hectares. Ou seja, os<br />
<strong>de</strong>smatamentos avançam <strong>em</strong> ritmo mais acelerado do que o esforço <strong>de</strong><br />
122 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
123
proteção formal do bioma.<br />
Se projetarmos esses números para 2020, data estipulada pela CDB<br />
para o cumprimento das metas acordadas <strong>em</strong> Aichi, ver<strong>em</strong>os que o<br />
percentual <strong>de</strong> proteção do cerrado será <strong>de</strong> 9,3% ou pouco mais da<br />
meta<strong>de</strong> da meta acordada. Por outro lado, os r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> vegetação<br />
nativa do cerrado cairão dos atuais 51,1% para 36%, o que<br />
representará uma perda total <strong>de</strong> 8,4 milhões <strong>de</strong> hectares, com consequente<br />
aumento na <strong>em</strong>issão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa.<br />
A redução <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> <strong>em</strong>issões a partir dos <strong>de</strong>smatamentos e o<br />
sequestro <strong>de</strong> carbono por meio da recomposição da cobertura vegetal<br />
são ações que constam na Política Nacional <strong>de</strong> Mudanças Climáticas<br />
(PNMC) para atingir os compromissos <strong>de</strong> mitigação voluntários do Brasil<br />
junto à Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.<br />
Enquanto a PNMC – disponível na página do Ministério do Meio Ambiente<br />
na internet – estabelece como metas reduzir <strong>em</strong> 80% as taxas<br />
<strong>de</strong> supressão vegetal para a Amazônia, o índice para o cerrado é <strong>de</strong><br />
apenas 40% <strong>em</strong> relação à média verificada entre 1999 e 2008.<br />
Em resumo, o cerrado t<strong>em</strong> um nível <strong>de</strong> proteção ambiental muito<br />
aquém das metas internacionais <strong>de</strong> conservação da biodiversida<strong>de</strong>; ou<br />
seja, é <strong>de</strong>ficiente e pobre. E o comprometimento dos recursos hídricos,<br />
processos erosivos, inundações e outros impactos traz<strong>em</strong>, ironicamente,<br />
insegurança para a agricultura e a pecuária – ativida<strong>de</strong>s responsáveis<br />
pela ocupação do bioma.<br />
Quando a importância do cerrado é analisada sob o ponto <strong>de</strong> vista do<br />
retorno financeiro, s<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar as perdas econômicas com os impactos<br />
ambientais, é inegável constatar que as políticas governamentais<br />
ao longo <strong>de</strong> cinco décadas surtiram efeito. Segundo dados do Instituto<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto<br />
(PIB) dos municípios do cerrado somava, <strong>em</strong> 2012, aproximadamente<br />
US$ 519 bilhões (algo <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> R$ 2 trilhões), ou o correspon<strong>de</strong>nte<br />
a 23,6% da economia brasileira. Isso significa que, se o cerrado fosse<br />
um país, estaria posicionado no 26º lugar no ranking mundial, à frente<br />
da Noruega e do Chile, por ex<strong>em</strong>plo.<br />
Se, no passado, as estratégias para o <strong>de</strong>senvolvimento do cerrado<br />
tivess<strong>em</strong> sido planejadas como na atualida<strong>de</strong>, provavelmente não teríamos<br />
as consequências que observamos hoje. Ao longo do t<strong>em</strong>po, o Estado<br />
brasileiro foi incorporando um conjunto <strong>de</strong> regras e salvaguardas<br />
que visam assegurar que qualquer gran<strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
impl<strong>em</strong>ente medidas mitigadoras para impactos sociais e ambientais.<br />
Tais medidas encontram-se materializadas na forma <strong>de</strong> instruções reguladoras,<br />
como as re<strong>soluções</strong> do Conselho Nacional do Meio Ambiente<br />
(Conama), e na forma <strong>de</strong> leis ou portarias administrativas dos órgãos<br />
ambientais, como Ibama e ICMBio.<br />
Tatu-canastra (Priodontes maximus, da família Dasypodidae) captado pela<br />
câmera <strong>de</strong> uma armadilha fotográfica no cerrado <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
124 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
125
Mas se exist<strong>em</strong> tais mecanismos atualmente, por que o cerrado continua<br />
sendo <strong>de</strong>smatado a taxas que giram <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> meio milhão <strong>de</strong><br />
hectares ao ano? Parte da resposta está na maneira pela qual ocorr<strong>em</strong><br />
os investimentos no setor agropecuário. Se antes as <strong>em</strong>presas e fazen<strong>de</strong>iros<br />
contavam com <strong>em</strong>préstimos da linha <strong>de</strong> crédito rural dos bancos<br />
públicos, hoje eles se autofinanciam. O agronegócio brasileiro t<strong>em</strong> sido<br />
bastante próspero, e as crescentes exportações para atendimento do<br />
mercado internacional, <strong>em</strong> particular o chinês e o europeu, indicam<br />
que os limites comerciais e territoriais do setor ainda estão longe <strong>de</strong><br />
ser<strong>em</strong> alcançados. A outra explicação para os <strong>de</strong>smatamentos e a expansão<br />
da ocupação do cerrado está na falta <strong>de</strong> opções para o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong>senvolvimentista impl<strong>em</strong>entado há décadas.<br />
Falhas nos mecanismos legais, que também contribu<strong>em</strong> para essa situação,<br />
pod<strong>em</strong> ser ex<strong>em</strong>plificadas pela mais básica das omissões legais imagináveis:<br />
o cerrado, juntamente com a caatinga e o pampa, não constam <strong>em</strong><br />
nossa Constituição como integrantes do patrimônio natural brasileiro. Aos<br />
d<strong>em</strong>ais biomas é assegurada a utilização “... na forma da lei, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> condições<br />
que assegur<strong>em</strong> a preservação do meio ambiente, inclusive quanto<br />
ao uso dos recursos naturais” (parágrafo 4 o do artigo 225). Há duas décadas<br />
tramita no Congresso Nacional a proposta da <strong>em</strong>enda constitucional<br />
para incluir o cerrado como patrimônio natural brasileiro.<br />
As maiores áreas protegidas do cerrado estão localizadas <strong>em</strong> sua porção<br />
norte, região que ainda possui uma razoável cobertura vegetal nativa<br />
(paradoxalmente, com menor índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano e econômico).<br />
Em contraste, a porção sul do bioma t<strong>em</strong> um número maior <strong>de</strong><br />
reservas, mas <strong>de</strong> pequeno porte e isoladas umas das outras.<br />
Pequenas reservas não são capazes <strong>de</strong> manter populações viáveis <strong>de</strong><br />
espécies <strong>em</strong> longo prazo, como t<strong>em</strong> sido d<strong>em</strong>onstrado por vários estudos<br />
científicos. Algumas espécies já <strong>de</strong>sapareceram <strong>de</strong> regiões on<strong>de</strong><br />
ocorriam no passado, como é o caso do tatu-canastra no estado <strong>de</strong> São<br />
Paulo. Felizmente, o tatu-canastra ainda sobrevive <strong>em</strong> outras regiões<br />
do cerrado, mas a biodiversida<strong>de</strong> paulista é hoje menor por conta da<br />
perda acentuada <strong>de</strong> cobertura vegetal nativa.<br />
Probl<strong>em</strong>as relacionados com a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água também são<br />
<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa ocupação excessiva, a qual já afetou o clima e seu<br />
regime <strong>de</strong> chuvas.<br />
Comunida<strong>de</strong>s indígenas e tradicionais<br />
No processo <strong>de</strong> substituição da cobertura vegetal nativa do cerrado<br />
pela agricultura e pecuária, b<strong>em</strong> como pelo a<strong>de</strong>nsamento populacional,<br />
os povos indígenas e tradicionais foram prejudicados com a expropriação<br />
<strong>de</strong> suas terras e prejuízos aos modos <strong>de</strong> vida, que, <strong>em</strong> muitos casos,<br />
praticamente dizimaram algumas populações. Casos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos<br />
são os dos índios goiazes, extintos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o t<strong>em</strong>po dos ban<strong>de</strong>irantes, e<br />
dos avás-canoeiros, grupo nôma<strong>de</strong> que atualmente totaliza menos <strong>de</strong><br />
25 pessoas e que teve suas terras na região do Araguaia paulatinamente<br />
ocupadas por fazendas, garimpos e cida<strong>de</strong>s.<br />
Os habitantes tradicionais têm construído um relacionamento íntimo<br />
com o cerrado, ajustando-se ao seu ambiente natural único. No entanto,<br />
a vida na região foi inevitavelmente alterada pela expansão urbana e<br />
pela agricultura, levando os povos tradicionais a enfrentar numerosos<br />
<strong>de</strong>safios e probl<strong>em</strong>as.<br />
126 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
127
Coagidos, esses grupos tentam manter sua longa história na região e,<br />
mais importante, a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – historicamente ligada ao cerrado<br />
circundante e moldada por ele. Se esses povos estão seriamente afetados<br />
pela exploração <strong>de</strong>scontrolada do bioma ou mesmo expulsos,<br />
sua sabedoria antiga e habilida<strong>de</strong>s – um patrimônio cultural precioso e<br />
único – serão inevitavelmente perdidas para s<strong>em</strong>pre.<br />
É o caso dos xavantes, grupo étnico que vive na região <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1810 e<br />
agora t<strong>em</strong> que lidar com o fato <strong>de</strong> que suas terras foram transformadas<br />
<strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> soja. Outro ex<strong>em</strong>plo é dos geraizeiros, populações<br />
que habitam parte do cerrado <strong>de</strong> Minas Gerais e da Bahia, cujo<br />
modo <strong>de</strong> vida está intimamente ligado ao bioma, do qual retiram bens<br />
para uso e comercialização.<br />
Colheita <strong>de</strong> pequi (Caryocar brasiliense) no<br />
cerrado <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
Foto: Bento Viana<br />
Extração do óleo do pequi no norte <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais<br />
Foto: Bento Viana<br />
Os geraizeiros tiveram suas terras expropriadas, <strong>de</strong>stinadas a extensos<br />
plantios <strong>de</strong> eucalipto, que, além <strong>de</strong> comprometer<strong>em</strong> seu modo <strong>de</strong><br />
vida, causaram <strong>de</strong>smatamento e perda <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong> e dos serviços<br />
ambientais, principalmente da água, recurso escasso on<strong>de</strong> viv<strong>em</strong>. Esse<br />
povo agora luta para reaver as terras e manter sua cultura e seu modo<br />
<strong>de</strong> vida. Já obteve vitórias significativas, transformando áreas do cerrado<br />
<strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> uso sustentável e <strong>em</strong> projetos <strong>de</strong><br />
assentamento agrário diferenciados. Por meio <strong>de</strong> muito esforço, com o<br />
apoio da socieda<strong>de</strong> civil organizada e com base <strong>em</strong> resultados <strong>de</strong> pesquisas,<br />
os geraizeiros conseguiram criar a Reserva <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Sustentável Nascentes Geraizeiras, com 38.177 ha, e o Projeto <strong>de</strong> Assentamento<br />
Agroextrativista Vereda Funda.<br />
Outro ex<strong>em</strong>plo é o dos vazanteiros, que está intimamente ligado às<br />
áreas marginais dos rios. Para eles, a água é o fator essencial a suas<br />
práticas diárias. Todavia, os recursos hídricos têm sido poluídos e <strong>de</strong>gradados<br />
pela agricultura e mineração e, pior, largamente comprometidos<br />
pelas barragens construídas sobre rios e riachos que atravessam<br />
a região.<br />
Os povos indígenas e as comunida<strong>de</strong>s tradicionais são os primeiros a<br />
ser<strong>em</strong> afetados pela perda dos territórios e pela <strong>de</strong>gradação ambiental,<br />
que segue com incentivos aos gran<strong>de</strong>s projetos baseados na monocultura<br />
e mineração.<br />
128 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
129
Conflitos sociais<br />
De olho no ecoturismo<br />
Conflitos sociais pod<strong>em</strong> resultar da criação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação<br />
no cerrado ou <strong>em</strong> outros biomas. O foco tradicional sobre a<br />
conservação dos aspectos da biodiversida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> negligenciado certas<br />
questões, como os direitos humanos das populações tradicionais e seus<br />
modos <strong>de</strong> vida, contribuindo, assim, para a existência <strong>de</strong> vários conflitos<br />
<strong>de</strong>ntro das áreas protegidas.<br />
O cerrado t<strong>em</strong> sido usado durante séculos pelas populações tradicionais.<br />
A expulsão das populações indígenas e tradicionais <strong>de</strong> sua terra<br />
natal para criar unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação ou para arrendar terra para<br />
gran<strong>de</strong>s produtores cria, na realida<strong>de</strong>, mais probl<strong>em</strong>as do que <strong>soluções</strong>.<br />
Há numerosos casos <strong>de</strong> conflitos sociais <strong>de</strong>correntes da retirada <strong>de</strong><br />
resi<strong>de</strong>ntes nativos para criação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. Muitas <strong>de</strong>ssas<br />
pessoas viveram longos períodos nos mesmos locais, trabalhando na<br />
extração <strong>de</strong> recursos para sua subsistência, s<strong>em</strong> transformar significativamente<br />
a paisag<strong>em</strong>. Como seus interesses e direitos não foram cont<strong>em</strong>plados,<br />
as populações excluídas tornam-se, muitas vezes, adversários da<br />
área protegida, comprometendo os propósitos <strong>de</strong> conservação.<br />
Há casos <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos, como o do Parque Nacional da Serra do<br />
Cipó, <strong>em</strong> Minas Gerais. Enquanto se <strong>busca</strong>va a conservação da biodiversida<strong>de</strong><br />
e dos processos ecológicos, as comunida<strong>de</strong>s tradicionais que<br />
historicamente ocuparam a região eram severamente comprometidas.<br />
Essas populações sofr<strong>em</strong>, <strong>em</strong> geral, um gran<strong>de</strong> impacto sobre seus modos<br />
<strong>de</strong> vida, com <strong>de</strong>zenas ou centenas <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>slocadas da sua<br />
área territorial para permitir o estabelecimento do parque.<br />
Além do uso para subsistência e mineração, há outro impacto negativo<br />
importante que o ser humano exerce sobre o cerrado: o turismo não<br />
sustentável. Ativida<strong>de</strong>s ecoturísticas b<strong>em</strong> conduzidas na região po<strong>de</strong>riam<br />
representar uma boa fonte <strong>de</strong> renda e alternativa benéfica para a conservação<br />
do bioma e para a ampliação do conhecimento do mesmo por<br />
meio da educação ambiental. Já, quando viagens e visitas são feitas <strong>de</strong><br />
forma predatória, não regulamentada, elas geram efeitos negativos.<br />
Excursões e passeios que traz<strong>em</strong> vantagens apenas para os visitantes<br />
ou retorno financeiro para os gestores turísticos externos não pod<strong>em</strong><br />
acarretar resultados benéficos ao local. Na região do Jalapão, no leste<br />
do Tocantins, por ex<strong>em</strong>plo, o rafting explorado por <strong>em</strong>presas <strong>de</strong> fora<br />
do estado t<strong>em</strong> colocado <strong>em</strong> risco uma das três populações r<strong>em</strong>anescentes<br />
do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), espécie criticamente<br />
ameaçada <strong>de</strong> extinção.<br />
O turismo sustentável e eficaz implica a criação <strong>de</strong> uma atração que<br />
beneficie igualmente o ecossist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> acolhimento – no caso, o cerrado<br />
–, os turistas e a economia local.<br />
Os impactos do uso <strong>de</strong> alguns parques no cerrado não têm sido avaliados<br />
<strong>de</strong> maneira correta. Não t<strong>em</strong>os i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como e quando essas<br />
áreas criadas para a conservação do bioma per<strong>de</strong>rão sentido, tornando-se<br />
espaços comuns, <strong>em</strong> função do uso turístico ina<strong>de</strong>quado. É notório<br />
o gran<strong>de</strong> impacto que o turismo s<strong>em</strong> planejamento t<strong>em</strong> causado nas<br />
trilhas da cachoeira da Farofa, na Bahia, assim como <strong>em</strong> muitas outras<br />
áreas <strong>de</strong>ntro ou fora <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.<br />
É preciso encontrar formas <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plar, ao mesmo t<strong>em</strong>po, as d<strong>em</strong>andas<br />
dos povos tradicionais e a conservação <strong>de</strong> ambientes naturais.<br />
130 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
131
Programas <strong>de</strong> educação sobre conservação da natureza <strong>em</strong> parques<br />
e reservas no cerrado são raros. Como resultado, os turistas tend<strong>em</strong> a<br />
permanecer alheios às consequências da perda <strong>de</strong> espécies e da <strong>de</strong>gradação<br />
<strong>de</strong> áreas naturais, contribuindo para a <strong>de</strong>struição da região e <strong>de</strong><br />
espécies s<strong>em</strong> se incomodar.<br />
Programas <strong>de</strong> gestão ambiental b<strong>em</strong>-sucedidos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> incluir medidas <strong>de</strong><br />
conservação a<strong>de</strong>quadas, além <strong>de</strong> regulamentação e monitoramento do turismo<br />
e dos negócios <strong>de</strong>senvolvidos na região. Uma abordag<strong>em</strong> integrada e<br />
colaborativa para a conservação e gestão do cerrado precisa ser alcançada.<br />
Efeitos das minerações<br />
Como a extração e exploração <strong>de</strong> minérios não estão amplamente<br />
distribuídas no cerrado, elas são tratadas como um fator <strong>de</strong> impacto<br />
local. Todavia, essa é uma visão errônea, pois, <strong>em</strong>bora as cavas das minas<br />
tenham, <strong>em</strong> geral, uma distribuição local, os impactos se estend<strong>em</strong><br />
a gran<strong>de</strong>s distâncias – sobretudo, pela contaminação da água e do ar.<br />
A logística para a mineração t<strong>em</strong> efeitos gigantescos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do<br />
tamanho do <strong>em</strong>preendimento. O maior ex<strong>em</strong>plo é a exploração <strong>de</strong><br />
minério <strong>de</strong> ouro no Brasil, <strong>em</strong> meados do século 18, quando a cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Ouro Preto tinha 80 mil habitantes, o dobro da população <strong>de</strong> Nova<br />
York e 10 vezes a <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Em 2015, o rompimento <strong>de</strong> duas barragens da mineradora <strong>de</strong> ferro<br />
e manganês Samarco S.A., na Serra do Espinhaço, <strong>de</strong>struiu completamente<br />
o rio Doce. O aci<strong>de</strong>nte causou a morte <strong>de</strong> 19 pessoas, atingindo<br />
O cerrado t<strong>em</strong> sofrido gran<strong>de</strong>s impactos causados pela mineração, construção <strong>de</strong><br />
estradas mal planejadas e até <strong>de</strong> revegetação com espécies exóticas. Revegetaçao <strong>de</strong><br />
talu<strong>de</strong> na estrada MG 10 (Conceiçao do Mato Dentro-Serro) com espécies exóticas<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> municípios <strong>de</strong> dois estados, arrasando proprieda<strong>de</strong>s e a<br />
ictiofauna, <strong>de</strong>ixando as terras agrícolas improdutivas, comprometendo<br />
o abastecimento <strong>de</strong> água e atingindo o oceano.<br />
No cerrado, há <strong>em</strong>preendimentos minerários com gran<strong>de</strong> impacto<br />
negativo tanto para o ambiente como para a saú<strong>de</strong> pública. Esse é o<br />
caso da maior mineração <strong>de</strong> ouro a céu aberto do mundo, operada<br />
pela Kinross, <strong>em</strong> Paracatu (MG). A mineração gera 7 kg <strong>de</strong> arsênio a<br />
cada grama <strong>de</strong> ouro retirado da mina, <strong>de</strong>ixando uma gran<strong>de</strong> cratera<br />
totalmente nociva ao ambiente e gran<strong>de</strong>s probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para<br />
a população.<br />
132 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
133
Consequências do rompimento da barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> mineração da Samarco <strong>em</strong> Mariana<br />
(MG), <strong>em</strong> 2015. Os efeitos do aci<strong>de</strong>nte começaram no cerrado e a<strong>de</strong>ntraram a<br />
mata atlântica, chegando ao mar no dia 27 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2015<br />
Fotos: Elvira Nascimento<br />
134 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
135
A esses <strong>em</strong>preendimentos somam-se a mineração <strong>de</strong> níquel e manganês<br />
– operada pela companhia britânica Anglo-American, <strong>em</strong> Niquelândia<br />
(GO) e Conceição do Mato Dentro (MG), respectivamente –, a<br />
mineração <strong>de</strong> cobre e ouro – feita pela cana<strong>de</strong>nse Yamana Gold, <strong>em</strong><br />
Alto Horizonte (GO) – e <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s mineradoras<br />
realizadas por companhias brasileiras, ou <strong>em</strong> consórcio com multinacionais,<br />
<strong>em</strong> todo o cerrado. Lamentavelmente, a maior pressão das<br />
mineradoras ocorre justamente sobre uma das áreas com a maior biodiversida<strong>de</strong><br />
do cerrado, os campos rupestres da Serra do Espinhaço.<br />
Não é do nosso conhecimento nenhuma avaliação científica ou sociopolítica<br />
do impacto geral das minerações sobre o Espinhaço, e muito<br />
menos sobre o cerrado.<br />
Impactos da urbanização<br />
A urbanização é consi<strong>de</strong>rada uma das maiores causas <strong>de</strong> alterações<br />
permanentes nos ambientes naturais, levando a uma baixa taxa <strong>de</strong> similarida<strong>de</strong><br />
entre o hábitat original e o ambiente urbanizado. Na atualida<strong>de</strong>,<br />
mais da meta<strong>de</strong> da população humana vive nas cida<strong>de</strong>s; no Brasil,<br />
esse contingente passa <strong>de</strong> 85%.<br />
O incr<strong>em</strong>ento da população urbana e consequente crescimento das<br />
cida<strong>de</strong>s geram uma série <strong>de</strong> efeitos que vão além dos seus limites geográficos.<br />
No ambiente urbano, a vegetação, representada pela arborização,<br />
exerce papel fundamental sobre os el<strong>em</strong>entos climáticos, contribuindo<br />
para o controle da radiação solar, t<strong>em</strong>peratura e umida<strong>de</strong> do ar. Porém,<br />
a qualida<strong>de</strong> dos serviços ambientais prestados variam com o tipo <strong>de</strong> vegetação,<br />
composição, porte, localização e distribuição das espécies.<br />
Em geral, a implantação da arborização urbana ocorre s<strong>em</strong> o <strong>de</strong>vido<br />
planejamento, havendo maior preocupação com os aspectos estéticos<br />
do que com os ambientais. Ex<strong>em</strong>plos da substituição da arborização<br />
nativa por espécies introduzidas são encontrados nas principais cida<strong>de</strong>s<br />
do cerrado, como Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Campo Gran<strong>de</strong><br />
(MS), e no Plano Piloto, <strong>em</strong> Brasília (DF), on<strong>de</strong> as espécies exóticas<br />
são as mais frequentes.<br />
Em Belo Horizonte (MG), o fenômeno da substituição da flora do cerrado<br />
por espécies exóticas ainda continua, mesmo diante do conhecimento<br />
atual sobre o probl<strong>em</strong>a e dos riscos à vida humana e a proprieda<strong>de</strong>s.<br />
Em Palmas (TO), a capital mais jov<strong>em</strong> do país, com apenas 26 anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, a arborização das ruas e avenidas é composta, <strong>em</strong> sua maioria,<br />
por árvores exóticas, entre as quais a manga (Mangifera indica), originária<br />
da Índia, é a espécie mais frequente. Nessa cida<strong>de</strong> planejada e<br />
com pouco mais <strong>de</strong> 200 mil habitantes, já exist<strong>em</strong> ilhas <strong>de</strong> calor, on<strong>de</strong> a<br />
t<strong>em</strong>peratura po<strong>de</strong> aumentar <strong>em</strong> até 7,4º C acima da t<strong>em</strong>peratura média<br />
diária, fenômeno causado <strong>em</strong> parte pela ausência da arborização.<br />
Em Palmas, observou-se ainda a estreita relação entre a arborização<br />
e a fauna; isto é, nas áreas com maior riqueza <strong>de</strong> árvores nativas, encontrou-se<br />
maior varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aves, enquanto, naquelas áreas on<strong>de</strong> as<br />
árvores exóticas predominaram, a riqueza <strong>de</strong> aves foi menor. Em geral,<br />
já é reconhecido que a maioria das espécies <strong>de</strong> animais não se adapta<br />
ou tolera as modificações associadas à urbanização.<br />
136 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
137
Arborização do bioma<br />
Infelizmente, a <strong>de</strong>speito da importância estratégica do cerrado para<br />
o Brasil, há pouca percepção do valor <strong>de</strong> seus bens e serviços ecossistêmicos.<br />
O bioma, como praticamente todos os sist<strong>em</strong>as não florestais<br />
do planeta (savanas, pradarias e vegetações campestres), foi recent<strong>em</strong>ente<br />
apontado como uma “região para o reflorestamento” potencial<br />
para atingir a meta do Desafio <strong>de</strong> Bonn, lançado <strong>em</strong> 2011, na Al<strong>em</strong>anha,<br />
que prevê a revegetação <strong>de</strong> 150 milhões <strong>de</strong> hectares até 2020.<br />
O Atlas <strong>de</strong> Oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Restauração Florestal, publicado pelo<br />
World Resource Institute, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que exist<strong>em</strong> 23 milhões <strong>de</strong> km 2 <strong>de</strong><br />
terras florestais a ser<strong>em</strong> restauradas. Surpreen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, o cerrado<br />
foi elencado no Atlas como uma área para “reflorestamento”. O critério<br />
adotado foi incluir “todas as terras biofisicamente capazes <strong>de</strong> suportar<br />
uma cobertura <strong>de</strong> copa das árvores <strong>de</strong> pelo menos 10%”.<br />
Embora a iniciativa <strong>de</strong>sses órgãos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar e mapear as oportunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> restauração da paisag<strong>em</strong> possa ser consi<strong>de</strong>rada, a princípio,<br />
como uma boa ação, a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> reflorestamento<br />
no cerrado é ecologicamente incorreta e po<strong>de</strong>rá gerar muitos<br />
probl<strong>em</strong>as ambientais e socioeconômicos para o Brasil.<br />
O cerrado não é um ecossist<strong>em</strong>a florestal, com exceção das matas<br />
ciliares, <strong>de</strong> galeria, secas e do cerradão. A maior parte da região correspon<strong>de</strong><br />
a pastagens naturais, campos e savanas. O fogo <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha<br />
um papel importante na estabilida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> do bioma e<br />
<strong>de</strong>termina diferenças funcionais entre florestas e o cerrado. Enquanto<br />
as espécies do cerrado são capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao fogo, as espécies<br />
florestais não.<br />
Plantio <strong>de</strong> eucalipto avança sobre áreas e fragmentos restantes do cerrado.<br />
Plantação <strong>de</strong> eucalipto nos limites do Parque Estadual da Serra Azul, <strong>em</strong> Barra do<br />
Garças (MT)<br />
Foto: Fernando Pedroni<br />
As espécies típicas <strong>de</strong> árvores do cerrado evoluíram para sist<strong>em</strong>as<br />
radiculares longos, que lhes permit<strong>em</strong> alcançar água a até 20 m <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>.<br />
Já as plantas exóticas com as quais se planeja fazer esse reflorestamento,<br />
como eucaliptos e pinheiros, não são capazes <strong>de</strong> absorver<br />
a água da mesma maneira; <strong>em</strong> vez disso, esgotam a água superficial.<br />
Consequent<strong>em</strong>ente, o ‘enriquecimento’ ou substituição <strong>de</strong> espécies<br />
nativas por essas exóticas terá graves, e irreversíveis, impactos na biodiversida<strong>de</strong><br />
e no funcionamento do ecossist<strong>em</strong>a original do cerrado.<br />
O resultado <strong>de</strong>ssa estratégia errônea <strong>de</strong> monocultura <strong>de</strong> árvores<br />
exóticas <strong>de</strong>safia o suposto benefício <strong>de</strong> aumentar o sequestro <strong>de</strong> carbono.<br />
Os efeitos negativos locais da arborização provocariam perdas<br />
substanciais no fluxo da água, aumentariam a salinização e acidificação<br />
138 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
139
do solo, com fortes consequências regionais. Do ponto <strong>de</strong> vista econômico,<br />
o cultivo <strong>de</strong> eucalipto requer altos investimentos <strong>em</strong> máquinas,<br />
fertilizantes, pesticidas e técnicas <strong>de</strong> plantio caros, como o uso <strong>de</strong> mudas<br />
clonadas para garantir uniformida<strong>de</strong> e melhor <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho – tudo<br />
isso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> cultivo mais curto.<br />
Embora existam políticas para o controle e a fiscalização do reflorestamento<br />
indiscriminado no cerrado (leis florestais fe<strong>de</strong>rais e estaduais),<br />
há também fortes pressões socioeconômicas que incentivam a sua expansão.<br />
A florestação no bioma está ganhando força, estimulada pelas<br />
indústrias <strong>de</strong> ferro e aço, que precisam <strong>de</strong> energia para suas plantas<br />
operacionais centrais. Os avanços na infraestrutura, como aumento da<br />
eletrificação rural, pavimentação <strong>de</strong> novas estradas, crédito e financiamento<br />
com taxas subsidiadas, entre outros fatores, representam incentivos<br />
atraentes, mas perversos, para o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira-celulose na região.<br />
A substituição da flora nativa do cerrado também ocorre <strong>em</strong> áreas<br />
urbanizadas, on<strong>de</strong> são introduzidas espécies arbóreas oriundas <strong>de</strong><br />
outros biomas brasileiros ou países. Em geral, essas espécies não <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham<br />
os serviços ecossistêmicos com a mesma eficiência que as<br />
espécies autóctones, pois o processo evolutivo que v<strong>em</strong> ocorrendo há<br />
milhares <strong>de</strong> anos permitiu que a flora nativa se adaptasse às condições<br />
locais <strong>de</strong> solo e clima, moldando as interações com outras espécies da<br />
fauna e flora da região.<br />
Contra essa tendência, o cerrado precisa, na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um programa<br />
específico <strong>de</strong> restauração ecológica, fundamentado <strong>em</strong> seus<br />
próprios recursos. O <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> sua história evolutiva e <strong>de</strong><br />
sua ecologia, tanto quanto o <strong>de</strong> ambientes similares ao redor do globo,<br />
po<strong>de</strong> induzir políticas públicas equivocadas, com consequências ambientais<br />
profundas e irreversíveis.<br />
A pressão das hidrelétricas<br />
A implantação <strong>de</strong> hidrelétricas na região t<strong>em</strong> aumentado consi<strong>de</strong>ravelmente.<br />
Dados disponibilizados no portal da Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Energia Elétrica (Aneel) – http://sigel.aneel.gov.br – mostram que esse<br />
bioma contava até 2015 com 174 gran<strong>de</strong>s usinas hidrelétricas (UHE) e<br />
838 centrais <strong>de</strong> pequeno porte (PCH). Desse total, 49 UHE e 130 PCH<br />
já se encontravam <strong>em</strong> operação.<br />
Estima-se que 12 mil megawatts ainda possam ser gerados nos rios do<br />
bioma, sendo 74% previstos para o rio Tocantins, 12% para o Araguaia<br />
e 2% para os rios das Mortes e do Sono. Em alguns casos, esses <strong>em</strong>preendimentos<br />
afetam, inclusive, unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação já estabelecidas.<br />
No rio Carinhanha, na divisa entre Minas Gerais e Bahia, planeja-se construir<br />
algumas PCHs que po<strong>de</strong>riam afetar o Parque Nacional Gran<strong>de</strong> Sertão<br />
Veredas (MG e BA), a Área <strong>de</strong> Proteção Ambiental Estadual Cochá e<br />
Gibão (MG) e duas reservas particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).<br />
No caso <strong>de</strong> barragens e reservatórios (s<strong>em</strong> fins <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> energia,<br />
mas voltados para irrigação, lazer e <strong>de</strong>sse<strong>de</strong>ntação <strong>de</strong> animais), muitos<br />
são construídos s<strong>em</strong> acompanhamento técnico e/ou licença ambiental,<br />
trazendo enormes riscos para a socieda<strong>de</strong>. Em fevereiro <strong>de</strong> 2016 – assim<br />
como <strong>em</strong> outras ocasiões anteriores –, uma barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> porte pequeno<br />
(50 ha) se rompeu <strong>em</strong> Itaberaí (GO), gerando enormes prejuízos para o<br />
meio ambiente local – felizmente, <strong>de</strong>ssa vez, s<strong>em</strong> perdas humanas.<br />
140 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
141
No estado <strong>de</strong> Goiás, estão planejadas mais <strong>de</strong> 90 barragens ao longo<br />
<strong>de</strong> seus rios. As áreas para esses <strong>em</strong>preendimentos são, <strong>em</strong> sua maioria,<br />
produtivas e <strong>de</strong> rica diversida<strong>de</strong> biológica, exigindo a relocação <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s contingentes <strong>de</strong> pessoas e animais silvestres.<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que os processos <strong>de</strong> relocação da população<br />
humana no Brasil, <strong>em</strong> quaisquer biomas, foram s<strong>em</strong>pre probl<strong>em</strong>áticos<br />
e com gran<strong>de</strong>s sequelas para os atingidos. No caso do resgate da fauna<br />
e flora, os relatos <strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser avaliados por profissionais <strong>de</strong><br />
competência e imparciais, pois o que se t<strong>em</strong> observado <strong>de</strong> um modo<br />
geral é uma propaganda ambiental enganosa.<br />
Não se conhec<strong>em</strong> os efeitos, <strong>em</strong> longo prazo, dos animais e plantas<br />
transferidos e nas ilhas <strong>de</strong> vegetação criadas com o enchimento <strong>de</strong><br />
reservatórios, e muito menos o impacto causado nas espécies e nos<br />
hábitats on<strong>de</strong> os mesmos são reintroduzidos. Além disso, a abordag<strong>em</strong><br />
é apenas para organismos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, ou seja, não há preocupação<br />
com o funcionamento do ecossist<strong>em</strong>a como um todo. Assim,<br />
essas medidas têm sido rotineiramente taxadas <strong>de</strong> ‘greenwashing’ (algo<br />
como ‘lavag<strong>em</strong> ver<strong>de</strong>’ – termo <strong>em</strong> inglês para ocultar ou dissimular algo<br />
usando ‘roupag<strong>em</strong> ambientalista’).<br />
S<strong>em</strong> contar que a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong>sses reservatórios e a regularização<br />
<strong>de</strong> vazões provocam alterações no regime das águas e na formação<br />
<strong>de</strong> microclimas, modificando a dinâmica local e, muitas vezes, favorecendo<br />
espécies que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre são as mais importantes localmente e<br />
prejudicando – ou até extinguindo – outras. Tais reservatórios têm sido<br />
um dos principais fatores <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento das veredas, uma vez<br />
que, ao ser<strong>em</strong> instalados, é necessário alagar extensões que extrapolam<br />
a área ripária da vereda. As alterações no regime hídrico do cerrado<br />
têm reflexos também nas bacias hidrográficas dos biomas vizinhos,<br />
seja <strong>em</strong> território brasileiro ou sul-americano.<br />
Mapa das centrais hidrelétricas no cerrado instaladas até 2015<br />
Fonte: ANEEL (http://sigel.aneel.gov.br)<br />
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Lugares e ecossist<strong>em</strong>as especiais<br />
Embora manter todo o cerrado seja importante, sobretudo na atualida<strong>de</strong>,<br />
consi<strong>de</strong>rando que restam menos <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> sua área original, algumas<br />
regiões e ecossist<strong>em</strong>as merec<strong>em</strong> atenção especial quanto à sua conservação.<br />
Há no bioma muitos ambientes especiais, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>, portanto,<br />
ser preservados para as gerações atuais e futuras. Um <strong>de</strong>sses ambientes<br />
é aquele representado pelas montanhas e, principalmente, pelos campos<br />
rupestres – <strong>em</strong>bora haja várias chapadas e vales não menos importantes.<br />
Abaixo, listamos alguns <strong>de</strong>sses lugares e ecossist<strong>em</strong>as especiais.<br />
Ameaça nas montanhas<br />
As montanhas ocupam 25% da superfície da Terra e nelas viv<strong>em</strong> 10%<br />
da população humana. Diferentes etnias e 50% dos habitantes do planeta<br />
faz<strong>em</strong> uso direto <strong>de</strong> seus recursos. Ali nasc<strong>em</strong> os principais rios do<br />
mundo e cresc<strong>em</strong> várias espécies endêmicas. Proteger as montanhas<br />
do cerrado, portanto, é muito importante.<br />
As montanhas representam um gran<strong>de</strong> repositório <strong>de</strong> vida terrestre e<br />
são também laboratórios naturais. Os efeitos das alterações antrópicas<br />
e das mudanças globais do clima são pronunciados nesses ambientes.<br />
Os gases do efeito estufa pod<strong>em</strong> gerar um aquecimento médio da t<strong>em</strong>peratura<br />
global <strong>de</strong> 1ºC a 3,7ºC até 2100, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do cenário consi<strong>de</strong>rado,<br />
segundo dados do Painel Intergovernamental das Mudanças<br />
Inseto visitando uma inflorescência <strong>de</strong> Coccoloba cereifera (Polygonaceae),<br />
espécie endêmica e ameaçada <strong>de</strong> extinção nos campos rupestres da Serra<br />
do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
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Climáticas (IPCC, na sigla <strong>em</strong> inglês). Algumas das maiores evidências<br />
<strong>de</strong>sse aquecimento vêm das regiões montanhosas, como o <strong>de</strong>rretimento<br />
<strong>de</strong> geleiras, mudanças na distribuição <strong>de</strong> espécies e mesmo extinções <strong>de</strong><br />
algumas <strong>de</strong>las que per<strong>de</strong>ram seu ambiente natural. Nas montanhas, é<br />
possível <strong>de</strong>tectar os primeiros sinais das alterações climáticas e enten<strong>de</strong>r<br />
como as espécies ou ecossist<strong>em</strong>as respond<strong>em</strong> a essas alterações. Assim,<br />
elas são verda<strong>de</strong>iras sentinelas das mudanças climáticas.<br />
Alguns impactos são previsíveis. Como a t<strong>em</strong>peratura diminui com a<br />
altitu<strong>de</strong>, forma-se, ao longo da montanha, um gradiente <strong>de</strong> t<strong>em</strong>peratura,<br />
com os maiores valores na base e os menores no topo.<br />
Ao longo das montanhas, as faixas <strong>de</strong> maiores t<strong>em</strong>peraturas serão<br />
<strong>de</strong>slocadas para cima. Dessa forma, as espécies <strong>de</strong> áreas mais frias, localizadas<br />
próximas ao topo, <strong>de</strong>verão ser mais afetadas com o aquecimento<br />
do planeta. À medida que seu ambiente ficar mais quente, essas<br />
espécies serão obrigadas a se <strong>de</strong>slocar para cima, on<strong>de</strong> encontrarão<br />
t<strong>em</strong>peraturas a<strong>de</strong>quadas para sua sobrevivência. Deslocar-se para baixo<br />
não é uma opção, uma vez que as t<strong>em</strong>peraturas serão ainda mais<br />
quentes e insuportáveis. As suas áreas <strong>de</strong> vida serão <strong>em</strong>purradas para o<br />
topo. O probl<strong>em</strong>a é que, <strong>em</strong> direção ao cume, as áreas <strong>de</strong> terreno com<br />
t<strong>em</strong>peraturas frias a<strong>de</strong>quadas disponíveis para ocupação ficam cada vez<br />
mais reduzidas. As faixas <strong>de</strong> t<strong>em</strong>peratura mais frias próximas ao topo<br />
<strong>de</strong>saparecerão e, com elas, as espécies típicas <strong>de</strong>sse ambiente.<br />
Outros impactos serão observados na precipitação, na incidência <strong>de</strong><br />
geadas e na umida<strong>de</strong>, afetando diretamente o clima regional e maximizando<br />
ainda mais os efeitos do aquecimento global.<br />
As mudanças provocadas pelo aquecimento do planeta são rápidas<br />
(na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> décadas) <strong>em</strong> comparação com o t<strong>em</strong>po (milhares <strong>de</strong><br />
anos) d<strong>em</strong>andado para a evolução e colonização das espécies. Já é possível<br />
verificar o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> plantas e animais para<br />
regiões mais altas, conforme aumenta a t<strong>em</strong>peratura do globo. Os riscos<br />
<strong>de</strong> extinção das espécies que não têm mais para on<strong>de</strong> se mover<br />
cresc<strong>em</strong> com o aumento <strong>de</strong> eventos climáticos extr<strong>em</strong>os cada vez mais<br />
frequentes (t<strong>em</strong>pesta<strong>de</strong>s, secas etc.), estações prolongadas <strong>de</strong> fogo e<br />
incêndios mais graves, além <strong>de</strong> surtos <strong>de</strong> doenças e pragas. Nas montanhas,<br />
estão ocorrendo os primeiros colapsos da biodiversida<strong>de</strong> do<br />
planeta, e essas mudanças provocarão a extinção <strong>de</strong> uma parcela expressiva<br />
da riqueza <strong>de</strong> vida na Terra, com gran<strong>de</strong>s consequências para<br />
os serviços ecossistêmicos providos para a humanida<strong>de</strong>.<br />
Localização da<br />
principal área <strong>de</strong><br />
distribuição dos<br />
campos rupestres<br />
(<strong>em</strong> vermelho<br />
<strong>de</strong>ntro do círculo)<br />
Elaboração: Newton<br />
Barbosa<br />
148 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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Com formações montanhosas que alcançam mais <strong>de</strong> 1.200 km <strong>de</strong><br />
extensão, percursos longitudinais (largura) variando <strong>de</strong> 50 a 100 km e<br />
altitu<strong>de</strong>s que pod<strong>em</strong> chegar a mais <strong>de</strong> 2.200 m, a ca<strong>de</strong>ia do Espinhaço é<br />
consi<strong>de</strong>rada a única cordilheira do Brasil. Localizada no planalto Atlântico,<br />
esten<strong>de</strong>-se pelos estados <strong>de</strong> Minas Gerais e Bahia. O clima e o solo<br />
condicionam os microambientes e <strong>de</strong>terminam drásticas mudanças na<br />
estrutura da vegetação e nos aninais e microrganismos associados na<br />
Serra do Espinhaço.<br />
Abaixo <strong>de</strong> 900 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, ocorr<strong>em</strong> todos os outros tipos <strong>de</strong> formações<br />
do cerrado, enquanto entre 900 e 1.200 m há uma transição<br />
entre o cerrado e o campo rupestre, que se misturam na paisag<strong>em</strong>.<br />
Campo rupestre quartzítico arenoso na Reserva Vellozia, na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Campo rupestre quartzítico na Serra do Cipó, <strong>em</strong> Lapinha da Serra (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Em hábitats mais elevados, acima <strong>de</strong> 1.300 m, a vegetação apresenta<br />
árvores esparsas e, acima <strong>de</strong> 1.400 m, é dominada por campos rupestres<br />
<strong>em</strong> solo arenoso, com ilhas naturais <strong>de</strong> mata atlântica. Na Serra do<br />
Espinhaço, viv<strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> todas as espécies do cerrado – a<br />
maior parte é rara e pobr<strong>em</strong>ente conhecida. Assim, esse ambiente é <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> importância para todo o cerrado brasileiro.<br />
Longe <strong>de</strong> ser uma vegetação homogênea, nessas cotas altitudinais altimontanas<br />
encontram-se, lado a lado, cerrado, matas <strong>de</strong> galeria, campo<br />
rupestre sobre afloramento rochoso, turfeiras, capões <strong>de</strong> mata, matas<br />
<strong>de</strong> encosta e até canga (campo rupestre ferruginoso). Os campos<br />
rupestres se apresentam como um rico mosaico <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s, que<br />
150 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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l<strong>em</strong>bra mais uma colcha <strong>de</strong> retalhos, conforme a predominância <strong>de</strong> um<br />
ou mais fatores <strong>de</strong> estresse ambiental.<br />
Regionalmente, a variação ao longo do Espinhaço é gigantesca também,<br />
predominando, por ex<strong>em</strong>plo, o campo rupestre ferruginoso nas<br />
imediações <strong>de</strong> Belo Horizonte (Quadrilátero Ferrífero). Embora o<br />
ambiente físico se apresente bastante adverso para as plantas <strong>de</strong> outros<br />
ecossist<strong>em</strong>as ou biomas, a vegetação <strong>de</strong> campo rupestre é uma das mais<br />
ricas do mundo <strong>em</strong> espécies. Porém, os fatores <strong>de</strong> perturbação antrópica<br />
nos campos rupestres vêm intensificando-se nos últimos anos.<br />
As proporções <strong>de</strong>sses impactos sobre as populações <strong>de</strong> plantas e<br />
animais, especialmente espécies raras e endêmicas, são muito gran<strong>de</strong>s<br />
e estão conduzindo ao colapso <strong>de</strong>sse ambiente único. As causas têm<br />
sido o turismo não planejado, o crescimento exponencial da ocupação<br />
humana, impulsionado principalmente pela melhoria no sist<strong>em</strong>a viário,<br />
que facilitou o acesso. Além disso, os incêndios criminosos, causados<br />
por turistas e por práticas agrícolas ultrapassadas, são potencializados<br />
pela presença <strong>de</strong> gramíneas exóticas invasoras africanas, trazidas à região<br />
sobretudo para alimentação do gado e até para restauração ambiental.<br />
Essas espécies <strong>de</strong> capins são altamente combustíveis, superando<br />
<strong>de</strong> longe as gramíneas nativas, com porte muito menor.<br />
Infelizmente, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> aumentarmos o grau <strong>de</strong> proteção e conservação<br />
<strong>de</strong>sse rico ambiente, a situação t<strong>em</strong> piorado, por conta <strong>de</strong> estratégias<br />
errôneas <strong>de</strong> administradores públicos e falta <strong>de</strong> apoio aos órgãos<br />
fiscalizadores, que, apesar <strong>de</strong> cumprir<strong>em</strong> sua função <strong>de</strong> vigilância, não<br />
têm as exigências ambientais cumpridas legalmente. Um ex<strong>em</strong>plo claro<br />
é a introdução <strong>de</strong> espécies exóticas no ambiente ainda prístino. Muitas<br />
espécies <strong>de</strong> plantas têm se tornado invasoras na região após ser<strong>em</strong><br />
criminosamente utilizadas para fins <strong>de</strong> revegetação, como braquiária,<br />
capim-meloso e feijão-guandu, crotalária, entre outras.<br />
A mineração no Espinhaço não está mais restrita ao Quadrilátero Ferrífero.<br />
A nova realida<strong>de</strong> representa um probl<strong>em</strong>a gigantesco não só<br />
pela <strong>de</strong>gradação ambiental que a ativida<strong>de</strong> provoca, mas também pela<br />
total falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política na <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> para a redução e<br />
mitigação dos impactos ambientais.<br />
Além do choque visual que a r<strong>em</strong>oção da camada fértil dos solos causa,<br />
ocorr<strong>em</strong> outros probl<strong>em</strong>as <strong>em</strong> toda a ca<strong>de</strong>ia montanhosa. A fragmentação<br />
do ambiente, a extinção <strong>de</strong> populações e espécies, a contaminação<br />
e o assoreamento dos corpos d’água, a introdução <strong>de</strong> espécies<br />
exóticas invasoras e o aumento da pressão populacional sobre o ambiente<br />
<strong>de</strong> baixa capacida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> restauração são outros efeitos<br />
<strong>de</strong>correntes da expansão da ativida<strong>de</strong> mineradora sobre o Espinhaço.<br />
Os campos rupestres que cobr<strong>em</strong> essas montanhas representam<br />
um ecossist<strong>em</strong>a do cerrado extr<strong>em</strong>amente frágil e <strong>de</strong> baixa resiliência.<br />
Uma vez rompido o <strong>de</strong>licado elo <strong>de</strong>ssa vegetação com o ambiente,<br />
parece haver poucas chances <strong>de</strong> ocorrer uma regeneração espontânea.<br />
As áreas resultantes do processo histórico <strong>de</strong> mineração permanec<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> vegetação, mesmo tendo sido abandonadas por séculos.<br />
Soma-se a isso a falta <strong>de</strong> conhecimento aprofundado sobre a biologia<br />
e ecologia das espécies. O conhecimento gerado nas últimas duas décadas<br />
é rudimentar e fragmentário face à diversida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong><br />
dos campos rupestres. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> esforço para ampliar<br />
e aprofundar o conhecimento sobre aspectos do ambiente para que<br />
possamos preservá-lo para as futuras gerações.<br />
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À esquerda, acima, afloramento no campo rupestre quartzítico na Reserva Vellozia, na<br />
Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
À esquerda, abaixo, população <strong>de</strong> canela-<strong>de</strong>-<strong>em</strong>a (Vellozia sp., da família Velloziaceae)<br />
no campo rupestre quartzítico no Parque Nacional da Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
À direita, acima, campo rupestre na Serra do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
À direita, abaixo, área queimada <strong>de</strong> campo rupestre na Reserva Vellozia (MG), na Serra<br />
do Cipó (MG) <strong>em</strong> 2011<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros<br />
A Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros é uma microrregião no nor<strong>de</strong>ste do estado<br />
<strong>de</strong> Goiás que abrange uma área <strong>de</strong> 21.475 km 2 . É composta por oito<br />
municípios: São João d’Aliança, Alto Paraíso <strong>de</strong> Goiás, Campos Belos,<br />
Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre <strong>de</strong> Goiás, Nova Roma e Teresina<br />
<strong>de</strong> Goiás. A população total <strong>de</strong>sse território é maior que 60 mil<br />
habitantes, dos quais um terço vive na área rural; são agricultores familiares<br />
e famílias assentadas. Na região, estão também seis comunida<strong>de</strong>s<br />
quilombolas e um território indígena (Terra Indígena Avá-canoeiro).<br />
O nor<strong>de</strong>ste goiano t<strong>em</strong> como ativida<strong>de</strong>s principais a agroindústria, a<br />
agropecuária, a mineração, o comércio <strong>de</strong> plantas fitoterápicas, o setor<br />
hidrelétrico e o turismo.<br />
ericoi<strong>de</strong>s), o jatobá (Hymenaea stigonocarpa), o tingui (Magonia pubescens)<br />
e o barbatimão (Stryphno<strong>de</strong>ndron adstringens).<br />
A área também se caracteriza por apresentar end<strong>em</strong>ismo <strong>de</strong> espécies<br />
animais. São conhecidas pelo menos seis espécies endêmicas <strong>de</strong><br />
marsupiais e 13 <strong>de</strong> roedores. Há gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> da fauna <strong>em</strong><br />
relação à altitu<strong>de</strong> e à vegetação do cerrado, sendo algumas espécies<br />
comuns a altitu<strong>de</strong>s elevadas e baixas.<br />
Ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> pequenos mamíferos endêmicos da região são: Oligoryzomys<br />
moojeni; Oligoryzomys rupestris, que habita áreas <strong>de</strong> altas altitu<strong>de</strong>s,<br />
e Mono<strong>de</strong>lphis umbristriata. Entre os morcegos, <strong>de</strong>stacam-se a<br />
espécie ameaçada Lonchophyla <strong>de</strong>keyseri e outras como Tonatia saurophila,<br />
recém-<strong>de</strong>scoberta. Outros mamíferos, <strong>de</strong> maior porte, são o<br />
tamanduá-ban<strong>de</strong>ira (Myrmecophaga tridactyla), o lobo-guará (Chrysocyon<br />
brachyurus) e o cachorro-vinagre (Speothos venaticus).<br />
Quaresmeiras, Tibouchina sp. (Melastomataceae), <strong>em</strong> flor na Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros (GO)<br />
Foto: Ludmilla Aguiar<br />
Uma característica interessante da região é o gran<strong>de</strong> conhecimento<br />
e uso <strong>de</strong> plantas medicinais. Elas faz<strong>em</strong> parte do dia a dia da população<br />
local, seja na forma <strong>de</strong> garrafada, chá, pomada ou para banho. São<br />
utilizadas pelo menos 103 espécies vegetais, exóticas, nativas arbóreas<br />
e ru<strong>de</strong>rais herbáceas/arbustivas. As mais usadas são o carrapicho<br />
(Acanthospermum australe), o mastruz (Chenopodium ambrosioi<strong>de</strong>s),<br />
o chapéu-<strong>de</strong>-couro (Echinodorus macrophyllus), a arnica (Lychnophora<br />
156 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
157
Das mais <strong>de</strong> 800 espécies <strong>de</strong> aves que ocorr<strong>em</strong> na região, distingue-<br />
-se o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), criticamente ameaçado<br />
<strong>de</strong> extinção – a chapada é uma das poucas áreas on<strong>de</strong> ele ocorre.<br />
Há pelo menos 47 espécies <strong>de</strong> serpentes, pertencentes a sete famílias.<br />
As mais comuns são Bothrops marmoratus, Oxyrhopus trig<strong>em</strong>inus,<br />
Crotalus durissus e Bothrops moojeni. É interessante notar<br />
que a incidência <strong>de</strong> serpentes na região está relacionada, positivamente,<br />
com a precipitação. A maioria <strong>de</strong>las t<strong>em</strong> hábitos diurnos,<br />
enquanto outras são noturnas ou ativas <strong>em</strong> ambos os períodos. Entre<br />
os anfíbios, são endêmicas as espécies Hypsiboas ericae e Leptodactylus<br />
tapiti.<br />
Toda essa biodiversida<strong>de</strong> confere ao lugar uma beleza ímpar, razão<br />
pela qual o turismo é uma ativida<strong>de</strong> importante. As belas paisagens e<br />
cachoeiras atra<strong>em</strong> pessoas <strong>de</strong> todo o mundo. Porém, estudos mostram<br />
que falta organização política comunitária forte para mediar os interesses<br />
divergentes. Se nada for planejado, só o futuro dirá se a região<br />
será capaz, ou não, <strong>de</strong> garantir a preservação ambiental e o b<strong>em</strong>-estar<br />
socioeconômico das comunida<strong>de</strong>s locais.<br />
Poço da Esmeralda, na Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros (GO)<br />
Foto: Carlos José da Silva Morais<br />
Cachoeira no Parque Nacional da Chapada dos Vea<strong>de</strong>iros (GO)<br />
Foto: Carlos José da Silva Morais<br />
158 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
159
A planície do Araguaia<br />
O Araguaia é um dos mais importantes rios. Suas nascentes ficam na<br />
Serra dos Caiapós, aproximadamente a 1.000 m <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, no município<br />
<strong>de</strong> Mineiros, no sudoeste <strong>de</strong> Goiás, b<strong>em</strong> perto do Parque Nacional<br />
das Emas. Com mais <strong>de</strong> 2 mil km <strong>de</strong> extensão, <strong>de</strong>ságua no rio<br />
Tocantins, formando uma gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong> hidrográfica que une as regiões<br />
Centro-oeste e Norte. É limite natural dos estados <strong>de</strong> Goiás, do Mato<br />
Grosso, Tocantins e Pará.<br />
Por um curioso ‘erro geográfico’, apesar <strong>de</strong> ser um rio maior <strong>em</strong><br />
extensão e volume d’água, o Araguaia é consi<strong>de</strong>rado um afluente do<br />
Tocantins. Assim, quando ele encontra o Tocantins no município <strong>de</strong> Esperantina<br />
(TO), a 2.144 km <strong>de</strong> suas nascentes, <strong>de</strong>veria continuar se<br />
chamando Araguaia. Nas palavras dos irmãos Villas-Bôas – os sertanistas<br />
Orlando (1914-2002) e Cláudio (1916-1998): “Por sua gran<strong>de</strong>za e<br />
importância, <strong>de</strong>veriam dar ao Araguaia o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>saguar no mar”.<br />
O Araguaia apresenta uma marcada sazonalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à sua<br />
vazão. No período das chuvas, o volume <strong>de</strong> água aumenta muito e o<br />
nível do rio po<strong>de</strong> subir mais <strong>de</strong> 10 m <strong>em</strong> pontos on<strong>de</strong> a calha é mais<br />
encaixada. Por outro lado, no período seco, o rio baixa, formando belas<br />
praias <strong>de</strong> areias claras.<br />
A maior parte do seu curso (mais <strong>de</strong> 1.800 km) é navegável; passeios<br />
com <strong>em</strong>barcações pequenas pod<strong>em</strong> ser feitos durante todo o ano. A<br />
riqueza da fauna é tamanha que, mesmo próximo às cida<strong>de</strong>s, pod<strong>em</strong><br />
ser avistados botos (incluindo o boto-cor-<strong>de</strong>-rosa), jacarés, tartarugas e<br />
gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aves, como araras, tucanos, tuiuiús, garças e jacus.<br />
O Araguaia já foi consi<strong>de</strong>rado um dos rios mais piscosos (com gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixes) do mundo, atraindo milhares <strong>de</strong> pescadores<br />
amadores e turistas, que <strong>busca</strong>m aproveitar suas praias. O turismo<br />
cont<strong>em</strong>plativo da fauna, como a observação <strong>de</strong> aves, ainda é pouco<br />
explorado.<br />
Devido ao seu longo curso – o rio percorre diferentes formações<br />
geológicas e condições <strong>de</strong> relevo na extensão mais plana e navegável,<br />
po<strong>de</strong>ndo <strong>em</strong> alguns pontos ser encachoeirado –, o Araguaia inclui numerosos<br />
tipos <strong>de</strong> ambientes, que pod<strong>em</strong> ser ocupados por diferentes<br />
espécies. Por essa razão, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organismos aquáticos é muito<br />
elevada e ainda pouco conhecida.<br />
Para se ter uma i<strong>de</strong>ia, <strong>em</strong> uma área <strong>de</strong> algumas centenas <strong>de</strong> km 2 , na<br />
bacia do médio rio Araguaia, são encontrados, apenas <strong>em</strong> pequenos<br />
rios e córregos afluentes, mais <strong>de</strong> 160 espécies <strong>de</strong> pequenos peixes,<br />
fora os gran<strong>de</strong>s peixes esportivos, como pintados, caranhas, pirarucus,<br />
jaús etc., procurados pelos pescadores amadores. Muitos <strong>de</strong>sses peixes<br />
pequenos são endêmicos e, <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> seus hábitats,<br />
extr<strong>em</strong>amente vulneráveis à extinção.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo é o lambari Astyanax xavante, recent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>scoberto,<br />
que é endêmico do córrego Avoa<strong>de</strong>ira, pequeno tributário do rio<br />
Araguaia, localizado no centro urbano <strong>de</strong> Barra do Garças (MT). Por<br />
ser encontrado somente nesse riacho (com menos <strong>de</strong> 12 km <strong>de</strong> extensão),<br />
cujo ambiente está <strong>de</strong>gradado, esse lambari já está fort<strong>em</strong>ente<br />
ameaçado <strong>de</strong> extinção.<br />
As margens do curso médio do rio Araguaia são formadas por <strong>de</strong>pósitos<br />
<strong>de</strong> sedimentos pouco estruturados e altamente friáveis. A supressão<br />
da vegetação, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas mal or<strong>de</strong>nadas,<br />
160 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
161
especialmente a agropecuária, associada ao regime <strong>de</strong> cheias sazonais,<br />
coloca o Araguaia sob sério risco. As margens <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> sua vegetação<br />
natural durante a cheia sofr<strong>em</strong> <strong>de</strong>sbarrancamentos frequentes.<br />
O assoreamento é gravíssimo – <strong>em</strong> vários pontos do seu curso médio,<br />
no período seco, é possível atravessar o rio a pé. Durante as cheias, a<br />
região alagada é cada vez maior, atingindo cida<strong>de</strong>s e causando prejuízos<br />
econômicos e sociais.<br />
A forte flutuação sazonal do nível do rio promove a ‘zonação’ da vegetação<br />
ciliar. Ao longo do perfil vertical das barrancas do rio, progressivamente,<br />
as partes mais baixas ficam mais t<strong>em</strong>po inundadas. Nessas<br />
áreas mais baixas do barranco, próximo à linha d’água, durante o período<br />
seco, apenas espécies tolerantes à inundação mais prolongada são<br />
capazes <strong>de</strong> colonizar e sobreviver. Ali, a riqueza <strong>de</strong> espécies é baixa e<br />
a mata ciliar é dominada por poucas espécies tolerantes à inundação,<br />
como o esporão-<strong>de</strong>-galo (Celtis iguanae), a mais comum, os ingazeiros<br />
(Inga spp) e as figueiras (Ficus spp).<br />
A forma <strong>de</strong> crescimento do esporão-<strong>de</strong>-galo, cujos caules se ramificam<br />
horizontalmente e se enraízam no solo, favorece a estabilização<br />
das margens, impedindo o <strong>de</strong>sbarrancamento e o consequente assoreamento<br />
do rio. Essa espécie <strong>de</strong>ve ser priorizada nos plantios <strong>de</strong> recuperação<br />
da mata ciliar do Araguaia.<br />
Mais acima no barranco, à medida que o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> inundação vai<br />
ficando progressivamente mais reduzido, a riqueza <strong>de</strong> espécies arbóreas<br />
aumenta, sendo comum a ocorrência <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte,<br />
como o jatobá, a copaíba, o tamboril, a farinha-seca e o jequitibá. Existe<br />
ainda uma fisionomia singular típica da região, as ipucas, fragmentos<br />
florestais naturais inundáveis.<br />
Rio Araguaia e suas praias que<br />
aparec<strong>em</strong> no período da seca. Praia<br />
<strong>em</strong> Araguaiana (MT)<br />
Foto: Maryland Sanchez<br />
A partir do médio rio Araguaia, a cerca <strong>de</strong> 400 km <strong>de</strong> suas nascentes,<br />
<strong>em</strong> uma altitu<strong>de</strong> aproximada <strong>de</strong> 300 m, o relevo segue aplainado pelos<br />
próximos 1.800 km, <strong>de</strong>scendo pouco mais <strong>de</strong> 200 m – toda essa extensão<br />
é navegável. Na junção com o rio das Mortes, antes da ilha do<br />
Bananal, forma-se uma gran<strong>de</strong> planície <strong>de</strong> inundação, um verda<strong>de</strong>iro<br />
pantanal do Araguaia.<br />
A ilha do Bananal t<strong>em</strong> uma área <strong>de</strong> aproximadamente 20 mil km 2 ,<br />
350 km no sentido longitudinal por 80 km <strong>de</strong> largura. A planície fluvial<br />
correspon<strong>de</strong> à faixa <strong>de</strong> sedimentos marginais aos principais rios da região,<br />
com a presença <strong>de</strong> inúmeras lagoas circulares ou s<strong>em</strong>icirculares,<br />
havendo mais <strong>de</strong> 200 lagos no interior da ilha e mais <strong>de</strong> mil na planície<br />
inundada. Esses lagos são paleocanais – leitos antigos do Araguaia que<br />
permaneceram <strong>de</strong>pois que o curso principal do rio se <strong>de</strong>slocou ao longo<br />
do t<strong>em</strong>po.<br />
162 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
163
Rio Javaés no período da cheia (TO)<br />
Foto: Renato Pinheiro<br />
Rio Javaés no período da seca (TO)<br />
Foto: Renato Pinheiro<br />
A planície <strong>de</strong> inundação t<strong>em</strong> uma dinâmica própria, e as espécies estão<br />
adaptadas a viver <strong>em</strong> um ambiente que se alterna entre períodos<br />
<strong>de</strong> cheia (inundação) e seca (formação das praias). Funcionam como<br />
berçários naturais <strong>de</strong> numerosas espécies <strong>de</strong> peixes, incluindo o pirarucu<br />
(Arapaima gigas), cujos filhotes nasc<strong>em</strong> e cresc<strong>em</strong> nos lagos até<br />
ser<strong>em</strong> liberados durante as cheias, quando os lagos se interligam com<br />
o leito principal do Araguaia. Nas margens <strong>de</strong>sses lagos, há formações<br />
<strong>de</strong> vegetação monodominantes, como cambarazais, que são muito peculiares.<br />
A importância da região é reconhecida nacionalmente pelo conjunto<br />
<strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação existentes na região, que inclu<strong>em</strong> o Parque<br />
Nacional do Araguaia, o Parque Estadual do Cantão, a Área <strong>de</strong> Proteção<br />
Ambiental Bananal/Cantão e a Reserva Particular do Patrimônio<br />
Natural Canguçu. Juntas, essas unida<strong>de</strong>s integram o corredor ecológico<br />
Araguaia-Bananal. Do ponto <strong>de</strong> vista internacional, o Parque Nacional<br />
Araguaia-Ilha do Bananal é consi<strong>de</strong>rado uma das áreas úmidas mais importantes<br />
do mundo, sendo um dos 12 sítios Ramsar do Brasil – áreas<br />
úmidas a ser<strong>em</strong> conservadas, como proposto no tratado intergovernamental<br />
selado na cida<strong>de</strong> iraniana <strong>de</strong> Ramsar, <strong>em</strong> 1971.<br />
Especificamente na ilha do Bananal, a gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> da avifauna<br />
– <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 450 espécies – também ocorre <strong>de</strong>vido aos inúmeros<br />
ecossist<strong>em</strong>as formados pela transição do cerrado com a Amazônia. Algumas<br />
espécies são endêmicas e raras, como o joão-do-araguaia (Synallaxis<br />
simoni) ou Phacellodomus sp., espécie ainda não <strong>de</strong>scrita pela<br />
164 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
165
ciência. Algumas, como o chororó-<strong>de</strong>-goiás (Cercomacra ferdinandi) e<br />
o jacu-<strong>de</strong>-barriga-vermelha (Penelope ochrogaster), integram a lista da<br />
fauna brasileira ameaçada <strong>de</strong> extinção.<br />
A ilha do Bananal também é um importante ponto <strong>de</strong> parada para<br />
aves migratórias neárticas, provenientes da América do Norte e que<br />
utilizam o rio Araguaia como rota <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento. A mastofauna também<br />
se caracteriza pela condição ecotonal (<strong>de</strong> transição) entre cerrado<br />
e Amazônia, on<strong>de</strong> muitos mamíferos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte e ameaçados,<br />
como a onça-pintada (Panthera onca), o cervo-do-pantanal (Blastocerus<br />
dichotomus) e o tamanduá-ban<strong>de</strong>ira (Myrmecophaga tridactyla),<br />
encontram refúgio.<br />
Porém, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na região foi a recente <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma<br />
nova espécie <strong>de</strong> cetáceo, o boto-do-araguaia (Inia araguaiensis), que já<br />
está ameaçado <strong>de</strong> extinção, uma vez que eles são mortos por pescadores<br />
comerciais que os culpam <strong>de</strong> se alimentar dos peixes capturados<br />
nas re<strong>de</strong>s.<br />
A ilha do Bananal também se distingue por sua gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />
sociocultural, marcada pela presença <strong>de</strong> populações indígenas, como os<br />
carajás, os javaés, os xambioás e os tapirapés, que viv<strong>em</strong> no Parque Indígena<br />
do Araguaia. Toda essa diversida<strong>de</strong> biológica e cultural presente<br />
na região central do Brasil ainda é uma gran<strong>de</strong> lacuna <strong>de</strong> conhecimento<br />
científico, o que compromete a sua conservação.<br />
Essa riqueza <strong>de</strong> ambientes e tal varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> flora e fauna estão ameaçadas,<br />
especialmente, pelo avanço da cultura <strong>de</strong> soja na região. Não<br />
só o <strong>de</strong>smatamento e o uso <strong>de</strong> pesticidas que contaminam as águas são<br />
prejudiciais. O crescente movimento para criação da hidrovia Araguaia-<br />
-Tocantins é uma séria ameaça a todo o sist<strong>em</strong>a. O leito do rio arenoso<br />
<strong>de</strong>verá ser dragado e seus numerosos travessões dinamitados <strong>de</strong> modo<br />
a permitir a navegação <strong>de</strong> barcaças para escoamento dos grãos produzidos<br />
no Centro-oeste para portos do Norte do país.<br />
A ictiofauna, especialmente, v<strong>em</strong> sofrendo impactos dos gran<strong>de</strong>s programas<br />
hidroagrícolas, como o Projeto Formoso, implantado no final<br />
da década <strong>de</strong> 1970 para produção <strong>de</strong> arroz e que retira gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> água e utiliza indiscriminadamente <strong>de</strong>fensivos agrícolas. Na<br />
atualida<strong>de</strong>, as monoculturas <strong>de</strong> soja têm modificado a matriz agrícola da<br />
planície do Araguaia, colocando <strong>em</strong> risco diversos ecossist<strong>em</strong>as locais.<br />
A pesca predatória e a coleta ilegal <strong>de</strong> peixes <strong>de</strong> aquário alimentam o<br />
tráfico internacional, colocando <strong>em</strong> risco a ictiofauna regional.<br />
Chapada dos Guimarães<br />
A Chapada dos Guimarães (MT) apresenta uma visão magnífica ao<br />
seu visitante, com suas escarpas avermelhadas ao pôr do sol e suas<br />
formações areníticas curiosas – é um santuário majestoso que abriga<br />
gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> fauna e flora, terra e água, campos e<br />
florestas. A paisag<strong>em</strong> cênica da chapada inspira os místicos e os céticos,<br />
seduz qu<strong>em</strong> a vê pela primeira vez e arrebata <strong>de</strong>finitivamente os que<br />
lá retornam.<br />
O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães está localizado, nos<br />
municípios <strong>de</strong> Cuiabá, capital do estado, e <strong>de</strong> Chapada dos Guimarães.<br />
O parque, com seus 32.630 ha, representa 0,036% da área do Mato<br />
Grosso. A zona <strong>de</strong> amortecimento garante a preservação das nascentes<br />
dos rios que banham o parque. O clima é tropical <strong>de</strong> savana.<br />
166 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
167
Vista <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> vereda no Parque Nacional da<br />
Chapada dos Guimarães (MT)<br />
Foto: Kleber Vecchi Jr.<br />
168 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
169
Morro São Jerônimo visto da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pedras, no<br />
Parque Nacional Chapada dos Guimarães (MT)<br />
Foto: Kleber Vecchi Jr.<br />
A Chapada dos Guimarães é muito antiga; sua orig<strong>em</strong> r<strong>em</strong>onta ao<br />
Pré-cambriano – período que abrange <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 4,5 bilhões a 542<br />
milhões <strong>de</strong> anos atrás. A região é constituída por rochas sedimentares<br />
pertencentes à bacia do Paraná e representadas pelos grupos Paraná<br />
(formações Furnas e Ponta Grossa, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>voniana – entre 416<br />
milhões e 359 milhões <strong>de</strong> anos atrás, aproximadamente) e São Bento<br />
(formação Botucatu, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> jurássica – entre cerca <strong>de</strong> 201,3 milhões<br />
e 145 milhões <strong>de</strong> anos atrás). O resultado foi o surgimento <strong>de</strong> um ambiente<br />
complexo, com diferentes tipos <strong>de</strong> solos – bastante variados – e<br />
<strong>de</strong> relevo, como baixadas, morros, chapadões e encostas, com cotas<br />
altimétricas variando entre 100 a 800 m – toda essa configuração <strong>de</strong>ntro<br />
e fora dos limites do parque.<br />
Que importância tudo isso t<strong>em</strong> do ponto <strong>de</strong> vista ecológico? Ora, o<br />
resultado <strong>de</strong>ssa ‘mat<strong>em</strong>ática’ do t<strong>em</strong>po e do espaço é simples: alta diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> espécies, além <strong>de</strong> uma beleza extraordinária.<br />
Dentro do parque, encontram-se quase todas as variantes das fisionomias<br />
do cerrado: mata ciliar, mata <strong>de</strong> galeria, mata seca, cerradão, cerrado<br />
sentido estrito (cerrado <strong>de</strong>nso, cerrado típico, cerrado rupestre),<br />
campo sujo, campo limpo, vereda e palmeiral. Além disso, há áreas úmidas<br />
nas baixadas e secas no planalto, diversificando ainda mais hábitats<br />
e, por consequência, as comunida<strong>de</strong>s naturais que lá se estabeleceram.<br />
A fauna do parque é peculiar por englobar a transição entre o cerrado<br />
do planalto central e a planície amazônica. Há registros <strong>de</strong> espécies<br />
amazônicas na Chapada dos Guimarães para diversos grupos, como<br />
serpentes, anuros e aves. As encostas do planalto são muito ricas <strong>em</strong><br />
espécies <strong>de</strong> invertebrados. Já, na década <strong>de</strong> 1970, entomólogos <strong>de</strong>stacavam<br />
a Chapada dos Guimarães como uma das áreas mais ricas do<br />
mundo <strong>em</strong> invertebrados, especialmente insetos. Os lepidópteros foram<br />
consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> riqueza singular, <strong>de</strong>vido ao mosaico <strong>de</strong> espécies<br />
encontradas, provenientes das bacias do Amazonas e do Paraguai, dos<br />
An<strong>de</strong>s e da mata atlântica.<br />
O parque foi consi<strong>de</strong>rado área <strong>de</strong> alta diversida<strong>de</strong> para répteis e anfíbios<br />
e a região da Chapada dos Guimarães e <strong>de</strong> Cuiabá foi classificada como <strong>de</strong><br />
importância biológica muito alta e com necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inventários biológicos<br />
para subsidiar as ações <strong>de</strong> conservação do cerrado e do pantanal.<br />
Essas terras foram ocupadas <strong>em</strong> fins do século 17 e início do século<br />
18, com o advento das ban<strong>de</strong>iras que partiram <strong>de</strong> São Paulo <strong>em</strong> <strong>busca</strong><br />
<strong>de</strong> ouro, pedras preciosas e mão <strong>de</strong> obra escrava. O trabalho indígena<br />
concorria com o escravo e, assim, a corte portuguesa <strong>de</strong>terminou a<br />
criação da primeira igreja da região para catequizar os índios. Em torno<br />
do garimpo, estabeleceram-se fazendas agropecuárias, e mais terras<br />
foram ocupadas. Em toda a região, há manifestações culturais dos<br />
primeiros habitantes: inscrições e <strong>de</strong>senhos rupestres <strong>de</strong> tribos, como<br />
Guaicuru, Paiaguá, Caiapó e Coxiponé.<br />
170 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
171
No entorno do parque nacional, há diversas comunida<strong>de</strong>s, cuja organização<br />
social e percepção do parque não pod<strong>em</strong> ser ignoradas. Como<br />
<strong>em</strong> outras unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação no Brasil, o componente social é<br />
excluído dos projetos conservacionistas, e, ficando à marg<strong>em</strong>, a população<br />
do entorno não compreen<strong>de</strong> o porquê da existência do parque.<br />
Assim, por meio do conselho consultivo do parque nacional, há garantia<br />
<strong>de</strong> participação social na gestão da unida<strong>de</strong>.<br />
Há ainda muita história bonita da chapada para se contar, mas a mais<br />
urgente é assustadora, e nada bela. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua diversida<strong>de</strong> já<br />
foi <strong>de</strong>vorada pela agropecuária, agrotóxicos e barrag<strong>em</strong> do Manso. O<br />
parque, <strong>em</strong>bora riquíssimo <strong>em</strong> todos os aspectos, é insuficiente para<br />
preservar a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> toda a região. A Chapada dos<br />
Guimarães é um convite para essa reflexão e, mais que isso, para a<br />
conscientização da socieda<strong>de</strong> e a ação dos tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, e<br />
também para um mergulho na natureza, ao som <strong>de</strong> cachoeiras, sob o<br />
sol ar<strong>de</strong>nte do cerrado.<br />
Pôr do sol no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT)<br />
Foto: Kleber Vecchi Jr.<br />
Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu<br />
Situado no extr<strong>em</strong>o norte <strong>de</strong> Minas Gerais e <strong>em</strong> pequena parte do<br />
oeste da Bahia, o Mosaico <strong>de</strong> Áreas Protegidas Sertão Veredas-Peruaçu<br />
abrange uma área <strong>de</strong> aproximadamente 1,8 milhão <strong>de</strong> ha e é formado<br />
por 12 unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (seis <strong>de</strong> proteção integral e seis <strong>de</strong> uso<br />
sustentável) e duas terras indígenas da etnia Xacriabá.<br />
Como <strong>em</strong> um mosaico, on<strong>de</strong> várias peças <strong>de</strong> características diferentes<br />
e unidas por sua harmonia formam uma peça maior, essa região,<br />
que abriga unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação próximas e articuladas entre si, é<br />
chamada ‘mosaico <strong>de</strong> áreas protegidas’. Ali, a preservação da biodiversida<strong>de</strong><br />
e o uso sustentável dos recursos naturais passam a ser planejados<br />
<strong>em</strong> um contexto mais amplo, e não apenas no âmbito <strong>de</strong> cada área<br />
individualmente, trazendo com isso muitos benefícios.<br />
Como frequent<strong>em</strong>ente as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação enfrentam probl<strong>em</strong>as<br />
comuns, a atuação conjunta entre os diferentes atores po<strong>de</strong> ajudar<br />
a superá-los. É nesse contexto que foi criado o Mosaico Sertão Veredas-<br />
-Peruaçu, um dos primeiros a ser<strong>em</strong> reconhecidos no Brasil e o primeiro<br />
no cerrado. A região é assim <strong>de</strong>nominada <strong>em</strong> função <strong>de</strong> dois marcos<br />
<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>áticos: o Parque Nacional Gran<strong>de</strong> Sertão Veredas, <strong>em</strong> referência<br />
à obra-prima do escritor brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967), e<br />
o vale do Peruaçu, que abriga, <strong>de</strong>ntro do Parque Nacional Cavernas do<br />
Peruaçu, um patrimônio espeleológico <strong>de</strong> relevância mundial.<br />
Devido ao relativo isolamento geográfico, o Mosaico Sertão Veredas-<br />
-Peruaçu ainda mantém cerca <strong>de</strong> 70% <strong>de</strong> sua vegetação nativa, sendo<br />
uma das áreas com maior potencial para conservação <strong>em</strong> longo prazo<br />
172 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
173
do su<strong>de</strong>ste do Brasil. Essa região – na transição entre o cerrado e a caatinga<br />
– é <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a importância para a conservação da biodiversida<strong>de</strong><br />
brasileira. Sua localização <strong>de</strong>termina uma enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambientes,<br />
que variam <strong>de</strong> veredas e cerrados nas porções central e oeste<br />
a extensas matas secas na porção leste, próximo ao rio São Francisco.<br />
Tamanha heterogeneida<strong>de</strong> permite a existência <strong>de</strong> um elevado número<br />
<strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> plantas e animais, algumas <strong>de</strong>las ameaçadas <strong>de</strong> extinção<br />
<strong>em</strong> nível mundial. Com relação aos mamíferos, ao menos 35 espécies<br />
<strong>de</strong> maior porte estão protegidas no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu,<br />
número muito relevante, pois representa mais <strong>de</strong> 80% dos gran<strong>de</strong>s mamíferos<br />
do cerrado brasileiro. Espécies raras e extintas <strong>em</strong> diversas localida<strong>de</strong>s<br />
do su<strong>de</strong>ste brasileiro ainda são encontradas nessa região, como o<br />
cachorro-vinagre, o cervo-do-pantanal e o tatu-canastra.<br />
Pintura rupestre <strong>em</strong> caverna no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
Cachoeira no Parque<br />
Estadual do Biribiri, Serra<br />
do Espinhaço (MG)<br />
Foto Guilherme Ferreira<br />
Pesquisador na Gruta do<br />
Janelão, Parque Nacional<br />
Cavernas do Peruaçu (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
174 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
175
MATOPIBA: a última fronteira<br />
Uma das regiões mais preservadas do cerrado é a sua porção norte/<br />
nor<strong>de</strong>ste, na confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e da<br />
Bahia, que ficou conhecida pela sigla MATOPIBA. Nela, encontram-se as<br />
maiores manchas <strong>de</strong> cerrado r<strong>em</strong>anescente (boa parte dos 40% a 50%<br />
restantes do bioma), com importante conexão ecológica com a Amazônia<br />
oriental e a caatinga (nesse trecho, biomas circundantes). Sua riqueza<br />
se <strong>de</strong>ve também à presença <strong>de</strong> importantes complexos hidrográficos,<br />
como aqueles formados pelos rios Araguaia e Tocantins (a oeste e norte),<br />
Parnaíba (ao norte e nor<strong>de</strong>ste) e São Francisco (a su<strong>de</strong>ste).<br />
Seu <strong>de</strong>staque atual não se <strong>de</strong>ve somente à extensa área <strong>de</strong> vegetação<br />
preservada (até então, os quatro estados com mais <strong>de</strong> 74% <strong>de</strong> cerrado<br />
nativo), mas também ao gran<strong>de</strong> risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação ambiental que corre<br />
nas próximas décadas. Isso porque, diferent<strong>em</strong>ente da parcela sul e<br />
central, no MATOPIBA a pastag<strong>em</strong> e a agricultura ainda não prevalec<strong>em</strong>.<br />
Vista aérea do Parque Nacional da Serra Vermelha (PI),<br />
mostrando extensas áreas <strong>de</strong> vegetação <strong>de</strong> cerrado<br />
Foto: Alexandre Bonesso Sampaio<br />
No entanto, um forte processo <strong>de</strong> transferência do agronegócio, <strong>em</strong><br />
direção ao norte e nor<strong>de</strong>ste do país, encontra-se <strong>em</strong> curso há alguns<br />
anos, ocupando terras mais baratas, planas e com infraestrutura <strong>em</strong><br />
pleno <strong>de</strong>senvolvimento. Esse processo é chamado <strong>de</strong> fronteira agrícola,<br />
no qual investimentos públicos e privados, amparados por novas<br />
tecnologias e d<strong>em</strong>andas crescentes por alimentos, incorporam novas<br />
áreas (antes nativas). Algo s<strong>em</strong>elhante ocorreu na porção centro-sul e<br />
su<strong>de</strong>ste do cerrado, entre as décadas <strong>de</strong> 1950 e 1990, o que justifica<br />
toda a atenção e o cuidado por parte da socieda<strong>de</strong>.<br />
<strong>Cerrado</strong> na região <strong>de</strong> MATOPIBA (PI)<br />
Foto: Aldicir Scariot<br />
176 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
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181
SOLUÇÕES PARA O DILEMA<br />
Os conhecimentos e as práticas envolvidas na coleta e no processamento<br />
das espécies do cerrado representam um patrimônio cultural<br />
antigo, rico, pitoresco, mas ainda muito limitado. Precisamos catalogar,<br />
estudar e divulgar esse conhecimento tradicional para que o uso seja<br />
b<strong>em</strong> planejado e aproveitado também por gerações futuras.<br />
A seguir, apresentamos possíveis estratégias e ações para enfrentar as<br />
dificulda<strong>de</strong>s e propor <strong>soluções</strong>.<br />
Monitoramento <strong>em</strong> longo prazo das mudanças climáticas do<br />
cerrado na Serra do Espinhaço (MG)<br />
Foto Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Leito <strong>de</strong> um riacho no campo rupestre, Serra do Espinhaço (MG)<br />
Foto: Guilherme Ferreira<br />
182 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
183
Mais conhecimento<br />
• Pesquisas e conhecimento científico são parte da solução para os<br />
probl<strong>em</strong>as no cerrado. Processos inovadores e ativida<strong>de</strong>s comerciais<br />
voltadas para produtos nativos, como a exploração <strong>de</strong> princípios ativos<br />
<strong>de</strong> fármacos, plantas ornamentais, polpas e ecoturismo, entre outros,<br />
<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser fort<strong>em</strong>ente estimulados.<br />
• Avanço no conhecimento e na formação <strong>de</strong> pessoal especializado<br />
são fundamentais para o estabelecimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação<br />
e o uso menos predatório do bioma.<br />
• São necessárias informações com forte base científica para subsidiar<br />
a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> uso do cerrado para o b<strong>em</strong> da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira.<br />
• É crucial um maior entendimento da dinâmica e do potencial <strong>de</strong> uso<br />
das espécies nativas da região.<br />
• Ampliar o conhecimentos sobre o status da vida animal no cerrado.<br />
• Desenvolver e adotar técnicas estatisticamente robustas para<br />
monitoramento da biodiversida<strong>de</strong> <strong>em</strong> longo prazo. Estudos <strong>de</strong> longa<br />
duração e b<strong>em</strong> planejados pod<strong>em</strong> fornecer informações cruciais sobre<br />
tendências populacionais que funcionam como um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> alarme,<br />
indicando quando medidas <strong>de</strong> manejo precisam ser tomadas para evitar<br />
um <strong>de</strong>clínio maior ou até a extinção <strong>de</strong> uma espécie.<br />
Extrativismo<br />
• Definir níveis <strong>sustentáveis</strong> <strong>de</strong> retirada dos produtos da biodiversida<strong>de</strong>.<br />
• Diss<strong>em</strong>inar e aplicar boas práticas <strong>de</strong> manejo para a extração <strong>de</strong><br />
produtos da biodiversida<strong>de</strong>.<br />
• Valorizar a ca<strong>de</strong>ia produtiva das espécies do cerrado, recuperando<br />
sua história e incorporando valores ambientais, culturais e sociais, por<br />
meio <strong>de</strong> certificações ver<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> fair tra<strong>de</strong> (comércio justo e sustentável)<br />
e cooperativismo.<br />
• Agregar valor ao produto por meio <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> mercado e<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> usos (<strong>em</strong> vez da venda exclusiva <strong>de</strong> matéria-<br />
-prima) e <strong>soluções</strong> <strong>de</strong> gargalos tecnológicos. Quando a cultura dos coletores<br />
e artesãos for <strong>de</strong>vidamente divulgada e reconhecida, po<strong>de</strong>rão<br />
ser oferecidos até produtos indiretamente ligados à ativida<strong>de</strong>, como<br />
turismo ecossocial, documentários, fotografias e peças artísticas das<br />
comunida<strong>de</strong>s tradicionais.<br />
• Desenvolver conhecimento <strong>de</strong> propagação e plantio <strong>de</strong> espécies<br />
ameaçadas e das mais visadas pelo comércio.<br />
• Desenvolver conhecimento <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> espécies da fauna<br />
ameaçada para fins <strong>de</strong> conservação.<br />
Proteção do bioma e das comunida<strong>de</strong>s tradicionais<br />
• Criação e fortalecimento <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, principalmente,<br />
on<strong>de</strong> a pressão humana é maior, ou <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s áreas intactas<br />
<strong>de</strong> cerrado (como na região conhecida por MATOPIBA).<br />
• Criar unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação e assentamentos agroextrativistas<br />
para o uso sustentável pelas comunida<strong>de</strong>s tradicionais.<br />
• Estratégias <strong>de</strong> planejamento do uso do solo <strong>de</strong>v<strong>em</strong> necessariamente<br />
envolver as proprieda<strong>de</strong>s rurais, pois o setor privado t<strong>em</strong> um papel<br />
fundamental na conservação da região. O cerrado contém aproximadamente<br />
1,3 milhão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s rurais, e nele a posse da terra é<br />
184 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
185
predominant<strong>em</strong>ente privada, ao contrário do que acontece na Amazônia.<br />
Adicionalmente, a região do cerrado apresenta proprieda<strong>de</strong>s rurais com<br />
tamanho médio maior do que <strong>em</strong> todos os d<strong>em</strong>ais biomas do país. Isso significa<br />
que esses gran<strong>de</strong>s proprietários rurais precisam ser necessariamente<br />
envolvidos na <strong>busca</strong> por <strong>soluções</strong> para o uso sustentável do cerrado<br />
• I<strong>de</strong>ntificar on<strong>de</strong> estão as áreas mais ameaçadas pelo <strong>de</strong>smatamento<br />
no cerrado e as que necessitam <strong>de</strong> recuperação ambiental para a<br />
recomposição ecológica dos ecossist<strong>em</strong>as locais e contribuição no sequestro<br />
<strong>de</strong> carbono.<br />
• A manutenção da cobertura vegetal nativa é estratégica se consi<strong>de</strong>rarmos<br />
as d<strong>em</strong>andas para o b<strong>em</strong>-estar humano, incluindo a segurança<br />
alimentar, hídrica e farmacológica.<br />
• I<strong>de</strong>ntificar e estabelecer corredores <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong> entre áreas<br />
protegidas, evitando que se torn<strong>em</strong> fragmentos isolados. Por meio <strong>de</strong><br />
técnicas <strong>de</strong> ecologia da paisag<strong>em</strong> e utilizando o mapeamento já disponível<br />
da vegetação nativa do cerrado é relativamente simples i<strong>de</strong>ntificar<br />
áreas-chaves para conectar áreas. A impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong>stes corredores já<br />
é b<strong>em</strong> mais complexa, mas po<strong>de</strong>ria ser facilitada por meio <strong>de</strong> legislação<br />
específica que, entre outras coisas, beneficia o proprietário rural que se<br />
compromete a colaborar com o estabelecimento <strong>de</strong> um corredor ecológico.<br />
Restauração ambiental<br />
• A restauração ambiental do bioma do cerrado precisa também cont<strong>em</strong>plar<br />
a vida animal.<br />
• Estabelecer leis e diretrizes para que a restauração do cerrado seja<br />
feita exclusivamente com espécies da flora <strong>de</strong>sse bioma.<br />
• Prover políticas voltadas à restauração <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> preservação<br />
permanentes (APP) ao longo <strong>de</strong> rios, morros e nascentes, <strong>busca</strong>ndo<br />
reconectar as artérias do cerrado. Especial atenção também à restauração<br />
<strong>de</strong> reservas legais (hoje, 20% ou 30% <strong>de</strong> cada proprieda<strong>de</strong> rural,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> sua localização no bioma), provendo, quando possível,<br />
uma geração <strong>de</strong> renda extra para o proprietário – por meio <strong>de</strong> extrativismo<br />
ma<strong>de</strong>ireiro, s<strong>em</strong>entes, frutos e ecoturismo.<br />
• Levantar, <strong>em</strong> nível nacional, as áreas do cerrado que precisam ser<br />
restauradas ecologicamente.<br />
• Inventariar as nascentes dos rios do cerrado e estabelecer programa<br />
governamental para a sua recomposição.<br />
• Estimular estudos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> protocolos <strong>de</strong> propagação<br />
<strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> interesse na restauração, b<strong>em</strong> como aqueles <strong>de</strong><br />
espécies ameaçadas e <strong>de</strong> interesse econômico.<br />
Políticas públicas<br />
• Promover campanhas <strong>de</strong> socialização do conhecimento sobre o<br />
cerrado. Diss<strong>em</strong>inar para a socieda<strong>de</strong> o conhecimento sobre a beleza<br />
e significância global <strong>de</strong>sse bioma e o que está <strong>em</strong> jogo se ações pró-ativas<br />
não for<strong>em</strong> tomadas com a <strong>de</strong>vida urgência.<br />
• Criação <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> conservação e uso planejado do cerrado.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que mais da meta<strong>de</strong> do bioma já foi <strong>de</strong>smatada, cabe à<br />
socieda<strong>de</strong> e a seus representantes atuais <strong>de</strong>finir<strong>em</strong> como será o futuro<br />
da região. Ainda há t<strong>em</strong>po para organizar o processo <strong>de</strong> ocupação do<br />
que resta do bioma, com planejamento a<strong>de</strong>quado para conciliar a conservação<br />
dos r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> vegetação nativa, a restauração <strong>de</strong> áreas<br />
186 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
187
<strong>de</strong>gradadas e a produção agropecuária ambientalmente responsável.<br />
• Efetivamente, integrar o cerrado à política internacional sobre biodiversida<strong>de</strong>.<br />
Mais <strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> km 2 da sua área original, ou seja, mais<br />
que 50% da vegetação nativa, foram convertidos, tornando-o o bioma<br />
que mais t<strong>em</strong> sofrido com o <strong>de</strong>smatamento. Graus maiores <strong>de</strong> proteção<br />
e ações concretas <strong>de</strong> conservação têm sido estabelecidos <strong>em</strong> ambientes<br />
florestais, algo que não t<strong>em</strong> acontecido com a mesma velocida<strong>de</strong><br />
e intensida<strong>de</strong> no cerrado. O atendimento às políticas internacionais<br />
não se po<strong>de</strong> fazer apenas <strong>em</strong> um ou outro bioma à custa da savana mais<br />
rica <strong>em</strong> espécies do planeta.<br />
• Elaborar com urgência o planejamento a<strong>de</strong>quado para ocupação da<br />
porção norte do cerrado, com <strong>de</strong>staque para as regiões no centro do<br />
Maranhão e do Tocantins e oeste da Bahia e do Piauí.<br />
• Aprovar a PEC (Proposta <strong>de</strong> Emenda à Constituição) que torna o<br />
cerrado patrimônio nacional.<br />
Educação ambiental e saneamento da ignorância<br />
sobre o cerrado<br />
• Investir fort<strong>em</strong>ente na agenda <strong>de</strong> educação ambiental a fim <strong>de</strong> ampliar<br />
a consciência pró-ambiental e chamar a atenção do público sobre<br />
a relevância do bioma.<br />
• Capacitar gestores sobre o uso racional do cerrado <strong>em</strong> áreas públicas<br />
e unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, b<strong>em</strong> como aumentar a regulação que<br />
<strong>de</strong>talhe a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga (áreas, extensão, duração, número <strong>de</strong><br />
pessoas etc. permitidos) <strong>em</strong> excursões pelo bioma, visando minimizar<br />
o impacto ou <strong>de</strong>gradação ambiental.<br />
• Investir pesadamente para aumentar a valorização do cerrado. A alfabetização<br />
ambiental é o principal motor para o progresso e a mudança<br />
<strong>de</strong> comportamento. A ignorância ambiental precisa ser sanada, e com<br />
urgência. A alfabetização ambiental <strong>de</strong>veria ser obrigatória para todos,<br />
incluindo políticos, tomadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e gestores. Há muitos atores<br />
envolvidos na <strong>de</strong>gradação e <strong>de</strong>svalorização do cerrado. Uma abordag<strong>em</strong><br />
multifacetada na alfabetização ambiental é fundamental para que a mudança<br />
<strong>de</strong> comportamento seja b<strong>em</strong>-sucedida. Um programa <strong>de</strong> educação<br />
ambiental terá <strong>de</strong> ser orientado para três distintos grupos <strong>de</strong> atores:<br />
1) os agentes políticos e <strong>em</strong>presariais que tomam <strong>de</strong>cisões políticas e comerciais<br />
<strong>de</strong>ntro do ecossist<strong>em</strong>a, 2) os turistas que visitam o ecossist<strong>em</strong>a,<br />
e 3) os moradores do cerrado.<br />
• A aprendizag<strong>em</strong> informal é aquela que ocorre fora da sala <strong>de</strong> aula<br />
e, muitas vezes, t<strong>em</strong> finalida<strong>de</strong>s diferentes dos objetivos curriculares<br />
estabelecidos. A ampliação das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> excursões <strong>de</strong> crianças<br />
ao cerrado <strong>de</strong>veria ser estimulada, assim como encontrar mecanismos<br />
para sua facilitação.<br />
• A educação ambiental formal <strong>de</strong>veria ser incluída <strong>em</strong> sessões escolares<br />
diárias. Além <strong>de</strong> alcançar jovens moradores do cerrado, t<strong>em</strong><br />
efeito indireto sobre pais e familiares que não frequentam a escola. O<br />
‘dia do cerrado’ <strong>de</strong>veria ser celebrado como um dia <strong>de</strong> luta para a conservação<br />
do mesmo, por meio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s curriculares.<br />
• Elaborar guias <strong>de</strong> espécies do cerrado.<br />
• Traduzir a informação sobre a ecologia do cerrado e a importância<br />
da flora e fauna nativas para planejadores e urbanistas <strong>de</strong> modo a estimular<br />
o uso das espécies locais.<br />
188 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
189
O futuro <strong>em</strong> nossas mãos<br />
Hoje, o cerrado representa, talvez como nenhuma outra região no<br />
Brasil, os conflitos e as perspectivas que se <strong>de</strong>senham para um futuro<br />
global, <strong>em</strong> termos das transformações sociais e ambientais, rumo<br />
à sustentabilida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> constituir um setor <strong>de</strong> agronegócio consolidado,<br />
ele é também o território <strong>de</strong> povos tradicionais (indígenas,<br />
quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, sertanejos, ribeirinhos), que, ao<br />
longo <strong>de</strong> muitas gerações, elaboraram práticas <strong>de</strong> convivência e uso da<br />
biodiversida<strong>de</strong>, dos recursos naturais e do manejo do fogo (fator ecológico<br />
relevante, que modula as diferentes configurações do bioma). Essa<br />
riqueza cultural sofre também com o <strong>de</strong>smatamento e a perda <strong>de</strong> seus<br />
territórios tradicionais.<br />
O cerrado apresenta gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong>, que se traduz <strong>em</strong><br />
ambientes complexos (riqueza natural) que requer<strong>em</strong> práticas <strong>de</strong><br />
conservação e manejo específicas, assim como sist<strong>em</strong>as produtivos<br />
apropriados a essa heterogeneida<strong>de</strong>. Nas áreas on<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s antrópicas<br />
são <strong>de</strong>senvolvidas e o uso do solo modificado, ocorr<strong>em</strong> alterações<br />
significativas no funcionamento dos ecossist<strong>em</strong>as. Mesmo<br />
áreas <strong>de</strong> recarga dos aquíferos vêm sendo <strong>de</strong>smatadas e convertidas<br />
s<strong>em</strong> o a<strong>de</strong>quado planejamento.<br />
Mudanças na cobertura vegetal pod<strong>em</strong> influenciar ainda o clima local<br />
e regional por meio das <strong>em</strong>issões <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa e <strong>de</strong> alterações<br />
nas relações entre vegetação e atmosfera. Diante do <strong>de</strong>safio<br />
global imposto pelas mudanças climáticas, o cerrado representa, além<br />
<strong>de</strong> importante estoque <strong>de</strong> carbono, uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mitigação<br />
Tillandsia sp. (Bromeliaceae) crescendo sob rocha na mata seca, Serra<br />
do Cipó (MG)<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
190 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
191
das <strong>em</strong>issões <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa. Somados à regulação climática e<br />
produção <strong>de</strong> água, outros serviços ambientais são também impactados<br />
negativamente pela conversão da cobertura do solo <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> escala,<br />
como a que já ocorreu (e ainda ocorre) no bioma.<br />
Pesquisas e conhecimento científico representam parte da solução,<br />
mas é também preciso impl<strong>em</strong>entar mecanismos financeiros capazes<br />
<strong>de</strong> mudar a atual percepção enviesada sobre o cerrado (visto como<br />
alternativa <strong>de</strong> ocupação para assegurar a conservação da Amazônia).<br />
Uma política fiscal séria e abrangente talvez seja mais eficiente na regulação<br />
da ocupação do bioma do que todo o conjunto <strong>de</strong> ações <strong>de</strong><br />
fiscalização e imposição dos mecanismos legais.<br />
Produtos inovadores e ativida<strong>de</strong>s comerciais, como a exploração <strong>de</strong><br />
princípios ativos <strong>de</strong> plantas locais, fármacos, polpas, óleos, essências,<br />
espécies ornamentais, ecoturismo, lenha manejada, criação <strong>de</strong> animais<br />
nativos, entre outras ações, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser objeto <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong>talhados e<br />
fort<strong>em</strong>ente estimulados nas áreas on<strong>de</strong> a cobertura nativa ainda persiste.<br />
Por outro lado, a recuperação ambiental e o aumento da eficiência<br />
no uso <strong>de</strong> terras já ocupadas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser igualmente impl<strong>em</strong>entadas. Em<br />
t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> escassez <strong>de</strong> água, com nascentes, rios e reservatórios secos<br />
(antes perenes) durante alguns meses do ano, o assunto é <strong>de</strong> máxima<br />
relevância, pois afeta diretamente o agronegócio, e não apenas a biodiversida<strong>de</strong>.<br />
Essa responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser compartilhada e assumida por todos<br />
os setores da socieda<strong>de</strong>. A única forma <strong>de</strong> garantir, <strong>em</strong> longo prazo,<br />
o b<strong>em</strong>-estar das populações humanas do cerrado e das outras regiões<br />
do país é a socieda<strong>de</strong> exigir, urgent<strong>em</strong>ente, políticas públicas efetivas e<br />
eficazes para a conservação e o bom uso do bioma.<br />
Precisamos <strong>de</strong> um cerrado ecologicamente estável para que a oferta<br />
<strong>de</strong> recursos e serviços ecossistêmicos (como água limpa, solo fértil<br />
e ar puro) se mantenham ao longo do t<strong>em</strong>po. Assim, é necessário<br />
promover, impreterivelmente, uma articulação mais eficiente entre as<br />
políticas agrícolas e ambientais, b<strong>em</strong> como entre o po<strong>de</strong>r público (fe<strong>de</strong>ral,<br />
estadual e municipal) e as organizações da socieda<strong>de</strong> civil. Só assim<br />
uma nova história para o cerrado será possível!<br />
A conservação da diversida<strong>de</strong> biológica é complexa, mas enfrentar<br />
o <strong>de</strong>safio é essencial para manter o b<strong>em</strong>-estar humano. A produção<br />
<strong>de</strong> alimentos, fibras e energia, a manutenção dos recursos hídricos e a<br />
estabilida<strong>de</strong> climática, <strong>em</strong> longo prazo, só serão possíveis com a preservação<br />
dos ecossist<strong>em</strong>as naturais e das espécies a eles associadas.<br />
192 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
193
SUGESTÕES DE LEITURA<br />
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196 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
197
GLOSSÁRIO<br />
Acidificação do solo: processo químico <strong>em</strong> que o solo t<strong>em</strong> uma redução<br />
do pH (grau <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>z - que é a concentração <strong>de</strong> íons hidrogênio<br />
“H + ”<strong>em</strong> solução) e po<strong>de</strong> causar impactos maiores ou menores na natureza,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da concentração <strong>de</strong> H + , da pressão e da t<strong>em</strong>peratura,<br />
da repartição do solo, no sentido <strong>de</strong> formação dos produtos e<br />
reagentes do solo da região.<br />
Agroextrativismo: ocorre quando ativida<strong>de</strong>s como a agricultura, o cultivo<br />
<strong>de</strong> árvores frutíferas, a pesca etc. combinam-se com ativida<strong>de</strong>s extrativistas,<br />
gerando o que se chama <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as complexos<br />
<strong>de</strong> produção agroextrativista.<br />
Angiospermas: são plantas espermatófitas (com s<strong>em</strong>entes) cujas<br />
s<strong>em</strong>entes são protegidas por uma estrutura <strong>de</strong>nominada fruto. Também<br />
conhecidas por magnoliófitas ou antófitas (plantas com flores), são<br />
o maior e mais mo<strong>de</strong>rno grupo <strong>de</strong> plantas, englobando cerca <strong>de</strong> 230<br />
mil espécies.<br />
Antrópico: aquilo que resulta da ação humana sobre a natureza.<br />
Aquífero: é uma formação ou grupo <strong>de</strong> formações geológicas que pod<strong>em</strong><br />
armazenar água subterrânea. São rochas porosas e permeáveis,<br />
capazes <strong>de</strong> reter água e <strong>de</strong> cedê-la. Esses reservatórios móveis abastec<strong>em</strong>,<br />
aos poucos, rios e poços artesianos. Pod<strong>em</strong> ser utilizados pelo<br />
ser humano como fonte <strong>de</strong> água para consumo, tal como ocorre com<br />
as águas superficiais, e d<strong>em</strong>andam cuidados para evitar a sua contaminação.<br />
Áreas <strong>de</strong>gradadas: áreas com processo <strong>de</strong> alteração na estrutura e/<br />
ou composição da vegetação, resultante <strong>de</strong> ação antrópica, que leva à<br />
redução contínua <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover bens e serviços ecossistêmicos.<br />
Arenoso: o solo arenoso t<strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> 70% <strong>de</strong> areia <strong>em</strong> relação ao<br />
total <strong>de</strong> partículas sólidas; apresenta poros gran<strong>de</strong>s entre os grãos <strong>de</strong><br />
areia, pelos quais a água e o ar circulam com relativa facilida<strong>de</strong>. Por isso,<br />
nos solos arenosos, <strong>em</strong> geral, o escoamento <strong>de</strong> água através dos poros<br />
costuma ser rápido, secando rapidamente após as chuvas. Nesse escoamento,<br />
a água po<strong>de</strong> levar gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sais minerais, contribuindo<br />
para tornar o solo pobre nesses nutrientes. O solo arenoso<br />
t<strong>em</strong> consistência granulosa como a areia.<br />
Assoreamento: nesse processo, ocorre o acúmulo <strong>de</strong> sedimentos, lixo,<br />
entulho e outros <strong>de</strong>tritos na calha <strong>de</strong> um rio, na sua foz, <strong>em</strong> uma baia ou<br />
lago <strong>em</strong> consequência do mal uso da terra, <strong>de</strong>smatamentos, garimpos<br />
etc.<br />
Autóctone: próprio do lugar.<br />
Avifauna: conjunto <strong>de</strong> aves <strong>de</strong> uma região.<br />
Balanço hídrico: é o resultado da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água que entra e sai<br />
<strong>de</strong> uma certa porção do solo <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminado intervalo <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po.<br />
Biodiversida<strong>de</strong>: diversida<strong>de</strong> da natureza viva. É a variabilida<strong>de</strong> entre<br />
os seres vivos <strong>de</strong> todas as origens, a terrestre, a marinha e outros<br />
ecossist<strong>em</strong>as aquáticos e os complexos ecológicos dos quais faz<strong>em</strong><br />
parte. Refere-se, portanto, à varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no planeta, incluindo a<br />
varieda<strong>de</strong> genética <strong>de</strong>ntro das populações e espécies, a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
espécies da flora, da fauna, <strong>de</strong> fungos macroscópicos e <strong>de</strong> microrganismos,<br />
a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções ecológicas <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhadas pelos organismos<br />
nos ecossist<strong>em</strong>as; e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s, hábitats e<br />
198 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
199
ecossist<strong>em</strong>as formados pelos organismos.<br />
Bioma: Amplos espaços terrestres contendo tipos fisionômicos <strong>de</strong> vegetação<br />
s<strong>em</strong>elhantes ou ecossist<strong>em</strong>as com certo nível <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong>,<br />
caracterizados pela associação a um conjunto específico <strong>de</strong> condições climáticas<br />
e <strong>de</strong> solo. Os biomas brasileiros (cerrado, caatinga, pampa, mata<br />
atlântica e amazônica) caracterizam-se, <strong>em</strong> geral, por uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> animais e vegetais (biodiversida<strong>de</strong>)”.<br />
Biomassa: é a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria orgânica produzida <strong>em</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />
área <strong>de</strong> um terreno. A biomassa é capaz <strong>de</strong> gerar gases que<br />
são transformados, <strong>em</strong> usinas específicas, <strong>em</strong> energia. Essa energia é<br />
resultado da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> materiais orgânicos, como esterco, ma<strong>de</strong>ira,<br />
resíduos agrícolas, restos <strong>de</strong> alimentos, entre outros.<br />
Biota: é o conjunto <strong>de</strong> todos os seres vivos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado ambiente<br />
ou <strong>de</strong> um dado período. Po<strong>de</strong> ser <strong>em</strong>pregado <strong>em</strong> múltiplas escalas, referindo-se<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o conjunto <strong>de</strong> organismos <strong>em</strong> um hábitat particular até o<br />
conjunto <strong>de</strong> todos os organismos da Terra – a biota que compõe a biosfera.<br />
Biótopo: é o espaço físico (e a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus componentes como<br />
substrato, ar, água, el<strong>em</strong>entos químicos etc) on<strong>de</strong> a biocenose ou comunida<strong>de</strong><br />
se <strong>de</strong>senvolve.<br />
Briófitas: são plantas pequenas, <strong>em</strong> geral, com alguns poucos centímetros<br />
<strong>de</strong> altura, que viv<strong>em</strong> preferencialmente <strong>em</strong> locais úmidos e sombreados,<br />
como os musgos. Esses organismos não têm vasos condutores<br />
<strong>de</strong> seiva, n<strong>em</strong> estruturas rígidas <strong>de</strong> sustentação, justificando seu<br />
pequeno porte.<br />
Caatinga: único bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que gran<strong>de</strong><br />
parte do seu patrimônio biológico não po<strong>de</strong> ser encontrado <strong>em</strong> nenhum<br />
outro lugar do planeta. É típica <strong>de</strong> regiões com baixos índices <strong>de</strong> chuva, e<br />
seu nome <strong>de</strong>corre da paisag<strong>em</strong> apresentada pela vegetação durante o período<br />
seco: a maioria das plantas per<strong>de</strong> as folhas e os troncos tornam-se<br />
esbranquiçados e secos. É um tipo <strong>de</strong> vegetação comum, sobretudo, na<br />
região s<strong>em</strong>iárida do Nor<strong>de</strong>ste.<br />
Cetáceo: Ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> mamíferos aquáticos marinhos (como as baleias e<br />
golfinhos) ou <strong>de</strong> água doce (como os botos)<br />
Ciclo hidrológico: ciclo da água. Refere-se à troca contínua <strong>de</strong> água na<br />
hidrosfera, entre a atmosfera, a água do solo, águas superficiais, subterrâneas,<br />
reservatórios oceânicos e geleiras e também das plantas. A ciência<br />
que estuda o ciclo hidrológico é a hidrologia. A água se move perpetuamente<br />
através <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas regiões, constituindo os seguintes<br />
processos principais <strong>de</strong> transferência: evaporação, precipitação, escoamento.<br />
Commodities: pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>finidas como mercadorias, principalmente<br />
minérios e gêneros agrícolas, que são produzidas <strong>em</strong> larga escala e<br />
comercializadas <strong>em</strong> nível mundial. As commodities são negociadas <strong>em</strong><br />
bolsas <strong>de</strong> valores; portanto, seus preços são <strong>de</strong>finidos pelo mercado<br />
internacional. São geradas por diferentes produtores e têm características<br />
uniformes. Geralmente, são produtos que pod<strong>em</strong> ser estocados<br />
por um <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, s<strong>em</strong> que haja perda <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />
As commodities também se caracterizam por não ter passado<br />
por processo industrial ou por ter<strong>em</strong> um pequeno grau <strong>de</strong> industrialização,<br />
ou seja, são geralmente matérias-primas.<br />
Corredor ecológico: é o nome dado à faixa <strong>de</strong> vegetação que t<strong>em</strong> por<br />
objetivo ligar gran<strong>de</strong>s fragmentos florestais ou unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação,<br />
separados pela ativida<strong>de</strong> humana (estradas, agricultura, clareiras<br />
200 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
201
abertas pela ativida<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ireira etc.), possibilitando o <strong>de</strong>slocamento<br />
da fauna entre as áreas isoladas e, consequent<strong>em</strong>ente, o fluxo gênico<br />
entre as áreas, b<strong>em</strong> como a dispersão <strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes.<br />
Desse<strong>de</strong>ntação: suprimento das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água para contingentes<br />
animais.<br />
Dossel: a cobertura formada pela sobreposição dos galhos e das folhas<br />
das árvores da floresta.<br />
Ecossist<strong>em</strong>a: conjunto formado por todas as comunida<strong>de</strong>s bióticas que<br />
viv<strong>em</strong> e interag<strong>em</strong> <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminada região e pelos fatores abióticos que<br />
atuam sobre essas comunida<strong>de</strong>s. Ou seja, é o conjunto <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s<br />
interagindo entre si e agindo sobre e/ou sofrendo a ação dos fatores<br />
abióticos.<br />
Ecotonal: área <strong>de</strong> transição ambiental, on<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s ecológicas<br />
diferentes entram <strong>em</strong> contato.<br />
End<strong>em</strong>ismo: ocorrência <strong>de</strong> um grupo taxonômico nativo que se <strong>de</strong>senvolveu<br />
unicamente <strong>em</strong> uma região restrita.<br />
Erosão: processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> terra ou <strong>de</strong> rochas <strong>de</strong> uma superfície<br />
que po<strong>de</strong> ocorrer por ação <strong>de</strong> fenômenos da natureza; por ex<strong>em</strong>plo, a<br />
passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> vento ou correnteza <strong>de</strong> água ou do ser humano.<br />
Espécie exótica: aquela que vive fora da sua área <strong>de</strong> distribuição nativa<br />
e que foi aci<strong>de</strong>ntal ou intencionalmente para aí levada pela ação<br />
humana, po<strong>de</strong>ndo ou não ser prejudicial para o ecossist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que é<br />
introduzida.<br />
Espécie invasora: aquela que, oriunda <strong>de</strong> certa região, penetra e se aclimata<br />
<strong>em</strong> outra on<strong>de</strong> não era encontrada inicialmente; prolifera s<strong>em</strong> controle<br />
e passa a representar ameaça para espécies nativas e para o equilíbrio<br />
dos ecossist<strong>em</strong>as que vai ocupando e transformando a seu favor.<br />
Expropriação: modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação forçada pela lei.<br />
Extrativismo: ativida<strong>de</strong> que consiste <strong>em</strong> coletar ou extrair da natureza<br />
quaisquer produtos (animais, vegetais ou minerais) que possam ser utilizados<br />
para fins comerciais ou industriais.<br />
Fair tra<strong>de</strong>: um dos pilares da sustentabilida<strong>de</strong> econômica e ecológica.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um movimento social e uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comércio internacional<br />
que <strong>busca</strong> o estabelecimento <strong>de</strong> preços justos, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong><br />
padrões sociais e ambientais equilibrados nas ca<strong>de</strong>ias produtivas, promovendo<br />
o encontro <strong>de</strong> produtores responsáveis com consumidores éticos.<br />
Fisionomia: aparência ou aspecto característico da vegetação que se<br />
encontra <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado lugar.<br />
Friável: passível <strong>de</strong> sofrer fragmentação, esfacelamento.<br />
Epífitas: plantas que viv<strong>em</strong> sobre outras, s<strong>em</strong> retirar nutrientes, mas<br />
apenas se apoiando nelas.<br />
Fungos micorrízicos ou micorrizas: fungos cujas hifas invad<strong>em</strong> as raízes<br />
<strong>de</strong> uma planta. As hifas vão auxiliar as raízes da planta na absorção <strong>de</strong><br />
nutrientes, principalmente fósforo, do solo, já que aumentam a superfície<br />
<strong>de</strong> absorção ou rizosfera. Os fungos, como ‘pagamento’ dos seus<br />
serviços, receb<strong>em</strong> da planta os fotoassimilados (carboidratos), que necessitam<br />
para a sua sobrevivência e que não consegu<strong>em</strong> sintetizar, pois<br />
não têm clorofila.<br />
Gimnospermas: plantas vasculares com s<strong>em</strong>entes não protegidas por<br />
frutos, diferenciando-se assim das angiospermas, que têm suas s<strong>em</strong>entes<br />
envoltas por um fruto, gerado por um ovário. As coníferas (pinheiros<br />
e cicas) são o grupo mais comum das gimnospermas.<br />
202 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
203
Herbáceo-arbustivas: Plantas herbáceas são aquelas com caule não lenhoso<br />
e altura inferior a 1 ou 2 m enquanto arbustos são plantas lenhosas<br />
e perenes, com estatura relativamente baixa (menor que 5 ou 6 m),<br />
tipicamente ramificada à partir do solo ou próximo ao solo. A vegetação<br />
herbáceo-arbustiva apresenta as duas caraterísticas.<br />
Herbivoria: tipo <strong>de</strong> relação ecológica que ocorre entre certos animais<br />
e plantas, <strong>em</strong> que os primeiros inger<strong>em</strong> partes da planta viva para seu<br />
alimento e nutrição. A planta, portanto, sofre prejuízo enquanto o animal<br />
obtém vantag<strong>em</strong>.<br />
Ictiofauna: conjunto das espécies <strong>de</strong> peixes que exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />
região.<br />
Insetos galhadores: quaisquer insetos causadores <strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong> galhas<br />
(tumores) <strong>em</strong> plantas. Esses insetos <strong>de</strong>positam seus ovos nos variados<br />
tecidos das plantas, ocasionando, <strong>em</strong> geral, a reação anatômica e<br />
estrutural que caracteriza uma galha. As larvas nascentes se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong><br />
nessas estruturas até a fase adulta, se aproveitando dos nutrientes que a<br />
planta – mesmo <strong>em</strong> reação contra o parasitismo – lhe oferece. Logo <strong>de</strong>pois,<br />
então, o inseto <strong>de</strong>ixa a galha através <strong>de</strong> uma abertura feita por ele.<br />
Insularida<strong>de</strong>: aquilo que caracteriza ou <strong>de</strong>fine uma ilha. Condição do<br />
que é s<strong>em</strong>elhante a ou t<strong>em</strong> características <strong>de</strong> uma ilha.<br />
Invasão biológica: Processo que compreen<strong>de</strong> a instalação e gran<strong>de</strong> proliferação<br />
<strong>de</strong> uma espécie não nativa do ambiente, levando a <strong>de</strong>sequilíbrios<br />
na comunida<strong>de</strong>. A espécie invasora passa a competir fort<strong>em</strong>ente<br />
com as espécies nativas, po<strong>de</strong>ndo levá-las à extinção local. Invasões<br />
biológicas afetam processos ecológicos, o meio físico, a biota e pod<strong>em</strong><br />
trazer sérios danos econômicos.<br />
Lençol freático: reservatório <strong>de</strong> água presente nas partes subterrâneas<br />
da Terra, po<strong>de</strong>ndo estar próximo à superfície ou até 1000 m <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>..<br />
Uma parte da água da chuva escoa na superfície, enquanto<br />
outra se infiltra nos solos, formando, assim, os lençóis freáticos.<br />
Lenhosa: <strong>de</strong>signação dada às plantas capazes <strong>de</strong> produzir ma<strong>de</strong>ira<br />
como tecido <strong>de</strong> suporte dos seus caules. Os tecidos lenhosos ocorr<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> plantas vasculares dotadas <strong>de</strong> um caule perene, localizado acima<br />
da superfície do solo. Tipicamente, tais caules são recobertos por uma<br />
camada espessa <strong>de</strong> casca, <strong>em</strong> geral terminando exteriormente por um<br />
ritidoma. Esses caules mantêm acima do solo o crescimento vegetativo<br />
contínuo da planta.<br />
Licófitas: são plantas vasculares primitivas mais aparentadas com as<br />
pteridófitas (samambaias). Tal como as samambaias, as licófitas se reproduz<strong>em</strong><br />
por esporos e não possu<strong>em</strong> s<strong>em</strong>entes. Difer<strong>em</strong> das outras<br />
plantas vasculares por apresentar<strong>em</strong> folhas com um único veio vascular<br />
que são chamados microfilos. As d<strong>em</strong>ais plantas vasculares (samambaias<br />
e plantas com s<strong>em</strong>entes) apresentam megáfilos que são folhas que<br />
possu<strong>em</strong> muitos veios vasculares.<br />
Liquens: seres vivos muito simples que constitu<strong>em</strong> uma interação mutualística<br />
<strong>de</strong> um organismo formado por um fungo (o micobionte) e<br />
uma alga ou cianobactéria (o fotobionte). Nessa interação, o fungo<br />
proporciona substrato (abrigo) favorecendo o <strong>de</strong>senvolvimento da alga<br />
(que seria incapaz <strong>de</strong> crescer sob condições <strong>de</strong> estresse hídrico). A<br />
alga, por sua vez, faz a fotossíntese cujos produtos são consumidos<br />
pelos fungos como pagamento pelos serviços prestados.<br />
Marsupial: infraclasse <strong>de</strong> mamíferos cuja principal diferença com os placentários<br />
é a presença, na fêmea, <strong>de</strong> uma bolsa abdominal, conhecida<br />
204 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
205
como marsúpio, on<strong>de</strong> se processa gran<strong>de</strong> parte do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
dos filhotes.<br />
Mastofauna: conjunto <strong>de</strong> mamíferos existentes <strong>em</strong> uma região.<br />
Megafauna do Pleistoceno: termo usado para <strong>de</strong>signar o conjunto <strong>de</strong><br />
animais pré-históricos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções corporais que conviveram<br />
com a espécie humana e <strong>de</strong>sapareceram no final da última Era do<br />
Gelo ou Pleistoceno.<br />
Mesofauna: conjunto dos animais <strong>de</strong> tamanho intermediário (tamanho<br />
entre 200 e 500 μm), (ver macrofauna e microfauna) que inclui os invertebrados<br />
que habitam o solo.<br />
Microambiente: pequeno ambiente especializado.<br />
Microbiota: conjunto dos microrganismos que habitam um ecossist<strong>em</strong>a;<br />
principalmente, bactérias, mas também alguns protozoários, que<br />
costumam ter funções importantes na <strong>de</strong>composição da matéria orgânica<br />
e, portanto, na reciclag<strong>em</strong> dos nutrientes.<br />
Microflora: flora constituída por algas fotossintetizantes microscópicas.<br />
Microfauna ou microbentos: conjunto <strong>de</strong> organismos microscópicos,<br />
na maioria, protistas, encontrados <strong>em</strong> vários ecossist<strong>em</strong>as, como solo<br />
e sedimentos marinhos ou lagos. Distingue-se da meiofauna ou mesofauna,<br />
constituída por pequenos animais, principalmente pelo tamanho<br />
dos constituintes.<br />
Microrrelevos: variações topográficas <strong>de</strong> pequena escala, incluindo<br />
elevações com até 2 m <strong>de</strong> altura, ou <strong>de</strong>pressões com até 1 m <strong>de</strong><br />
diâmetro. As superfícies que compõ<strong>em</strong> o microrrelevo (convexas,<br />
retilíneas e côncavas) exerc<strong>em</strong> influência na exposição do material <strong>de</strong><br />
orig<strong>em</strong>, na intensida<strong>de</strong> e no sentido do fluxo da água no perfil do solo.<br />
Migratória: uma migração ocorre quando uma população <strong>de</strong> seres vivos<br />
se move <strong>de</strong> um biótopo para outro, normalmente <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> melhores<br />
condições <strong>de</strong> vida, seja por alimentação, t<strong>em</strong>peratura, trabalho (no<br />
caso dos seres humanos), ou para fugir <strong>de</strong> inimigos que se instalaram<br />
no seu biótopo. As migrações pod<strong>em</strong> ser t<strong>em</strong>porárias, quando a população<br />
regressa ao seu biótopo <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, ou permanentes, quando a<br />
população se instala in<strong>de</strong>finidamente no novo biótipo.<br />
Mitigação: intervenção humana para reduzir ou r<strong>em</strong>ediar um <strong>de</strong>terminado<br />
impacto ambiental nocivo.<br />
Monocultura: produção ou cultura <strong>de</strong> apenas uma única espécie vegetal<br />
agrícola. No entanto, o termo po<strong>de</strong> ser usado também para animais.<br />
Ex<strong>em</strong>plo são as monoculturas <strong>de</strong> mexilhões. São ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> monoculturas<br />
uma plantação exclusiva <strong>de</strong> milho ou <strong>de</strong> eucalipto.<br />
Pampa: bioma caracterizado pela presença <strong>de</strong> uma vegetação rasteira<br />
(gramíneas) e pequenos arbustos distantes uns dos outros. É possível<br />
encontrar essa formação vegetal <strong>em</strong> várias regiões do Brasil (sul do<br />
Mato Grosso do Sul, nor<strong>de</strong>ste do Paraná, sul <strong>de</strong> Minas Gerais e norte<br />
do Maranhão), mas é no sul do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, região conhecida<br />
como pampas gaúchos, que se encontra <strong>em</strong> maior extensão.<br />
Perene: espécie vegetal cujo ciclo <strong>de</strong> vida é longo, permitindo-lhe viver<br />
por mais <strong>de</strong> dois anos, ou seja, por mais <strong>de</strong> dois ciclos sazonais.<br />
Perenifólio: atributo <strong>de</strong> plantas que permanec<strong>em</strong> com suas folhas durante<br />
todo o ano.<br />
Pilosa: folha que apresenta pelos na superfície.<br />
Piscoso: que abriga gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe.<br />
Pleistoceno: Na escala do t<strong>em</strong>po geológico, é a época do período Qua-<br />
206 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
207
ternário da era Cenozoica do éon Fanerozoico que está compreendida<br />
entre 2,58 milhões e 11,5 mil anos atrás, abrangendo o período recente<br />
<strong>de</strong> glaciações repetidas.<br />
Prístino: relativo a um estado anterior. Original, primitivo.<br />
Processos coevolutivos: processos <strong>de</strong> evolução simultânea <strong>de</strong> duas ou<br />
mais espécies que têm um relacionamento ecológico próximo. Por<br />
meio <strong>de</strong> pressões seletivas, a evolução <strong>de</strong> uma espécie torna-se parcialmente<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da evolução da outra. É uma influência recíproca,<br />
<strong>em</strong> que as mudanças evolutivas <strong>de</strong> cada espécie influenciam as mudanças<br />
evolutivas <strong>de</strong> outra.<br />
Processos ecológicos: processos responsáveis pelo funcionamento e<br />
pela automanutenção dos ambientes naturais, como polinização, dispersão<br />
<strong>de</strong> s<strong>em</strong>entes, migração, fluxo gênico, seleção natural, competição,<br />
predação, herbivoria, entre outros.<br />
Resiliência: capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> suportar perturbações ambientais,<br />
mantendo sua estrutura e seu padrão geral <strong>de</strong> comportamento,<br />
enquanto sua condição <strong>de</strong> equilíbrio é modificada.<br />
Restauração ambiental: série <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s visando <strong>de</strong>volver ao ambiente<br />
suas características originais, a estabilida<strong>de</strong> e o equilíbrio dos processos<br />
naturalmente atuantes naquele <strong>de</strong>terminado local <strong>de</strong>gradado.<br />
Roedores: constitu<strong>em</strong> a mais numerosa ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> mamíferos com placenta<br />
(placentários) contendo mais <strong>de</strong> 2 mil espécies, o que correspon<strong>de</strong><br />
a cerca <strong>de</strong> 40% das espécies da classe dos mamíferos. A maior parte<br />
é <strong>de</strong> tamanho pequeno.<br />
Salinização: aumento progressivo da concentração <strong>de</strong> sais, provocada<br />
pela evaporação e evapotranspiração intensas ou ainda projetos <strong>de</strong> irrigação<br />
mal planejados, sobretudo <strong>em</strong> locais <strong>de</strong> climas tropicais áridos e<br />
s<strong>em</strong>iáridos, on<strong>de</strong> normalmente existe drenag<strong>em</strong> ineficiente.<br />
Savana: vegetação típica <strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> clima tropical, com estação seca<br />
b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finida. As savanas são formadas por gramíneas, com presença<br />
espalhada <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> pequeno porte e arbustos, sendo sua fauna<br />
muito rica <strong>em</strong> espécies. Há savanas no leste da África, na Austrália e<br />
também na América do Sul (o cerrado brasileiro é uma savana).<br />
Sazonalida<strong>de</strong>: relativo à periodicida<strong>de</strong>, a eventos que são característicos<br />
<strong>de</strong> uma época ou estação do ano.<br />
Sedimento: <strong>de</strong>trito rochoso, resultante da erosão, da precipitação química<br />
(a partir <strong>de</strong> oceanos, vales ou rios) ou da acumulação biológica<br />
(gerada por organismos vivos ou mortos), transportado ou <strong>de</strong>positado<br />
na superfície da Terra pela água, pelo gelo ou pelo vento.<br />
Sequestro <strong>de</strong> carbono: processo <strong>de</strong> r<strong>em</strong>oção <strong>de</strong> gás carbônico da atmosfera<br />
que ocorre principalmente <strong>em</strong> oceanos, florestas e outros<br />
locais on<strong>de</strong> os organismos capturam, por meio <strong>de</strong> fotossíntese, o carbono<br />
e lançam oxigênio na atmosfera. É a captura e estocag<strong>em</strong> segura<br />
<strong>de</strong> gás carbônico (CO 2<br />
), evitando-se assim sua <strong>em</strong>issão e permanência<br />
na atmosfera terrestre. O <strong>de</strong>smatamento é um forte ‘contraventor’ do<br />
sequestro <strong>de</strong> carbono, pois diminui seu efeito ao eliminar o número <strong>de</strong><br />
seres vivos fotossintetizantes.<br />
Sist<strong>em</strong>a ecológico: conjunto formado pelo meio ambiente físico, ou<br />
seja, o biótopo (constituído por fatores abióticos, como solo, água, ar)<br />
e pela comunida<strong>de</strong> (formada por componentes bióticos – os seres vivos)<br />
que se relaciona com o meio.<br />
Solo distrófico: aquele <strong>em</strong> que a saturação por bases é inferior a 50%,<br />
208 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
209
sendo, portanto, bastante ácido. É um tipo <strong>de</strong> solo <strong>de</strong> média ou baixa<br />
fertilida<strong>de</strong>.<br />
Solo álico: o que t<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> teor <strong>de</strong> alumínio.<br />
Sustentabilida<strong>de</strong>: ações e ativida<strong>de</strong>s humanas que visam suprir as<br />
necessida<strong>de</strong>s atuais dos seres humanos, s<strong>em</strong> comprometer o futuro<br />
das próximas gerações. A sustentabilida<strong>de</strong> está relacionada ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico e material social s<strong>em</strong> agredir o meio ambiente.<br />
Topografia: ciência que estuda todos os aci<strong>de</strong>ntes geográficos, <strong>de</strong>finindo<br />
a sua situação e localização na Terra. Estuda os princípios e métodos<br />
necessários para a <strong>de</strong>scrição e representação das superfícies <strong>de</strong>sses<br />
corpos, <strong>em</strong> especial, para a sua cartografia. T<strong>em</strong> a importância <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminar analiticamente as medidas <strong>de</strong> área e perímetro, localização,<br />
orientação, variações no relevo e representá-las, ainda, graficamente<br />
<strong>em</strong> cartas (ou plantas) topográficas.<br />
Zonação: ocorrência <strong>de</strong> distribuições discretas <strong>de</strong> diferentes espécies<br />
<strong>de</strong> organismos sésseis (fixos), formando faixas (áreas, camadas ou zonas<br />
subsequentes) que pod<strong>em</strong> ser facilmente reconhecidas.<br />
LEGENDAS DAS FOTOS USADAS NAS DIVISÕES DE SEÇÃO<br />
Página 4: Hypsiboas faber numa mata ciliar <strong>em</strong> Santana dos Montes (MG), uma área<br />
<strong>de</strong> transição entre cerrado e mata atlântica. Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 9: Hypsiboas faber numa mata ciliar <strong>em</strong> Santana dos Montes (MG), uma área<br />
<strong>de</strong> transição entre <strong>Cerrado</strong> e Mata Atlântica. Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 10: Lavoisiera campos-portoana (Melastomataceae) na Reserva Vellozia, Serra<br />
do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Página 11: Lippia florida (Lythraceae) na Reserva Vellozia, Serra do Cipó (MG). Foto:<br />
Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Página 72: Physoccallymma scaberrimum (Lythraceae) <strong>em</strong> Barra do Garças (MT).<br />
Foto: Fernando Pedroni.<br />
Página 76: Bicho-pau (Phasmidae) alimentando-se <strong>de</strong> flor no cerrado do Parque<br />
Estadual do Rio Preto (MG). Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 77: Veado campeiro (Ozotoceros bezoarticus) <strong>em</strong> campo limpo do Parque<br />
Nacional da Serra da Canastra. Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 78: Beija-flor Phaethornis rubber (rabo-branco-rubro) (Trochilidae) no cerrado<br />
da ilha do Bananal (TO). Foto: Renato Pinheiro.<br />
Página 78: Provável híbrido ou mesmo espécie nova <strong>de</strong> Mimosa sp. (Fabaceae) na<br />
Reserva Vellozia, Serra do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Págihna 79: Visita <strong>de</strong> inflorescencia <strong>de</strong> Mimosa sp. (Leguminosae) por abelhas na<br />
Serra do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s<br />
Página 91: Vellozia glabra (Velloziaceae) na Reserva Vellozia, Serra do Cipó (MG).<br />
Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Página 98: Cissus erosa (Vitaceae) <strong>em</strong> Barra do Garças (MT). Foto: Fernando Pedroni.<br />
Página 99: Carcará (Caracara plancus – Falconidae) sobre um cupinzeiro no cerrado<br />
do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG). Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 100: Flor <strong>de</strong> canela-<strong>de</strong>-<strong>em</strong>a, Vellozia leptopetala (Velloziaceae) na Reserva<br />
Vellozia, Serra do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Ariramba-<strong>de</strong>-cauda-ruiva (Galbula ruficauda – Galbulidae). Foto: Renato Pinheiro.<br />
210 cerrado - <strong>em</strong> <strong>busca</strong> <strong>de</strong> <strong>soluções</strong> <strong>sustentáveis</strong><br />
211
Página 100: Carcará (Caracara plancus – Falconidae) sobre um cupinzeiro no <strong>Cerrado</strong><br />
do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG). Foto: Augusto Gomes<br />
Página 101: Coruja-buraqueira (Athene cunicularia – Titonidae) no Parque Nacional<br />
das Emas (GO). Foto: Augusto Gomes.<br />
Página 144: Flor <strong>de</strong> Lavoisiera sp. (Melastomataceae). Foto: Geraldo Wilson<br />
Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Página 145: Cachoeira Gran<strong>de</strong> na Serra do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson<br />
Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Páginas 178: Fruto <strong>de</strong> barbatimão (Striphno<strong>de</strong>ndron adstringens – Fabaceae). Foto:<br />
Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Páginas 179: Paisag<strong>em</strong> peculiar da Chapada Diamantina (BA). Foto: Augusto Gomes.<br />
Páginas 180: Inseto da ord<strong>em</strong> dos H<strong>em</strong>iptera (cigarrinhas e percevejos) <strong>em</strong> uma área<br />
do cerrado na Reserva Vellozia, Serra do Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Página 181: Serpente Philodryas patagonensis (Colubridae), popularmente conhecida<br />
como parelheira ou corre-campo, no campo rupestre, Reserva Vellozia, Serra do<br />
Cipó (MG). Foto: Geraldo Wilson Fernan<strong>de</strong>s.