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Revista Dr Plinio 98

Maio de 2006

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Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>98</strong> Maio de 2006<br />

Salve<br />

Rainha...


Visitação de Nossa<br />

Senhora - Catedral de<br />

Oviedo, Espanha<br />

S. Hollmann<br />

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual,<br />

a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura<br />

Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava<br />

ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração<br />

da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino,<br />

excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.<br />

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado<br />

— para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que<br />

Lhe são contrárias.


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>98</strong> Maio de 2006<br />

Salve<br />

Rainha...<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

na década de 80; ao<br />

fundo, Nossa Senhora<br />

Auxiliadora (Igreja do<br />

Sagrado Coração<br />

de Jesus, São Paulo)<br />

Fotos: S. Miyazaki / T. Ting<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da assinatura anual<br />

Maio de 2006<br />

Comum. . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />

Colaborador.. . . . . . . . . . R$ 120,00<br />

Propulsor. . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />

Grande Propulsor. . . . . . R$ 400,00<br />

Exemplar avulso.. . . . . . . R$ 11,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

Editorial<br />

4 “Nunca se ouviu dizer...”<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 13 de maio de 1939:<br />

Discurso na “Editora Ave-Maria”<br />

Dona Lucilia<br />

6 Perfumes de antigos<br />

tempos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

10 “Tu me conduzirás à<br />

terra da retidão”<br />

14 Calendário dos Santos<br />

“R-CR” em perguntas e respostas<br />

16 Caráter processivo da Contra-Revolução<br />

A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

18 Um reflexo da perfeição<br />

divina<br />

O Santo do mês<br />

24 Nossa Senhora<br />

Auxiliadora<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 Ápice da cultura<br />

Última página<br />

36 Com filial intimidade...


Editorial<br />

“Nunca se ouviu dizer...”<br />

N<br />

o mês de maio, mês de Maria, conforme dizia <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, “sente-se uma proteção especial de Nossa Senhora<br />

se estender sobre todos os fiéis, e uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a universal<br />

certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período,<br />

ainda mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência” 1 .<br />

Condescendência e misericórdia maternais que imploramos com plena confiança ao longo do “Lembrai-vos”, oração<br />

atribuída a São Bernardo de Claraval, e por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> não só recitada diversas vezes ao dia, mas também incansavelmente<br />

recomendada a seus filhos espirituais. Ouçamo-lo:<br />

“Cumpre analisarmos e compreendermos as magníficas palavras dessa prece: Lembrai-Vos ó piíssima Virgem Maria,<br />

que nunca se ouviu dizer, que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado<br />

o vosso socorro, fosse por Vós desamparado.<br />

“A palavra nunca é bastante categórica; algum daqueles, ou seja, qualquer um, ao longo de dois mil anos de história<br />

da Igreja; proteção, assistência, socorro: proteção para evitar que a tentação venha, assistência é um auxílio numa situação<br />

difícil, socorro é para uma pessoa que se acha periclitando, sumindo, afundando. Pois bem, nunca se ouviu dizer<br />

que, tendo alguém pedido proteção, assistência e socorro a Nossa Senhora, fosse por Ela desamparado.<br />

“Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho.<br />

Quer dizer, se Vós nunca deixastes de proteger a ninguém, aqui estou eu, um ente humano, batizado na Igreja Católica;<br />

sou vosso filho, venho vos pedir auxílio, estou tentado, tive culpa, digamos que até caí perante uma tentação. Porém,<br />

continuo vivo, a vossa clemência me mantém neste mundo e, portanto, tenho o direito e o dever de rezar a Vós.<br />

Eis-me aqui, repleto de confiança na vossa misericórdia.<br />

“E, gemendo sob o peso de meus pecados, me prostro a vossos pés. Note-se como é animadora essa expressão. Não<br />

diz: ‘Eu, o inocente, o puro, o límpido; eu, o homem sem mancha, me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência<br />

me dá direito a vosso auxílio’. Não. ‘Gemendo sob o peso de meus pecados’. Ou seja, são tantas faltas que elas me<br />

prostraram no chão. Estou caído ao solo sob o fardo delas, e este me oprime de tal modo que eu chego a gemer. Ora,<br />

‘gemendo sob o peso de meus pecados’, o que faço eu? ‘Prostro-me a vossos pés’. Venho para junto de Vós, minha<br />

Mãe, e a Vós me agarro, na opressão de meus pecados.<br />

“Em seguida, a conclusão: Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as<br />

ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Amém. O pensamento é lindo. Dignai-Vos de ouvir com benignidade, com<br />

bondade, o que eu estou suplicando. De vossa parte eu espero um sorriso e que me alcanceis aquilo que Vos peço.<br />

“Essa é uma tocante e filial manifestação da confiança de qualquer alma, em qualquer estado, posta em qualquer<br />

situação, para com Nossa Senhora. Confiança que a reveste de ânimo e a faz se voltar à Santíssima Virgem, certa de<br />

receber o socorro da Virgem. O raciocínio que essa súplica encerra é simples: “Vós nunca abandonastes ninguém.<br />

Ora, eu sou alguém; logo, Vós não me abandonareis”. Trata-se de uma reflexão a mais lógica, concludente e convincente<br />

possível; a mais singela na sua esquematicidade e a mais irresistível, expressa numa linguagem de fervor e devoção.<br />

“Assim, resta-me fazer essa recomendação, jamais supérflua: nunca, nunca, nunca deixemos de rezar a Nossa Senhora.<br />

É preciso invocá-La, é necessário que a Ela sempre recorramos, máxime nos momentos difíceis de nossa existência.<br />

Seja nas horas de tentações, de provações, angústias e sofrimentos, seja nos problemas comuns de todos os<br />

dias, Ela nos ajudará. E se, por infelicidade, sucumbirmos à tentação, redobremos de ânimo e brademos: ‘Lembrai-<br />

Vos ó piíssima Virgem Maria!’<br />

“Ela, a melhor de todas as Mães, terá compaixão de nós, seus filhos, e nos reerguerá com um sorriso repassado de<br />

solicitude e carinho inimagináveis.”<br />

1<br />

) Última Hora, 7/5/1<strong>98</strong>4<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.


Datas na vida de um cruzado<br />

13 de maio de 1939<br />

Discurso na “Editora Ave-Maria”<br />

Por ocasião da cerimônia de bênção das<br />

novas oficinas gráficas da Editora Ave-<br />

Maria, dos RR. PP. Claretianos — situada<br />

na Rua Martim Francisco, em São Paulo,<br />

junto à igreja dessa mesma congregação —, pronunciou<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> um ardoroso encômio à obra<br />

dos missionários do Coração de Maria, considerada<br />

por ele “uma das maravilhas da Santa Igreja<br />

de Deus”. Abaixo, algumas passagens daquele<br />

memorável discurso:<br />

Mais do que o lugar em que as almas dos fiéis<br />

são atraídas para o culto a Deus, este templo [dedicado<br />

ao Imaculado Coração de Maria] é a forja<br />

na qual se tempera a vida espiritual de cada missionário,<br />

dourada pelos raios divinos da graça e<br />

enrubecida pelo sofrimento que faz sangrar a alma<br />

ou o corpo, nas grandes imolações e nos gloriosos<br />

triunfos da vida interior. No lugar de honra<br />

do altar‐mor, como no alto da sua formosíssima<br />

cúpula, a imagem de Maria sorri aos aflitos e<br />

aos pecadores, ostentando‐lhes seu Coração Imaculado,<br />

como promessa de perdão e de socorro. E<br />

assim são atraídas por uma devoção que é característica<br />

de nossa Fé, devoção que constitui em si<br />

mesma um modelo primoroso de delicadeza e de<br />

elevação moral. (...)<br />

Ao lado desse monumento de Fé, feito para glorificar<br />

um tal primor de delicadeza e de perfeição,<br />

estão as oficinas gráficas. Aí, o recolhimento do<br />

templo desaparece para dar lugar a uma atividade<br />

febril, o silêncio augusto da oração é substituído<br />

pelo vozerio humano e pelos ruídos incessantes<br />

e importunos das máquinas, e o ar não se satura<br />

mais com as harmoniosas invocações da ladainha<br />

lauretana, mas com a desarmonia incessante<br />

dos mil e um ruídos que caracterizam a vida<br />

industrial. Não se fala de turíbulos, de flores ou<br />

de rendas para os altares, mas de manivelas, de<br />

alavancas, de tipos metálicos e de força elétrica.<br />

Dir‐se‐ia, à primeira vista, que um abismo profundo<br />

separa o templo da oficina...<br />

Entretanto, neste aparente abismo, está o sentido<br />

profundo da obra, nesse ilusório contraste está<br />

o segredo de seu êxito, e nessa irreal diversidade está<br />

a harmonia do conjunto. O templo é a alma da<br />

oficina. A oficina é um prolongamento do templo.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fins dos anos 30<br />

Realmente, é na oração do templo, é na meditação,<br />

é no estudo, é no recolhimento da vida interior,<br />

que a Fé se firma e adquire aquele vigor, aquela<br />

extensão, aquela firmeza necessária para projetar<br />

seus princípios sobre os setores da atividade<br />

material e moral dos homens. É no templo, pois,<br />

com o auxílio da graça de Deus, que as almas se<br />

formam, que as inteligências se iluminam, que as<br />

vontades se temperam, e que o fruto do trabalho<br />

interior floresce em permanentes resoluções salutares.<br />

Em seguida, essas idéias acumuladas pela<br />

vida interior e tornadas ardentes pelo zelo, tendem<br />

a se difundir de modo benéfico sobre todas as criaturas.<br />

E vem então o papel da oficina, que, posta<br />

ao serviço da contemplação e do estudo, é o canal<br />

pelo qual as maravilhas operadas por Deus nas almas<br />

se derramam em torrente benéfica sobre a humanidade.<br />

Entre a pulsação dos corações no templo e as<br />

vibrações das máquinas na oficina, há uma estreita<br />

relação de causalidade. Porque é o zelo que<br />

mantém esta obra, é ele que a tem desenvolvido,<br />

e é ele que dá aos seus frutos o necessário sabor<br />

evangélico.<br />

v<br />

Arquivo revista


Dona Lucilia<br />

Perfumes<br />

de antigos<br />

tempos<br />

Já bem perto de sua passagem<br />

para a eternidade, ainda se<br />

ouvia Dª Lucilia narrar com<br />

atraente singeleza os episódios que,<br />

na época de sua juventude, presenciara<br />

no palacete Ribeiro dos Santos,<br />

tão perfumado pelos distintos<br />

aromas da Belle Époque. Retomemos<br />

sua história visitando-o, e acompanhemos<br />

de perto as reações de um<br />

copeiro, ao conhecer aquela mansão,<br />

quando de sua chegada a São Paulo.<br />

Um filho de colonos<br />

na capital<br />

Entre a multidão que apressadamente<br />

desce dos vagões à procura de<br />

parentes, ou em demanda do ponto<br />

de tílburis mais próximo da Estação<br />

da Luz, passa quase despercebida a<br />

pequena e delgada figura de um negrinho,<br />

cujas atitudes denunciam o<br />

campônio que pela primeira vez pisa<br />

o chão da capital. Olhos grandes e vivazes,<br />

vai ele arrastando uma trouxa,<br />

estação afora, boquiaberto com a dimensão<br />

e as belas linhas do edifício.<br />

Ao sair à rua, uma estranheza: onde<br />

está o cafezal, seu cenário tão familiar?<br />

Zezinho — é o seu apelido —<br />

que só concebe o mundo à maneira<br />

de sua terra natal, no Noroeste paulista,<br />

cobertos por renques de arbustos<br />

da rubiácea, decide atravessar o<br />

lindo Jardim da Luz, esperando, talvez,<br />

encontrá-los do outro lado...<br />

Filho de colonos da fazenda de<br />

<strong>Dr</strong>. Gabriel — irmão de Dª Lucilia<br />

— Zezinho chega a São Paulo para<br />

servir de copeiro na casa do patrão.<br />

Muito expansivo, começa em pouco<br />

tempo a dar pitorescas “entrevistas”<br />

sobre as impressões que a cidade lhe<br />

causa.<br />

Um dia obtém licença para ir ao<br />

palacete Ribeiro dos Santos, a fim<br />

de satisfazer sua curiosidade.<br />

O filho de colonos se<br />

encantou com a beleza<br />

da Estação da Luz e o<br />

vasto jardim que se abria<br />

à frente dela<br />

Jardim e Estação da Luz<br />

no início do século XX


Fotos: Arquivo revista<br />

Entre sedas e<br />

porcelanas européias<br />

É domingo à tarde, quase todos<br />

saíram, as salas estão vazias. Depois<br />

de conhecer, no andar térreo,<br />

os bem-organizados aposentos para<br />

hóspedes e as dependências para<br />

empregados, que lhe pareceram primorosas,<br />

Zezinho percorre os cômodos<br />

do andar superior indicados pelas<br />

criadas.<br />

Começa pela grande sala de jantar.<br />

Mal penetra no local, sente que<br />

a numerosa e bem-trabalhada mobília<br />

de carvalho, a um tempo grave e<br />

elegante, impõe um comportamento<br />

digno, sem entretanto intimidar. Um<br />

sofá de couro, acompanhado de duas<br />

poltronas do mesmo estilo, duas<br />

cadeiras de balanço, alguns quadros<br />

a óleo de renomados pintores e, especialmente,<br />

um grande tapete persa,<br />

acrescentam um toque ameno ao<br />

belo conjunto decorado por um artístico<br />

lambri de madeira que o reveste<br />

em toda a extensão.<br />

Sem conter a curiosidade, Zezinho<br />

abre um pesado armário. Fica<br />

assombrado com a quantidade e<br />

variedade de serviços de jantar e de<br />

chá, bandejas, salvas, compoteiras,<br />

fruteiras, jarras, pratos e talheres —<br />

em porcelana, cristal, madrepérola<br />

ou prata, franceses e ingleses — sobressaindo<br />

um serviço de cristal de


Dona Lucilia<br />

Baccarat, com 189 peças, e outro de<br />

porcelana de Limoges.<br />

Caminhando pensativo, Zezinho<br />

entra devagar na sala de visitas menor,<br />

que encontra envolta em ligeira<br />

penumbra. Entre os móveis se destacam<br />

um confortável sofá, uma mesinha<br />

de chá e uma escrivaninha. Dominando<br />

o ambiente, a lembrar serões<br />

familiares, um piano. Local destinado<br />

a receber pessoas cujo convívio<br />

pode ser menos pomposo, a sala<br />

faz ressaltar uma combinação harmônica<br />

de intimidade com elevação.<br />

“Que beleza”! — exclama Zezinho<br />

para si mesmo, deixando-se ficar<br />

ali algum tempo. Caminha no<br />

macio dos ricos tapetes, apalpa a seda<br />

das cortinas e observa as circunspectas<br />

e amáveis fisionomias dos antepassados<br />

daquela família, retratados<br />

nos quadros. Zezinho não sai da<br />

sala sem antes notar ainda um lindo<br />

e nobre lustre feito de bronze dourado<br />

e cristal.<br />

“Estou pensando nos que<br />

moram nesta casa...”<br />

Tendo resolvido entrar no salão<br />

contíguo, não contém uma exclamação:<br />

“Como pode ser tão bonito?!”<br />

Desde logo fascinado pelo lugar,<br />

toma uma atitude respeitosa,<br />

sem poder definir se vê aquilo como<br />

uma capela ou um palácio. Chamalhe<br />

imediatamente a atenção o efeito<br />

magnífico causado pelo conjunto<br />

dos móveis dourados e pelos papéis<br />

de parede da mesma cor, sobre os<br />

quais cintila a luz solar, que penetra<br />

pelos vãos das janelas apenas entreabertas.<br />

Enquanto caminha pisando<br />

de leve sobre o grosso tapete, sente-se<br />

adentrando um mundo feito de<br />

ouro. E as cortinas? Dignas, sérias,<br />

agradáveis, de excelente seda francesa<br />

de cor fraise, estampadas com floreado<br />

prateado e encimadas por sanefas<br />

de bronze polido. Nestas, laçarotes<br />

de veludos formam interessantes<br />

desenhos.<br />

Zezinho se detém maravilhado,<br />

pousando os olhos com vagar em<br />

cada detalhe: aqui um grande sofá<br />

dourado, com estofamento francês;<br />

na lateral, um grande e magnífico espelho;<br />

acolá, duas colunas douradas<br />

sobre as quais repousam vasos de<br />

alabastro com base e alças de bronze,<br />

que pertenceram ao Imperador<br />

Dom Pedro II.<br />

Por fim, o rapaz abre outra porta<br />

e se vê no escritório, onde encontra<br />

um jovem a ler:<br />

— Bom dia, senhor.<br />

— Ô Zezinho, como vai você?<br />

— Bem, obrigado.<br />

Zezinho olha... olha... e ouve a<br />

pergunta:<br />

— O que você está olhando, Zezinho?<br />

— Estou pensando nos que moram<br />

nesta casa. Estou achando tudo<br />

tão bonito... — Reflete um pouco e<br />

acrescenta:<br />

— Eu não compreendo por que<br />

essa gente rica de São Paulo gosta<br />

tanto de sair à rua. Cada um tem<br />

uma casa que é um céu! Por que não<br />

ficar nesse céu? Se eu tivesse uma<br />

casa como esta, eu passava o dia indo<br />

de uma sala para outra, olhando tudo,<br />

olhando tudo de novo... E quando<br />

acabasse de ver a última sala, eu<br />

voltava para a primeira. Tem tanta<br />

sala aqui, tem tanto quarto, para que<br />

sair, se a rua não é tão bonita...?<br />

Distinção feita a<br />

Dona Gabriela no<br />

“baile branco”<br />

Os ares aristocráticos da residência<br />

não causavam agrado só a pessoas<br />

como Zezinho, mas também a<br />

parentes e amigos da melhor sociedade,<br />

que continuamente a visitavam.<br />

Entretanto, muito mais do que<br />

a casa, atraía-os aquele ambiente familiar,<br />

fundamentalmente brasileiro,<br />

cuja cultura, modos de ser e tons<br />

eram marcados a fundo pela cultura<br />

francesa: a dignidade nobre, as maneiras<br />

compostas de seriedade, de<br />

distinção, de gentileza, nas quais a<br />

cerimônia e a amenidade andavam<br />

de par.<br />

Sendo os Ribeiro dos Santos conhecidos<br />

por sua inigualável arte de<br />

bem conversar, freqüentes convites<br />

os levavam a reuniões sociais em casa<br />

de famosos nomes da história de<br />

São Paulo.<br />

Na mansão de um magnata daquele<br />

tempo, o Conde Álvares Penteado,<br />

houve certa vez um memorável<br />

“baile branco”. Este nome indicava<br />

que todos os cavalheiros deveriam<br />

portar uma flor branca na lapela,<br />

e as damas trajar vestido de baile<br />

da mesma cor. Em outras ocasiões<br />

as cores variavam, conforme ficasse<br />

estabelecido, e poderia haver, por<br />

exemplo, um “baile cor-de-rosa”.<br />

Os bailes tinham início mais cedo<br />

do que hoje. A certa altura as danças<br />

eram interrompidas e, enquanto<br />

os convivas conversavam, os garçons<br />

terminavam os preparativos para o<br />

banquete. Afinal a orquestra tocava,<br />

anunciando estar tudo pronto, o anfitrião<br />

se dirigia a alguma dama que<br />

quisesse distinguir e se inclinava ofe-


Freqüentes convites levavam os<br />

Ribeiro dos Santos às recepções<br />

e bailes da sociedade paulista,<br />

como o “baile branco”, no<br />

qual Dona Gabriela foi<br />

homenageada pelo anfitrião,<br />

Conde Álvares Penteado<br />

O Conde Álvares Penteado, sua família<br />

e a mansão que habitavam no Bairro<br />

de Higienópolis, em São Paulo<br />

recendo-lhe o braço; o esposo da senhora<br />

assim escolhida fazia o mesmo<br />

com a dona da casa, formando-se em<br />

seguida os vários pares que se dirigiam<br />

em cortejo para a sala de jantar.<br />

Muitos dias antes da festa promovida<br />

pelo Conde Penteado, já se previa<br />

que ela seria excepcionalmente<br />

brilhante, suscitando amistoso jogo<br />

de conjecturas, entre as senhoras,<br />

a respeito de quem receberia aquela<br />

particular consideração.<br />

Chegado o momento, o conde não<br />

teve dúvida: atravessou a sala de um<br />

extremo a outro, em direção à roda<br />

onde conversava a mãe de Dª Lucilia,<br />

fez uma reverência e, estendendo-lhe<br />

o braço, disse:<br />

— Dona Gabriela, a senhora quer<br />

me dar a honra?<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio, logo a seguir, convidou<br />

a Condessa Penteado a acompanhá-lo,<br />

e assim entraram na sala do<br />

banquete.<br />

Dona Lucilia contará mais tarde,<br />

comprazida, esse episódio em que<br />

sua mãe fora tão honrada devido à<br />

sua natural e saliente distinção.<br />

Naquele ambiente — todo feito<br />

de esplendores e cerimônia, realçado<br />

pela nobre e alegre nota francesa<br />

— permanecia vivo, em matéria<br />

de primeira importância como o<br />

convívio social, o belo aroma de cristã<br />

moralidade, que Portugal nos legara,<br />

país com o qual o Brasil formara,<br />

ainda não havia muito, um reino<br />

unido. Assim, marcada por tais características,<br />

a aristocracia paulistana<br />

harmonizou alguns de seus elementos<br />

fundamentais típicos: Fé, vida<br />

social e seleção.<br />

(Transcrito, com adaptações, da obra<br />

“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

“Tu me conduzirás<br />

à terra da retidão”<br />

A firme esperança no socorro divino, expressa em<br />

palavras repassadas de força impetratória e humildade<br />

admiráveis, constitui o pensamento final do Salmo<br />

142, comentado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. Este, à luz das súplicas<br />

do Salmista, nos assevera como devemos ansiar pela<br />

renovação de todas as coisas, para que este mundo se<br />

torne uma verdadeira “terra da retidão”.<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

Após exprimir seu veemente desejo de andar nos<br />

caminhos do Senhor, de conformar suas cogitações<br />

e vias com as vias e cogitações de Deus, o<br />

Salmista pensa naquilo e naqueles que podem impedi-lo<br />

de alcançar a almejada união com o Criador. Então diz:<br />

Livra-me dos meus inimigos, Senhor; junto de Ti me refugio...<br />

Refere-se ele aos seus inimigos terrenos, em particular<br />

os que o perseguem por amor à justiça. São seus adversários,<br />

não porque o odeiam pessoalmente, mas por<br />

detestarem a Deus, a quem ele ama. Sobre aquele que é<br />

perseguido pelo fato de amar a justiça desce uma misericórdia<br />

especial.<br />

Inteira submissão à vontade de Deus<br />

...Ensina-me a fazer a tua vontade, porque Tu és o meu<br />

Deus.<br />

O caminho de Deus é um símbolo para exprimir a<br />

vontade do Altíssimo, que o Salmista quer cumprir. O<br />

significado mais profundo de suas palavras é<br />

este: “Creio em Ti e te amo de todo o coração;<br />

adoro-te e me dou inteiramente a Ti. Se teu caminho<br />

for árduo e, ao longo dele, eu mesmo<br />

deva sofrer uma verdadeira crucifixão, se me<br />

deres graças e forças para tanto, quero padecê-la.<br />

Mas, se for marcado por uma benignidade<br />

especial, então eu a desejo. Serei como Jó:<br />

se todas as pragas da Terra caírem sobre mim,<br />

ou vierem dias em que me cumulares de felicidade,<br />

desejarei umas e outra. Porém, não almejo<br />

as pragas pelas pragas, nem a felicidade<br />

por causa da felicidade. Eu quero apenas a Ti,<br />

ó meu Deus!”<br />

A terra da retidão<br />

O teu bom espírito me conduzirá à terra da retidão.<br />

Por causa do teu nome, Senhor, me darás a<br />

vida segundo a tua justiça.<br />

10


O Salmista deseja cumprir a<br />

vontade de Deus e caminhar<br />

nas vias do Senhor; sejam<br />

elas marcadas por alegrias<br />

ou por dores<br />

O Rei e Profeta David - Vitral de Notre-<br />

Dame de Paris (à esquerda) e tapeçaria<br />

do Castelo de Langeais (acima), França<br />

Esta é uma linda metáfora: “terra da retidão”! Ou seja,<br />

Deus conduzirá o Salmista para o local onde se é reto.<br />

O conceito enunciado neste versículo pode ser aplicado<br />

a várias situações históricas. Por exemplo, em nossa<br />

época, quando vivemos num mundo onde muitos homens<br />

a cada dia se distanciam mais da virtude, ansiamos<br />

por sair desse estado e chegar àquela terra da retidão<br />

que será o Reino de Maria. Desejamos alcançá-la, não<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

porque nos trará benefícios particulares, e sim porque<br />

veremos nela a merecida glorificação da Mãe de Deus<br />

na História. Essa é nossa atitude de alma, pois queremos<br />

trilhar o caminho do Senhor. E percorrê-lo, pensando no<br />

seu termo: a contemplação do Criador, face a face, no<br />

Céu. A eterna bem-aventurança: para lá Deus leva o homem<br />

justo.<br />

Prelibação da felicidade celeste<br />

A esse propósito, recordo uma aparição da Mamma<br />

Margherita, mãe de São João Bosco, a seu filho.<br />

Como se sabe, residia ela primeiramente num casebre,<br />

no Piemonte, região da Itália. Quando todos os seus<br />

filhos se tornaram adultos, foi ela morar e trabalhar com<br />

Dom Bosco, no Oratório que este fundara. Algum tempo<br />

depois de sua morte, ela apareceu ao santo, que lhe fez<br />

esta pergunta:<br />

— Mamãe, estais viva ou morta?<br />

São João Bosco fez tal indagação porque a mãe se<br />

apresentava tão radiosa e gloriosa, que talvez houvesse<br />

ressuscitado.<br />

— Morta, sim, mas inundada de felicidade. — respondeu<br />

sua mãe.<br />

Após uma breve mas substanciosa conversa, São João<br />

Bosco pediu a ela:<br />

— Já que estais no Céu, fazei-me sentir algo, ainda<br />

que uma gota, da felicidade celeste.<br />

Mamma Margherita tornou-se mais luminosa, brilhante,<br />

e uma música inundou o recinto da igreja onde ela<br />

São João Bosco experimentou<br />

algo dos esplendores do Paraíso,<br />

ao ter a visão da Mamma<br />

Margherita glorificada no Céu<br />

Mamma Margherita e São João Bosco<br />

Pintura conservada na Casa-mãe<br />

dos salesianos em Turim, Itália<br />

V. Domingues<br />

12


apareceu ao filho. Este<br />

comentou depois ter tido<br />

a impressão de que<br />

era uma melodia cantada<br />

por milhares de vozes<br />

de anjos, glorificando<br />

sua mãe. Por fim, a<br />

visão cessou.<br />

Poder-se-ia dizer<br />

que São João Bosco<br />

teve uma experiência<br />

do Céu.<br />

Viu ele também,<br />

entre os anjos,<br />

meninos do Oratório,<br />

que já haviam<br />

morrido, cantando<br />

as glórias da Mamma<br />

Margherita. Naturalmente,<br />

os reconheceu<br />

como seus antigos discípulos.<br />

Sirva a lembrança<br />

dessa aparição da Mamma<br />

Margherita como<br />

ocasião para incidir sobre<br />

cada um de nós um<br />

raio de luz sobrenatural,<br />

um toque da graça,<br />

para perseverarmos no<br />

caminho do bem, desejando<br />

sempre o Céu.<br />

Continuemos, agora,<br />

os comentários ao Salmo<br />

142.<br />

Nunca esmorecer nas vias da perfeição<br />

À exemplo do Salmista, confiemos em que Nossa<br />

Senhora removerá de nosso caminho rumo à<br />

eternidade todos os obstáculos que nos impedem<br />

de alcançarmos a perfeição espiritual<br />

O Rei David canta e dança em louvor a<br />

Deus - Catedral de Colônia, Alemanha<br />

Afirma o Rei David:<br />

Tirarás a minha alma da tribulação, e pela tua misericórdia<br />

dissiparás todos os meus inimigos.<br />

Para não abandonarmos o método das analogias, consideremos<br />

que, ao longo de nossa vida, Maria Santíssima<br />

pode permitir que passemos por grandes provações e nos<br />

sintamos exaustos. Nessa hora, dois caminhos se apresentarão<br />

diante de nós. Um, o do poltrão, que diz: “Minha<br />

Mãe, não agüento mais, tirai-me da luta!”. O outro,<br />

do herói, que reza: “Minha Mãe, eu desfaleço, mas desejo<br />

lutar ainda mais; dai-me forças!”<br />

De acordo com as inspirações do Divino Espírito Santo,<br />

a ação da graça em nossa alma, de um lado, e as de<br />

nossas más tendências, de outro, somos inclinados à primeira<br />

ou à segunda atitude.<br />

Nesses momentos,<br />

cada um de nós, olhando<br />

para dentro de si mesmo,<br />

deve pensar: “Estou<br />

lutando pela causa<br />

da Santíssima Virgem,<br />

quero ser justo. Quantas<br />

vezes Ela renovou<br />

em mim as forças<br />

que esmoreciam!<br />

E sempre que Ela<br />

me fortaleceu, fui<br />

capaz de me reerguer.<br />

Agora não será<br />

diferente.”<br />

E, voltando-se para<br />

Nossa Senhora, implorar:<br />

“Estou mergulhado<br />

na tribulação. Mas Vós,<br />

ó Mãe, me tirareis dessa<br />

situação e dissipareis<br />

meus inimigos que não<br />

consigo vencer. A Vós,<br />

também, estendo minha<br />

mão!”<br />

Esperança na<br />

renovação de<br />

todas as coisas<br />

E destruirás todos os<br />

que atormentam a minha<br />

alma, porque eu sou<br />

teu servo.<br />

Tão intensa é a beleza<br />

deste versículo final, que ela nos tolhe os comentários...<br />

Digamos apenas, na linha das aplicações, que nos<br />

é dado esperar uma especial proteção de Nossa Senhora<br />

no sentido de que Ela remova do nosso caminho rumo<br />

ao Céu tudo que nos atormenta, nos atribula, nos impede<br />

de correspondermos plenamente aos desígnios de<br />

Deus sobre nós.<br />

Digamos, outrossim, que ainda nesta Terra, a Virgem<br />

Santíssima terá servos bons e fiéis com os quais renovará<br />

todas as coisas, implantando o Reino de Maria. E<br />

desse modo veremos confirmada, uma vez mais, a promessa<br />

divina de que as portas do inferno jamais prevalecerão<br />

contra a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.<br />

Imbuídos de tais sentimentos, encerramos essas reflexões<br />

inspiradas pelo Salmo 14.<br />

v<br />

13


Calendário dos Santos<br />

1. São José Operário. Em 1955, o<br />

Papa Pio XII dedicou esta memória<br />

litúrgica ao Pai legal de Jesus, comemorando<br />

sua vida silenciosa e oculta<br />

na santa casa de Nazaré, junto ao<br />

Homem-Deus e Nossa Senhora.<br />

2. Santo Atanásio, Bispo e Doutor<br />

da Igreja. Bispo de Alexandria,<br />

cidade em que nasceu no ano 295.<br />

3. São Filipe e São Tiago, Apóstolos,<br />

séc. I. Naturais de Betsaida,<br />

como São Pedro e Santo André, foram<br />

discípulos de São João Batista,<br />

antes de seguir o chamado de Nosso<br />

Senhor (Jo 1, 43-44).<br />

4. São Gotardo, Bispo, séc. XI.<br />

Bispo de Hildesheim, na Baixa Saxônia<br />

(Alemanha). Um dos animadores<br />

da cultura no Sacro Império,<br />

foi monge beneditino de origem bávara<br />

e reformador de mosteiros.<br />

Morreu em 1038.<br />

5. Santo Hilário de Arles, Bispo,<br />

séc. V.<br />

6. Santa Benedicta, Virgem, séc.<br />

VI. Religiosa em Roma.<br />

7. 4º Domingo de Páscoa.<br />

São João de Beverley, séc.<br />

VIII. Bispo de York na Inglaterra.<br />

Morreu em 721.<br />

8. São Pedro de Tarantásia,<br />

1102-1174.<br />

Cisterciense francês.<br />

Por seu exemplo,<br />

levou todo o<br />

restante da família<br />

(pai, mãe e irmãos) a ingressar<br />

na vida religiosa. Eleito abade<br />

de Taimé e, posteriormente, Bispo<br />

de Tarantásia, nessa mesma região.<br />

O Papa Alexandre III lhe encomendou<br />

difíceis tarefas diplomáticas<br />

junto a Henrique II da Inglaterra e<br />

Luís VII da França. Mesmo sendo<br />

Bispo, manteve seu estilo monacal,<br />

chegando inclusive a se recolher<br />

por um ano na Grande Cartuxa.<br />

9. Santo Isaías, Profeta do Antigo<br />

Testamento, séc. IX a.C.<br />

10. Santa Solange, Virgem e<br />

Mártir. Nasceu nos arredores de<br />

Bourges (França), em Villemont.<br />

Aos 7 anos fez voto de virgindade.<br />

Conta-se que sua inocência e santidade<br />

eram tais que curava doentes,<br />

e sua simples presença expulsava os<br />

demônios. Pastoreava os cordeiros<br />

num prado de seu pai, quando o filho<br />

do conde de Bourges a avistou e<br />

ficou admirado por sua beleza, propondo<br />

a seu pai o casamento. Ela<br />

se negou peremptoriamente, o que<br />

levou o jovem nobre a raptá-la. Levada<br />

a galope, deixou-se cair do cavalo<br />

perto de um arroio. Seu raptor,<br />

indignado, lhe cortou a cabeça.<br />

Conta a história que ainda com<br />

a cabeça separada, disse três vezes<br />

o nome de Jesus, e portou a cabeça<br />

até a Igreja de Saint-Martin, em<br />

Saint-Martin-du-Crot, sobre a qual<br />

se construiu depois a Igreja de Santa<br />

Solange. Situa-se a data do seu<br />

martírio em 10 de maio de 878.<br />

11. São Maiolo (Mayeul), Abade<br />

de Cluny, séc. X.<br />

12. São Pancrácio, Mártir. Com<br />

apenas 14 anos sofreu o martírio,<br />

sendo decapitado sob o Imperador<br />

Diocleciano um dia depois de ser<br />

batizado. Morreu na Via Aurelia de<br />

Roma, em 12 de maio do ano 305.<br />

Seu corpo é muito venerado na Basílica<br />

romana construída no mesmo<br />

lugar em que padeceu o suplício.<br />

13. Nossa Senhora de Fátima,<br />

que apareceu aos três pastorinhos<br />

na Cova da Iria, Portugal, em 1917.<br />

São João, o silencioso (João<br />

Hesychastes), 454-558. Natural de<br />

Nicópolis, na Armênia. Tendo sido<br />

monge desde os 18 anos, fundou<br />

um convento aos 20 e, aos 28,<br />

foi eleito Bispo de Colônia<br />

(Taxara), na Palestina. Nove<br />

anos depois, retirouse<br />

ao mosteiro de São<br />

Sabas, como simples<br />

monge, embora tenha<br />

revelado sua<br />

condição de<br />

São Matias<br />

Apóstolo<br />

14


* Maio *<br />

Bispo quando quiseram ordená-lo<br />

padre. Recolheu-se e viveu mais 75<br />

anos como eremita silencioso.<br />

14. 5º Domingo de Páscoa.<br />

São Matias, Apóstolo, séc. I.<br />

Eleito para ocupar o lugar de Judas<br />

Iscariotes no colégio apostólico.<br />

15. São Isidro, lavrador, 1070-<br />

1130. Agricultor, santificou-se nos<br />

trabalhos do campo, junto à sua esposa,<br />

Santa Maria da Cabeça. É padroeiro<br />

da cidade de Madrid (Espanha).<br />

16. São Simão Stock, Religioso,<br />

sécs. XII-XIII.<br />

17. São Pascual Bailón, séc.<br />

XVI.<br />

18. São João I, Papa e Mártir,<br />

+526. Nascido na Toscana e eleito<br />

Sucessor de Pedro em 523, tornouse<br />

o primeiro Papa na História a visitar<br />

Constantinopla, onde foi recebido<br />

por mais de 15 mil fiéis com<br />

tochas nas mãos. Coroou o Imperador<br />

Justino I, na Basílica de Santa<br />

Sofia. Perseguido pelo rei ariano<br />

Teodorico, foi encarcerado em Ravena,<br />

na Itália, até morrer de fome.<br />

Seu corpo, quatro anos depois, foi<br />

transladado à Basílica de São Pedro<br />

com honras de mártir.<br />

19. São Pedro Murrone (Papa<br />

Celestino V), séc. XIII. Eremita da<br />

região dos Abruzzi, Itália, foi eleito<br />

Papa aos 80 anos, em 1294, e com<br />

dificuldade aceitou. Passados cinco<br />

meses renunciou, e retirou-se à<br />

solidão novamente, morrendo dois<br />

anos depois.<br />

20. São Bernardino de Siena, séc.<br />

XV. Sacerdote capuchinho, pregador<br />

e reformador.<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

Santa Rita de Cássia<br />

21. 6º Domingo de Páscoa.<br />

22. Santa Rita de Cássia, Religiosa,<br />

+1457. Padroeira das causas consideradas<br />

impossíveis. Suportou heroicamente<br />

os maus tratos do marido.<br />

Após a morte deste e dos filhos,<br />

ingressou no convento da Ordem de<br />

Santo Agostinho, onde se distinguiu<br />

como religiosa exemplar.<br />

23. São João Batista de Rossi,<br />

Presbítero, 16<strong>98</strong>-1764. Ordenado<br />

padre em 1721, dedicou-se aos pobres<br />

e à formação dos estudantes,<br />

em Roma.<br />

24. Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

O Papa Pio VII, prisioneiro de Napoleão,<br />

prometeu à Mãe de Deus<br />

instaurar uma nova festa em sua<br />

honra na Igreja, se o libertasse da<br />

indigna prisão. Napoleão caiu e o<br />

Papa entrou em triunfo na cidade<br />

de Roma, em 24 de maio de 1814<br />

e instituiu essa data como festa de<br />

Maria Auxiliadora, na Cidade Eterna.<br />

Ver artigo na página 24.<br />

25. São Beda, o Venerável, Presbítero<br />

e Doutor da Igreja, 673-735.<br />

São Gregório VII, Papa, 1020-<br />

1059.<br />

26. São Filipe Néri, Presbítero,<br />

+1595. Apóstolo da juventude<br />

abandonada, fundou a Obra do<br />

Oratório, na Itália.<br />

27. Santo Agostinho de Cantuária<br />

(Canterbury), +605. Prior beneditino<br />

e posteriormente Bispo<br />

dessa sede episcopal inglesa, foi enviado<br />

pelo Papa São Gregório Magno<br />

para evangelizar a Inglaterra.<br />

28. Ascensão do Senhor.<br />

São Germano, Bispo de Paris,<br />

séc.VI.<br />

29. São Cirilo de Cesaréia, Mártir,<br />

séc. III. Padeceu o martírio ainda<br />

quando menino. Instruído no Cristianismo,<br />

costumava repetir continuamente<br />

o nome de Jesus, afirmando<br />

que o simples fato de pronunciálo<br />

era santificante. Seu pai, pagão, o<br />

perseguiu e maltratou barbaramente,<br />

expulsando-o do lar. Informado,<br />

o governador romano da região<br />

o chamou à sua presença, e tentou<br />

conquistá-lo por meio de promessas<br />

e dádivas. Tendo negado, Cirilo sofreu<br />

cruéis torturas pelo fogo, sob as<br />

quais manteve-se firme e perseverante.<br />

Depois de comparecer novamente<br />

junto à autoridade romana e<br />

reiterar sua Fé em Cristo, conduziram-no<br />

de volta à fogueira, onde rogou<br />

aos algozes que se apressassem<br />

em dar fim à sua vida.<br />

30. São Fernando III, Rei de Castela,<br />

11<strong>98</strong>-1217.<br />

Santa Joanna D’Arc, Virgem,<br />

séc. XV.<br />

31. Visitação de Nossa Senhora.<br />

15


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

Caráter processivo<br />

da<br />

Contra-Revolução<br />

Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao contrário das artimanhas e argumentos<br />

fraudulentos da Revolução na sua marcha pela desordem,<br />

a Contra-Revolução, no seu caminhar progressivo em<br />

favor da ordem e do bem, só pode usar da verdade, nada<br />

ocultando àqueles aos quais procura formar.<br />

A variedade das vias<br />

do Espírito Santo<br />

Há um processo contra-revolucionário?<br />

“É evidente que, tal como a Revolução,<br />

a Contra-Revolução é um processo,<br />

e que portanto se pode estudar<br />

a sua marcha progressiva e metódica<br />

para a ordem. Todavia, há algumas<br />

características que fazem essa<br />

marcha diferir profundamente do<br />

caminhar da Revolução para a desordem<br />

integral. Isto provém do fato<br />

de que o dinamismo do bem e do<br />

mal são radicalmente diversos” (pp.<br />

120-121).<br />

De que modo alguém, arrastado<br />

pela Revolução, pode se desvencilhar<br />

dela?<br />

“Ninguém pode fixar limites à<br />

inexaurível variedade das vias de<br />

Deus nas almas. Seria absurdo reduzir<br />

a esquemas assunto tão complexo.<br />

Não se pode, pois, nesta matéria,<br />

ir além da indicação de alguns erros<br />

a evitar e de algumas atitudes prudentes<br />

a propor.<br />

“Toda conversão é fruto da ação<br />

do Espírito Santo, que, falando a cada<br />

qual segundo suas necessidades,<br />

ora com majestosa severidade, ora<br />

com suavidade materna, entretanto<br />

nunca mente” (pp. 123-124).<br />

Nada esconder<br />

Deve-se mostrar ou ocultar o termo<br />

último da formação de um contra-revolucionário?<br />

“No itinerário do erro para a verdade,<br />

não há para a alma os silêncios<br />

velhacos da Revolução, nem suas<br />

metamorfoses fraudulentas. Nada se<br />

lhe oculta do que ele deve saber. A<br />

verdade e o bem lhe são enunciados<br />

integralmente pela Igreja.<br />

“Não é escondendo, sistematicamente,<br />

o termo último de sua formação,<br />

mas mostrando-o e fazendoo<br />

desejado sempre mais, que se obtém<br />

dos homens o progresso no bem<br />

(p. 124).<br />

Prudente<br />

contemporização<br />

Há algum documento pontifício<br />

que estabelece normas aplicáveis à<br />

questão acima formulada?<br />

16


“A Contra-Revolução deve fazer<br />

suas as sapientíssimas normas estabelecidas<br />

por São Pio X para o proceder<br />

habitual do verdadeiro apóstolo:<br />

‘Não é leal nem digno ocultar, cobrindo-a<br />

com uma bandeira equívoca,<br />

a qualidade de católico, como se<br />

esta fosse mercadoria avariada e de<br />

“Não devem os<br />

católicos ocultar como<br />

que sob um véu os<br />

preceitos do Evangelho,<br />

temerosos de serem<br />

menos ouvidos ou<br />

abandonados”<br />

Papa São Pio X<br />

contrabando’. Os católicos não devem<br />

‘ocultar como que sob um véu<br />

os preceitos mais importantes do<br />

Evangelho, temerosos de serem talvez<br />

menos ouvidos ou até completamente<br />

abandonados’ 1 ” (p. 124).<br />

Mas, não há casos em que se deve<br />

usar de contemporização?<br />

Na mesma encíclica, “judiciosamente<br />

acrescentava o santo Pontífice:<br />

‘Sem dúvida, não será alheio à<br />

prudência, também ao propor a verdade,<br />

usar de certa contemporização,<br />

quando se tratar de esclarecer<br />

homens hostis às nossas instituições<br />

e inteiramente afastados de Deus.<br />

As feridas que é preciso cortar, diz São<br />

Gregório, devem antes ser apalpadas<br />

com mão delicada. Mas essa mesma<br />

habilidade assumiria o aspecto de<br />

prudência carnal se erigida em norma<br />

de conduta constante e comum;<br />

e tanto mais que desse modo pareceria<br />

ter-se em pouca conta a graça<br />

divina, que não é concedida somente<br />

ao Sacerdócio e os seus ministros,<br />

mas a todos os fiéis de Cristo, a fim<br />

de que nossas palavras e atos comovam<br />

as almas desses homens’” (pp.<br />

124-125). v<br />

São Pio X - Museu da Basílica<br />

de São João de Latrão<br />

1<br />

) Encíclica Iucunda Sane, de 12/3/1904.<br />

R. C. Branco<br />

17


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

A harmonia entre grandes e pequenos<br />

Um reflexo<br />

da perfeição<br />

divina<br />

Após tomar conhecimento de um conto de Natal<br />

narrado por G. Lenôtre 1 , <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o transmitiu a<br />

seus jovens ouvintes, com aplicações e frutuosos<br />

ensinamentos sobre a relação harmônica,<br />

repassada de benevolência, que deve existir entre<br />

grandes e pequenos numa sociedade baseada nos<br />

princípios cristãos.<br />

Com seu estilo atraente e espirituoso,<br />

Lenôtre escreveu um<br />

de seus contos de Natal de<br />

maneira própria a desmitificar certas<br />

idéias sobre as causas mais profundas<br />

que determinaram a revolução<br />

de 1789 na França, bem como acerca<br />

do relacionamento entre as classes<br />

sociais naquela época.<br />

Procurarei reproduzir o conto<br />

conforme este me ficou na lembrança,<br />

tirando as ilações e aplicações<br />

que este nos sugere.<br />

Uma “guerra de nervos”<br />

na Conciergerie<br />

Imagine-se a Conciergerie 2 , prisão lúgubre<br />

onde eram detidos os condenados<br />

pelos revolucionários, muitos deles<br />

membros da aristocracia. É véspera de<br />

Natal de 1792, digamos, e ali se encontra<br />

um conde cujo “crime” maior era o<br />

de pertencer a uma classe que se destacava<br />

pela cultura, elegância e distinção.<br />

Nessa época, a Conciergerie estava<br />

repleta de presos, e todas as manhãs<br />

uma carreta vinha apanhar dez<br />

ou doze condenados que seriam executados<br />

naquele dia. Um pretenso<br />

oficial de justiça lia a sentença com<br />

a pena de morte, e logo depois ordenava<br />

que os levassem para a praça<br />

onde se erguia a tristemente célebre<br />

guilhotina.<br />

Após a partida da carreta — ou das<br />

carretas, conforme a quantidade de<br />

vítimas destinadas à execução —, os<br />

remanescentes respiravam um pouco<br />

aliviados. Mas, à medida que ia en-<br />

18


Fotos: P. Mikio / S. Hollmann / Arquivo revista<br />

Nos piores dias da Revolução<br />

Francesa, a Conciergerie era<br />

uma lúgubre prisão, onde os<br />

condenados — muitos deles nobres<br />

e aristocratas — aguardavam a<br />

carroça que os levaria à guilhotina<br />

Vistas exterior e interior da<br />

Conciergerie, no seu estado atual<br />

19


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

tardecendo, sentiam chegar provavelmente<br />

o crespúsculo de suas vidas. E<br />

quando conseguiam dormir à noite,<br />

muitos acordavam agoniados de madrugada,<br />

pois a próxima carroça poderia<br />

levá-los ao cadafalso.<br />

Assim passavam-se os dias, as semanas,<br />

os meses na Conciergerie. Era<br />

uma guerra de nervos.<br />

Visita inesperada<br />

numa noite de Natal<br />

O conde está sozinho, pois seus<br />

companheiros de infortúnio já haviam<br />

seguido seu destino cruel. Ele<br />

observa as coisas através das grades<br />

de sua masmorra, e se lembra das<br />

festas de Natal passadas em sua residência<br />

parisiense. Era viúvo, possuía<br />

apenas um filho, ainda menino, para<br />

o qual preparava uma pequena ceia.<br />

À meia-noite ele despertava a criança,<br />

e esta, alegre e maravilhada, contemplava<br />

a árvore de Natal decorada<br />

com encantadores enfeites e velinhas<br />

vermelhas; saboreava com os<br />

olhos apetitosos alimentos dispostos<br />

na mesa e, sobre os sapatos deixados<br />

junto à lareira, encontrava os<br />

presentes trazidos pelo Papai Noel.<br />

O conde se desdobrava em afetos e<br />

carinhos para com o filho, tentando<br />

substituir desse modo o papel da<br />

mãe, já falecida.<br />

Ora, numa dessas noites de Natal,<br />

o nobre esperava a hora de acordar<br />

o menino quando ouviu um grande<br />

barulho vindo da chaminé da lareira<br />

apagada. Para a sua surpresa, vê que<br />

alguém despenca lá do alto, aprumase<br />

e entra no salão da casa.<br />

Algo assustado, o conde verificou<br />

tratar-se do menino pobre a quem<br />

ele costumava pagar para manter a<br />

chaminé limpa. De fato, o garoto estava<br />

trabalhando naquele momento,<br />

perdeu o equilíbrio e caiu lá de cima,<br />

coberto de fuligem.<br />

Também ele um tanto espantado,<br />

o menino considerou aquela sala belamente<br />

ornada para uma festa de<br />

Natal, e o homem ali, sozinho, vestido<br />

como os nobres daquele tempo:<br />

sapatos de verniz com salto vermelho<br />

e fivelas douradas; meias de seda<br />

até os joelhos, roupas de veludo ou<br />

igualmente de seda, cabeleira empoada,<br />

etc. Era o conde.<br />

Noutro relance de vistas, notou<br />

com olhar faminto a mesa posta com<br />

os deliciosos quitutes e doces, destinados<br />

ao filho da casa que dormia. O<br />

conde se compadeceu dele, ajudou-o<br />

a remover o pó e a sujeira, e o mandou<br />

se lavar. Por fim, deu-lhe um régio<br />

presente de Natal: uma moeda<br />

de ouro chamada luís, porque trazia<br />

a efígie do rei com esse nome. Havia<br />

então luíses referentes ao monarcas<br />

Luís XV e Luís XVI, e uma só dessas<br />

moedas bastava para comprar muito<br />

mais que o necessário para uma boa<br />

refeição.<br />

O limpador de chaminé se retirou<br />

muito agradecido e, nos anos seguintes,<br />

na noite de Natal, retornava<br />

à casa do conde e lhe oferecia seus<br />

préstimos. O nobre o recebia com<br />

bonomia, aceitava a proposta e, na<br />

hora de se despedirem, dava sempre<br />

ao garoto uma moeda de ouro. Além<br />

disso, começou a auxiliar também a<br />

família dele, e essa solicitude acabou<br />

constituindo entre ambos uma simpatia<br />

repleta de benevolência.<br />

A retribuição do<br />

beneficiado<br />

Alguns anos se passaram, o filho<br />

do conde e o limpador de chaminé<br />

se tornaram mocinhos. Sobrevém a<br />

Revolução Francesa, o nobre é perseguido,<br />

seu filho foge, e a mansão<br />

fica abandonada.<br />

20


Cenas da<br />

Revolução Francesa -<br />

Assim como o<br />

limpador de<br />

chaminés do conto<br />

de Lenôtre, muitos<br />

franceses tinham<br />

inteira ciência dos<br />

atos e urdiduras<br />

tramados pela<br />

Revolução<br />

Retornemos à Conciergerie e aos<br />

fatos daquela noite de Natal.<br />

Enquanto o conde está imerso<br />

nessas e noutras recordações de cenas<br />

familiares, seu filho, que caíra na<br />

pobreza, vagueia pelas ruas do bairro<br />

onde se localiza sua casa. Em determinado<br />

momento ele encontra o<br />

limpador de chaminé, de quem ficara<br />

amigo e que viera para a costumeira<br />

“visita” de Natal. Este último,<br />

estranhando o aspecto do conhecido,<br />

pergunta pelo seu nobre benfeitor.<br />

— Você não sabe? Meu pai foi<br />

preso.<br />

— Mas, como?! O conde, um homem<br />

tão bom, na prisão?!<br />

Perplexidade compreensível da<br />

parte do limpador de chaminés, pois<br />

muitas pessoas da própria Paris não<br />

sabiam ao certo o que a Revolução<br />

urdia e praticava. O filho do conde<br />

21


A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

lhe conta então como os nobres estavam<br />

sendo detidos, e concluiu:<br />

— Este ano, meu caro, não há luís<br />

de ouro, nem para você, nem para<br />

mim...<br />

— Não há nada?<br />

— Tenho apenas um maço de<br />

moedas, para subsistir e arranjar um<br />

meio de libertar meu pai, mas não<br />

sei como fazê-lo.<br />

— Onde o conde está preso?<br />

— Na Conciergerie.<br />

— Talvez eu possa fazer algo. Se<br />

eu lhe pedir o maço de moedas para<br />

libertar seu pai, o senhor confia em<br />

mim?<br />

— Tome-o!<br />

Na prisão, o conde está só em sua<br />

cela, a um canto da qual crepitam<br />

algumas brasas numa lareira raquítica.<br />

Meus ouvintes intuem o resto<br />

da história... O rapaz consegue descer<br />

pela chaminé e penetrar na cela<br />

do nobre, evitando de se queimar<br />

nas brasas. Surpreso, o conde exclama:<br />

— Você, aqui?! Entrando pela<br />

chaminé!<br />

— Não temos um minuto a perder,<br />

senhor conde. Por favor, execute<br />

o plano que vou lhe propor, para<br />

fugirmos. Venho trazendo uma roupa<br />

toda suja, de limpador de chaminés,<br />

para o senhor também.<br />

E o conde faz o que nunca imaginou<br />

na vida, ou seja, veste aquela<br />

roupa gasta e enegrecida. O mocinho<br />

apanha um pouco de fuligem na<br />

lareira e a espalha na face do nobre.<br />

Em seguida, combinam:<br />

— Vamos sair pela portaria, dizendo<br />

que já terminamos o serviço<br />

de limpeza. É a hora da troca de<br />

guardas; o que assume o posto não<br />

sabe quem entrou para limpar a chaminé.<br />

Se formos agora, existe uma<br />

possibilidade de escaparmos. Não<br />

perca tempo em me agradecer. Vamos,<br />

temos de sair!<br />

O conde entende a situação e os<br />

dois se dirigem à saída do cárcere.<br />

Perguntado pelo porteiro sobre o<br />

que estava acontecendo, o rapaz faz<br />

um sinal ao conde, indicando-lhe “vá<br />

andando”, e responde:<br />

— Sou limpador de chaminé e recomendei<br />

àquele meu colega para<br />

ir caminhando, pois queria dizer<br />

a você o seguinte: tenho um pacote<br />

de moedas para ser entregue a seu<br />

chefe. Porém, não sei bem o que fazer:<br />

ou ele e eu esperamos seu chefe<br />

acordar, ou saímos, deixando as moedas<br />

aos seus cuidados...<br />

Nesse momento, o conde e o rapaz<br />

ficaram entre a vida e a morte. O<br />

porteiro pensou um pouco e disse:<br />

— Pode deixar o pacote aqui, que<br />

eu depois entrego. Vocês vão andando.<br />

Claro, de posse das moedas, o<br />

porteiro tinha todo o interesse em<br />

que os dois se retirassem, a fim de<br />

não revelarem nada ao chefe.<br />

Eles saem devagar. Caminham<br />

pela Paris deserta e chegam a um local<br />

próximo à mansão do conde, onde<br />

estava marcado o encontro com<br />

seu filho. Montam em cavalos já preparados<br />

e fogem. Os três se achavam<br />

a salvo da fúria revolucionária.<br />

Precioso fator de união<br />

entre os homens<br />

Qual o significado desse conto?<br />

Ele exprime a versão real das relações<br />

entre as classes sociais antes da<br />

Revolução Francesa, inteiramente<br />

oposta àquela que costumam apresentar<br />

certos historiadores tendenciosos.<br />

Segundo estes, se um conde,<br />

estando em sua mansão, visse cair<br />

um menino sujo pela chaminé, diria<br />

tomado pela raiva:<br />

— Fique aí dentro mesmo, não<br />

ponha os pés no meu salão. Você estragou<br />

minha chaminé e agora merece<br />

um castigo exemplar! E não<br />

adianta pôr esses olhos de gente faminta<br />

sobre os alimentos finos que<br />

estão sobre a mesa. Estes são para<br />

meu filho, e não para um vagabundo<br />

e plebeu como você. Vá embora antes<br />

que mande alguém lhe dar uma<br />

merecida surra!<br />

Nada tão equivocado quanto essa<br />

concepção. A realidade é inteiramente<br />

diferente. Existia harmonia,<br />

afabilidade, bom relacionamento<br />

entre as categorias sociais, tudo<br />

baseado no seguinte princípio católico:<br />

deve haver hierarquia de classes,<br />

porém esta não pode ser levada tão<br />

longe, a ponto de que, quem estiver<br />

acima, negue a alta condição de criatura<br />

humana de quem estiver abaixo,<br />

menos ainda o nobre estado de batizado,<br />

membro do Corpo Místico de<br />

Cristo.<br />

Portanto, o superior deve tratar o<br />

inferior com bondade, afabilidade,<br />

protegê-lo, ajudá-lo nas suas necessidades,<br />

e mais ainda, se for possível.<br />

Ao inferior, por sua vez, cabe o dever<br />

de gratidão. Quando seu benfeitor<br />

está em apuros, ele retribui. Esse<br />

é o vínculo que reúne as diversas<br />

classes sociais numa unidade, ou seja,<br />

numa civilização verdadeiramente<br />

católica.<br />

Esse pequeno conto ilustra uma<br />

realidade histórica e constitui um<br />

exemplo concreto de como a desigualdade<br />

harmônica e proporcionada<br />

das categorias sociais é um ele-<br />

A bondade e a<br />

afabilidade do superior<br />

para com o inferior<br />

refletem o amor<br />

com que Deus<br />

Pai trata os<br />

homens<br />

Santa Isabel da<br />

Hungria ajuda os<br />

pobres - Catedral<br />

de Bordeaux,<br />

França<br />

22


mento para a união dos homens e<br />

não fonte de desunião.<br />

Imagens da<br />

perfeição de Deus<br />

São Tomás de Aquino diz formalmente<br />

que há nobres e plebeus, grandes<br />

e pequenos, ricos e pobres, mais<br />

inteligentes e menos, para benefício<br />

não só dos superiores, mas também<br />

dos inferiores. Porque o menor,<br />

recebendo auxílio do maior, vê<br />

neste uma imagem de Deus<br />

e pode assim amar mais o<br />

Criador. O limpador de<br />

chaminé percebeu na<br />

bondade do conde<br />

um reflexo da infinita<br />

bondade<br />

do Altíssimo. E sua dedicação ao<br />

conde tem algo de devotamento ao<br />

próprio Deus.<br />

Pensemos ainda que Deus é infinito<br />

e Pai nosso. Somos finitos, e Ele<br />

quer que, entre nós, os maiores sejam<br />

de certa forma pais dos menores,<br />

e estes se sintam protegidos como<br />

filhos daqueles.<br />

Vemos, então, como o conto de<br />

Lenôtre propugna — de um modo<br />

atraente, interessante, ilustrado,<br />

fácil de memorizar — um princípio<br />

doutrinário católico e profundo.<br />

E, a par dessa lição mais importante,<br />

nos sugere um método de apostolado.<br />

Com efeito, quando quisermos<br />

defender teses como essa das desigualdades<br />

harmônicas e proporcionadas<br />

entre as classes sociais, em vez<br />

de apresentarmos a pura teoria, muitas<br />

vezes fatigante, narremos um fato<br />

concreto interessante que se preste<br />

a uma interpretação, a qual será<br />

mais leve que a simples doutrina.<br />

Como diziam os antigos, “as palavras<br />

persuadem, mas os exemplos arrastam”.<br />

Um episódio assim descrito,<br />

um testemunho do teor de relações<br />

existente nas sociedades hierárquicas,<br />

relembra a verdadeira doutrina<br />

católica e pode, com o auxílio<br />

da graça de Deus, facilitar o relacionamento<br />

dos homens de hoje. v<br />

1<br />

) G. Lenôtre (1857-1935), historiador<br />

francês que se especializou no tema<br />

da Revolução Francesa, sobre o qual<br />

escreveu diversas e laureadas obras.<br />

Membro da Academia Francesa de<br />

Letras.<br />

2<br />

) Antiga habitação do porteiro (concierge,<br />

em francês), encarregado dos prisioneiros<br />

de um palácio real da Idade<br />

Média, situado em Paris. Transformada<br />

em cárcere na Revolução Francesa,<br />

a Conciergerie, atualmente dependência<br />

do Palácio de Justiça, compõese<br />

de três salas góticas — uma delas,<br />

a dos “Passos perdidos” (Pas perdus),<br />

considerada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> uma<br />

das mais belas do mundo — e quatro<br />

torres.<br />

23


O Santo do mês<br />

Nossa Senhora Auxiliadora<br />

bondade e misericórdia<br />

incansáveis<br />

Desde menino, quando se viu atendido pela Auxiliadora dos<br />

Cristãos em penoso momento de sua vida — a Ela rezando<br />

um peculiar e fervoroso “Salvai-me Rainha” 1 —, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

nutriu particular devoção a esse título de Maria Santíssima.<br />

E como podemos comprovar pelas palavras que seguem, não<br />

perdia ensejo de recomendá-la a seus discípulos, mostrandolhes<br />

as maravilhas de clemência e solicitude maternas que<br />

nos coloca ao alcance tal invocação.<br />

Segundo o ensinamento da Igreja, as maiores glórias<br />

de Nossa Senhora redundam do fato de sua<br />

maternidade divina. Ou seja, porque eleita para<br />

ser a Mãe do Verbo Encarnado, foram-Lhe concedidos<br />

todos os demais augustos privilégios e dons excepcionais.<br />

Entre seus grandes títulos estão os de Imaculada Conceição,<br />

Co-redentora do gênero humano, Medianeira Universal<br />

de todas as graças, etc.<br />

Apesar de assim louvarmos e cultuarmos de modo especial<br />

a Santíssima Virgem, a invocação de Nossa Senhora<br />

Auxiliadora nos é muito cara, e com invulgar insistência<br />

a dizemos para implorar a misericórdia de Maria.<br />

Mãe que conhece e atende a<br />

todas as nossas necessidades<br />

Explica-se. Sendo Ela Mãe de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, é também Mãe nossa, permanentemente disposta<br />

a nos ajudar em tudo aquilo que precisamos. São<br />

Luís Maria Grignion de Montfort faz uma comparação<br />

que pode parecer exagerada, porém inteiramente verdadeira:<br />

se uma mãe, com um único filho, reunisse em<br />

seu coração todas as formas e graus de ternura que todas<br />

as mães do mundo têm por seus filhos, ela o amaria<br />

menos do que Nossa Senhora preza todos e cada um<br />

dos homens.<br />

Assim, Maria Santíssima quer tanto a cada um — por<br />

mais desvalido, desencaminhado, espiritualmente trôpego<br />

que seja, ou nada valha — que, voltando-se este para<br />

Ela, seu primeiro movimento é de amor e auxílio. Nossa<br />

Senhora nos acompanha antes mesmo de nos dirigirmos<br />

a Ela. Tem ciência do que acontece com todos os<br />

homens, em qualquer lugar, sabe de todas as nossas necessidades<br />

e, por sua intercessão, nos alcança de Deus<br />

as graças que são importantes para nossa perseverança<br />

e santificação. Quando nos dirigimos a Ela, como que a<br />

24


Fotos: T. Ring / S. Hollmann<br />

Nossa Senhora<br />

Auxiliadora - Igreja do<br />

Sagrado Coração de<br />

Jesus, em São Paulo<br />

25


O Santo do mês<br />

primeira pergunta d’Ela para nós é esta: “Meu filho, o<br />

que queres?”<br />

Graus inexcogitáveis de misericórdia<br />

Outra afirmação, igualmente verídica, é esta: se o próprio<br />

Judas Iscariotes — depois de ter vendido Nosso Senhor<br />

e caminhado para o local onde se enforcou — tivesse<br />

tido um movimento de devoção à Mãe de Deus, rezado<br />

a Ela, obteria um apoio. Quer dizer, se A procurasse<br />

e lhe dissesse: “Eu não sou digno de chegar próximo<br />

de Vós, de Vos olhar, de me dirigir a Vós, sou Judas, o<br />

imundo... Mas, vós sois minha Mãe, tende pena de mim”,<br />

Ela o teria recebido com bondade. Ela acolheria com benevolência<br />

o filho cujo nome é sinônimo de horror: Judas<br />

Iscariotes.<br />

É-nos difícil ter sempre presente essa noção da imensidade<br />

da misericórdia de Maria. Em nossa miséria, muitas<br />

vezes somos daqueles que não crêem porque não vêem.<br />

Não duvidamos, mas esquecemos das graças recebidas<br />

neste sentido. Tentados, somos levados a pensar:<br />

“Aconteceu-me isto, aquilo, aquilo outro, pedi a Nossa<br />

Senhora e não fui socorrido. Sê-lo-ei agora? Certo, Ela<br />

é Mãe de misericórdia, mas, às<br />

vezes, não sinto sua ajuda...”<br />

Mais do que nunca, nessas<br />

horas, devemos dizer: “Auxílio<br />

dos Cristãos, rogai por<br />

nós!”. Quando não compreendemos<br />

uma situação nem<br />

sabemos como dela sair, o<br />

que vai nos acontecer, etc.,<br />

precisamos repetir com insistência:<br />

“Auxílio dos Cristãos!<br />

Auxílio dos Cristãos! Auxílio<br />

dos Cristãos!”. Para a Mãe de<br />

Deus, todo problema tem solução.<br />

Às vezes não a vemos,<br />

mas Ela já está dando ao caso<br />

um monumental e favorável<br />

desfecho.<br />

Auxílio especial nas<br />

aparentes catástrofes<br />

Quando me lembro da história<br />

das catástrofes pelas<br />

quais passou nosso movimento,<br />

nossos reerguimentos, nossa<br />

dolorida e gloriosa avenida<br />

de becos sem saída, perguntome:<br />

“Se Ela me desse para escolher<br />

entre a via dos becos sem saída e qualquer outro<br />

dos caminhos que eu imaginava para nossa obra, qual eu<br />

teria preferido?” Eu responderia: “Minha Mãe, se Vós<br />

me derdes força, a avenida dos becos sem saída!”<br />

É a via do inexplicável, da catástrofe aparente, da derrota,<br />

do arrasamento, mas também a da vitória que se<br />

afirma. Como é bela essa via, porque é o caminho triunfal<br />

de Nossa Senhora. Ela transforma uma estrada esquartejada<br />

em becos numa linda e desimpedida avenida.<br />

Compreende-se, assim, como a Virgem Santíssima, Auxiliadora<br />

dos Cristãos, opera verdadeiras maravilhas, sobretudo<br />

nos momentos em que tudo nos parece mais difícil<br />

e a solução menos alcançável.<br />

A batalha de Lepanto<br />

Temos um célebre exemplo dessa intervenção misericordiosa<br />

e decisiva de Maria Santíssima<br />

em nossos momentos de apuro: a batalha<br />

de Lepanto, em 1571, episódio histórico<br />

que se relaciona com a festa de<br />

Nossa Senhora Auxiliadora. Sucintamente,<br />

recordemos que a es-<br />

26


quadra católica se achava em número muito inferior à<br />

do adversário, e via-se com isso votada a uma derrota<br />

com funestas conseqüências para a Igreja naquela<br />

época. Porém, em certo momento do confronto,<br />

aparentemente sem explicação, os inimigos abandonam<br />

a luta e fogem. Contudo, nos anais redigidos<br />

pelos próprios componentes da esquadra<br />

maometana, pode-se ler: Os nossos navios debandaram<br />

porque uma Dama terrível apareceu<br />

no céu e nos olhava com ar de ameaça tal<br />

que nos causou pânico.<br />

Quer dizer, os católicos, embora em número<br />

menor, não cessaram de confiar na<br />

proteção de Maria, e Ela os socorreu. Conta-se<br />

que, naquele mesmo instante da vitória,<br />

o Papa São Pio V se encontrava numa de<br />

suas salas no Vaticano, e rezava o Rosário,<br />

rogando o especial amparo da Auxiliadora<br />

dos Cristãos. Em certo momento, o<br />

Pontífice se volta aos que o acompanhavam,<br />

e diz: “Uma grande vitória<br />

foi obtida por Dom João d’Áustria,<br />

comandante da esquadra cristã!”<br />

Célebre exemplo<br />

de intervenção da<br />

Auxiliadora dos Cristãos,<br />

a batalha de Lepanto teve<br />

seu desfecho favorável à<br />

armada católica graças a<br />

uma aparição da Virgem<br />

Santíssima, naquele<br />

momento invocada, à<br />

distância, pelo Papa<br />

São Pio V<br />

Batalha de Lepanto (Igreja de<br />

Santa Madalena, em Sevilha,<br />

Espanha); e o Papa São Pio V<br />

(Catedral de Bordeaux, França)<br />

27


O Santo do mês<br />

A partir de então o Papa incluiu a invocação Auxilium<br />

Christianorum na Ladainha Lauretana, e a Ela devemos<br />

recorrer em todas as circunstâncias de nossa vida e na<br />

hora de nossa morte, quando estivermos no último alento.<br />

Antes de exalarmos o derradeiro suspiro, digamos:<br />

“Auxílio dos Cristãos, rogai por mim” — e o Céu se abrirá<br />

para nós.<br />

Errônea concepção da<br />

vida sem caridade<br />

Antes de concluirmos essas considerações, convém insistir<br />

num ponto de particular valia para nós.<br />

No mundo contemporâneo não é raro que alguém se<br />

deixe levar pela idéia de que os relacionamentos devem<br />

se basear numa troca de direitos e deveres, exclusivamente.<br />

Ou seja, cada homem tem determinados direitos<br />

que implicam em deveres de outrem para com ele. Uma<br />

vez respeitados tais direitos, o homem tem suas necessidades<br />

atendidas.<br />

Portanto, o ato de bondade, de caridade, de amor ao<br />

próximo, inteiramente gratuito, não tem razão de ser. Se<br />

os direitos não são acolhidos, cumpre exigi-los, como se<br />

cobra uma letra de câmbio. Consoante tal mentalidade,<br />

todas as relações humanas se reduziriam a um sistema de<br />

cheques. Então, a verdadeira noção de caridade — que<br />

compreende prestações de serviço realizadas por amor,<br />

bondade, simpatia, a concessão gratuita de vantagens,<br />

etc. — desaparece. Mais ainda. Atrapalha a vida social,<br />

fundamentada na estrita justiça, transtorna o convívio dos<br />

homens, baseado num jogo de exigências. Se alguém pretendesse<br />

receber mais do que lhe é necessário, o indivíduo<br />

infectado por essa concepção responderia: “Dou-lhe<br />

aquilo a que apenas tem direito. Se quiser mais, mereça!”<br />

Se uma pessoa transpõe esse modo de ver as coisas para<br />

a ordem sobrenatural, dirá: “Não compreendo a misericórdia<br />

de Deus para comigo, pois Ele está disposto a me<br />

perdoar e a me ajudar, mesmo quando não O agrado. Se<br />

agi mal, que Ele me puna, pois é a atitude lógica. Caridade,<br />

bondade... são coisas que não têm sentido. Baseio-me<br />

nos meus direitos, os quais Deus precisa atender.”<br />

Socorro baseado numa relação<br />

impregnada de bondade<br />

Ora, essa não é a mentalidade com a qual devemos<br />

considerar nossa vida terrena, e muito menos a nossa vida<br />

de piedade, nosso relacionamento com Deus.<br />

28


O auxílio de Maria Santíssima a nosso<br />

favor está repassado do princípio de<br />

que as relações entre Deus e o homem<br />

se fundam, em ampla medida, na<br />

generosidade e misericórdia sem limites<br />

Nossa Senhora<br />

Auxiliadora<br />

(São Paulo);<br />

Multiplicação dos<br />

pães (Santander,<br />

Espanha)<br />

Com efeito, o convívio humano, quando bem entendido<br />

e praticado, fundamenta-se em grande parte na solicitude<br />

e na compaixão de uns para com os outros, sobretudo<br />

dos que têm mais em relação aos que têm menos.<br />

Que dizer, então, do trato de Deus conosco? Esse comércio<br />

tem como um dos seus fatores preponderantes a<br />

bondade, e bondade gratuita, a efusão de caridade, de<br />

misericórdia, compaixão, assistência contínua. E diante<br />

de Deus, devemos nos sentir pequeninos, impotentes,<br />

encontrando a razão de esperar clemência em nossa própria<br />

pequenez, até em nossa fraqueza quando pecamos.<br />

Deus nos amou gratuitamente, e quer de nós que também<br />

O amemos. Estamos cumulados de dívidas, e o único<br />

meio de saldá-las consiste em manifestarmos esse<br />

amor e essa adoração a Deus. Em segundo lugar,<br />

compreendendo humildemente que necessitamos<br />

da ajuda divina, como o filho depende<br />

do pai, sem estar fazendo grandes contabilidades,<br />

e sim recebendo tudo d’Ele — eu diria —<br />

com uma espécie de santa sem-cerimônia.<br />

Com esse pressuposto, entendemos melhor o<br />

fundamento do título de Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

Pois o que se diz sobre a infinita bondade<br />

de Deus para conosco, devemos dizê-lo da<br />

insondável solicitude de Maria em relação a<br />

seus filhos. Ela nos ajuda a todo momento,<br />

nos dispensando misericórdia e favores<br />

aos quais não teríamos direito,<br />

e nos concede tudo isto com<br />

uma superabundância de amor,<br />

de sorrisos, de perdão, muitas<br />

vezes dando-nos o que não pedimos,<br />

ou mais do que rogamos, e<br />

até movendo nosso coração para<br />

aceitar benefícios que não queríamos<br />

receber.<br />

Portanto, a idéia do auxílio de<br />

Nossa Senhora está toda pervadida<br />

pelo princípio de que as relações entre<br />

o homem e Deus são baseadas não<br />

apenas na justiça, mas em larguíssima<br />

parte na misericórdia, na generosidade<br />

sem limites, na benevolência e na gratuidade<br />

de favores.<br />

Razões a mais para nunca deixarmos<br />

de invocá-La: Auxílio dos Cristãos, rogai<br />

por nós.<br />

v<br />

1) Cfr. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número 1, abril de<br />

19<strong>98</strong><br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Ápice da cultura<br />

N<br />

ão raras vezes nos deparamos<br />

com tentativas de definir<br />

o significado da palavra<br />

“cultura”, sem que se tenha<br />

a elevação de pensamento religioso<br />

para entender tratar-se ela do conhecimento<br />

global que o homem deve<br />

adquirir sobre o universo. Conhecimento<br />

este, acompanhado de uma<br />

sensibilidade a respeito das coisas da<br />

criação que não se verifica igual para<br />

todos. Antes, comporta certa acomodação,<br />

determinados matizes, dependendo<br />

do indivíduo, da família,<br />

da região, do país, constituindo uma<br />

visão própria, característica — embora<br />

sempre objetiva — do que são<br />

os elementos componentes do uni-<br />

Castelo de Chambord, França<br />

30


A qualquer católico é dado possuir uma vasta<br />

compreensão do universo, pela qual percebe a presença<br />

da graça em inúmeras coisas, não relacionadas<br />

necessariamente com a religião, mas nas quais lateja<br />

a raiz religiosa — como o Castelo de Chambord<br />

Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

verso e da maneira como refletem a<br />

Deus.<br />

A verdadeira cultura seria, portanto,<br />

esse conjunto de conhecimentos,<br />

mentalidades e sensibilidades incidindo<br />

sobre a realidade criada, sob<br />

o influxo de uma postura fundamentalmente<br />

religiosa. Destarte, a ordem<br />

temporal não pode ser dada como<br />

bem considerada a não ser à luz<br />

das reflexões católicas, assim como a<br />

religião católica e a ordem espiritual<br />

não serão bem empregadas se não<br />

auxiliarem o homem a formar uma<br />

noção civilizada do universo.<br />

Portanto, embora se admita que<br />

essa cultura e as noções da beleza da<br />

criação que ela traz consigo possam<br />

ser analisadas sob o ponto de vista<br />

natural, com base em regras da estética,<br />

etc., acima disso há algo que<br />

nos toca mais intensamente, e que<br />

constitui, a meu ver, uma das razões<br />

mais profundas da fé do católico.<br />

Quero falar dessa experiência como<br />

que mística, não da mística dos<br />

santos e determinadas almas favore-<br />

Vistas do Castelo de<br />

Chambord, França<br />

32


cidas por visões e êxtases, mas dessas<br />

sensações do sobrenatural, essas<br />

sugestões da graça que completam<br />

em nosso espírito aquele mencionado<br />

conhecimento.<br />

Neste sentido, é dado a qualquer<br />

católico possuir um acabamento cultural,<br />

isto é, uma vasta compreensão<br />

do universo, pela qual percebe a presença<br />

da graça em inúmeras coisas,<br />

às vezes não diretamente ligadas à<br />

religião, nas quais entretanto lateja a<br />

raiz religiosa. E sentindo a raiz religiosa,<br />

a pessoa, com a “fé do carvoeiro”,<br />

brada: “eu creio!”<br />

Um exemplo colhido em minhas<br />

lembranças. Numa das ocasiões em<br />

que visitei o Castelo de Chambord,<br />

na França, deixei-me ficar ali, em<br />

frente ao palácio, não sei por quanto<br />

tempo...<br />

Na verdade, podia sobrevir a noite,<br />

e eu a passaria na contemplação<br />

de Chambord. Atraído, não pelos aspectos<br />

majestosos da construção renascentista,<br />

mas pelos imponderáveis<br />

ali presentes da França de Cló-<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Castelo de Chambord, França<br />

vis, de Saint-Remy, de Santa Clotilde,<br />

enfim, de todas as Franças gloriosas<br />

e heróicas, que marcaram a<br />

história do mundo. É a raiz religiosa<br />

percebida em inúmeros monumentos<br />

como o Castelo de Chambord, e<br />

que nos proporciona essa superior<br />

compreensão da criação.<br />

Esta compreensão, creio eu, é o<br />

ápice da cultura.<br />

v<br />

34


“Passaria a noite na contemplação do<br />

Castelo de Chambord, atraído pelos<br />

imponderáveis ali presentes de todas<br />

as Franças gloriosas e heróicas que<br />

marcaram a história do mundo...”<br />

35


Com filial intimidade...<br />

T. Ring<br />

Apar de<br />

uma convicção<br />

profunda<br />

de tudo quanto<br />

a doutrina católica<br />

nos ensina a respeito da<br />

Santíssima Virgem, em<br />

nossa devoção a Ela devemos<br />

manifestar também<br />

uma espécie de aisance, de<br />

desembaraço, de intimidade<br />

de filhos os quais, embora se<br />

saibam muitas vezes indignos<br />

de serem atendidos pela Mãe,<br />

apresentam-se diante de Maria<br />

com inteira confiança, seguros<br />

de obterem seu amparo, seu socorro,<br />

seu sorriso...<br />

Essa filial desenvoltura, estejamos<br />

certos, é o ponto de partida<br />

inefavelmente suave de<br />

uma sincera e viva devoção a<br />

Nossa Senhora.<br />

Imagem Peregrina<br />

de Nossa Senhora<br />

de Fátima<br />

36

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