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Revista Dr Plinio 127

Outubro de 2008

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Publicação Mensal Ano XI - Nº <strong>127</strong> Outubro de 2008<br />

Díscipulo do<br />

Infalível Magistério


O rosário<br />

nas mãos de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Se algum apóstolo quiser saber<br />

como será julgada sua vida no<br />

tribunal do Eterno Juiz, não<br />

indague tanto dos caminhos que<br />

palmilhou, ou das gotas de suor que de<br />

sua fronte gotejaram. Indague, sim, das<br />

horas passadas de rosário em punho<br />

aos pés do Tabernáculo.<br />

<strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XI - Nº <strong>127</strong> Outubro de 2008<br />

Ano XI - Nº <strong>127</strong> Outubro de 2008<br />

Díscipulo do<br />

Infalível Magistério<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

aos 71 anos<br />

Foto: J. S. Dias<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Editorial<br />

4 A Santa Igreja, nosso maior tesouro<br />

Da ta s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />

5 Outubro de 1945: A “bomba<br />

atômica” de Grignion de Montfort!<br />

Do n a Lucilia<br />

6 Constante serenidade<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 6606-2409<br />

Ec o fidelíssimo d a Ig r e j a<br />

12 A Carta Circular aos Amigos da<br />

Cruz – IX: Práticas da perfeição cristã<br />

“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />

18 A essência da Revolução<br />

20 Calendário dos Santos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a p ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

22 A sede de admiração<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 90,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />

Propulsor ............. R$ 260,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 430,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 12,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

O Sa n t o d o m ê s<br />

26 São Francisco de Assis e<br />

o enlevo pelas coisas divinas<br />

Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

30 Silêncios e implicitudes<br />

Últ i m a p á g i n a<br />

36 Inefável sorriso<br />

3


Editorial<br />

A Santa Igreja,<br />

nosso maior tesouro<br />

Outubro de 1943. Os conflitos da Segunda Guerra Mundial devastavam as nações, produzindo<br />

um morticínio nunca antes visto e expondo vários povos ao perigo de caírem sob a tirania de<br />

um dos totalitarismos em voga.<br />

Naquela grave conjuntura em meio à qual se jogavam os destinos da humanidade, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pelas<br />

páginas do Legionário, procura orientar as almas para algo de valor supremo e imprescindível, capaz<br />

de abrir ao mundo os caminhos da salvação: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Ao comentar<br />

a célebre encíclica do Papa Pio XII sobre o Corpo Místico de Cristo, afirmava:<br />

“Quem ler com atenção o texto pontifício perceberá facilmente a extrema complexidade da matéria<br />

de que ela trata, e a série quase interminável de confusões, de erros serpejantes — a expressão é<br />

do Papa —, de ambigüidade de toda ordem que se têm procurado apoderar do assunto. (…)<br />

“O ambiente contemporâneo é cheio de contradições e entrechoques doutrinários violentos, [conforme<br />

aponta Pio XII]: enquanto por um lado perdura o falso racionalismo, que tem por absurdo tudo<br />

o que transcende e supera a capacidade da razão humana, e com ele outro erro parecido, o naturalismo<br />

vulgar, que não vê nem quer reconhecer na Igreja de Cristo senão uma sociedade puramente jurídica; por<br />

outro lado grassa por aí um falso misticismo que perverte as Sagradas Escrituras, pretendendo remover os<br />

limites intangíveis entre as criaturas e o Criador. (...)<br />

“Na esfera política, o resultado foi claro. Poucos foram, infelizmente, os católicos que souberam<br />

ver na disciplina ardente e incondicional à infalível autoridade da Igreja, a verdadeira tábua de salvação.<br />

Uns procuraram a fórmula salvadora no nazismo. Outros, no comunismo. Outros, na forma<br />

nazificante ou nas bolchevizantes. Poucos foram os que se lembraram de que bonum ex integra causa;<br />

malum ex quocumque defectu. Se havia mal nos dois lados, ficássemos só com a Igreja, integra causa<br />

por excelência.<br />

“E daí uma tremenda confusão. Uns, por amor à autoridade, chegaram ao totalitarismo. Outros,<br />

por amor à liberdade, chegaram até a demagogia. A grande tragédia da luta entre nazismo e comunismo,<br />

entre fascismo e democracia, não foi tanto o extravio completo dos que já eram maus, mas a<br />

ruína, a confusão, a dilaceração interna entre os que eram bons<br />

“Sejamos prosélitos ardentes da doutrina do Corpo Místico de Cristo. E, sobretudo, insistamos<br />

por que todos os estudos feitos nesta matéria tenham por base e constante ponto de referência a admirável<br />

Encíclica Mystici Corporis Christi. Com isto, cessará qualquer dificuldade e brilhará serena,<br />

para a edificação geral, a genuína doutrina da Igreja.<br />

“Da Igreja! Como não compreender, admirar e amar ainda mais a Santa Igreja Católica, depois da<br />

luminosa e claríssima doutrina ensinada pelo Santo Padre Pio XII sobre o Corpo Místico de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, que é a própria Igreja Católica!<br />

“A Igreja Católica é o maior tesouro que Nosso Senhor deu aos homens. É ela o escrínio em que<br />

se encerram todos os outros tesouros que Cristo nos deu. Não sei de coisa mais urgente, mais atual,<br />

mais premente, do que inculcar nos fiéis uma ardente devoção à Santa Igreja.”<br />

(Extraído do “Legionário” de 24/10/1943)<br />

Dec l a r a ç ã o: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Data s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />

Outubro de 1945<br />

A “bomba atômica”<br />

de Grignion de Montfort!<br />

Anotícia da canonização do Beato Luís<br />

Maria Grignion de Montfort, pouco salientada<br />

pelos jornais da época, porém<br />

não ignorada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ofereceu a este o<br />

ensejo de chamar a atenção, no Legionário de 21<br />

de outubro de 1945, para a principal obra escrita<br />

por aquele santo, o Tratado da Verdadeira Devoção<br />

à Santíssima Virgem:<br />

Chamam-nos muitas vezes de pessimistas. (...)<br />

Não é [verdade]. Somos otimistas, e mais otimistas<br />

mesmo do que o comum das pessoas. Nossa<br />

combatividade não é, mesmo, senão otimismo.<br />

Onde muitos acham que “está tudo perdido”, e<br />

que os católicos estão reduzidos a mendigar com<br />

melúrias, achamos pelo contrário que “nada está<br />

perdido”, e que a situação ainda é bastante boa<br />

para pleitearmos a defesa de nossos direitos com<br />

vigor, galhardia e desassombro.(...) Resumamos.<br />

Não sentimos nossa situação de católicos en mendiants,<br />

mas en combattants.<br />

Como condição de vitória, sem se desprezar<br />

nem de leve as providências concretas, devemos<br />

contar essencialmente com os recursos sobrenaturais.<br />

A História demonstra que não há inimigos<br />

que vençam um país cristão que possua três devoções:<br />

ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora<br />

e ao Papa. Investigue-se bem a queda de nações<br />

aparentemente muito fervorosas em sua adesão<br />

à Igreja: alguma broca secreta a minava em uma<br />

dessas três virtudes-chave. A vitória, pois, depende<br />

de nós. Tenhamos em dia nossa consciência, estejamos<br />

tranqüilos em Deus, e venceremos.<br />

Isto explica o extraordinário relevo que damos a<br />

uma notícia apagada, que os jornais reproduziram<br />

há pouco: a canonização iminente do Bem-aventurado<br />

Luís Maria Grignion de Montfort.<br />

A notícia nada significa para o comum das pessoas.<br />

Ela significa tudo, para os que conhecem o<br />

verdadeiro fundo das coisas. A Providência resolveu<br />

jogar sua bomba atômica contra os adversários<br />

da Igreja. Quando ela explodir de fato, compreender-se-á<br />

toda a plenitude de sentido da palavra<br />

da Escritura: Non est qui se abscondat a calore<br />

ejus.<br />

Esta bomba se chama com um nome muito doce.<br />

É que as bombas da Igreja são bombas de Mãe. Chama-se<br />

o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima<br />

Virgem. Livrinho de pouco mais de cem páginas.<br />

Nele, cada palavra, cada letra é um tesouro. Este<br />

é o livro dos tempos novos que hão de vir. (...)<br />

O Beato Grignion de Montfort expõe em sua<br />

obra, no que consiste a perfeita devoção dos fiéis<br />

a Nossa Senhora, a escravidão de amor dos verdadeiros<br />

católicos à Rainha do Céu. Ele nos mostra<br />

o papel fundamental da Mãe de Deus no Corpo<br />

Místico de Cristo e na vida espiritual de cada<br />

cristão. Ele nos ensina a viver nossa vida espiritual<br />

em consonância com essas verdades. E nos inicia<br />

em um processo tão sublime, tão doce, tão absolutamente<br />

maravilhoso e perfeito, de nos unirmos a<br />

Maria Santíssima, que nada há na literatura cristã<br />

de todos os séculos que o exceda neste ponto.<br />

Esta devoção, diz Grignion de Montfort, unindo<br />

o mundo a Nossa Senhora, uni-lo-á a Deus.<br />

No dia em que os homens conhecerem, apreciarem,<br />

viverem essa devoção, nesse dia Nossa Senhora<br />

reinará em todos os corações, e a face da<br />

terra será renovada. (...)<br />

Durante séculos, a canonização do Beato Grignion<br />

veio caminhando. Por fim, ela chegou ao seu<br />

termo. É absolutamente impossível que esse fato<br />

não tenha um nexo profundo com a dilatação<br />

da “Verdadeira Devoção” no mundo. E, nós o repetimos,<br />

é essa “Verdadeira Devoção” a bomba<br />

atômica que, não para matar mas para ressuscitar,<br />

Deus pôs nas mãos da Igreja em previsão das<br />

amarguras deste século.<br />

Pois bem, nosso otimismo é este: confiamos<br />

imensamente mais na bomba atômica de Grignion<br />

de Montfort, e em seu poder, do que receamos da<br />

ação devastadora de todas as forças humanas. v<br />

(Extraído do “Legionário”<br />

de 21/10/1945)<br />

5


Do n a Lucilia<br />

Constante serenidade<br />

Diante das mais duras contrariedades que a Providência<br />

permitiu enfrentasse ao longo de sua vida, Dona Lucilia<br />

manifestou invariável tranqüilidade e profunda confiança no<br />

socorro do Céu. Nessas horas de sofrimento, recorda <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

dela nunca se ouviu uma queixa nem uma lamentação, pois<br />

tinha sua alma alicerçada nos mais altos valores espirituais que<br />

devem reger nossa existência neste mundo.<br />

Em diversos episódios da vida<br />

de mamãe transparecia<br />

a serenidade de alma que<br />

a fazia considerar com igualdade de<br />

ânimo todos os altos e baixos, todas<br />

as vicissitudes da existência humana.<br />

Esse estado de espírito era nela uma<br />

constante, mesmo quando os caminhos<br />

da vida se fechavam, às vezes,<br />

de modo assustador. Com meu testemunho<br />

de filho, posso afirmar que<br />

a vi passar por grandes infortúnios,<br />

sempre conservando a tranqüilidade<br />

e a dignidade que a caracterizavam.<br />

Mansidão diante dos<br />

penosos reveses materiais<br />

Por exemplo, ao se unir em matrimônio<br />

com meu pai, ela trouxe consigo<br />

um dote considerável, suficiente<br />

para fornecer ao casal e aos futuros<br />

filhos um confortável sustento. Porém,<br />

em razão de alguns maus negó-<br />

6


Fotos: Arquivo revista<br />

Dona Lucilia aos<br />

50 anos, e a casa<br />

de sua mãe, onde<br />

ela morou com o<br />

esposo e os filhos,<br />

antes dos reveses<br />

financeiros<br />

7


Do n a Lucilia<br />

cios, esse patrimônio se perdeu, e fomos<br />

obrigados a restringir o teor do nosso<br />

cotidiano material. Mamãe não teve<br />

uma palavra de dissabor nem de recriminação,<br />

aceitando aquele revés<br />

com mansidão e muita confiança na<br />

Providência Divina.<br />

Mais tarde, por outras circunstâncias,<br />

ela ficou sem o pecúlio que herdara<br />

da mãe, ocasionando uma queda<br />

financeira tal que nos vimos ameaçados<br />

de mudar para uma casa bem<br />

simples. Ainda me recordo das palavras<br />

dela, ao me explicar a situação:<br />

— Meu filho, você é muito novo,<br />

não tem idéia do lugar onde vamos<br />

morar. Venha até a janela comigo,<br />

e observe as casas do outro lado da<br />

rua. Na melhor das hipóteses, nossa<br />

renda será suficiente para habitarmos<br />

numa residência modesta como<br />

uma daquelas. Agora, temos de<br />

nos preparar para essa eventualidade,<br />

porque se Deus permitir, esta é a<br />

vontade d’Ele e assim se cumprirá.<br />

Porém, dizia-me isto com toda<br />

calma e toda dignidade, sem nunca<br />

deixar de ser ela mesma. Atitude assaz<br />

louvável, se considerarmos que<br />

havia um outro aspecto nesse infortúnio,<br />

para ela também penoso: em<br />

certas ocasiões, por falta de dinheiro,<br />

mamãe tinha de se vestir de modo<br />

muito simples. Usava o melhor<br />

que tinha para ir às missas dominicais,<br />

e a nenhum outro lugar, porque<br />

não possuía indumentária conveniente<br />

para se apresentar numa<br />

festa ou num encontro social. Pois<br />

bem, ia à missa com seus trajes surrados<br />

e asseiadíssimos, inteiramente<br />

segura de si, serena, sem nenhuma<br />

agitação.<br />

Fotos: Arquivo revista<br />

Bela generosidade<br />

materna<br />

Em meio a essas contrariedades<br />

materiais, mamãe não deixava de<br />

nos estimular em nossos empreendimentos,<br />

sobretudo se ela reconhecia<br />

8


“Mamãe não<br />

lamentou a perda do<br />

dinheiro na minha<br />

derrota eleitoral;<br />

para ela, o essencial<br />

da vida era<br />

valermos alguma<br />

coisa, conhecer-se e<br />

querer-se bem...”<br />

Na página 8: Dona Lucilia em<br />

fins da década de 50; à direita:<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1934, quando<br />

deputado pela Constituinte<br />

haver neles um esforço em prol dos<br />

interesses da Igreja. Assim se deu<br />

quando, após o meu mandato de deputado<br />

pelo Constituinte, lancei-me<br />

como candidato avulso nas eleições<br />

de 1934.<br />

Após a mencionada perda da herança<br />

de vovó, nos mudamos de fato<br />

para uma pequena casa, de aspecto<br />

exterior muito modesto, e ainda<br />

mais acanhado no seu interior, com<br />

acabamentos que deixavam a desejar.<br />

Ora, uma tia de mamãe, conhecendo<br />

nossa situação econômica e<br />

o estado da casa onde iríamos morar,<br />

presenteou Dª Lucilia com uma<br />

quantia para ajudá-la a decorar a residência<br />

o melhor que fosse possível.<br />

Mas, ao saber que eu disputaria as<br />

eleições, mamãe me procurou e disse:<br />

— Meu filho, temos este dinheiro<br />

que minha tia nos deu para terminarmos<br />

a decoração. Entretanto, se você<br />

julgar que será melhor aproveitado<br />

para se candidatar, aqui está, é seu.<br />

Naquela conjuntura, apesar de<br />

nossas prementes necessidades financeiras,<br />

achei de fato que seria melhor<br />

para a causa católica que eu tentasse<br />

vencer o pleito. Então lhe disse:<br />

— Meu bem, eu aceito.<br />

Peguei o dinheiro — uma boa<br />

quantia para a época — e gastei inteiro<br />

na minha eleição. Fui derrotado.<br />

Mamãe não me fez a menor referência<br />

àquele montante, nenhum<br />

choro, nenhuma lamentação. Nenhuma<br />

palavra. Eu a procurei:<br />

— Dir-se-ia que a senhora não lamenta<br />

essa perda.<br />

Ela, com toda a serenidade, me<br />

respondeu:<br />

— Não, não lamento. O essencial<br />

da vida, meu filho, não é ser<br />

deputado, e sim o valermos alguma<br />

coisa, conhecer-se e querer-se<br />

bem.<br />

Mais uma vez, vê-se o feitio de espírito<br />

tão elevado e tão sereno quanto<br />

podia ser o dessa mãe de família,<br />

colocada nos horizontes de suas vicissitudes<br />

domésticas.<br />

No extremo da vida,<br />

a mesma toada de<br />

calma e dignidade<br />

Quando já anciã, ela começou<br />

a ouvir menos e a ter as vistas empanadas<br />

por catarata. Numa época<br />

em que a remoção desse mal não<br />

9


Do n a Lucilia<br />

era aconselhável em pessoas idosas,<br />

mamãe se percebia caminhando para<br />

uma espécie de sepultamento em<br />

vida, posto que privada da visão e da<br />

audição. Situação para ela bastante<br />

dolorosa, pois era uma pessoa muito<br />

comunicativa e, de um momento<br />

para outro, se achava completamente<br />

isolada.<br />

Notava eu que essa circunstância<br />

lhe trazia tristeza e melancolia, mas<br />

nenhuma amargura nem queixa. Trilhava<br />

seu caminho com o passo igual<br />

ao de todos os momentos, e seguia<br />

em frente.<br />

Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda<br />

Afinal, depois de economizar algum<br />

dinheiro, foi-me possível comprar<br />

para ela um aparelho de audição.<br />

O começar a usá-lo representou<br />

para mamãe como um reflorescer:<br />

pôde ouvir melhor e, com isso,<br />

participar novamente das conversas<br />

e do convívio familiar. Sua satisfação<br />

era notória, porém não de uma alegria<br />

intemperante. A toada da sua<br />

vida continuou na mesma linha, na<br />

mesma tranqüilidade, na mesma dignidade.<br />

Por um princípio de fidelidade,<br />

não mudou em absolutamente<br />

nada: “Meu modo de ser, com a graça<br />

de Deus, é o que me parece mais<br />

conveniente a uma senhora católica.<br />

Sejam os outros de outra maneira,<br />

eu continuarei meu caminho e assim<br />

será até o fim. Ainda que custe isolamento<br />

e incompreensão, assim será<br />

até eu morrer. Com calma e tranqüilidade.”<br />

Acima de tudo, os<br />

valores religiosos<br />

Pela misericórdia de Maria Santíssima,<br />

nossa situação financeira<br />

melhorou e nos foi possível mudar<br />

para o bom apartamento da Rua<br />

Alagoas, num dos melhores bairros<br />

de São Paulo da época, onde mamãe<br />

poderia passar o resto de sua vida<br />

cercada de mais conforto e dignidade.<br />

Dona Lucilia o percebeu e ficou<br />

muito satisfeita, sem perder aquela<br />

igualdade de ânimo e a temperança<br />

de espírito que, a meu ver, significavam<br />

a perfeita proporção entre o<br />

10


acontecimento externo e a repercussão<br />

interna dentro da vida dela.<br />

De maneira que ela vibrava em<br />

face das coisas na medida em que essa<br />

vibração deveria existir, segundo<br />

uma ordem de valores em que o religioso<br />

estava acima de tudo. Abaixo<br />

— embora ela não soubesse empregar<br />

o termo — vinham os valores<br />

metafísicos, em seguida os morais, e,<br />

por fim, os interesses contingentes<br />

da existência humana, tratados com<br />

o devido e legítimo cuidado.<br />

Quanto a estes últimos, por exemplo,<br />

lembro-me de como ela se desdobrava<br />

para que minha irmã e eu<br />

tivéssemos o necessário para mantermos<br />

uma boa saúde, ou uma ótima<br />

educação, contratando inclusive<br />

a Fräulein Mathilde, preceptora alemã<br />

que tinha sido governanta em excelentes<br />

famílias européias.<br />

Quer dizer, mamãe não negligenciava<br />

o contingente, mas este se<br />

mantinha no manso e calmo terreno<br />

das coisas contingentes. O essencial<br />

da vida era se preocupar<br />

“Ela se<br />

alegrava com<br />

as coisas<br />

segundo uma<br />

ordem de valores<br />

na qual primava<br />

o lado religioso,<br />

sem descuidar<br />

dos interesses<br />

contingentes”<br />

Na página 10: Dona Lucilia aos<br />

80 anos; acima: aspectos do<br />

apartamento da Rua Alagoas;<br />

à direita: <strong>Plinio</strong>, a prima Ilka, a<br />

Fräulein Mathilde e Rosée<br />

com os valores mais altos, religiosos,<br />

conformes à Santa Igreja Católica<br />

Apostólica Romana. Era conhecer-se<br />

e querer-se bem… v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 24/6/1973)<br />

11


Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />

A Carta Circular<br />

aos Amigos da Cruz – IX<br />

Práticas da<br />

perfeição cristã<br />

Dando continuidade aos seus comentários à “Carta Circular aos<br />

Amigos da Cruz”, de São Luís Grignion de Montfort, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

salienta a necessidade de nos compenetrarmos de que nascemos,<br />

antes de tudo, para cumprir a missão e o plano de Deus a nosso<br />

respeito. E tal desempenho envolve o sofrimento que devemos<br />

abraçar, “sem fugas, sem fraudes, sem contrabandos”.<br />

N<br />

a segunda parte de seu opúsculo destinado aos<br />

Amigos da Cruz, São Luís Grignion de Montfort<br />

estabelece o programa de santidade que<br />

o próprio Divino Mestre nos deixou. Escreve ele:<br />

Toda a perfeição cristã, com efeito, consiste:<br />

1º) Em querer tornar‐se santo: “Se alguém quiser vir<br />

após Mim”.<br />

2º) Em abnegar-se: “renuncie a si mesmo”;<br />

3º) Em sofrer: “carregue sua cruz”;<br />

4º) Em agir: “siga‐me” (Mt 16, 24; Lc 9, 23).<br />

Portanto, ao interpretar a admirável frase de Nosso<br />

Senhor no Evangelho, São Luís demonstra como ela encerra<br />

um desejo de santidade, uma renúncia, um padecimento<br />

e uma ação. São os elementos fundamentais da<br />

conquista da perfeição cristã. A seguir, o autor comentará<br />

cada um desses componentes.<br />

Muito poucos querem<br />

abraçar a cruz de Cristo<br />

“Se alguém quiser vir comigo” — “Alguém” e não “alguns”,<br />

para marcar o pequeno número dos eleitos que querem<br />

se identificar com Jesus crucificado, carregando sua<br />

cruz. É tão pequeno esse número, tão pequeno, que se o<br />

soubéssemos, ficaríamos pasmados de dor.<br />

É tão pequeno, que há apenas um em cada dez mil, como<br />

foi revelado a vários santos — entre outros a São Simão<br />

Estilita, segundo narra o Santo abade Nilo, bem como San-<br />

12


Fotos: G. Kralj<br />

“Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo,<br />

tome sua cruz e siga-me” — na frase do Divino Mestre,<br />

o nosso programa de santidade<br />

A Verônica enxuga o rosto de Jesus no caminho do Calvário - Museu Hermitage, São Petersburgo (Rússia)<br />

13


Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />

to Efrém, São Basílio e alguns outros. É tão pequeno, que<br />

se Deus quisesse reuni‐los, gritar‐lhes‐ia, como o fez outrora<br />

pela boca de um profeta: reuni‐vos um a um, um desta<br />

província, outro desse reino (Is 27, 12).<br />

Cumpre notar que São Luís Grignion não se refere<br />

apenas ao seu tempo, mas considera todas as épocas, em<br />

todos os lugares: assim mesmo, o número de pessoas que<br />

verdadeiramente querem tomar a cruz de Nosso Senhor<br />

e segui-Lo, é pasmosamente pequeno.<br />

Sem o auxílio da graça não se<br />

aceita uma vida de renúncias<br />

São Luís prossegue:<br />

“Se alguém quiser” — se alguém tiver vontade autêntica,<br />

firme e determinada, não pela natureza, pelo costume, pelo<br />

amor próprio, pelo interesse ou respeito humano, mas por<br />

uma graça toda vitoriosa do Espírito Santo, que não se dá a<br />

todos. O conhecimento do mistério da cruz, na prática, só é<br />

dado a poucas pessoas. Para um homem subir ao Calvário e<br />

aí se deixar pregar na cruz, com Jesus, em sua própria pátria,<br />

é preciso que seja um corajoso, um herói, um determinado,<br />

um homem formado em Deus, que despreze o mundo e o inferno,<br />

seu corpo e sua vontade própria; disposto a deixar tudo,<br />

a tudo empreender e a tudo sofrer por Jesus Cristo.<br />

Sabei, queridos Amigos da Cruz, que aqueles dentre vós<br />

que não têm essa determinação, andam com um pé só,<br />

voam com uma asa só e não são dignos de estar no meio de<br />

vós, porque não são dignos de serem chamados Amigos da<br />

Cruz, à qual devemos amar com Jesus Cristo, corde magno<br />

et animo volenti. Basta uma meia vontade nesse caso, para<br />

corromper todo o rebanho como uma ovelha negra. Se<br />

em vosso aprisco já existe uma delas, vinda pela porta má<br />

do mundo, em nome de Jesus Cristo crucificado expulsai‐a<br />

como a um lobo que se esgueirou entre os cordeiros.<br />

Esse pensamento de São Luís Grignion é muito importante,<br />

porque nos revela a necessidade de uma graça<br />

especial para determinar os homens a seguirem a cruz de<br />

Nosso Senhor.<br />

Quer dizer, se alguém julga que somente fatores humanos<br />

são capazes de levar uma pessoa a aceitar uma<br />

verdadeira vida de sacrifícios, esse se acha completamente<br />

enganado. E igualmente errado estará quem pense<br />

que a tal nos inclinará o costume, a natureza ou o “ânimo<br />

dedicado”. Não existe ânimo dedicado nessa matéria. Há<br />

homens que, às vezes, demonstram certa facilidade para<br />

algumas formas menos penosas de dedicação. Mas entregar-se<br />

até o sangue nas grandes dificuldades, não se consegue<br />

sem o auxílio da graça.<br />

Sabemos, pela experiência pessoal de cada um, como<br />

é dura a batalha pela perseverança na virtude: luta e entrega<br />

individuais, em que a tradição e o ambiente domés-<br />

14


Se quisermos, como alguns<br />

poucos, seguir Nosso Senhor<br />

com a cruz às costas,<br />

importa suplicarmos por<br />

meio de Maria Santíssima<br />

o indispensável auxílio<br />

da graça<br />

Encontro de Jesus com Nossa Senhora na Via<br />

Sacra - Marfim, Museu Metropolitan de Nova York<br />

tico podem ajudar um tanto, mas não são fatores determinantes<br />

para nos levar à pratica da virtude. É preciso a<br />

força da vontade secundada pelo socorro divino.<br />

A graça “toda vitoriosa”<br />

do Espírito Santo<br />

Curioso notar como São Luís Grignion se refere também<br />

ao interesse e ao respeito humano — tomado aqui<br />

no sentido de honras e regalias que se prometem a alguém<br />

— como ineficazes para convencer o homem a tomar<br />

a Cruz. Ou seja, nenhuma razão natural, nenhum valor<br />

terreno e mundano é capaz de determinar uma pessoa<br />

a cumprir estavelmente os Mandamentos de Deus.<br />

Só mesmo com o amparo do Céu, como o próprio autor<br />

insistirá na frase seguinte:<br />

Mas por uma graça toda vitoriosa do Espírito Santo que<br />

não se dá a todos.<br />

Agrada-me salientar essa bela expressão de São Luís:<br />

“graça toda vitoriosa”.<br />

Com efeito, há certas graças que o Espírito Santo concede<br />

aos homens, em geral graças de conversão, que trazem<br />

consigo a vitória na vida espiritual. Graças tão ricas,<br />

tão eficazes, alcançadas por meio de Maria Santíssima,<br />

que nos fazem sentir um desejo quase irresistível de progredir<br />

na virtude e de abraçar as vias da santidade de modo<br />

mais resoluto.<br />

Certo, mesmo sob o influxo dessa graça poderemos<br />

conhecer eclipses, enfrentaremos toda espécie de ventanias,<br />

de tropeços, mas, afinal, aquela luz divina nunca se<br />

apagará inteiramente no nosso horizonte. E acabaremos<br />

por segui-la e por atingir nosso bom porto, conduzidos<br />

pela misericórdia de Nossa Senhora.<br />

15


Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />

Prudência sobrenatural<br />

Continua o santo autor:<br />

Basta uma meia vontade nesse caso, para corromper todo<br />

o rebanho como uma ovelha negra. Se em vosso aprisco<br />

já existe uma delas, vinda pela porta má do mundo, em nome<br />

de Jesus Cristo crucificado expulsai‐a como a um lobo<br />

que se esgueirou entre os cordeiros.<br />

É interessante analisarmos a razão pela qual São Luís<br />

Grignion se refere à “má ovelha”. A meu ver, uma razão<br />

de prudência sobrenatural, que se explica nesses termos:<br />

quando um grupo forma um todo homogêneo, a presença<br />

nesse conjunto de um elemento heterogêno pode maculá-lo<br />

por inteiro.<br />

Imaginemos, por exemplo, um lindo tecido sobre o<br />

qual cai uma gota de tinta. Diríamos: “o pano está manchado”.<br />

E estranharíamos se outro objetasse: “Não, desculpe-me,<br />

mas apenas um centímetro quadrado desse tecido<br />

está sujo; o resto está limpo”. Ora, um centímetro<br />

quadrado de mancha num tecido branco, implica em que<br />

todo ele está manchado. Se se deseja a alvura inteira do<br />

pano, é preciso remover a mancha.<br />

Se aceitarmos a cruz,<br />

cumpriremos nossa missão<br />

“Se alguém quiser vir comigo”, que tanto me humilhei e<br />

aniquilei, que me tornei mais semelhante a um verme, que<br />

a um homem; comigo, que só vim ao mundo para abraçar<br />

a cruz, para colocá‐la no centro de meu coração, para<br />

amá‐la desde a minha juventude; para suspirar por ela durante<br />

a minha vida; para carregá‐la com alegria, preferindo‐a<br />

a todas as alegrias do céu e da terra, e que, enfim, só<br />

me contentei quando morri em seu divino abraço.<br />

Eis um dos sublimes pensamentos de São Luís Grignion<br />

de Montfort, pois se refere à posição do homem perante<br />

a missão que ele recebeu de Deus; missão que sempre<br />

traz uma cruz, à qual deseja carregar. Aqui está, expressa<br />

em termos magníficos, a vocação do verdadeiro<br />

Amigo da Cruz.<br />

Trata-se, portanto, de termos a compenetração de que<br />

viemos ao mundo, não para nos divertir nem para satisfazer<br />

caprichos. Viemos, antes de tudo, para cumprir nossa<br />

missão, o plano de Deus a respeito de cada um. E o desempenho<br />

dessa missão envolve o sofrimento que devemos<br />

abraçar, agarrarmo-nos a ele, sem fugas, sem fraudes,<br />

sem contrabandos, mas tomá-lo por inteiro. Claro<br />

está, suplicando a Nossa Senhora que nos alcance de<br />

Deus as forças necessárias para beber o cálice das dores<br />

como Ela e seu Divino Filho o fizeram na Paixão, sem<br />

deixar escapar uma gota sequer. Seja o que for, por mais<br />

duro, mais difícil, mais enigmático e incompreensível aos<br />

nossos olhos, aceitarmos.<br />

16


Ao mundo viemos, antes de<br />

tudo, para cumprir o<br />

plano de Deus a respeito de<br />

cada um, e isto envolve a<br />

renúncia de si mesmo<br />

e o aceitar a Cruz do Divino<br />

Redentor, sob o amparo de<br />

Nossa Senhora<br />

O corpo de Nosso Senhor é descido da Cruz -<br />

Marfim, Museu Metropolitan de Nova York<br />

E não é apenas aceitar a cruz, mas nos adiantarmos e<br />

a agarrarmos, nos prendermos a ela, com todo o amor e<br />

toda a força de nossa alma. Amo minha missão e o sofrimento<br />

sacrossanto que ela traz consigo. O resto me importa<br />

menos ou não me importa nada. Quero a cada uma<br />

dessas gotas de sacrifício, com integridade de coração,<br />

sem me esquivar de nenhuma. Devo preferi-las “a todas<br />

as alegrias do céu e da terra”, e “amá-las desde a minha<br />

juventude”.<br />

Outra expressão de extrema beleza. Na verdade, muitos<br />

podem dizer que desde a juventude, desde os albores<br />

da infância, sentiram o sopro da graça que lhes convidava<br />

para sua vocação. E se corresponderem, no momento<br />

de deixarem este mundo, poderão olhar para trás e dizer<br />

a Deus:<br />

“Senhor meu Pai, ao menos, de um modo ou doutro,<br />

amei a vocação que me destes desde o começo de minha<br />

vida. E esta não foi outra coisa senão procurar o cumprimento<br />

da missão que me confiastes. Agora morro nas<br />

vossas mãos e nas de Maria Santíssima; aquilo que me<br />

mandastes fazer, eu fiz. Dai‐me, pois, Senhor, o prêmio<br />

da vossa glória.”<br />

É a missão realizada. Mas, missão aceita é, antes de<br />

tudo, a cruz aceita. Abraçada a cruz, está cumprida a missão.<br />

E é a graça de tomarmos a cruz que devemos pedir a<br />

Deus, de toda a alma e com toda a confiança, por meio<br />

de Nossa Senhora.<br />

v<br />

(Extraído de conferência em 22/7/1967)<br />

17


“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />

A essência da<br />

Revolução<br />

Enganar-se-ia quem pensasse<br />

que o objetivo da Revolução se<br />

cinge apenas em destruir este<br />

ou aquele direito de pessoas<br />

ou famílias. Como bem nos<br />

adverte <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos tópicos<br />

transcritos a seguir, o processo<br />

revolucionário visa, sobretudo,<br />

a extinção da única ordem<br />

verdadeira entre os homens, isto<br />

é, a ordem havida<br />

na Civilização Cristã.<br />

Qual o sentido do termo “Revolução”?<br />

“Damos a este vocábulo o sentido de um movimento<br />

que visa destruir um poder ou uma ordem legítima e<br />

pôr em seu lugar um estado de coisas (intencionalmente<br />

não queremos dizer ordem de coisas) ou um poder ilegítimo“<br />

(p. 57-58).<br />

Revolução cruenta e incruenta<br />

Que tipos de revolução pode haver?<br />

“Neste sentido, a rigor, uma revolução pode ser incruenta.<br />

Esta de que nos ocupamos se desenvolveu e<br />

continua a se desenvolver por toda sorte de meios, alguns<br />

dos quais cruentos, e outros não (p. 58).<br />

18


Cite exemplos de revolução cruenta e revolução incruenta.<br />

“As duas guerras mundiais deste século [XX] (...), consideradas<br />

em suas conseqüências mais profundas, são capítulos<br />

dela, e dos mais sanguinolentos. Ao passo que a<br />

legislação cada vez mais socialista de todos ou quase todos<br />

os povos hodiernos constitui um progresso importantíssimo<br />

e incruento da Revolução (p. 58).<br />

Amplitude desta Revolução<br />

A finalidade da Revolução é derrubar autoridades legítimas?<br />

Mais ainda do que<br />

uma ordem de coisas legítima,<br />

é uma visão do universo e<br />

um modo de ser do homem,<br />

que a Revolução pretende<br />

abolir, com o objetivo<br />

de substituí-los por outros<br />

radicalmente contrários<br />

P. Mikio<br />

A Catedral de Chartres (França), uma das<br />

glórias da Cristandade medieval cujos valores<br />

vêm sendo destruídos pela Revolução<br />

“A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades<br />

legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título<br />

de legitimidade. Mas haveria engano em pensar que<br />

ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal não é a<br />

destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias”<br />

(p. 58).<br />

Destruição da ordem da<br />

Civilização Cristã<br />

Qual o principal objetivo da Revolução?<br />

“Ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima,<br />

e substituí-la por uma situação ilegítima. E ‘ordem<br />

de coisas’ ainda não diz tudo. É uma visão do universo e<br />

um modo de ser do homem, que a Revolução pretende<br />

abolir, com o intuito de substituí-los por outros radicalmente<br />

contrários.<br />

“Neste sentido se compreende que esta Revolução não<br />

é apenas uma revolução, mas é a Revolução” (p. 58-59).<br />

Que “ordem de coisas” a Revolução vem destruindo?<br />

“A ordem de coisas que vem sendo destruída é a<br />

Cristandade medieval. Ora, essa Cristandade não foi<br />

uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis<br />

muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias<br />

inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem<br />

verdadeira entre os homens, ou seja, a Civilização<br />

Cristã” (p. 59) 1 . v<br />

1) Para todas as citações: Revolução e Contra-Revolução, Editora<br />

Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português,<br />

254 páginas.<br />

19


Ca l e n d á r i o d o s Sa n t o s<br />

1. São Romano, o Melodioso,<br />

+ 565. Nascido na Síria, após<br />

ser ordenado diácono fixou-se em<br />

Constantinopla, onde compôs cantos<br />

rítmicos (kontakion) em língua<br />

grega, incorporados depois à liturgia<br />

bizantina.<br />

S. Hollmann<br />

2. Santos Anjos Custódios. Festa<br />

instituída em 1670 pelo Papa Clemente<br />

X para lembrar aqueles espíritos<br />

celestes que acompanham e<br />

protegem cada ser humano ao longo<br />

de toda a sua vida. Referindo-se a<br />

eles, disse Jesus no Evangelho (Mt,<br />

18, 10): “Guardai-vos de menosprezar<br />

um só destes pequenos, porque<br />

eu vos digo que seus anjos no céu<br />

contemplam sem cessar a face de<br />

meu Pai que está nos céus”.<br />

3. Bem-Aventurados André Sobral<br />

e companheiros, mártires em<br />

Uruaçu (RS), +1645.<br />

4. São Francisco de Assis, + 1226.<br />

Padroeiro da Itália e Fundador dos<br />

Frades Menores. Ver artigo na página<br />

26.<br />

5. Santos Mártires de Tréveris<br />

(Trier, território da antiga Gália<br />

e hoje pertencente à Alemanha):<br />

Crescêncio, Constâncio e companheiros,<br />

sob a perseguição do imperador<br />

Diocleciano, século III.<br />

6. São Francisco Tran Van Trung,<br />

mártir no Vietnã, sob o imperador<br />

Tu Duc, + 1858.<br />

7. Bem-Aventurada Virgem Maria<br />

do Rosário. Festa estabelecida<br />

pelo Papa São Pio V após a vitória<br />

da armada cristã em Lepanto,<br />

em 1571.<br />

8. Santo Evódio, Bispo de Rouen,<br />

na Gália (França), século V.<br />

Nossa Senhora do Pilar - Zaragoza, Espanha<br />

9. Santo Abraão, Patriarca do<br />

Antigo Testamento.<br />

10. São Paulino de York, + 644.<br />

Monge e depois Bispo dessa cidade<br />

inglesa. Discípulo do Papa São<br />

Gregório Magno, que o enviou para<br />

evangelizar os anglos.<br />

11. São Meinardo, + 1193. Monge<br />

alemão, foi o primeiro Bispo da<br />

Letônia. Seu culto foi confirmado<br />

oficialmente por João Paulo II numa<br />

viagem apostólica àquele país,<br />

em 1993.<br />

12. Nossa Senhora Aparecida,<br />

Padroeira do Brasil.<br />

Nossa Senhora do Pilar. Em Zaragoza,<br />

Espanha, no ano 40, quando<br />

ainda estava em vida, Nossa Senhora<br />

apareceu ao apóstolo São<br />

20


* Ou t u b r o *<br />

Tiago para encorajá-lo na evangelização<br />

daquelas terras.<br />

13. Santa Parasceve, a Jovem,<br />

eremita em Epibatai, Constantinopla,<br />

século X.<br />

G. Kralj<br />

14. Santa Manequilde, virgem,<br />

em Chalons, França, século V.<br />

15. Santa Teresa de Jesus, virgem,<br />

Doutora da Igreja, + 1582.<br />

Fundadora do ramo das Carmelitas<br />

Descalças.<br />

16. São Geraldo Majela, religioso<br />

redentorista, +1755.<br />

17. Santo Inácio de Antioquia, Bispo<br />

e Mártir, + 107. Discípulo de São<br />

João Evangelista e primeiro sucessor<br />

de São Pedro na sede de Antioquia.<br />

18. São Pedro de Alcântara,<br />

+ 1562. Sacerdote e reformador<br />

franciscano, aconselhou Santa Teresa<br />

na reforma do Carmelo.<br />

19. São Paulo da Cruz, + 1775.<br />

Sacerdote e religioso, fundador dos<br />

Padres Passionistas.<br />

20. Santa Irene de Portugal, mártir,<br />

século VI.<br />

21. Santa Celina de Meaux, virgem,<br />

+ 480. Abraçou a vida religiosa<br />

a convite de Santa Genoveva.<br />

22. São Leotaldo de Auch. Bispo<br />

dessa cidade na Aquitânia, França.<br />

23. São Paulo Tong Viet Buong.<br />

Soldado, mártir no Vietnã sob o imperador<br />

Minh Mang, + 1833.<br />

24. Santo Antônio Maria Claret,<br />

+ 1870. Bispo, fundador dos Filhos<br />

do Imaculado Coração de Maria<br />

São Paulo da Cruz - Basílica de São Pedro, Roma<br />

(claretianos), escritor prolífico de<br />

opúsculos de evangelização e formação<br />

do clero. Apóstolo incansável<br />

da Catalunha, Ilhas Canárias e<br />

Cuba. Defendeu a proclamação do<br />

dogma da Infalibilidade Papal no<br />

Concílio Vaticano I.<br />

25. São Bernardo Calbó, +1243.<br />

Cisterciense, e depois Bispo de<br />

Vich (Catalunha, Espanha).<br />

26. Santos Luciano e Marciano,<br />

mártires na Nicomédia de Bitínia, no<br />

tempo do Imperador Décio, + 250.<br />

27. São Bartolomeu de Breganze,<br />

+ <strong>127</strong>0. Religioso dominicano e bispo<br />

italiano, fundou a Mílícia de Jesus<br />

Cristo para defender a Fé e a Igreja.<br />

28. São Rodrigo Aguilar, + 1927.<br />

Sacerdote, mártir na perseguição<br />

mexicana. Os verdugos perguntaram-lhe<br />

três vezes, após pendurálo<br />

a uma árvore: “Quem vive?”, fazendo<br />

aceno de libertá-lo, segundo<br />

a resposta. E ele três vezes respondeu:<br />

“Cristo Rei e Santa Maria de<br />

Guadalupe”.<br />

29. São Teodário, Abade na Gália.<br />

Discípulo de São Cesário de Arlès,<br />

+ 575.<br />

30. Santa Eutrópia, mártir em<br />

Alexandria (Egito), século III.<br />

31. Santo Antonino, Bispo de<br />

Milão, + 661. Defendeu a Fé contra<br />

os arianos lombardos.<br />

21


Ap ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

A sede<br />

de admiração<br />

Conforme o pensamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

quando o homem dirige seus anelos para<br />

uma ordem de coisas superior à terrena,<br />

onde tudo lhe fala da perfeição absoluta<br />

do Criador, caminha ele pelas vias da<br />

admiração, ao longo da qual tornar-se-á<br />

uma grande alma.<br />

Apartir de qualquer ser possível,<br />

podemos imaginar um<br />

ser parecido, naquela linha,<br />

mas de uma perfeição maior.<br />

Suponhamos um ser dos mais modestos,<br />

uma formiga, a propósito da<br />

qual nos é dado pensar na formiga<br />

perfeita, descartando o que ela<br />

tem de feio e analisando apenas os<br />

seus aspectos bons e até bonitos. Seria<br />

então a arqui-formiga, a formiga<br />

obra-de-arte, a formiga-tesouro, que<br />

poderia ser representada num diadema<br />

ou numa coroa.<br />

Na verdade, a perfeição pode ser<br />

considerada em dois níveis: no primeiro,<br />

o ser, mesmo com seus defeitos,<br />

é levado ao pináculo do que ele<br />

pode atingir; no segundo, ele é despido<br />

de suas imperfeições e galgado<br />

a um superior grau de maravilhamento.<br />

O homem tende a<br />

conceber a perfeição<br />

absoluta<br />

Por detrás dessa noção se percebe<br />

a tendência do homem para o Paraíso,<br />

para o Céu, que o leva a conceber<br />

o mais perfeito de cada ser e, em última<br />

análise, a idéia de perfeição absoluta,<br />

que é Deus.<br />

Esta inclinação, por outro lado,<br />

faz com que o homem procure também<br />

conceber nesta Terra uma série<br />

de coisas “paradisáveis”, não com a<br />

perfeição absoluta de Deus, mas to-<br />

22


S. Hollmann<br />

da a perfeição de que são capazes.<br />

Portanto, quando possui certa elevação<br />

de espírito e amor ao Criador, o<br />

homem se põe a conceber as coisas<br />

com esses vários graus de pulcritude,<br />

perfeição e excelência, e estas produzem<br />

nele o que em francês se diria<br />

um chatouillement, uma impressão<br />

deleitosa.<br />

Creio que todo homem tem essa<br />

tendência, que no período da infância<br />

se traduz por um maravilhamento<br />

diante das coisas mais diversas.<br />

Digamos, quando a criança está<br />

numa fazenda e observa o panorama<br />

campestre à sua frente, com um rio<br />

cujas águas produzem um espelhamento<br />

do céu e emitem cores muito<br />

bonitas, ela se encanta de modo superlativo<br />

com aquilo.<br />

O desejo do homem de<br />

estabelecer na Terra<br />

uma ordem semelhante<br />

à do Paraíso inspirou<br />

as maravilhas<br />

realizadas nos séculos de<br />

Civilização Cristã<br />

Castelo na Floresta Negra, Alemanha<br />

Aspectos maravilhosos<br />

da Ásia<br />

É interessante notar que, de certa<br />

forma, esse mundo maravilhoso<br />

se apresenta em muitos aspectos da<br />

Ásia, considerada quer como obra<br />

de Deus, quer dos homens. Percebese<br />

ter havido ali almas que, em determinado<br />

momento, pararam, pensaram<br />

e admiraram algo da infinita<br />

perfeição de Deus e, em seguida,<br />

cantaram, musicaram e esculpiram<br />

essas admirações, expressando-as<br />

em ritos religiosos, danças, palácios,<br />

tecidos, porcelanas e outras obras do<br />

gênero.<br />

23


Ap ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

Voôs da pulcritude na<br />

Civilização Cristã<br />

E teríamos, assim também, a idéia<br />

que orientou as almas a realizarem<br />

os esplendores da Civilização Cristã.<br />

De fato, na Cristandade ocidental<br />

e européia, ao lado de belezas como<br />

o castelo feudal, surgiram pequenas<br />

populações modestas mas encantadoras,<br />

cujas casas eram adornadas<br />

com bom gosto e alegria, os<br />

vasos de flores colorindo os beirais<br />

das janelas, terreiros bem cuidados<br />

onde criavam ovelhas e outros animais<br />

domésticos, junto com a pocilga<br />

dos leitões e, portanto, admitindo<br />

um convívio com o prosaico e menos<br />

encantador.<br />

Como não nos lembrarmos das aldeias<br />

alemãs, com suas características<br />

habitações no estilo germânico,<br />

no interior das quais havia sempre<br />

um forno aceso onde se coziam<br />

pães deliciosos, e a lareira fumegante,<br />

junto à qual a família reunida entoava<br />

festivas canções.<br />

Ou seja, ombreando com monumentos<br />

magníficos, havia uma arte<br />

popular muito bonita, constituindo<br />

com aqueles um mundo contínuo,<br />

sem monstruosidades, que ia desde o<br />

prosaico do terra-a-terra, até o alto<br />

das torres do velho castelo medieval.<br />

E a Civilização Cristã produziu isso<br />

de próprio: o castelão e seus convivas<br />

eram como as estrelas do céu<br />

para o camponês que vivia em torno<br />

do castelo. Existia um tal relacionamento<br />

entre eles que algo do brilho<br />

da vida dos primeiros fazia permear<br />

o maravilhoso para o ambiente do<br />

aldeão. Essa não é uma afirmação<br />

gratuita. Os dados relativos a esse tema<br />

são tão abundantes que se poderia<br />

fazer, não um álbum, mas uma biblioteca<br />

de fotografias sobre as condições<br />

do povo na tradição medieval,<br />

apenas para se compreender as torrentes<br />

de maravilhas que a vida dos<br />

superiores proporcionava à existência<br />

dos inferiores.<br />

Almas especialmente<br />

sedentas de arquetipias<br />

Aliás, tenho a impressão — e o<br />

digo como opinião pessoal — de<br />

que nos séculos de Civilização Cristã,<br />

mais ou menos em todos os ambientes,<br />

Deus suscitou almas especialmente<br />

sedentas de perfeição, nos<br />

vários patamares sobre os quais acima<br />

falamos. E, talvez sem perceberem,<br />

impulsionaram esse desejo para<br />

frente, transmitiram-no às gerações<br />

seguintes, não só formando pessoas,<br />

mas criando costumes cuja importância,<br />

nesse campo, é tal que<br />

não se pode aquilitá-la em toda a<br />

sua medida.<br />

24


Casas populares de Rhotenburg, Alemanha; porcelana<br />

japonesa - Museu Metropolitan, Nova York<br />

Ousaria dizer mais. Creio que o<br />

primeiro homem a cantar uma bela<br />

canção popular, fazendo com que<br />

fosse entoada pelos demais habitantes<br />

e se tornasse um emblema daquela<br />

região; ou o primeiro homem<br />

que resolveu colocar um pote de gerânios<br />

na frente de sua casa para enfeitá-la,<br />

com o desejo de oferecer<br />

a quem o admirasse, a carícia desse<br />

convite para elevar suas vistas a<br />

uma esfera mais alta — esses pioneiros<br />

desempenharam, na ordem natural,<br />

um papel semelhante ao de um<br />

Fotos: S. Hollmann / G. Kralj<br />

Pioneiros na admiração houve que indicaram aos homens o caminho<br />

da pulcritude que conduz à beleza absoluta, que é Deus<br />

profeta na ordem sobrenatural. Nesse<br />

sentido de que apontaram aos outros<br />

o caminho da perfeição e da pulcritude<br />

que conduz à beleza absoluta,<br />

que é Deus.<br />

Um perigo a se evitar<br />

O escolho a se evitar nessa tendência<br />

para o maravilhoso perfeito<br />

é de se deixar atrair e dominar pelos<br />

deleites que a admiração pode produzir<br />

em nós. Pois, não raro, o admirável<br />

é delicioso. O indivíduo sentese<br />

agradado no exercício de seu intelecto<br />

admirando algo, mas também<br />

pode sentir uma delícia física, como,<br />

por exemplo, quando ouve uma bela<br />

música. É possível que, na convergência<br />

dessas duas formas de sensação<br />

prazeirosa ele seja tentado a preferir<br />

apenas o gosto físico. Cedendo<br />

a essa tentação, começa a decadência,<br />

e ele passará a procurar somente<br />

as delícias palpáveis, desprezando<br />

as delícias “alpinísticas” do pensamento.<br />

Chegará o dia em que esse indivíduo<br />

será dominado pela preguiça de<br />

empreender qualquer vôo de espírito,<br />

e deixará o tempo se esvair como a<br />

areia escorre na ampulheta. Seu único<br />

trabalho será o de inverter a posição<br />

dela e deixar o pó cair novamente.<br />

Pior. Ao cabo de alguns anos, o homem<br />

que morou no palácio e nos parques<br />

da admiração, começa a olhá-la<br />

como inimiga. Porque se ele quiser<br />

voltar ao palácios e aos parques, terá<br />

de se esforçar. E tudo quanto dele<br />

exige força é seu inimigo. Assim ele<br />

naufraga na vida de delícia.<br />

Alcançando o ponto<br />

máximo da admiração<br />

Pelo contrário, à medida que o<br />

homem progride na admiração autêntica,<br />

no fundo de seu horizonte<br />

vai tomando corpo algo novo que é<br />

o ponto máximo do que ele admira<br />

e com o qual nunca sonhou. À força<br />

de se encantar com as coisas intermediárias,<br />

começa a se delinear para<br />

ele o objeto supremo da sua admiração.<br />

Assim, vai criando uma série de<br />

pontos de atração pinacular, os quais<br />

constituem para ele como que um<br />

Céu nesta Terra.<br />

Se ele souber vencer os apelos do<br />

delicioso e viver para a admiração,<br />

encontrará o caminho a seguir para<br />

se tornar uma grande alma. v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 4/6/1994)<br />

25


O Sa n t o d o m ê s<br />

São Francisco<br />

de Assis<br />

e o enlevo pelas<br />

coisas divinas<br />

Personalidade admirável que marcou não apenas o seu tempo<br />

mas os séculos sucessivos, São Francisco de Assis tanto se<br />

identificou com o Divino Mestre que se Lhe tornou semelhante<br />

até mesmo no seu semblante físico. Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o Poverello<br />

foi uma imagem viva do enlevo pelas coisas divinas<br />

exercitado ao último ponto.<br />

N<br />

as veredas de um mundo que caminhava de<br />

modo torrencial atrás das riquezas, São Francisco<br />

de Assis foi o trovador que entoou o hino<br />

do desapego e da pobreza, da doação levada ao mais alto<br />

esplendor do amor de Deus e do desejo de se Lhe entregar.<br />

Ele foi o santo da caridade e da bondade; o santo<br />

que, indo de encontro à Cruz, mereceu a glória de receber<br />

os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi, igualmente,<br />

o santo entusiasta dos ideais da cavalaria católica,<br />

toda voltada para o serviço da Igreja. Por tudo isso, terá<br />

sido ele, a meu ver, a personalidade mais contagiante<br />

que talvez tenha havido na Cristandade.<br />

A característica de uma alma enlevada<br />

Entre tantos predicados dignos de consideração,<br />

creio ser oportuno ressaltar esse aspecto da alma de<br />

São Francisco: o seu amor arrebatado pelas coisas divinas,<br />

seu enlevo que chegava ao êxtase, diante das maravilhas<br />

criadas por Deus e diante da própria perfeição<br />

do Criador.<br />

Tenho para mim que ponderável parcela da felicidade<br />

que nos é dado ter nesta Terra — vale de lágrimas —<br />

consiste em nos enlevarmos com aquilo que merece nosso<br />

encanto, amor e admiração, e em fazermos a doação<br />

desses sentimentos ao objeto de nosso enlevo. Bem entendido,<br />

essa admiração desinteressada e fervorosa deve<br />

se dirigir, acima e antes de tudo, ao que representa para<br />

nós uma expressão de Deus Nosso Senhor. E, portanto,<br />

tal enlevo será, em última análise, a manifestação de nosso<br />

amor ao Altíssimo.<br />

Nesse sentido, é ilustrativo o fato narrado por um literato:<br />

certa vez, levou um amigo para ver, de longe, uma aldeia<br />

por ele já conhecida. Chegaram ao topo de uma colina e, lá<br />

do alto, após divisarem o belo cenário de montanhas e campos<br />

que envolviam a aldeia, ele começou a indicar: “Aque-<br />

26


la é a casa de fulano, aquela outra de beltrano, a outra de<br />

sicrano”. O amigo, surpreso, perguntou-lhe:<br />

— Bem, e a sua, qual é?<br />

— Ah, eu não tenho casa. Não tenho nada. Só o panorama…<br />

Compreende-se: quem tem o panorama, tem mais que<br />

o casario, porque tem o enlevo e a capacidade de admirar<br />

aquela superior beleza como um reflexo de Deus. É o<br />

gesto desinteressado de contemplar o cenário pelo cenário,<br />

sem vantagem própria.<br />

A necessidade de doar-se<br />

R. C. Branco<br />

Insisto nessa idéia do amor desinteressado a algo que<br />

se ama por se tratar de uma manifestação da grandeza<br />

de Deus. E, portanto, uma disposição de alma que devemos<br />

cultivar para irrigar e alimentar nossa vida espiritual,<br />

para aumentarmos nossa capacidade de enlevo pelas<br />

coisas divinas.<br />

Como saber se estamos trilhando esse caminho?<br />

A meu ver, o sintoma de que fomos tocados pelo raio<br />

divino do enlevo é precisamente o fato de sentirmos uma<br />

necessidade de doar o nosso amor, abnegadamente, ao<br />

objeto amado enquanto tal e nada mais. No Glória que<br />

se reza na Missa, essa atitude de alma está muito bem expressa,<br />

quando se diz: Nós vos damos graças, Senhor, por<br />

vossa imensa glória. Ou seja, amo tanto a Deus porque<br />

Ele é Deus, e eu O agradeço por ser Deus como se<br />

fosse um inestimável favor feito a mim, quando a glória<br />

e o benefício é exclusivamente para Ele. Eu, homem,<br />

não participo dessa magnitude, a não ser como<br />

um adorador pequenino no fundo do santuário, com<br />

os olhos fitos no Tabernáculo.<br />

Há, portanto, uma certa forma de enlevo pela qual<br />

a pessoa quer dar-se inteiramente e não conservar<br />

nada para si. E faz disso o ideal de sua vida, de tal maneira<br />

que coloca sua felicidade no ter oferecido tudo<br />

a Deus: “Senhor, eu vos trago tudo, não conservo nada<br />

para mim, dou-me por completo.”<br />

Alma de fervor contagiante,<br />

São Francisco de Assis<br />

entoou o hino do desapego, do<br />

amor a Deus e do desejo de<br />

se entregar a Ele por inteiro<br />

São Francisco de Assis - Museu da<br />

Catedral de Pisa, Itália<br />

27


28<br />

O Sa n t o d o m ê s


São Francisco tanto<br />

se identificou com<br />

o Redentor Divino, que<br />

se Lhe tornou parecido até<br />

no semblante físico<br />

Fotos: S. Hollmann / V. Toniolo<br />

Na página 28: São Francisco de Assis - Museu<br />

de Sevilha, Espanha; à direita: Exéquias de<br />

São Francisco - Pinacoteca Vaticana, Roma<br />

A perfeita alegria de São<br />

Francisco, expressão de enlevo<br />

E, oh! coisa inexplicável, oh! paradoxo: essa é a<br />

felicidade mais autêntica que se possa ter. Provao<br />

o exemplo dos santos, e o exemplo do próprio<br />

São Francisco de Assis. Ele o exprimiu de modo<br />

perfeito, quando, durante o trajeto entre uma<br />

casa e outra de sua ordem, em tempo de rigoroso<br />

inverno, seu acompanhante Frei Leão lhe perguntou<br />

no que consistia a perfeita alegria, e São<br />

Francisco respondeu:<br />

— Imagine que, chegando ao convento no meio da<br />

noite, sob neve intensa, com frio e fome, ao batermos à<br />

porta, o irmão porteiro nos atenda irritado, nos admoeste<br />

com desaforos e não nos deixe entrar. Então permaneceremos<br />

ao relento, sofrendo os rigores do frio e o aguilhão<br />

da fome, aceitando tudo com serenidade e resignação<br />

por amor a Deus: nisto estaria a perfeita alegria.<br />

Penso que não se poderia compreender essa afirmação<br />

de São Francisco, a não ser em função do enlevo. Ou seja,<br />

é um tal amor e uma tal veneração pela ordem franciscana<br />

e tudo quanto ela representa, que um membro dela,<br />

após receber toda espécie de maus tratos e injúrias à porta<br />

de um dos seus conventos, ainda se deixa tomar de enlevo,<br />

como se exclamasse: “Ó moradia do meu Beato Pai<br />

Francisco! Ó muros sagrados! Ó paredes! Ó conteúdo sacrossanto!<br />

Ó espírito que habita nisto! Com que alegria<br />

eu, não podendo entrar, fico contente em estar de fora,<br />

imaginando o que está dentro!”. Isso é o enlevo perfeito.<br />

Imagem viva do enlevo<br />

exercitado ao último ponto<br />

E por essa atitude de alma se compreende também,<br />

que, por exemplo, um franciscano possa dizer: “Não sou<br />

eu mais quem vive, mas é meu pai São Francisco que vive<br />

em mim”. Claro está, não significa que ele deixou de<br />

existir materialmente, mas que o enlevo dele pela pessoa<br />

de São Francisco chegou a um tal extremo que, por assim<br />

dizer, ele se transformou num outro São Francisco<br />

de Assis, assimilou e se identificou com a personalidade<br />

de seu fundador. Do mesmo modo como o próprio São<br />

Francisco podia dizer: “Não sou eu mais que vivo, mas é<br />

Cristo que vive em mim”. Assim aquele religioso exclamaria:<br />

“É Francisco que vive em mim e, por meio deste,<br />

é Cristo que vive em mim. Eu morri, dando-me por inteiro<br />

ao ideal franciscano, transformando-me num filho<br />

completo de São Francisco.”<br />

Aliás, creio que uma forma de holocausto das mais<br />

sensíveis que houve na História — de propósito não digo<br />

que tenha sido a maior, nem a comparo com o exemplo<br />

de Nossa Senhora, que está acima de todos os conceitos<br />

— foi a realizada por São Francisco de Assis. De fato,<br />

o doce Poverello conformou-se tanto à figura de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo que chegou a se tornar fisicamente<br />

parecido com o Divino Mestre, inclusive recebendo os<br />

estigmas da Paixão.<br />

Qual o significado dessa semelhança?<br />

Significa uma tal união que, por todo o jogo das razões<br />

naturais, e mais ainda sobrenaturais, ele se transformou<br />

num outro Cristo: era a imagem viva do enlevo praticado<br />

até o último ponto.<br />

v<br />

(Extraído de conferências em 10/6/1967 e 10/3/1970)<br />

29


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

Silêncios e implicitudes<br />

Jardins do Palácio<br />

de Versailles,<br />

França<br />

30


Em minhas mãos, emprestado<br />

por um amigo, tive um disco<br />

cuja ilustração da capa me<br />

pareceu extremamente sugestiva:<br />

era um clássico jardim francês, provavelmente<br />

de Versailles, iluminado<br />

por um brilho de luar mirífico, um<br />

luar não apenas prateado, mas lilás,<br />

como os mais entusiastas das refulgências<br />

da lua não saberiam pintar.<br />

O dono do disco levou-o consigo.<br />

Na minha má memória procurei<br />

conservar particularidades daquela<br />

gravura que tanto me impressionara,<br />

pois sentia em mim que, na recordação<br />

daqueles detalhes, qualquer coisa<br />

se moveria e cresceria no meu espírito.<br />

Era a implicitude de algo que<br />

estava em silêncio há muito tempo<br />

em minha alma e que em certo momento<br />

eu conseguiria explicitar, talvez<br />

de modo ainda incompleto.<br />

O que seria? O que me dizia aquele<br />

jardim, agora melancólico, e entretanto<br />

mais belo do que belo fora na<br />

época áurea de Versailles? Dir-se-ia<br />

que o Rei Luís XVI há pouco o deixou<br />

para nunca mais retornar, sendo<br />

levado preso a Paris. Como estaria o<br />

palácio no seu interior, quando seus<br />

jardins se achavam naquele estado?<br />

De cogitações dessas, que não são<br />

diretamente lógicas, nasceu em meu<br />

espírito uma espécie de parábola,<br />

que não pretendo de nenhum modo<br />

ter qualquer valor literário. Mas, seria<br />

algo assim...<br />

Imaginemos a primeira noite de<br />

Versailles após a saída de Luís XVI,<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

31


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

da Rainha Maria Antonieta e do resto<br />

da corte. O palácio está fechado,<br />

alguns de seus salões ainda em ordem,<br />

outros desarrumados, revelando<br />

as marcas de uma depredação levada<br />

a cabo pelos agitadores da Revolução<br />

Francesa. A desolação reina<br />

ali dentro, enquanto lá fora os raios<br />

de um lindo luar deitam suas cintilações<br />

sobre os arvoredos e flores de<br />

um parque extraordinário, ainda intacto.<br />

De vez em quando, num ponto<br />

qualquer do castelo se ouve o bater<br />

de portas e janelas tocadas pelo<br />

vento, para em seguida tudo imergir<br />

num silêncio como nunca houvera<br />

em Versailles, desde a sua construção<br />

até aquele momento.<br />

Imaginemos que, nesse cenário de<br />

melancolia e abandono, ainda transitava<br />

um casal de pequenos nobres<br />

que prestavam serviços ao rei. Por<br />

razões de ofício, ali permaneceram,<br />

32


Galeria dos Espelhos<br />

(Galerie des Glaces);<br />

na página 32: vista<br />

do Palácio e de um<br />

dos seus jardins<br />

33


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

recompondo o que fosse possível naquela<br />

grande desordem. Terminado<br />

o que podiam fazer, eles se retiram<br />

e atravessam a célebre Galerie des<br />

Glaces — a Galeria dos Espelhos —<br />

de Versailles onde, para a surpresa<br />

deles, encontram outra pessoa. É um<br />

dos músicos do palácio que, já nostálgico,<br />

antes de se retirar para sempre<br />

dali, toca num cravo uma última<br />

melodia, digamos um último minueto.<br />

O casal se detém diante daquela<br />

cena, na galeria iluminada apenas<br />

Após longos<br />

silêncios e<br />

implicitudes, brota<br />

da alma, como o<br />

mel saído do favo,<br />

uma descrição,<br />

uma parábola: o<br />

último minueto<br />

em Versailles...<br />

À esquerda: o quarto da Rainha;<br />

na página 35: Capela do<br />

Palácio - Versailles, França<br />

pelo luar que atravessa as amplas janelas.<br />

Emocionados, esposo e esposa<br />

começam a dançar aos acentos da<br />

música. Eles dançam o último minueto,<br />

o músico fecha o cravo e os<br />

últimos sons de Versailles, nos seus<br />

dias de glória, se extinguem.<br />

Na consideração desse último minueto<br />

dançado em Versailles, disto<br />

que não é senão uma parábola —<br />

pois não há notícia de que esse fato<br />

tenha jamais acontecido —, pergunto<br />

eu: é verdade ou não que se pode<br />

sentir mais diretamente o que desapareceu<br />

com o fim do Ancien Régime,<br />

do que no-lo diz uma narração<br />

histórica inventariando e descrevendo<br />

todos os fatos como na realidade<br />

se passaram?<br />

Ao contrário do que talvez pensassem<br />

certos espíritos muito doutos,<br />

cuido eu que o homem capaz de<br />

imaginar uma parábola como essa<br />

não é um fantasioso. Antes, compreendeu<br />

ele um aspecto da realidade<br />

muito difícil de explicitar, de exprimir<br />

e de avaliar razoável e retamente,<br />

mas que tem seu papel na descrição,<br />

no estudo e na ponderação da<br />

realidade total.<br />

Essa parábola nasceu depois de<br />

longos silêncios e de implicitudes fecundas<br />

as quais, tomadas de dentro<br />

de minha alma como o mel de dentro<br />

do favo, veio à luz do dia e se tornou<br />

descrição: o último minueto em<br />

Versailles.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 23/12/1990)<br />

34


35


Inefável<br />

T. Ring<br />

sorriso<br />

O<br />

Divino Mestre nos convida<br />

a segui-Lo no caminho<br />

do Calvário, carregando<br />

nossa cruz. Caminho de lutas,<br />

de deveres e trabalhos por<br />

amor a Deus. Porém, para o fazermos,<br />

cumpre que O sigamos<br />

passo a passo, pondo nossos pés<br />

onde Jesus pôs os d’Ele, ou seja, na<br />

mais estreita e íntima união com o<br />

Redentor.<br />

E tal só alcançaremos se, ao longo<br />

desse caminho, para auxiliar a nossa<br />

fraqueza, consolar os nossos corações,<br />

sentirmos que sobre nós paira<br />

aquilo que há de mais doce no Céu<br />

e na Terra, depois da clemência do<br />

próprio Deus — o sorriso inefável<br />

de Maria Santíssima.<br />

(Extraído de conferência<br />

em 11/4/1964)<br />

Nossa Senhora de Fátima

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