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Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>98</strong> Maio de 2006<br />
Salve<br />
Rainha...
Visitação de Nossa<br />
Senhora - Catedral de<br />
Oviedo, Espanha<br />
S. Hollmann<br />
Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual,<br />
a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura<br />
Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava<br />
ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração<br />
da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino,<br />
excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.<br />
Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado<br />
— para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que<br />
Lhe são contrárias.
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>98</strong> Maio de 2006<br />
Salve<br />
Rainha...<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
na década de 80; ao<br />
fundo, Nossa Senhora<br />
Auxiliadora (Igreja do<br />
Sagrado Coração<br />
de Jesus, São Paulo)<br />
Fotos: S. Miyazaki / T. Ting<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />
Editorial<br />
4 “Nunca se ouviu dizer...”<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 13 de maio de 1939:<br />
Discurso na “Editora Ave-Maria”<br />
Dona Lucilia<br />
6 Perfumes de antigos<br />
tempos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
10 “Tu me conduzirás à<br />
terra da retidão”<br />
14 Calendário dos Santos<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
16 Caráter processivo da Contra-Revolução<br />
A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
18 Um reflexo da perfeição<br />
divina<br />
O Santo do mês<br />
24 Nossa Senhora<br />
Auxiliadora<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 Ápice da cultura<br />
Última página<br />
36 Com filial intimidade...
Editorial<br />
“Nunca se ouviu dizer...”<br />
N<br />
o mês de maio, mês de Maria, conforme dizia <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, “sente-se uma proteção especial de Nossa Senhora<br />
se estender sobre todos os fiéis, e uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a universal<br />
certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período,<br />
ainda mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência” 1 .<br />
Condescendência e misericórdia maternais que imploramos com plena confiança ao longo do “Lembrai-vos”, oração<br />
atribuída a São Bernardo de Claraval, e por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> não só recitada diversas vezes ao dia, mas também incansavelmente<br />
recomendada a seus filhos espirituais. Ouçamo-lo:<br />
“Cumpre analisarmos e compreendermos as magníficas palavras dessa prece: Lembrai-Vos ó piíssima Virgem Maria,<br />
que nunca se ouviu dizer, que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado<br />
o vosso socorro, fosse por Vós desamparado.<br />
“A palavra nunca é bastante categórica; algum daqueles, ou seja, qualquer um, ao longo de dois mil anos de história<br />
da Igreja; proteção, assistência, socorro: proteção para evitar que a tentação venha, assistência é um auxílio numa situação<br />
difícil, socorro é para uma pessoa que se acha periclitando, sumindo, afundando. Pois bem, nunca se ouviu dizer<br />
que, tendo alguém pedido proteção, assistência e socorro a Nossa Senhora, fosse por Ela desamparado.<br />
“Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho.<br />
Quer dizer, se Vós nunca deixastes de proteger a ninguém, aqui estou eu, um ente humano, batizado na Igreja Católica;<br />
sou vosso filho, venho vos pedir auxílio, estou tentado, tive culpa, digamos que até caí perante uma tentação. Porém,<br />
continuo vivo, a vossa clemência me mantém neste mundo e, portanto, tenho o direito e o dever de rezar a Vós.<br />
Eis-me aqui, repleto de confiança na vossa misericórdia.<br />
“E, gemendo sob o peso de meus pecados, me prostro a vossos pés. Note-se como é animadora essa expressão. Não<br />
diz: ‘Eu, o inocente, o puro, o límpido; eu, o homem sem mancha, me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência<br />
me dá direito a vosso auxílio’. Não. ‘Gemendo sob o peso de meus pecados’. Ou seja, são tantas faltas que elas me<br />
prostraram no chão. Estou caído ao solo sob o fardo delas, e este me oprime de tal modo que eu chego a gemer. Ora,<br />
‘gemendo sob o peso de meus pecados’, o que faço eu? ‘Prostro-me a vossos pés’. Venho para junto de Vós, minha<br />
Mãe, e a Vós me agarro, na opressão de meus pecados.<br />
“Em seguida, a conclusão: Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as<br />
ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Amém. O pensamento é lindo. Dignai-Vos de ouvir com benignidade, com<br />
bondade, o que eu estou suplicando. De vossa parte eu espero um sorriso e que me alcanceis aquilo que Vos peço.<br />
“Essa é uma tocante e filial manifestação da confiança de qualquer alma, em qualquer estado, posta em qualquer<br />
situação, para com Nossa Senhora. Confiança que a reveste de ânimo e a faz se voltar à Santíssima Virgem, certa de<br />
receber o socorro da Virgem. O raciocínio que essa súplica encerra é simples: “Vós nunca abandonastes ninguém.<br />
Ora, eu sou alguém; logo, Vós não me abandonareis”. Trata-se de uma reflexão a mais lógica, concludente e convincente<br />
possível; a mais singela na sua esquematicidade e a mais irresistível, expressa numa linguagem de fervor e devoção.<br />
“Assim, resta-me fazer essa recomendação, jamais supérflua: nunca, nunca, nunca deixemos de rezar a Nossa Senhora.<br />
É preciso invocá-La, é necessário que a Ela sempre recorramos, máxime nos momentos difíceis de nossa existência.<br />
Seja nas horas de tentações, de provações, angústias e sofrimentos, seja nos problemas comuns de todos os<br />
dias, Ela nos ajudará. E se, por infelicidade, sucumbirmos à tentação, redobremos de ânimo e brademos: ‘Lembrai-<br />
Vos ó piíssima Virgem Maria!’<br />
“Ela, a melhor de todas as Mães, terá compaixão de nós, seus filhos, e nos reerguerá com um sorriso repassado de<br />
solicitude e carinho inimagináveis.”<br />
1<br />
) Última Hora, 7/5/1<strong>98</strong>4<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
Datas na vida de um cruzado<br />
13 de maio de 1939<br />
Discurso na “Editora Ave-Maria”<br />
Por ocasião da cerimônia de bênção das<br />
novas oficinas gráficas da Editora Ave-<br />
Maria, dos RR. PP. Claretianos — situada<br />
na Rua Martim Francisco, em São Paulo,<br />
junto à igreja dessa mesma congregação —, pronunciou<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> um ardoroso encômio à obra<br />
dos missionários do Coração de Maria, considerada<br />
por ele “uma das maravilhas da Santa Igreja<br />
de Deus”. Abaixo, algumas passagens daquele<br />
memorável discurso:<br />
Mais do que o lugar em que as almas dos fiéis<br />
são atraídas para o culto a Deus, este templo [dedicado<br />
ao Imaculado Coração de Maria] é a forja<br />
na qual se tempera a vida espiritual de cada missionário,<br />
dourada pelos raios divinos da graça e<br />
enrubecida pelo sofrimento que faz sangrar a alma<br />
ou o corpo, nas grandes imolações e nos gloriosos<br />
triunfos da vida interior. No lugar de honra<br />
do altar‐mor, como no alto da sua formosíssima<br />
cúpula, a imagem de Maria sorri aos aflitos e<br />
aos pecadores, ostentando‐lhes seu Coração Imaculado,<br />
como promessa de perdão e de socorro. E<br />
assim são atraídas por uma devoção que é característica<br />
de nossa Fé, devoção que constitui em si<br />
mesma um modelo primoroso de delicadeza e de<br />
elevação moral. (...)<br />
Ao lado desse monumento de Fé, feito para glorificar<br />
um tal primor de delicadeza e de perfeição,<br />
estão as oficinas gráficas. Aí, o recolhimento do<br />
templo desaparece para dar lugar a uma atividade<br />
febril, o silêncio augusto da oração é substituído<br />
pelo vozerio humano e pelos ruídos incessantes<br />
e importunos das máquinas, e o ar não se satura<br />
mais com as harmoniosas invocações da ladainha<br />
lauretana, mas com a desarmonia incessante<br />
dos mil e um ruídos que caracterizam a vida<br />
industrial. Não se fala de turíbulos, de flores ou<br />
de rendas para os altares, mas de manivelas, de<br />
alavancas, de tipos metálicos e de força elétrica.<br />
Dir‐se‐ia, à primeira vista, que um abismo profundo<br />
separa o templo da oficina...<br />
Entretanto, neste aparente abismo, está o sentido<br />
profundo da obra, nesse ilusório contraste está<br />
o segredo de seu êxito, e nessa irreal diversidade está<br />
a harmonia do conjunto. O templo é a alma da<br />
oficina. A oficina é um prolongamento do templo.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fins dos anos 30<br />
Realmente, é na oração do templo, é na meditação,<br />
é no estudo, é no recolhimento da vida interior,<br />
que a Fé se firma e adquire aquele vigor, aquela<br />
extensão, aquela firmeza necessária para projetar<br />
seus princípios sobre os setores da atividade<br />
material e moral dos homens. É no templo, pois,<br />
com o auxílio da graça de Deus, que as almas se<br />
formam, que as inteligências se iluminam, que as<br />
vontades se temperam, e que o fruto do trabalho<br />
interior floresce em permanentes resoluções salutares.<br />
Em seguida, essas idéias acumuladas pela<br />
vida interior e tornadas ardentes pelo zelo, tendem<br />
a se difundir de modo benéfico sobre todas as criaturas.<br />
E vem então o papel da oficina, que, posta<br />
ao serviço da contemplação e do estudo, é o canal<br />
pelo qual as maravilhas operadas por Deus nas almas<br />
se derramam em torrente benéfica sobre a humanidade.<br />
Entre a pulsação dos corações no templo e as<br />
vibrações das máquinas na oficina, há uma estreita<br />
relação de causalidade. Porque é o zelo que<br />
mantém esta obra, é ele que a tem desenvolvido,<br />
e é ele que dá aos seus frutos o necessário sabor<br />
evangélico.<br />
v<br />
Arquivo revista
Dona Lucilia<br />
Perfumes<br />
de antigos<br />
tempos<br />
Já bem perto de sua passagem<br />
para a eternidade, ainda se<br />
ouvia Dª Lucilia narrar com<br />
atraente singeleza os episódios que,<br />
na época de sua juventude, presenciara<br />
no palacete Ribeiro dos Santos,<br />
tão perfumado pelos distintos<br />
aromas da Belle Époque. Retomemos<br />
sua história visitando-o, e acompanhemos<br />
de perto as reações de um<br />
copeiro, ao conhecer aquela mansão,<br />
quando de sua chegada a São Paulo.<br />
Um filho de colonos<br />
na capital<br />
Entre a multidão que apressadamente<br />
desce dos vagões à procura de<br />
parentes, ou em demanda do ponto<br />
de tílburis mais próximo da Estação<br />
da Luz, passa quase despercebida a<br />
pequena e delgada figura de um negrinho,<br />
cujas atitudes denunciam o<br />
campônio que pela primeira vez pisa<br />
o chão da capital. Olhos grandes e vivazes,<br />
vai ele arrastando uma trouxa,<br />
estação afora, boquiaberto com a dimensão<br />
e as belas linhas do edifício.<br />
Ao sair à rua, uma estranheza: onde<br />
está o cafezal, seu cenário tão familiar?<br />
Zezinho — é o seu apelido —<br />
que só concebe o mundo à maneira<br />
de sua terra natal, no Noroeste paulista,<br />
cobertos por renques de arbustos<br />
da rubiácea, decide atravessar o<br />
lindo Jardim da Luz, esperando, talvez,<br />
encontrá-los do outro lado...<br />
Filho de colonos da fazenda de<br />
<strong>Dr</strong>. Gabriel — irmão de Dª Lucilia<br />
— Zezinho chega a São Paulo para<br />
servir de copeiro na casa do patrão.<br />
Muito expansivo, começa em pouco<br />
tempo a dar pitorescas “entrevistas”<br />
sobre as impressões que a cidade lhe<br />
causa.<br />
Um dia obtém licença para ir ao<br />
palacete Ribeiro dos Santos, a fim<br />
de satisfazer sua curiosidade.<br />
O filho de colonos se<br />
encantou com a beleza<br />
da Estação da Luz e o<br />
vasto jardim que se abria<br />
à frente dela<br />
Jardim e Estação da Luz<br />
no início do século XX
Fotos: Arquivo revista<br />
Entre sedas e<br />
porcelanas européias<br />
É domingo à tarde, quase todos<br />
saíram, as salas estão vazias. Depois<br />
de conhecer, no andar térreo,<br />
os bem-organizados aposentos para<br />
hóspedes e as dependências para<br />
empregados, que lhe pareceram primorosas,<br />
Zezinho percorre os cômodos<br />
do andar superior indicados pelas<br />
criadas.<br />
Começa pela grande sala de jantar.<br />
Mal penetra no local, sente que<br />
a numerosa e bem-trabalhada mobília<br />
de carvalho, a um tempo grave e<br />
elegante, impõe um comportamento<br />
digno, sem entretanto intimidar. Um<br />
sofá de couro, acompanhado de duas<br />
poltronas do mesmo estilo, duas<br />
cadeiras de balanço, alguns quadros<br />
a óleo de renomados pintores e, especialmente,<br />
um grande tapete persa,<br />
acrescentam um toque ameno ao<br />
belo conjunto decorado por um artístico<br />
lambri de madeira que o reveste<br />
em toda a extensão.<br />
Sem conter a curiosidade, Zezinho<br />
abre um pesado armário. Fica<br />
assombrado com a quantidade e<br />
variedade de serviços de jantar e de<br />
chá, bandejas, salvas, compoteiras,<br />
fruteiras, jarras, pratos e talheres —<br />
em porcelana, cristal, madrepérola<br />
ou prata, franceses e ingleses — sobressaindo<br />
um serviço de cristal de
Dona Lucilia<br />
Baccarat, com 189 peças, e outro de<br />
porcelana de Limoges.<br />
Caminhando pensativo, Zezinho<br />
entra devagar na sala de visitas menor,<br />
que encontra envolta em ligeira<br />
penumbra. Entre os móveis se destacam<br />
um confortável sofá, uma mesinha<br />
de chá e uma escrivaninha. Dominando<br />
o ambiente, a lembrar serões<br />
familiares, um piano. Local destinado<br />
a receber pessoas cujo convívio<br />
pode ser menos pomposo, a sala<br />
faz ressaltar uma combinação harmônica<br />
de intimidade com elevação.<br />
“Que beleza”! — exclama Zezinho<br />
para si mesmo, deixando-se ficar<br />
ali algum tempo. Caminha no<br />
macio dos ricos tapetes, apalpa a seda<br />
das cortinas e observa as circunspectas<br />
e amáveis fisionomias dos antepassados<br />
daquela família, retratados<br />
nos quadros. Zezinho não sai da<br />
sala sem antes notar ainda um lindo<br />
e nobre lustre feito de bronze dourado<br />
e cristal.<br />
“Estou pensando nos que<br />
moram nesta casa...”<br />
Tendo resolvido entrar no salão<br />
contíguo, não contém uma exclamação:<br />
“Como pode ser tão bonito?!”<br />
Desde logo fascinado pelo lugar,<br />
toma uma atitude respeitosa,<br />
sem poder definir se vê aquilo como<br />
uma capela ou um palácio. Chamalhe<br />
imediatamente a atenção o efeito<br />
magnífico causado pelo conjunto<br />
dos móveis dourados e pelos papéis<br />
de parede da mesma cor, sobre os<br />
quais cintila a luz solar, que penetra<br />
pelos vãos das janelas apenas entreabertas.<br />
Enquanto caminha pisando<br />
de leve sobre o grosso tapete, sente-se<br />
adentrando um mundo feito de<br />
ouro. E as cortinas? Dignas, sérias,<br />
agradáveis, de excelente seda francesa<br />
de cor fraise, estampadas com floreado<br />
prateado e encimadas por sanefas<br />
de bronze polido. Nestas, laçarotes<br />
de veludos formam interessantes<br />
desenhos.<br />
Zezinho se detém maravilhado,<br />
pousando os olhos com vagar em<br />
cada detalhe: aqui um grande sofá<br />
dourado, com estofamento francês;<br />
na lateral, um grande e magnífico espelho;<br />
acolá, duas colunas douradas<br />
sobre as quais repousam vasos de<br />
alabastro com base e alças de bronze,<br />
que pertenceram ao Imperador<br />
Dom Pedro II.<br />
Por fim, o rapaz abre outra porta<br />
e se vê no escritório, onde encontra<br />
um jovem a ler:<br />
— Bom dia, senhor.<br />
— Ô Zezinho, como vai você?<br />
— Bem, obrigado.<br />
Zezinho olha... olha... e ouve a<br />
pergunta:<br />
— O que você está olhando, Zezinho?<br />
— Estou pensando nos que moram<br />
nesta casa. Estou achando tudo<br />
tão bonito... — Reflete um pouco e<br />
acrescenta:<br />
— Eu não compreendo por que<br />
essa gente rica de São Paulo gosta<br />
tanto de sair à rua. Cada um tem<br />
uma casa que é um céu! Por que não<br />
ficar nesse céu? Se eu tivesse uma<br />
casa como esta, eu passava o dia indo<br />
de uma sala para outra, olhando tudo,<br />
olhando tudo de novo... E quando<br />
acabasse de ver a última sala, eu<br />
voltava para a primeira. Tem tanta<br />
sala aqui, tem tanto quarto, para que<br />
sair, se a rua não é tão bonita...?<br />
Distinção feita a<br />
Dona Gabriela no<br />
“baile branco”<br />
Os ares aristocráticos da residência<br />
não causavam agrado só a pessoas<br />
como Zezinho, mas também a<br />
parentes e amigos da melhor sociedade,<br />
que continuamente a visitavam.<br />
Entretanto, muito mais do que<br />
a casa, atraía-os aquele ambiente familiar,<br />
fundamentalmente brasileiro,<br />
cuja cultura, modos de ser e tons<br />
eram marcados a fundo pela cultura<br />
francesa: a dignidade nobre, as maneiras<br />
compostas de seriedade, de<br />
distinção, de gentileza, nas quais a<br />
cerimônia e a amenidade andavam<br />
de par.<br />
Sendo os Ribeiro dos Santos conhecidos<br />
por sua inigualável arte de<br />
bem conversar, freqüentes convites<br />
os levavam a reuniões sociais em casa<br />
de famosos nomes da história de<br />
São Paulo.<br />
Na mansão de um magnata daquele<br />
tempo, o Conde Álvares Penteado,<br />
houve certa vez um memorável<br />
“baile branco”. Este nome indicava<br />
que todos os cavalheiros deveriam<br />
portar uma flor branca na lapela,<br />
e as damas trajar vestido de baile<br />
da mesma cor. Em outras ocasiões<br />
as cores variavam, conforme ficasse<br />
estabelecido, e poderia haver, por<br />
exemplo, um “baile cor-de-rosa”.<br />
Os bailes tinham início mais cedo<br />
do que hoje. A certa altura as danças<br />
eram interrompidas e, enquanto<br />
os convivas conversavam, os garçons<br />
terminavam os preparativos para o<br />
banquete. Afinal a orquestra tocava,<br />
anunciando estar tudo pronto, o anfitrião<br />
se dirigia a alguma dama que<br />
quisesse distinguir e se inclinava ofe-
Freqüentes convites levavam os<br />
Ribeiro dos Santos às recepções<br />
e bailes da sociedade paulista,<br />
como o “baile branco”, no<br />
qual Dona Gabriela foi<br />
homenageada pelo anfitrião,<br />
Conde Álvares Penteado<br />
O Conde Álvares Penteado, sua família<br />
e a mansão que habitavam no Bairro<br />
de Higienópolis, em São Paulo<br />
recendo-lhe o braço; o esposo da senhora<br />
assim escolhida fazia o mesmo<br />
com a dona da casa, formando-se em<br />
seguida os vários pares que se dirigiam<br />
em cortejo para a sala de jantar.<br />
Muitos dias antes da festa promovida<br />
pelo Conde Penteado, já se previa<br />
que ela seria excepcionalmente<br />
brilhante, suscitando amistoso jogo<br />
de conjecturas, entre as senhoras,<br />
a respeito de quem receberia aquela<br />
particular consideração.<br />
Chegado o momento, o conde não<br />
teve dúvida: atravessou a sala de um<br />
extremo a outro, em direção à roda<br />
onde conversava a mãe de Dª Lucilia,<br />
fez uma reverência e, estendendo-lhe<br />
o braço, disse:<br />
— Dona Gabriela, a senhora quer<br />
me dar a honra?<br />
<strong>Dr</strong>. Antônio, logo a seguir, convidou<br />
a Condessa Penteado a acompanhá-lo,<br />
e assim entraram na sala do<br />
banquete.<br />
Dona Lucilia contará mais tarde,<br />
comprazida, esse episódio em que<br />
sua mãe fora tão honrada devido à<br />
sua natural e saliente distinção.<br />
Naquele ambiente — todo feito<br />
de esplendores e cerimônia, realçado<br />
pela nobre e alegre nota francesa<br />
— permanecia vivo, em matéria<br />
de primeira importância como o<br />
convívio social, o belo aroma de cristã<br />
moralidade, que Portugal nos legara,<br />
país com o qual o Brasil formara,<br />
ainda não havia muito, um reino<br />
unido. Assim, marcada por tais características,<br />
a aristocracia paulistana<br />
harmonizou alguns de seus elementos<br />
fundamentais típicos: Fé, vida<br />
social e seleção.<br />
(Transcrito, com adaptações, da obra<br />
“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
“Tu me conduzirás<br />
à terra da retidão”<br />
A firme esperança no socorro divino, expressa em<br />
palavras repassadas de força impetratória e humildade<br />
admiráveis, constitui o pensamento final do Salmo<br />
142, comentado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. Este, à luz das súplicas<br />
do Salmista, nos assevera como devemos ansiar pela<br />
renovação de todas as coisas, para que este mundo se<br />
torne uma verdadeira “terra da retidão”.<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
Após exprimir seu veemente desejo de andar nos<br />
caminhos do Senhor, de conformar suas cogitações<br />
e vias com as vias e cogitações de Deus, o<br />
Salmista pensa naquilo e naqueles que podem impedi-lo<br />
de alcançar a almejada união com o Criador. Então diz:<br />
Livra-me dos meus inimigos, Senhor; junto de Ti me refugio...<br />
Refere-se ele aos seus inimigos terrenos, em particular<br />
os que o perseguem por amor à justiça. São seus adversários,<br />
não porque o odeiam pessoalmente, mas por<br />
detestarem a Deus, a quem ele ama. Sobre aquele que é<br />
perseguido pelo fato de amar a justiça desce uma misericórdia<br />
especial.<br />
Inteira submissão à vontade de Deus<br />
...Ensina-me a fazer a tua vontade, porque Tu és o meu<br />
Deus.<br />
O caminho de Deus é um símbolo para exprimir a<br />
vontade do Altíssimo, que o Salmista quer cumprir. O<br />
significado mais profundo de suas palavras é<br />
este: “Creio em Ti e te amo de todo o coração;<br />
adoro-te e me dou inteiramente a Ti. Se teu caminho<br />
for árduo e, ao longo dele, eu mesmo<br />
deva sofrer uma verdadeira crucifixão, se me<br />
deres graças e forças para tanto, quero padecê-la.<br />
Mas, se for marcado por uma benignidade<br />
especial, então eu a desejo. Serei como Jó:<br />
se todas as pragas da Terra caírem sobre mim,<br />
ou vierem dias em que me cumulares de felicidade,<br />
desejarei umas e outra. Porém, não almejo<br />
as pragas pelas pragas, nem a felicidade<br />
por causa da felicidade. Eu quero apenas a Ti,<br />
ó meu Deus!”<br />
A terra da retidão<br />
O teu bom espírito me conduzirá à terra da retidão.<br />
Por causa do teu nome, Senhor, me darás a<br />
vida segundo a tua justiça.<br />
10
O Salmista deseja cumprir a<br />
vontade de Deus e caminhar<br />
nas vias do Senhor; sejam<br />
elas marcadas por alegrias<br />
ou por dores<br />
O Rei e Profeta David - Vitral de Notre-<br />
Dame de Paris (à esquerda) e tapeçaria<br />
do Castelo de Langeais (acima), França<br />
Esta é uma linda metáfora: “terra da retidão”! Ou seja,<br />
Deus conduzirá o Salmista para o local onde se é reto.<br />
O conceito enunciado neste versículo pode ser aplicado<br />
a várias situações históricas. Por exemplo, em nossa<br />
época, quando vivemos num mundo onde muitos homens<br />
a cada dia se distanciam mais da virtude, ansiamos<br />
por sair desse estado e chegar àquela terra da retidão<br />
que será o Reino de Maria. Desejamos alcançá-la, não<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
porque nos trará benefícios particulares, e sim porque<br />
veremos nela a merecida glorificação da Mãe de Deus<br />
na História. Essa é nossa atitude de alma, pois queremos<br />
trilhar o caminho do Senhor. E percorrê-lo, pensando no<br />
seu termo: a contemplação do Criador, face a face, no<br />
Céu. A eterna bem-aventurança: para lá Deus leva o homem<br />
justo.<br />
Prelibação da felicidade celeste<br />
A esse propósito, recordo uma aparição da Mamma<br />
Margherita, mãe de São João Bosco, a seu filho.<br />
Como se sabe, residia ela primeiramente num casebre,<br />
no Piemonte, região da Itália. Quando todos os seus<br />
filhos se tornaram adultos, foi ela morar e trabalhar com<br />
Dom Bosco, no Oratório que este fundara. Algum tempo<br />
depois de sua morte, ela apareceu ao santo, que lhe fez<br />
esta pergunta:<br />
— Mamãe, estais viva ou morta?<br />
São João Bosco fez tal indagação porque a mãe se<br />
apresentava tão radiosa e gloriosa, que talvez houvesse<br />
ressuscitado.<br />
— Morta, sim, mas inundada de felicidade. — respondeu<br />
sua mãe.<br />
Após uma breve mas substanciosa conversa, São João<br />
Bosco pediu a ela:<br />
— Já que estais no Céu, fazei-me sentir algo, ainda<br />
que uma gota, da felicidade celeste.<br />
Mamma Margherita tornou-se mais luminosa, brilhante,<br />
e uma música inundou o recinto da igreja onde ela<br />
São João Bosco experimentou<br />
algo dos esplendores do Paraíso,<br />
ao ter a visão da Mamma<br />
Margherita glorificada no Céu<br />
Mamma Margherita e São João Bosco<br />
Pintura conservada na Casa-mãe<br />
dos salesianos em Turim, Itália<br />
V. Domingues<br />
12
apareceu ao filho. Este<br />
comentou depois ter tido<br />
a impressão de que<br />
era uma melodia cantada<br />
por milhares de vozes<br />
de anjos, glorificando<br />
sua mãe. Por fim, a<br />
visão cessou.<br />
Poder-se-ia dizer<br />
que São João Bosco<br />
teve uma experiência<br />
do Céu.<br />
Viu ele também,<br />
entre os anjos,<br />
meninos do Oratório,<br />
que já haviam<br />
morrido, cantando<br />
as glórias da Mamma<br />
Margherita. Naturalmente,<br />
os reconheceu<br />
como seus antigos discípulos.<br />
Sirva a lembrança<br />
dessa aparição da Mamma<br />
Margherita como<br />
ocasião para incidir sobre<br />
cada um de nós um<br />
raio de luz sobrenatural,<br />
um toque da graça,<br />
para perseverarmos no<br />
caminho do bem, desejando<br />
sempre o Céu.<br />
Continuemos, agora,<br />
os comentários ao Salmo<br />
142.<br />
Nunca esmorecer nas vias da perfeição<br />
À exemplo do Salmista, confiemos em que Nossa<br />
Senhora removerá de nosso caminho rumo à<br />
eternidade todos os obstáculos que nos impedem<br />
de alcançarmos a perfeição espiritual<br />
O Rei David canta e dança em louvor a<br />
Deus - Catedral de Colônia, Alemanha<br />
Afirma o Rei David:<br />
Tirarás a minha alma da tribulação, e pela tua misericórdia<br />
dissiparás todos os meus inimigos.<br />
Para não abandonarmos o método das analogias, consideremos<br />
que, ao longo de nossa vida, Maria Santíssima<br />
pode permitir que passemos por grandes provações e nos<br />
sintamos exaustos. Nessa hora, dois caminhos se apresentarão<br />
diante de nós. Um, o do poltrão, que diz: “Minha<br />
Mãe, não agüento mais, tirai-me da luta!”. O outro,<br />
do herói, que reza: “Minha Mãe, eu desfaleço, mas desejo<br />
lutar ainda mais; dai-me forças!”<br />
De acordo com as inspirações do Divino Espírito Santo,<br />
a ação da graça em nossa alma, de um lado, e as de<br />
nossas más tendências, de outro, somos inclinados à primeira<br />
ou à segunda atitude.<br />
Nesses momentos,<br />
cada um de nós, olhando<br />
para dentro de si mesmo,<br />
deve pensar: “Estou<br />
lutando pela causa<br />
da Santíssima Virgem,<br />
quero ser justo. Quantas<br />
vezes Ela renovou<br />
em mim as forças<br />
que esmoreciam!<br />
E sempre que Ela<br />
me fortaleceu, fui<br />
capaz de me reerguer.<br />
Agora não será<br />
diferente.”<br />
E, voltando-se para<br />
Nossa Senhora, implorar:<br />
“Estou mergulhado<br />
na tribulação. Mas Vós,<br />
ó Mãe, me tirareis dessa<br />
situação e dissipareis<br />
meus inimigos que não<br />
consigo vencer. A Vós,<br />
também, estendo minha<br />
mão!”<br />
Esperança na<br />
renovação de<br />
todas as coisas<br />
E destruirás todos os<br />
que atormentam a minha<br />
alma, porque eu sou<br />
teu servo.<br />
Tão intensa é a beleza<br />
deste versículo final, que ela nos tolhe os comentários...<br />
Digamos apenas, na linha das aplicações, que nos<br />
é dado esperar uma especial proteção de Nossa Senhora<br />
no sentido de que Ela remova do nosso caminho rumo<br />
ao Céu tudo que nos atormenta, nos atribula, nos impede<br />
de correspondermos plenamente aos desígnios de<br />
Deus sobre nós.<br />
Digamos, outrossim, que ainda nesta Terra, a Virgem<br />
Santíssima terá servos bons e fiéis com os quais renovará<br />
todas as coisas, implantando o Reino de Maria. E<br />
desse modo veremos confirmada, uma vez mais, a promessa<br />
divina de que as portas do inferno jamais prevalecerão<br />
contra a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.<br />
Imbuídos de tais sentimentos, encerramos essas reflexões<br />
inspiradas pelo Salmo 14.<br />
v<br />
13
Calendário dos Santos<br />
1. São José Operário. Em 1955, o<br />
Papa Pio XII dedicou esta memória<br />
litúrgica ao Pai legal de Jesus, comemorando<br />
sua vida silenciosa e oculta<br />
na santa casa de Nazaré, junto ao<br />
Homem-Deus e Nossa Senhora.<br />
2. Santo Atanásio, Bispo e Doutor<br />
da Igreja. Bispo de Alexandria,<br />
cidade em que nasceu no ano 295.<br />
3. São Filipe e São Tiago, Apóstolos,<br />
séc. I. Naturais de Betsaida,<br />
como São Pedro e Santo André, foram<br />
discípulos de São João Batista,<br />
antes de seguir o chamado de Nosso<br />
Senhor (Jo 1, 43-44).<br />
4. São Gotardo, Bispo, séc. XI.<br />
Bispo de Hildesheim, na Baixa Saxônia<br />
(Alemanha). Um dos animadores<br />
da cultura no Sacro Império,<br />
foi monge beneditino de origem bávara<br />
e reformador de mosteiros.<br />
Morreu em 1038.<br />
5. Santo Hilário de Arles, Bispo,<br />
séc. V.<br />
6. Santa Benedicta, Virgem, séc.<br />
VI. Religiosa em Roma.<br />
7. 4º Domingo de Páscoa.<br />
São João de Beverley, séc.<br />
VIII. Bispo de York na Inglaterra.<br />
Morreu em 721.<br />
8. São Pedro de Tarantásia,<br />
1102-1174.<br />
Cisterciense francês.<br />
Por seu exemplo,<br />
levou todo o<br />
restante da família<br />
(pai, mãe e irmãos) a ingressar<br />
na vida religiosa. Eleito abade<br />
de Taimé e, posteriormente, Bispo<br />
de Tarantásia, nessa mesma região.<br />
O Papa Alexandre III lhe encomendou<br />
difíceis tarefas diplomáticas<br />
junto a Henrique II da Inglaterra e<br />
Luís VII da França. Mesmo sendo<br />
Bispo, manteve seu estilo monacal,<br />
chegando inclusive a se recolher<br />
por um ano na Grande Cartuxa.<br />
9. Santo Isaías, Profeta do Antigo<br />
Testamento, séc. IX a.C.<br />
10. Santa Solange, Virgem e<br />
Mártir. Nasceu nos arredores de<br />
Bourges (França), em Villemont.<br />
Aos 7 anos fez voto de virgindade.<br />
Conta-se que sua inocência e santidade<br />
eram tais que curava doentes,<br />
e sua simples presença expulsava os<br />
demônios. Pastoreava os cordeiros<br />
num prado de seu pai, quando o filho<br />
do conde de Bourges a avistou e<br />
ficou admirado por sua beleza, propondo<br />
a seu pai o casamento. Ela<br />
se negou peremptoriamente, o que<br />
levou o jovem nobre a raptá-la. Levada<br />
a galope, deixou-se cair do cavalo<br />
perto de um arroio. Seu raptor,<br />
indignado, lhe cortou a cabeça.<br />
Conta a história que ainda com<br />
a cabeça separada, disse três vezes<br />
o nome de Jesus, e portou a cabeça<br />
até a Igreja de Saint-Martin, em<br />
Saint-Martin-du-Crot, sobre a qual<br />
se construiu depois a Igreja de Santa<br />
Solange. Situa-se a data do seu<br />
martírio em 10 de maio de 878.<br />
11. São Maiolo (Mayeul), Abade<br />
de Cluny, séc. X.<br />
12. São Pancrácio, Mártir. Com<br />
apenas 14 anos sofreu o martírio,<br />
sendo decapitado sob o Imperador<br />
Diocleciano um dia depois de ser<br />
batizado. Morreu na Via Aurelia de<br />
Roma, em 12 de maio do ano 305.<br />
Seu corpo é muito venerado na Basílica<br />
romana construída no mesmo<br />
lugar em que padeceu o suplício.<br />
13. Nossa Senhora de Fátima,<br />
que apareceu aos três pastorinhos<br />
na Cova da Iria, Portugal, em 1917.<br />
São João, o silencioso (João<br />
Hesychastes), 454-558. Natural de<br />
Nicópolis, na Armênia. Tendo sido<br />
monge desde os 18 anos, fundou<br />
um convento aos 20 e, aos 28,<br />
foi eleito Bispo de Colônia<br />
(Taxara), na Palestina. Nove<br />
anos depois, retirouse<br />
ao mosteiro de São<br />
Sabas, como simples<br />
monge, embora tenha<br />
revelado sua<br />
condição de<br />
São Matias<br />
Apóstolo<br />
14
* Maio *<br />
Bispo quando quiseram ordená-lo<br />
padre. Recolheu-se e viveu mais 75<br />
anos como eremita silencioso.<br />
14. 5º Domingo de Páscoa.<br />
São Matias, Apóstolo, séc. I.<br />
Eleito para ocupar o lugar de Judas<br />
Iscariotes no colégio apostólico.<br />
15. São Isidro, lavrador, 1070-<br />
1130. Agricultor, santificou-se nos<br />
trabalhos do campo, junto à sua esposa,<br />
Santa Maria da Cabeça. É padroeiro<br />
da cidade de Madrid (Espanha).<br />
16. São Simão Stock, Religioso,<br />
sécs. XII-XIII.<br />
17. São Pascual Bailón, séc.<br />
XVI.<br />
18. São João I, Papa e Mártir,<br />
+526. Nascido na Toscana e eleito<br />
Sucessor de Pedro em 523, tornouse<br />
o primeiro Papa na História a visitar<br />
Constantinopla, onde foi recebido<br />
por mais de 15 mil fiéis com<br />
tochas nas mãos. Coroou o Imperador<br />
Justino I, na Basílica de Santa<br />
Sofia. Perseguido pelo rei ariano<br />
Teodorico, foi encarcerado em Ravena,<br />
na Itália, até morrer de fome.<br />
Seu corpo, quatro anos depois, foi<br />
transladado à Basílica de São Pedro<br />
com honras de mártir.<br />
19. São Pedro Murrone (Papa<br />
Celestino V), séc. XIII. Eremita da<br />
região dos Abruzzi, Itália, foi eleito<br />
Papa aos 80 anos, em 1294, e com<br />
dificuldade aceitou. Passados cinco<br />
meses renunciou, e retirou-se à<br />
solidão novamente, morrendo dois<br />
anos depois.<br />
20. São Bernardino de Siena, séc.<br />
XV. Sacerdote capuchinho, pregador<br />
e reformador.<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
Santa Rita de Cássia<br />
21. 6º Domingo de Páscoa.<br />
22. Santa Rita de Cássia, Religiosa,<br />
+1457. Padroeira das causas consideradas<br />
impossíveis. Suportou heroicamente<br />
os maus tratos do marido.<br />
Após a morte deste e dos filhos,<br />
ingressou no convento da Ordem de<br />
Santo Agostinho, onde se distinguiu<br />
como religiosa exemplar.<br />
23. São João Batista de Rossi,<br />
Presbítero, 16<strong>98</strong>-1764. Ordenado<br />
padre em 1721, dedicou-se aos pobres<br />
e à formação dos estudantes,<br />
em Roma.<br />
24. Nossa Senhora Auxiliadora.<br />
O Papa Pio VII, prisioneiro de Napoleão,<br />
prometeu à Mãe de Deus<br />
instaurar uma nova festa em sua<br />
honra na Igreja, se o libertasse da<br />
indigna prisão. Napoleão caiu e o<br />
Papa entrou em triunfo na cidade<br />
de Roma, em 24 de maio de 1814<br />
e instituiu essa data como festa de<br />
Maria Auxiliadora, na Cidade Eterna.<br />
Ver artigo na página 24.<br />
25. São Beda, o Venerável, Presbítero<br />
e Doutor da Igreja, 673-735.<br />
São Gregório VII, Papa, 1020-<br />
1059.<br />
26. São Filipe Néri, Presbítero,<br />
+1595. Apóstolo da juventude<br />
abandonada, fundou a Obra do<br />
Oratório, na Itália.<br />
27. Santo Agostinho de Cantuária<br />
(Canterbury), +605. Prior beneditino<br />
e posteriormente Bispo<br />
dessa sede episcopal inglesa, foi enviado<br />
pelo Papa São Gregório Magno<br />
para evangelizar a Inglaterra.<br />
28. Ascensão do Senhor.<br />
São Germano, Bispo de Paris,<br />
séc.VI.<br />
29. São Cirilo de Cesaréia, Mártir,<br />
séc. III. Padeceu o martírio ainda<br />
quando menino. Instruído no Cristianismo,<br />
costumava repetir continuamente<br />
o nome de Jesus, afirmando<br />
que o simples fato de pronunciálo<br />
era santificante. Seu pai, pagão, o<br />
perseguiu e maltratou barbaramente,<br />
expulsando-o do lar. Informado,<br />
o governador romano da região<br />
o chamou à sua presença, e tentou<br />
conquistá-lo por meio de promessas<br />
e dádivas. Tendo negado, Cirilo sofreu<br />
cruéis torturas pelo fogo, sob as<br />
quais manteve-se firme e perseverante.<br />
Depois de comparecer novamente<br />
junto à autoridade romana e<br />
reiterar sua Fé em Cristo, conduziram-no<br />
de volta à fogueira, onde rogou<br />
aos algozes que se apressassem<br />
em dar fim à sua vida.<br />
30. São Fernando III, Rei de Castela,<br />
11<strong>98</strong>-1217.<br />
Santa Joanna D’Arc, Virgem,<br />
séc. XV.<br />
31. Visitação de Nossa Senhora.<br />
15
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
Caráter processivo<br />
da<br />
Contra-Revolução<br />
Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao contrário das artimanhas e argumentos<br />
fraudulentos da Revolução na sua marcha pela desordem,<br />
a Contra-Revolução, no seu caminhar progressivo em<br />
favor da ordem e do bem, só pode usar da verdade, nada<br />
ocultando àqueles aos quais procura formar.<br />
A variedade das vias<br />
do Espírito Santo<br />
Há um processo contra-revolucionário?<br />
“É evidente que, tal como a Revolução,<br />
a Contra-Revolução é um processo,<br />
e que portanto se pode estudar<br />
a sua marcha progressiva e metódica<br />
para a ordem. Todavia, há algumas<br />
características que fazem essa<br />
marcha diferir profundamente do<br />
caminhar da Revolução para a desordem<br />
integral. Isto provém do fato<br />
de que o dinamismo do bem e do<br />
mal são radicalmente diversos” (pp.<br />
120-121).<br />
De que modo alguém, arrastado<br />
pela Revolução, pode se desvencilhar<br />
dela?<br />
“Ninguém pode fixar limites à<br />
inexaurível variedade das vias de<br />
Deus nas almas. Seria absurdo reduzir<br />
a esquemas assunto tão complexo.<br />
Não se pode, pois, nesta matéria,<br />
ir além da indicação de alguns erros<br />
a evitar e de algumas atitudes prudentes<br />
a propor.<br />
“Toda conversão é fruto da ação<br />
do Espírito Santo, que, falando a cada<br />
qual segundo suas necessidades,<br />
ora com majestosa severidade, ora<br />
com suavidade materna, entretanto<br />
nunca mente” (pp. 123-124).<br />
Nada esconder<br />
Deve-se mostrar ou ocultar o termo<br />
último da formação de um contra-revolucionário?<br />
“No itinerário do erro para a verdade,<br />
não há para a alma os silêncios<br />
velhacos da Revolução, nem suas<br />
metamorfoses fraudulentas. Nada se<br />
lhe oculta do que ele deve saber. A<br />
verdade e o bem lhe são enunciados<br />
integralmente pela Igreja.<br />
“Não é escondendo, sistematicamente,<br />
o termo último de sua formação,<br />
mas mostrando-o e fazendoo<br />
desejado sempre mais, que se obtém<br />
dos homens o progresso no bem<br />
(p. 124).<br />
Prudente<br />
contemporização<br />
Há algum documento pontifício<br />
que estabelece normas aplicáveis à<br />
questão acima formulada?<br />
16
“A Contra-Revolução deve fazer<br />
suas as sapientíssimas normas estabelecidas<br />
por São Pio X para o proceder<br />
habitual do verdadeiro apóstolo:<br />
‘Não é leal nem digno ocultar, cobrindo-a<br />
com uma bandeira equívoca,<br />
a qualidade de católico, como se<br />
esta fosse mercadoria avariada e de<br />
“Não devem os<br />
católicos ocultar como<br />
que sob um véu os<br />
preceitos do Evangelho,<br />
temerosos de serem<br />
menos ouvidos ou<br />
abandonados”<br />
Papa São Pio X<br />
contrabando’. Os católicos não devem<br />
‘ocultar como que sob um véu<br />
os preceitos mais importantes do<br />
Evangelho, temerosos de serem talvez<br />
menos ouvidos ou até completamente<br />
abandonados’ 1 ” (p. 124).<br />
Mas, não há casos em que se deve<br />
usar de contemporização?<br />
Na mesma encíclica, “judiciosamente<br />
acrescentava o santo Pontífice:<br />
‘Sem dúvida, não será alheio à<br />
prudência, também ao propor a verdade,<br />
usar de certa contemporização,<br />
quando se tratar de esclarecer<br />
homens hostis às nossas instituições<br />
e inteiramente afastados de Deus.<br />
As feridas que é preciso cortar, diz São<br />
Gregório, devem antes ser apalpadas<br />
com mão delicada. Mas essa mesma<br />
habilidade assumiria o aspecto de<br />
prudência carnal se erigida em norma<br />
de conduta constante e comum;<br />
e tanto mais que desse modo pareceria<br />
ter-se em pouca conta a graça<br />
divina, que não é concedida somente<br />
ao Sacerdócio e os seus ministros,<br />
mas a todos os fiéis de Cristo, a fim<br />
de que nossas palavras e atos comovam<br />
as almas desses homens’” (pp.<br />
124-125). v<br />
São Pio X - Museu da Basílica<br />
de São João de Latrão<br />
1<br />
) Encíclica Iucunda Sane, de 12/3/1904.<br />
R. C. Branco<br />
17
A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A harmonia entre grandes e pequenos<br />
Um reflexo<br />
da perfeição<br />
divina<br />
Após tomar conhecimento de um conto de Natal<br />
narrado por G. Lenôtre 1 , <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o transmitiu a<br />
seus jovens ouvintes, com aplicações e frutuosos<br />
ensinamentos sobre a relação harmônica,<br />
repassada de benevolência, que deve existir entre<br />
grandes e pequenos numa sociedade baseada nos<br />
princípios cristãos.<br />
Com seu estilo atraente e espirituoso,<br />
Lenôtre escreveu um<br />
de seus contos de Natal de<br />
maneira própria a desmitificar certas<br />
idéias sobre as causas mais profundas<br />
que determinaram a revolução<br />
de 1789 na França, bem como acerca<br />
do relacionamento entre as classes<br />
sociais naquela época.<br />
Procurarei reproduzir o conto<br />
conforme este me ficou na lembrança,<br />
tirando as ilações e aplicações<br />
que este nos sugere.<br />
Uma “guerra de nervos”<br />
na Conciergerie<br />
Imagine-se a Conciergerie 2 , prisão lúgubre<br />
onde eram detidos os condenados<br />
pelos revolucionários, muitos deles<br />
membros da aristocracia. É véspera de<br />
Natal de 1792, digamos, e ali se encontra<br />
um conde cujo “crime” maior era o<br />
de pertencer a uma classe que se destacava<br />
pela cultura, elegância e distinção.<br />
Nessa época, a Conciergerie estava<br />
repleta de presos, e todas as manhãs<br />
uma carreta vinha apanhar dez<br />
ou doze condenados que seriam executados<br />
naquele dia. Um pretenso<br />
oficial de justiça lia a sentença com<br />
a pena de morte, e logo depois ordenava<br />
que os levassem para a praça<br />
onde se erguia a tristemente célebre<br />
guilhotina.<br />
Após a partida da carreta — ou das<br />
carretas, conforme a quantidade de<br />
vítimas destinadas à execução —, os<br />
remanescentes respiravam um pouco<br />
aliviados. Mas, à medida que ia en-<br />
18
Fotos: P. Mikio / S. Hollmann / Arquivo revista<br />
Nos piores dias da Revolução<br />
Francesa, a Conciergerie era<br />
uma lúgubre prisão, onde os<br />
condenados — muitos deles nobres<br />
e aristocratas — aguardavam a<br />
carroça que os levaria à guilhotina<br />
Vistas exterior e interior da<br />
Conciergerie, no seu estado atual<br />
19
A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
tardecendo, sentiam chegar provavelmente<br />
o crespúsculo de suas vidas. E<br />
quando conseguiam dormir à noite,<br />
muitos acordavam agoniados de madrugada,<br />
pois a próxima carroça poderia<br />
levá-los ao cadafalso.<br />
Assim passavam-se os dias, as semanas,<br />
os meses na Conciergerie. Era<br />
uma guerra de nervos.<br />
Visita inesperada<br />
numa noite de Natal<br />
O conde está sozinho, pois seus<br />
companheiros de infortúnio já haviam<br />
seguido seu destino cruel. Ele<br />
observa as coisas através das grades<br />
de sua masmorra, e se lembra das<br />
festas de Natal passadas em sua residência<br />
parisiense. Era viúvo, possuía<br />
apenas um filho, ainda menino, para<br />
o qual preparava uma pequena ceia.<br />
À meia-noite ele despertava a criança,<br />
e esta, alegre e maravilhada, contemplava<br />
a árvore de Natal decorada<br />
com encantadores enfeites e velinhas<br />
vermelhas; saboreava com os<br />
olhos apetitosos alimentos dispostos<br />
na mesa e, sobre os sapatos deixados<br />
junto à lareira, encontrava os<br />
presentes trazidos pelo Papai Noel.<br />
O conde se desdobrava em afetos e<br />
carinhos para com o filho, tentando<br />
substituir desse modo o papel da<br />
mãe, já falecida.<br />
Ora, numa dessas noites de Natal,<br />
o nobre esperava a hora de acordar<br />
o menino quando ouviu um grande<br />
barulho vindo da chaminé da lareira<br />
apagada. Para a sua surpresa, vê que<br />
alguém despenca lá do alto, aprumase<br />
e entra no salão da casa.<br />
Algo assustado, o conde verificou<br />
tratar-se do menino pobre a quem<br />
ele costumava pagar para manter a<br />
chaminé limpa. De fato, o garoto estava<br />
trabalhando naquele momento,<br />
perdeu o equilíbrio e caiu lá de cima,<br />
coberto de fuligem.<br />
Também ele um tanto espantado,<br />
o menino considerou aquela sala belamente<br />
ornada para uma festa de<br />
Natal, e o homem ali, sozinho, vestido<br />
como os nobres daquele tempo:<br />
sapatos de verniz com salto vermelho<br />
e fivelas douradas; meias de seda<br />
até os joelhos, roupas de veludo ou<br />
igualmente de seda, cabeleira empoada,<br />
etc. Era o conde.<br />
Noutro relance de vistas, notou<br />
com olhar faminto a mesa posta com<br />
os deliciosos quitutes e doces, destinados<br />
ao filho da casa que dormia. O<br />
conde se compadeceu dele, ajudou-o<br />
a remover o pó e a sujeira, e o mandou<br />
se lavar. Por fim, deu-lhe um régio<br />
presente de Natal: uma moeda<br />
de ouro chamada luís, porque trazia<br />
a efígie do rei com esse nome. Havia<br />
então luíses referentes ao monarcas<br />
Luís XV e Luís XVI, e uma só dessas<br />
moedas bastava para comprar muito<br />
mais que o necessário para uma boa<br />
refeição.<br />
O limpador de chaminé se retirou<br />
muito agradecido e, nos anos seguintes,<br />
na noite de Natal, retornava<br />
à casa do conde e lhe oferecia seus<br />
préstimos. O nobre o recebia com<br />
bonomia, aceitava a proposta e, na<br />
hora de se despedirem, dava sempre<br />
ao garoto uma moeda de ouro. Além<br />
disso, começou a auxiliar também a<br />
família dele, e essa solicitude acabou<br />
constituindo entre ambos uma simpatia<br />
repleta de benevolência.<br />
A retribuição do<br />
beneficiado<br />
Alguns anos se passaram, o filho<br />
do conde e o limpador de chaminé<br />
se tornaram mocinhos. Sobrevém a<br />
Revolução Francesa, o nobre é perseguido,<br />
seu filho foge, e a mansão<br />
fica abandonada.<br />
20
Cenas da<br />
Revolução Francesa -<br />
Assim como o<br />
limpador de<br />
chaminés do conto<br />
de Lenôtre, muitos<br />
franceses tinham<br />
inteira ciência dos<br />
atos e urdiduras<br />
tramados pela<br />
Revolução<br />
Retornemos à Conciergerie e aos<br />
fatos daquela noite de Natal.<br />
Enquanto o conde está imerso<br />
nessas e noutras recordações de cenas<br />
familiares, seu filho, que caíra na<br />
pobreza, vagueia pelas ruas do bairro<br />
onde se localiza sua casa. Em determinado<br />
momento ele encontra o<br />
limpador de chaminé, de quem ficara<br />
amigo e que viera para a costumeira<br />
“visita” de Natal. Este último,<br />
estranhando o aspecto do conhecido,<br />
pergunta pelo seu nobre benfeitor.<br />
— Você não sabe? Meu pai foi<br />
preso.<br />
— Mas, como?! O conde, um homem<br />
tão bom, na prisão?!<br />
Perplexidade compreensível da<br />
parte do limpador de chaminés, pois<br />
muitas pessoas da própria Paris não<br />
sabiam ao certo o que a Revolução<br />
urdia e praticava. O filho do conde<br />
21
A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
lhe conta então como os nobres estavam<br />
sendo detidos, e concluiu:<br />
— Este ano, meu caro, não há luís<br />
de ouro, nem para você, nem para<br />
mim...<br />
— Não há nada?<br />
— Tenho apenas um maço de<br />
moedas, para subsistir e arranjar um<br />
meio de libertar meu pai, mas não<br />
sei como fazê-lo.<br />
— Onde o conde está preso?<br />
— Na Conciergerie.<br />
— Talvez eu possa fazer algo. Se<br />
eu lhe pedir o maço de moedas para<br />
libertar seu pai, o senhor confia em<br />
mim?<br />
— Tome-o!<br />
Na prisão, o conde está só em sua<br />
cela, a um canto da qual crepitam<br />
algumas brasas numa lareira raquítica.<br />
Meus ouvintes intuem o resto<br />
da história... O rapaz consegue descer<br />
pela chaminé e penetrar na cela<br />
do nobre, evitando de se queimar<br />
nas brasas. Surpreso, o conde exclama:<br />
— Você, aqui?! Entrando pela<br />
chaminé!<br />
— Não temos um minuto a perder,<br />
senhor conde. Por favor, execute<br />
o plano que vou lhe propor, para<br />
fugirmos. Venho trazendo uma roupa<br />
toda suja, de limpador de chaminés,<br />
para o senhor também.<br />
E o conde faz o que nunca imaginou<br />
na vida, ou seja, veste aquela<br />
roupa gasta e enegrecida. O mocinho<br />
apanha um pouco de fuligem na<br />
lareira e a espalha na face do nobre.<br />
Em seguida, combinam:<br />
— Vamos sair pela portaria, dizendo<br />
que já terminamos o serviço<br />
de limpeza. É a hora da troca de<br />
guardas; o que assume o posto não<br />
sabe quem entrou para limpar a chaminé.<br />
Se formos agora, existe uma<br />
possibilidade de escaparmos. Não<br />
perca tempo em me agradecer. Vamos,<br />
temos de sair!<br />
O conde entende a situação e os<br />
dois se dirigem à saída do cárcere.<br />
Perguntado pelo porteiro sobre o<br />
que estava acontecendo, o rapaz faz<br />
um sinal ao conde, indicando-lhe “vá<br />
andando”, e responde:<br />
— Sou limpador de chaminé e recomendei<br />
àquele meu colega para<br />
ir caminhando, pois queria dizer<br />
a você o seguinte: tenho um pacote<br />
de moedas para ser entregue a seu<br />
chefe. Porém, não sei bem o que fazer:<br />
ou ele e eu esperamos seu chefe<br />
acordar, ou saímos, deixando as moedas<br />
aos seus cuidados...<br />
Nesse momento, o conde e o rapaz<br />
ficaram entre a vida e a morte. O<br />
porteiro pensou um pouco e disse:<br />
— Pode deixar o pacote aqui, que<br />
eu depois entrego. Vocês vão andando.<br />
Claro, de posse das moedas, o<br />
porteiro tinha todo o interesse em<br />
que os dois se retirassem, a fim de<br />
não revelarem nada ao chefe.<br />
Eles saem devagar. Caminham<br />
pela Paris deserta e chegam a um local<br />
próximo à mansão do conde, onde<br />
estava marcado o encontro com<br />
seu filho. Montam em cavalos já preparados<br />
e fogem. Os três se achavam<br />
a salvo da fúria revolucionária.<br />
Precioso fator de união<br />
entre os homens<br />
Qual o significado desse conto?<br />
Ele exprime a versão real das relações<br />
entre as classes sociais antes da<br />
Revolução Francesa, inteiramente<br />
oposta àquela que costumam apresentar<br />
certos historiadores tendenciosos.<br />
Segundo estes, se um conde,<br />
estando em sua mansão, visse cair<br />
um menino sujo pela chaminé, diria<br />
tomado pela raiva:<br />
— Fique aí dentro mesmo, não<br />
ponha os pés no meu salão. Você estragou<br />
minha chaminé e agora merece<br />
um castigo exemplar! E não<br />
adianta pôr esses olhos de gente faminta<br />
sobre os alimentos finos que<br />
estão sobre a mesa. Estes são para<br />
meu filho, e não para um vagabundo<br />
e plebeu como você. Vá embora antes<br />
que mande alguém lhe dar uma<br />
merecida surra!<br />
Nada tão equivocado quanto essa<br />
concepção. A realidade é inteiramente<br />
diferente. Existia harmonia,<br />
afabilidade, bom relacionamento<br />
entre as categorias sociais, tudo<br />
baseado no seguinte princípio católico:<br />
deve haver hierarquia de classes,<br />
porém esta não pode ser levada tão<br />
longe, a ponto de que, quem estiver<br />
acima, negue a alta condição de criatura<br />
humana de quem estiver abaixo,<br />
menos ainda o nobre estado de batizado,<br />
membro do Corpo Místico de<br />
Cristo.<br />
Portanto, o superior deve tratar o<br />
inferior com bondade, afabilidade,<br />
protegê-lo, ajudá-lo nas suas necessidades,<br />
e mais ainda, se for possível.<br />
Ao inferior, por sua vez, cabe o dever<br />
de gratidão. Quando seu benfeitor<br />
está em apuros, ele retribui. Esse<br />
é o vínculo que reúne as diversas<br />
classes sociais numa unidade, ou seja,<br />
numa civilização verdadeiramente<br />
católica.<br />
Esse pequeno conto ilustra uma<br />
realidade histórica e constitui um<br />
exemplo concreto de como a desigualdade<br />
harmônica e proporcionada<br />
das categorias sociais é um ele-<br />
A bondade e a<br />
afabilidade do superior<br />
para com o inferior<br />
refletem o amor<br />
com que Deus<br />
Pai trata os<br />
homens<br />
Santa Isabel da<br />
Hungria ajuda os<br />
pobres - Catedral<br />
de Bordeaux,<br />
França<br />
22
mento para a união dos homens e<br />
não fonte de desunião.<br />
Imagens da<br />
perfeição de Deus<br />
São Tomás de Aquino diz formalmente<br />
que há nobres e plebeus, grandes<br />
e pequenos, ricos e pobres, mais<br />
inteligentes e menos, para benefício<br />
não só dos superiores, mas também<br />
dos inferiores. Porque o menor,<br />
recebendo auxílio do maior, vê<br />
neste uma imagem de Deus<br />
e pode assim amar mais o<br />
Criador. O limpador de<br />
chaminé percebeu na<br />
bondade do conde<br />
um reflexo da infinita<br />
bondade<br />
do Altíssimo. E sua dedicação ao<br />
conde tem algo de devotamento ao<br />
próprio Deus.<br />
Pensemos ainda que Deus é infinito<br />
e Pai nosso. Somos finitos, e Ele<br />
quer que, entre nós, os maiores sejam<br />
de certa forma pais dos menores,<br />
e estes se sintam protegidos como<br />
filhos daqueles.<br />
Vemos, então, como o conto de<br />
Lenôtre propugna — de um modo<br />
atraente, interessante, ilustrado,<br />
fácil de memorizar — um princípio<br />
doutrinário católico e profundo.<br />
E, a par dessa lição mais importante,<br />
nos sugere um método de apostolado.<br />
Com efeito, quando quisermos<br />
defender teses como essa das desigualdades<br />
harmônicas e proporcionadas<br />
entre as classes sociais, em vez<br />
de apresentarmos a pura teoria, muitas<br />
vezes fatigante, narremos um fato<br />
concreto interessante que se preste<br />
a uma interpretação, a qual será<br />
mais leve que a simples doutrina.<br />
Como diziam os antigos, “as palavras<br />
persuadem, mas os exemplos arrastam”.<br />
Um episódio assim descrito,<br />
um testemunho do teor de relações<br />
existente nas sociedades hierárquicas,<br />
relembra a verdadeira doutrina<br />
católica e pode, com o auxílio<br />
da graça de Deus, facilitar o relacionamento<br />
dos homens de hoje. v<br />
1<br />
) G. Lenôtre (1857-1935), historiador<br />
francês que se especializou no tema<br />
da Revolução Francesa, sobre o qual<br />
escreveu diversas e laureadas obras.<br />
Membro da Academia Francesa de<br />
Letras.<br />
2<br />
) Antiga habitação do porteiro (concierge,<br />
em francês), encarregado dos prisioneiros<br />
de um palácio real da Idade<br />
Média, situado em Paris. Transformada<br />
em cárcere na Revolução Francesa,<br />
a Conciergerie, atualmente dependência<br />
do Palácio de Justiça, compõese<br />
de três salas góticas — uma delas,<br />
a dos “Passos perdidos” (Pas perdus),<br />
considerada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> uma<br />
das mais belas do mundo — e quatro<br />
torres.<br />
23
O Santo do mês<br />
Nossa Senhora Auxiliadora<br />
bondade e misericórdia<br />
incansáveis<br />
Desde menino, quando se viu atendido pela Auxiliadora dos<br />
Cristãos em penoso momento de sua vida — a Ela rezando<br />
um peculiar e fervoroso “Salvai-me Rainha” 1 —, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
nutriu particular devoção a esse título de Maria Santíssima.<br />
E como podemos comprovar pelas palavras que seguem, não<br />
perdia ensejo de recomendá-la a seus discípulos, mostrandolhes<br />
as maravilhas de clemência e solicitude maternas que<br />
nos coloca ao alcance tal invocação.<br />
Segundo o ensinamento da Igreja, as maiores glórias<br />
de Nossa Senhora redundam do fato de sua<br />
maternidade divina. Ou seja, porque eleita para<br />
ser a Mãe do Verbo Encarnado, foram-Lhe concedidos<br />
todos os demais augustos privilégios e dons excepcionais.<br />
Entre seus grandes títulos estão os de Imaculada Conceição,<br />
Co-redentora do gênero humano, Medianeira Universal<br />
de todas as graças, etc.<br />
Apesar de assim louvarmos e cultuarmos de modo especial<br />
a Santíssima Virgem, a invocação de Nossa Senhora<br />
Auxiliadora nos é muito cara, e com invulgar insistência<br />
a dizemos para implorar a misericórdia de Maria.<br />
Mãe que conhece e atende a<br />
todas as nossas necessidades<br />
Explica-se. Sendo Ela Mãe de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, é também Mãe nossa, permanentemente disposta<br />
a nos ajudar em tudo aquilo que precisamos. São<br />
Luís Maria Grignion de Montfort faz uma comparação<br />
que pode parecer exagerada, porém inteiramente verdadeira:<br />
se uma mãe, com um único filho, reunisse em<br />
seu coração todas as formas e graus de ternura que todas<br />
as mães do mundo têm por seus filhos, ela o amaria<br />
menos do que Nossa Senhora preza todos e cada um<br />
dos homens.<br />
Assim, Maria Santíssima quer tanto a cada um — por<br />
mais desvalido, desencaminhado, espiritualmente trôpego<br />
que seja, ou nada valha — que, voltando-se este para<br />
Ela, seu primeiro movimento é de amor e auxílio. Nossa<br />
Senhora nos acompanha antes mesmo de nos dirigirmos<br />
a Ela. Tem ciência do que acontece com todos os<br />
homens, em qualquer lugar, sabe de todas as nossas necessidades<br />
e, por sua intercessão, nos alcança de Deus<br />
as graças que são importantes para nossa perseverança<br />
e santificação. Quando nos dirigimos a Ela, como que a<br />
24
Fotos: T. Ring / S. Hollmann<br />
Nossa Senhora<br />
Auxiliadora - Igreja do<br />
Sagrado Coração de<br />
Jesus, em São Paulo<br />
25
O Santo do mês<br />
primeira pergunta d’Ela para nós é esta: “Meu filho, o<br />
que queres?”<br />
Graus inexcogitáveis de misericórdia<br />
Outra afirmação, igualmente verídica, é esta: se o próprio<br />
Judas Iscariotes — depois de ter vendido Nosso Senhor<br />
e caminhado para o local onde se enforcou — tivesse<br />
tido um movimento de devoção à Mãe de Deus, rezado<br />
a Ela, obteria um apoio. Quer dizer, se A procurasse<br />
e lhe dissesse: “Eu não sou digno de chegar próximo<br />
de Vós, de Vos olhar, de me dirigir a Vós, sou Judas, o<br />
imundo... Mas, vós sois minha Mãe, tende pena de mim”,<br />
Ela o teria recebido com bondade. Ela acolheria com benevolência<br />
o filho cujo nome é sinônimo de horror: Judas<br />
Iscariotes.<br />
É-nos difícil ter sempre presente essa noção da imensidade<br />
da misericórdia de Maria. Em nossa miséria, muitas<br />
vezes somos daqueles que não crêem porque não vêem.<br />
Não duvidamos, mas esquecemos das graças recebidas<br />
neste sentido. Tentados, somos levados a pensar:<br />
“Aconteceu-me isto, aquilo, aquilo outro, pedi a Nossa<br />
Senhora e não fui socorrido. Sê-lo-ei agora? Certo, Ela<br />
é Mãe de misericórdia, mas, às<br />
vezes, não sinto sua ajuda...”<br />
Mais do que nunca, nessas<br />
horas, devemos dizer: “Auxílio<br />
dos Cristãos, rogai por<br />
nós!”. Quando não compreendemos<br />
uma situação nem<br />
sabemos como dela sair, o<br />
que vai nos acontecer, etc.,<br />
precisamos repetir com insistência:<br />
“Auxílio dos Cristãos!<br />
Auxílio dos Cristãos! Auxílio<br />
dos Cristãos!”. Para a Mãe de<br />
Deus, todo problema tem solução.<br />
Às vezes não a vemos,<br />
mas Ela já está dando ao caso<br />
um monumental e favorável<br />
desfecho.<br />
Auxílio especial nas<br />
aparentes catástrofes<br />
Quando me lembro da história<br />
das catástrofes pelas<br />
quais passou nosso movimento,<br />
nossos reerguimentos, nossa<br />
dolorida e gloriosa avenida<br />
de becos sem saída, perguntome:<br />
“Se Ela me desse para escolher<br />
entre a via dos becos sem saída e qualquer outro<br />
dos caminhos que eu imaginava para nossa obra, qual eu<br />
teria preferido?” Eu responderia: “Minha Mãe, se Vós<br />
me derdes força, a avenida dos becos sem saída!”<br />
É a via do inexplicável, da catástrofe aparente, da derrota,<br />
do arrasamento, mas também a da vitória que se<br />
afirma. Como é bela essa via, porque é o caminho triunfal<br />
de Nossa Senhora. Ela transforma uma estrada esquartejada<br />
em becos numa linda e desimpedida avenida.<br />
Compreende-se, assim, como a Virgem Santíssima, Auxiliadora<br />
dos Cristãos, opera verdadeiras maravilhas, sobretudo<br />
nos momentos em que tudo nos parece mais difícil<br />
e a solução menos alcançável.<br />
A batalha de Lepanto<br />
Temos um célebre exemplo dessa intervenção misericordiosa<br />
e decisiva de Maria Santíssima<br />
em nossos momentos de apuro: a batalha<br />
de Lepanto, em 1571, episódio histórico<br />
que se relaciona com a festa de<br />
Nossa Senhora Auxiliadora. Sucintamente,<br />
recordemos que a es-<br />
26
quadra católica se achava em número muito inferior à<br />
do adversário, e via-se com isso votada a uma derrota<br />
com funestas conseqüências para a Igreja naquela<br />
época. Porém, em certo momento do confronto,<br />
aparentemente sem explicação, os inimigos abandonam<br />
a luta e fogem. Contudo, nos anais redigidos<br />
pelos próprios componentes da esquadra<br />
maometana, pode-se ler: Os nossos navios debandaram<br />
porque uma Dama terrível apareceu<br />
no céu e nos olhava com ar de ameaça tal<br />
que nos causou pânico.<br />
Quer dizer, os católicos, embora em número<br />
menor, não cessaram de confiar na<br />
proteção de Maria, e Ela os socorreu. Conta-se<br />
que, naquele mesmo instante da vitória,<br />
o Papa São Pio V se encontrava numa de<br />
suas salas no Vaticano, e rezava o Rosário,<br />
rogando o especial amparo da Auxiliadora<br />
dos Cristãos. Em certo momento, o<br />
Pontífice se volta aos que o acompanhavam,<br />
e diz: “Uma grande vitória<br />
foi obtida por Dom João d’Áustria,<br />
comandante da esquadra cristã!”<br />
Célebre exemplo<br />
de intervenção da<br />
Auxiliadora dos Cristãos,<br />
a batalha de Lepanto teve<br />
seu desfecho favorável à<br />
armada católica graças a<br />
uma aparição da Virgem<br />
Santíssima, naquele<br />
momento invocada, à<br />
distância, pelo Papa<br />
São Pio V<br />
Batalha de Lepanto (Igreja de<br />
Santa Madalena, em Sevilha,<br />
Espanha); e o Papa São Pio V<br />
(Catedral de Bordeaux, França)<br />
27
O Santo do mês<br />
A partir de então o Papa incluiu a invocação Auxilium<br />
Christianorum na Ladainha Lauretana, e a Ela devemos<br />
recorrer em todas as circunstâncias de nossa vida e na<br />
hora de nossa morte, quando estivermos no último alento.<br />
Antes de exalarmos o derradeiro suspiro, digamos:<br />
“Auxílio dos Cristãos, rogai por mim” — e o Céu se abrirá<br />
para nós.<br />
Errônea concepção da<br />
vida sem caridade<br />
Antes de concluirmos essas considerações, convém insistir<br />
num ponto de particular valia para nós.<br />
No mundo contemporâneo não é raro que alguém se<br />
deixe levar pela idéia de que os relacionamentos devem<br />
se basear numa troca de direitos e deveres, exclusivamente.<br />
Ou seja, cada homem tem determinados direitos<br />
que implicam em deveres de outrem para com ele. Uma<br />
vez respeitados tais direitos, o homem tem suas necessidades<br />
atendidas.<br />
Portanto, o ato de bondade, de caridade, de amor ao<br />
próximo, inteiramente gratuito, não tem razão de ser. Se<br />
os direitos não são acolhidos, cumpre exigi-los, como se<br />
cobra uma letra de câmbio. Consoante tal mentalidade,<br />
todas as relações humanas se reduziriam a um sistema de<br />
cheques. Então, a verdadeira noção de caridade — que<br />
compreende prestações de serviço realizadas por amor,<br />
bondade, simpatia, a concessão gratuita de vantagens,<br />
etc. — desaparece. Mais ainda. Atrapalha a vida social,<br />
fundamentada na estrita justiça, transtorna o convívio dos<br />
homens, baseado num jogo de exigências. Se alguém pretendesse<br />
receber mais do que lhe é necessário, o indivíduo<br />
infectado por essa concepção responderia: “Dou-lhe<br />
aquilo a que apenas tem direito. Se quiser mais, mereça!”<br />
Se uma pessoa transpõe esse modo de ver as coisas para<br />
a ordem sobrenatural, dirá: “Não compreendo a misericórdia<br />
de Deus para comigo, pois Ele está disposto a me<br />
perdoar e a me ajudar, mesmo quando não O agrado. Se<br />
agi mal, que Ele me puna, pois é a atitude lógica. Caridade,<br />
bondade... são coisas que não têm sentido. Baseio-me<br />
nos meus direitos, os quais Deus precisa atender.”<br />
Socorro baseado numa relação<br />
impregnada de bondade<br />
Ora, essa não é a mentalidade com a qual devemos<br />
considerar nossa vida terrena, e muito menos a nossa vida<br />
de piedade, nosso relacionamento com Deus.<br />
28
O auxílio de Maria Santíssima a nosso<br />
favor está repassado do princípio de<br />
que as relações entre Deus e o homem<br />
se fundam, em ampla medida, na<br />
generosidade e misericórdia sem limites<br />
Nossa Senhora<br />
Auxiliadora<br />
(São Paulo);<br />
Multiplicação dos<br />
pães (Santander,<br />
Espanha)<br />
Com efeito, o convívio humano, quando bem entendido<br />
e praticado, fundamenta-se em grande parte na solicitude<br />
e na compaixão de uns para com os outros, sobretudo<br />
dos que têm mais em relação aos que têm menos.<br />
Que dizer, então, do trato de Deus conosco? Esse comércio<br />
tem como um dos seus fatores preponderantes a<br />
bondade, e bondade gratuita, a efusão de caridade, de<br />
misericórdia, compaixão, assistência contínua. E diante<br />
de Deus, devemos nos sentir pequeninos, impotentes,<br />
encontrando a razão de esperar clemência em nossa própria<br />
pequenez, até em nossa fraqueza quando pecamos.<br />
Deus nos amou gratuitamente, e quer de nós que também<br />
O amemos. Estamos cumulados de dívidas, e o único<br />
meio de saldá-las consiste em manifestarmos esse<br />
amor e essa adoração a Deus. Em segundo lugar,<br />
compreendendo humildemente que necessitamos<br />
da ajuda divina, como o filho depende<br />
do pai, sem estar fazendo grandes contabilidades,<br />
e sim recebendo tudo d’Ele — eu diria —<br />
com uma espécie de santa sem-cerimônia.<br />
Com esse pressuposto, entendemos melhor o<br />
fundamento do título de Nossa Senhora Auxiliadora.<br />
Pois o que se diz sobre a infinita bondade<br />
de Deus para conosco, devemos dizê-lo da<br />
insondável solicitude de Maria em relação a<br />
seus filhos. Ela nos ajuda a todo momento,<br />
nos dispensando misericórdia e favores<br />
aos quais não teríamos direito,<br />
e nos concede tudo isto com<br />
uma superabundância de amor,<br />
de sorrisos, de perdão, muitas<br />
vezes dando-nos o que não pedimos,<br />
ou mais do que rogamos, e<br />
até movendo nosso coração para<br />
aceitar benefícios que não queríamos<br />
receber.<br />
Portanto, a idéia do auxílio de<br />
Nossa Senhora está toda pervadida<br />
pelo princípio de que as relações entre<br />
o homem e Deus são baseadas não<br />
apenas na justiça, mas em larguíssima<br />
parte na misericórdia, na generosidade<br />
sem limites, na benevolência e na gratuidade<br />
de favores.<br />
Razões a mais para nunca deixarmos<br />
de invocá-La: Auxílio dos Cristãos, rogai<br />
por nós.<br />
v<br />
1) Cfr. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número 1, abril de<br />
19<strong>98</strong><br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
Ápice da cultura<br />
N<br />
ão raras vezes nos deparamos<br />
com tentativas de definir<br />
o significado da palavra<br />
“cultura”, sem que se tenha<br />
a elevação de pensamento religioso<br />
para entender tratar-se ela do conhecimento<br />
global que o homem deve<br />
adquirir sobre o universo. Conhecimento<br />
este, acompanhado de uma<br />
sensibilidade a respeito das coisas da<br />
criação que não se verifica igual para<br />
todos. Antes, comporta certa acomodação,<br />
determinados matizes, dependendo<br />
do indivíduo, da família,<br />
da região, do país, constituindo uma<br />
visão própria, característica — embora<br />
sempre objetiva — do que são<br />
os elementos componentes do uni-<br />
Castelo de Chambord, França<br />
30
A qualquer católico é dado possuir uma vasta<br />
compreensão do universo, pela qual percebe a presença<br />
da graça em inúmeras coisas, não relacionadas<br />
necessariamente com a religião, mas nas quais lateja<br />
a raiz religiosa — como o Castelo de Chambord<br />
Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
verso e da maneira como refletem a<br />
Deus.<br />
A verdadeira cultura seria, portanto,<br />
esse conjunto de conhecimentos,<br />
mentalidades e sensibilidades incidindo<br />
sobre a realidade criada, sob<br />
o influxo de uma postura fundamentalmente<br />
religiosa. Destarte, a ordem<br />
temporal não pode ser dada como<br />
bem considerada a não ser à luz<br />
das reflexões católicas, assim como a<br />
religião católica e a ordem espiritual<br />
não serão bem empregadas se não<br />
auxiliarem o homem a formar uma<br />
noção civilizada do universo.<br />
Portanto, embora se admita que<br />
essa cultura e as noções da beleza da<br />
criação que ela traz consigo possam<br />
ser analisadas sob o ponto de vista<br />
natural, com base em regras da estética,<br />
etc., acima disso há algo que<br />
nos toca mais intensamente, e que<br />
constitui, a meu ver, uma das razões<br />
mais profundas da fé do católico.<br />
Quero falar dessa experiência como<br />
que mística, não da mística dos<br />
santos e determinadas almas favore-<br />
Vistas do Castelo de<br />
Chambord, França<br />
32
cidas por visões e êxtases, mas dessas<br />
sensações do sobrenatural, essas<br />
sugestões da graça que completam<br />
em nosso espírito aquele mencionado<br />
conhecimento.<br />
Neste sentido, é dado a qualquer<br />
católico possuir um acabamento cultural,<br />
isto é, uma vasta compreensão<br />
do universo, pela qual percebe a presença<br />
da graça em inúmeras coisas,<br />
às vezes não diretamente ligadas à<br />
religião, nas quais entretanto lateja a<br />
raiz religiosa. E sentindo a raiz religiosa,<br />
a pessoa, com a “fé do carvoeiro”,<br />
brada: “eu creio!”<br />
Um exemplo colhido em minhas<br />
lembranças. Numa das ocasiões em<br />
que visitei o Castelo de Chambord,<br />
na França, deixei-me ficar ali, em<br />
frente ao palácio, não sei por quanto<br />
tempo...<br />
Na verdade, podia sobrevir a noite,<br />
e eu a passaria na contemplação<br />
de Chambord. Atraído, não pelos aspectos<br />
majestosos da construção renascentista,<br />
mas pelos imponderáveis<br />
ali presentes da França de Cló-<br />
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Luzes da Civilização Cristã<br />
Castelo de Chambord, França<br />
vis, de Saint-Remy, de Santa Clotilde,<br />
enfim, de todas as Franças gloriosas<br />
e heróicas, que marcaram a<br />
história do mundo. É a raiz religiosa<br />
percebida em inúmeros monumentos<br />
como o Castelo de Chambord, e<br />
que nos proporciona essa superior<br />
compreensão da criação.<br />
Esta compreensão, creio eu, é o<br />
ápice da cultura.<br />
v<br />
34
“Passaria a noite na contemplação do<br />
Castelo de Chambord, atraído pelos<br />
imponderáveis ali presentes de todas<br />
as Franças gloriosas e heróicas que<br />
marcaram a história do mundo...”<br />
35
Com filial intimidade...<br />
T. Ring<br />
Apar de<br />
uma convicção<br />
profunda<br />
de tudo quanto<br />
a doutrina católica<br />
nos ensina a respeito da<br />
Santíssima Virgem, em<br />
nossa devoção a Ela devemos<br />
manifestar também<br />
uma espécie de aisance, de<br />
desembaraço, de intimidade<br />
de filhos os quais, embora se<br />
saibam muitas vezes indignos<br />
de serem atendidos pela Mãe,<br />
apresentam-se diante de Maria<br />
com inteira confiança, seguros<br />
de obterem seu amparo, seu socorro,<br />
seu sorriso...<br />
Essa filial desenvoltura, estejamos<br />
certos, é o ponto de partida<br />
inefavelmente suave de<br />
uma sincera e viva devoção a<br />
Nossa Senhora.<br />
Imagem Peregrina<br />
de Nossa Senhora<br />
de Fátima<br />
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