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Publicação Mensal Ano XII - Nº <strong>138</strong> Setembro de 2009<br />
A Cruz, glorioso símbolo da vitória
A exaltação<br />
da Santa<br />
Cruz<br />
Em todos os episódios da Paixão,<br />
nota-se o desejo de humilhar<br />
Nosso Senhor. A Cruz, de modo<br />
especial, representa as humilhações<br />
que Ele sofreu. Ela é a primeira das<br />
humilhações que, até o fim do mundo,<br />
todos os católicos haverão de sofrer<br />
por Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Por esta razão, a Cruz foi tomada<br />
como sinal de honra de tudo quanto<br />
há de mais sagrado e de mais santo,<br />
pois a honra não consiste em não<br />
sermos humilhados, mas, isto sim, em<br />
receber a humilhação com ufania.<br />
Ter presente a contínua exaltação da<br />
Cruz é a graça que devemos pedir na<br />
festa da Exaltação da Santa Cruz.<br />
Cuz processional -<br />
Catedral de São Patrício,<br />
Nova York<br />
(Extraído de Conferência de 14/9/1965)<br />
G. Krajl<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XII - Nº <strong>138</strong> Setembro de 2009<br />
Ano XII - Nº <strong>138</strong> Setembro de 2009<br />
A Cruz, glorioso símbolo da vitória<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
venera a Santa<br />
Cruz durante uma<br />
cerimônia da Paixão.<br />
Foto: M. Shinoda.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
Editorial<br />
4 A Cruz, glorioso símbolo da vitória<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Setembro de 1939: <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> protesta<br />
contra a invasão dos nazistas na Polônia<br />
Dona Lucilia<br />
6 Exemplo de amor materno<br />
De Maria Nunquam Satis<br />
10 Mãe de Deus e nossa<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
16 A “Revolução Cultural”<br />
O Santo do mês<br />
18 São Tomás de Vilanova, caridade milagrosa<br />
e dom de conselho<br />
22 Calendário dos Santos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
24 Admirável, austera e silenciosa Trapa<br />
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
28 Quem vive no pantanal da<br />
incompreensão, deve saber voar<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 Sacrifício e Heroísmo: frutos da<br />
Civilização Cristã<br />
Última página<br />
36 Corrigi-me em minha oração<br />
3
Editorial<br />
A Cruz, glorioso<br />
símbolo da vitória<br />
As festas litúrgicas, sabiamente instituídas pela Santa Igreja, nunca carecem de profundo significado<br />
e inestimável riqueza. Dessa forma, a doutrina católica explica que mais valem as<br />
cerimônias do que até mesmo os documentos pontifícios, alegando serem elas mais marcantes<br />
e benéficas às almas que nelas tomam parte.<br />
Entre tais cerimônias, distingue-se a da Exaltação da Santa Cruz. A cruz, na qual morriam os condenados<br />
por graves delitos, era por esse motivo símbolo de ignomínia e repulsa por parte dos antigos,<br />
como bem expressou São Paulo em sua carta aos Coríntios: “escândalo para os judeus e loucura para<br />
os gentios” (Cf. Cor. 1,23). Foi esse o instrumento pelo qual o Redentor abriu ao gênero humano as<br />
portas do Céu, transformando-a em sinal de nossa Fé.<br />
Vejamos o significado e a riqueza dessa festa, como explica <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a seguir:<br />
“Hoje, 14 de setembro, comemora-se uma das mais bonitas festas como título e significado: a<br />
Exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
“Exaltar quer dizer tornar alto. E neste dia a Igreja proclama e lembra ao mundo que Ela levanta<br />
acima de todas as coisas, pondo na maior de todas as alturas possíveis, a Cruz de Nosso Senhor.<br />
“A Cruz é o símbolo da Paixão de Cristo, de todo sofrimento que o católico carrega nesta vida,<br />
com o qual ele abre para si, em união com o Redentor, as portas dos Céus.<br />
“Colocar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo no ponto mais alto foi uma constante preocupação<br />
da Civilização Cristã. Antigamente, os edifícios mais elevados de uma cidade eram as igrejas, em<br />
cujas torres colocava-se a cruz; o mesmo se fazia no alto das coroas dos reis. Quando se queria elaborar<br />
um documento muito importante, em seu início se inscrevia a cruz. Enfim, em tudo aquilo que<br />
o homem concebia de mais elevado, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual trazia consigo<br />
a idéia de que a missão d’Ele, não se esgotando na Cruz, tinha, entretanto, nela o seu ponto central;<br />
e entre todas as coisas que o Divino Salvador tinha feito, o mais admirável e adorável era ter sofrido<br />
e morrido na Cruz.<br />
“A aceitação do sofrimento é uma imolação e representa um ato de fidelidade do homem à sua<br />
própria vocação, em função da qual ele enfrenta as lutas, os tormentos e as dificuldades.<br />
“Nosso Senhor Jesus Cristo, para redimir o gênero humano, aceitou a morte. Manteve a luta no<br />
Horto das Oliveiras, depois caminhou até o alto do Calvário e foi crucificado, para realizar a sua missão.<br />
E a Cruz é a afirmação de que nós, católicos, aceitamos ser humilhados, odiados, combatidos,<br />
isolados, escarnecidos, perseguidos de todos os modos, não como um armazém de pancadas, mas caminhando<br />
de encontro ao sofrimento como um cruzado.<br />
“A verdadeira alegria da vida não consiste em ter prazeres, mas sim na sensação de limpeza da alma<br />
que temos quando olhamos nossa cruz de frente, e dizemos “sim” para ela. Fazemos, assim, como<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual não apenas permitiu que o tormento caísse sobre Ele, mas caminhou<br />
em direção ao tormento. O Redentor previu, entregou-se porque quis e, com passo valoroso,<br />
levou sua Cruz até o alto do Calvário e ali se deixou crucificar.”<br />
(Extraído de conferência de 14/9/1964)<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
Setembro de 1939:<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> protesta contra a<br />
invasão da Polônia pelos nazistas<br />
Em setembro de 1939, num ato que significaria<br />
o começo da terrível Segunda<br />
Guerra Mundial, as tropas nazistas invadiram<br />
a Polônia.<br />
Embora ainda não estivesse configurado o<br />
panorama da conflagração mundial, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
chocado pela barbárie desse atentado, fez ouvir<br />
seu protesto, através de “O Legionário”.<br />
“O Legionário” ama com igual afeto todos os<br />
povos do mundo, todos eles filhos de Deus. Entretanto,<br />
este amor ao próximo tem que ter como fonte<br />
e como medida o amor a Deus. Por isto, as nações<br />
católicas, unidas a nós pelo vínculo incomparavelmente<br />
vigoroso e doce da Fé, merecem de nós<br />
um afeto particularmente ardoroso.<br />
Jornal católico, “O Legionário” se recusa obstinadamente<br />
a se envolver em conflitos meramente<br />
políticos e temporais, quer entre os povos, quer<br />
entre os partidos. Desde que os interesses da Igreja<br />
sejam afetados por tais conflitos, tomaremos atitude<br />
firme e desassombrada. Mesmo aí, entretanto,<br />
nossa atitude, única e exclusivamente inspirada<br />
em motivos religiosos, não se confundirá ou associará<br />
com interesses particularistas ou regionais.<br />
Isso posto, não podemos deixar de deplorar profundamente<br />
que as garras do nazismo (coisa muitíssimo<br />
diversa da Alemanha) se estendam também<br />
sobre a Polônia. Já deploramos o alastramento<br />
do nazismo na Áustria e na Tchecoslováquia.<br />
É dentro da mesma ordem de idéias que lamentamos<br />
e protestamos vigorosamente com o que atualmente<br />
ocorre na Polônia.<br />
Preocupamo-nos com uma coisa: a situação<br />
deplorabilíssima em que vão ficar os católicos poloneses.<br />
Contra esta situação, protestamos formal,<br />
expressa e categoricamente. E denunciamos o brutal<br />
bombardeio do Santuário de Nossa Senhora de<br />
Czestocowa, como um triste prelúdio da perseguição<br />
religiosa que grassará na Polônia. As bombas<br />
lançadas contra tal Santuário — a Aparecida da<br />
Nossa Senhora de Czesrocowa -<br />
Catedral de São Patrício, Nova York<br />
Polônia — não feriram apenas aquela cidade, mas<br />
os corações católicos do mundo inteiro. O comunismo<br />
e o nazismo nada têm de antagônico entre<br />
si. Uma só coisa lhes interessa: destruir a Igreja.<br />
Daí o gáudio de stalinistas e de hitleristas, indistintamente,<br />
vendo soçobrar a Polônia católica.<br />
É esta a marcha normal da grande conjuração<br />
anticatólica que existe no mundo. Mas Deus escreve<br />
direito por linhas tortas. E no fim se verá que a<br />
despeito de todos os conluios e todos os maqueiavelismos,<br />
a vitória será da Igreja.<br />
(Extraído de “O Legionário”<br />
de 10/9/1939)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Exemplo<br />
Acima: <strong>Plinio</strong>, quando jovem, junto à sua<br />
irmã Rosée; ao lado: Dona Lucilia.<br />
6
de amor materno<br />
O modo de ser, as atitudes, a maneira de falar de<br />
Dona Lucilia causaram profunda e duradoura impressão<br />
em seu filho. Durante toda a sua vida, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
se recordará de episódios e situações que o deixaram<br />
encantado. Acompanhemo-lo em algumas<br />
dessas recordações.<br />
Entre Dona Lucilia e mim não havia esse relacionamento<br />
mãe-filho tão comum e que poderia ser<br />
expresso com um exemplo: ela aproximar-se de<br />
mim e dizer-me alguma vez: “Meu filho você deve estar<br />
sofrendo com tal coisa...”; e eu responder: “Mas, meu<br />
bem! a senhora também...” Isso absolutamente nunca<br />
acontecia. Havia de parte a parte uma espécie de pudor<br />
nesse ponto.<br />
Presença suave, cerimoniosa<br />
e comunicativa<br />
A presença dela me era muitíssimo suave. Eu percebia<br />
como mamãe aguentava suas dificuldades, e isto me ajudava<br />
a entender o que eu devia fazer para suportar as minhas.<br />
Mas julgo que a maior parte dos meus revezes, ela<br />
não percebeu, pois estavam inteiramente fora do ângulo<br />
de visão dela. Sua vida era de tal maneira segundo outro<br />
estilo, que mamãe não tinha possibilidade de compreender<br />
certos problemas com os quais me defrontava.<br />
Ela me tratava com carinho, porém sempre mantendo<br />
certa distância cerimoniosa. Era um modo de ser próprio<br />
à sua família, pelo qual as pessoas se comunicavam muito<br />
entre si, sem falar.<br />
Devoção a Nossa Senhora<br />
Na família dela havia devoção a Nossa Senhora da Penha,<br />
cujo santuário em São Paulo era considerado como<br />
uma fonte de milagres. Em casos de aflição ou coisas semelhantes,<br />
era muito frequente as pessoas exclamarem<br />
“Nossa Senhora da Penha!” Até quando eu era mocinho,<br />
faziam-se promessas de ir a pé até a Penha, para se conseguir<br />
algum benefício. Eu mesmo fiz uma promessa de caminhar<br />
até lá.<br />
Mamãe foi em moça, já casada, mais de uma vez à Penha.<br />
Ela tinha muita devoção a Nossa Senhora, que foi se<br />
tornando muito mais saliente à medida em que eu, gota<br />
a gota, fui-lhe transmitindo a doutrina da Mediação Universal<br />
de Nossa Senhora e considerações sobre Ela.<br />
Falei-lhe sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à<br />
Santíssima Virgem”, a consagração a Nossa Senhora, mas<br />
não a respeito da escravidão, porque ela não entenderia.<br />
A diferença de meridiano entre a geração dela e a seguinte<br />
é enorme!<br />
Para mamãe, a escravidão se referia, primariamente,<br />
à que sofreram os negros e contra a qual o pai dela lutou,<br />
porque era um abolicionista; o <strong>Dr</strong>. João Alfredo, tio<br />
de meu pai, trabalhou nesse sentido; e a Princesa Isabel,<br />
uma eminente personagem, aboliu a escravidão no Brasil.<br />
Zelando pela honra dos filhos<br />
Por experiência própria, ela sabia quanto a má saúde<br />
física faz sofrer a alma. E para evitar tais sofrimentos ela<br />
queria que fôssemos saudáveis. Mamãe contava, com todos<br />
os pormenores possíveis e como um drama, o perigo<br />
de vida pelo qual passei quando criança; ela ainda vivia<br />
7
Dona Lucilia<br />
aquele drama. Explicava como rezou e, depois de<br />
afastado o risco, como agradeceu.<br />
Dona Lucilia tinha grande cuidado para que<br />
minha irmã e eu — por uma questão de honra em<br />
face de nós mesmos e também de Deus, não dos<br />
outros — fôssemos pessoas comme il faut, quer dizer,<br />
como se deve ser. Então, dentes, o asseio em<br />
geral, alguma preocupação de saúde, mas, sobretudo<br />
a noção de honra, que é uma idéia católica,<br />
e no tempo dos pais dela, era uma tradição. Por<br />
exemplo, na pintura representando a mãe dela, a<br />
idéia de honra da pessoa perante si mesma está<br />
presente, e também, de modo menos saliente, nas<br />
pessoas retratadas em outros quadros de nossa residência.<br />
Há determinadas regras para que as pessoas se<br />
tornem dignas. Naturalmente ela cuidava de alguns<br />
aspectos disso com relação a minha irmã, segundo<br />
certo matiz; é a ordem das coisas. Comigo<br />
era de outro modo.<br />
Mamãe acompanhava muito toda a minha vida,<br />
sabia onde e como eu estava, quais eram os meus<br />
horários de refeição, de saída, de chegada, entretanto<br />
sem ar de fiscalização, nem mesmo de vigilância,<br />
mas simplesmente com atenção. E atenção<br />
extrema, acompanhando certos pormenores, como,<br />
por exemplo, a roupa que eu trajava.<br />
Síntese das tradições da família<br />
Por alguns lados Dona Lucilia era uma síntese<br />
das tradições de sua família; por outros, um renouveau<br />
de uma série de coisas que, ao longo das gerações,<br />
foram sofrendo um processo de modernização<br />
e, portanto, se alterando. Em algumas matérias<br />
ela comunicava — para usar uma expressão atual<br />
— uma mensagem inteiramente diversa. Em outras<br />
refletia propriamente a tradição.<br />
O essencial da nota que diferenciava mamãe das<br />
outras pessoas era o seguinte: a idéia da verdade<br />
absoluta, do bem absoluto, do eterno, imperecível,<br />
era muito mais tênue nos outros do que nela. De<br />
maneira que eles não se opunham, em princípio, a<br />
nenhuma modificação; iam sempre acompanhando<br />
numa linha conservadora. Enquanto ela, sendo<br />
o caso, reagia: “Isso não pode ser. Há aqui um princípio,<br />
um modo de ser, uma tradição imutável da<br />
qual não abro mão.”<br />
Ela conservava as tradições católicas com muito<br />
mais fé do que seus antepassados. Não quero dizer<br />
que não possuíssem fé, mas não tinham a fé que<br />
ela possuía.<br />
8
Dona Lucilia<br />
acompanhava toda<br />
minha vida — até<br />
certos pormenores,<br />
como, por exemplo, a<br />
roupa que eu trajava<br />
— entretanto, sem ar<br />
de fiscalização, nem<br />
mesmo de vigilância,<br />
mas simplesmente<br />
com atenção.<br />
Na página da esquerda: imagem<br />
de Nossa Senhora da Penha, uma<br />
das principais devoções da família<br />
de Dona Lucilia; ao lado: <strong>Plinio</strong> e<br />
sua irmã, trajados como espanhois,<br />
para as festas de Carnaval.<br />
O afeto pelo filho vinha<br />
em larga medida por ver os lados<br />
bons de sua alma<br />
O afeto dela para comigo vinha, evidentemente, pelo<br />
fato de ser minha mãe, mas, sobretudo, porque ela via<br />
muito bem os aspectos bons da minha alma.<br />
Não se pode dizer que mamãe me queria “debandadamente”,<br />
pois a palavra “debandada” não tem a dignidade<br />
devida. Nela nada era debandado,<br />
embora pudesse ser com uma intensidade<br />
inteira.<br />
Na época de mamãe, os homens<br />
eram avaliados muito mais pelo que<br />
eram do que pelo que faziam. Assim,<br />
pelo pouco que ela sabia que eu fazia,<br />
achava minha vida justificada.<br />
Em minha vida de lutas, algumas<br />
coisas ela não via, pois de modo<br />
mais consciente ou menos, tinha<br />
também a preocupação de não engrandecer<br />
o que era dela. Portanto, de não me considerar<br />
maior do que estava na proporção do universo<br />
que ela conhecia.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 14/3/81)<br />
1) Obra central da devoção mariana, escrita por São Luís Maria<br />
Grignion de Montfort.<br />
9
De Maria nanquam satis<br />
Mãe de<br />
e nossa<br />
A devoção à Santíssima<br />
Virgem foi, durante<br />
toda a vida de<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a estrela<br />
que o guiou em meio<br />
a inúmeras “procelas”.<br />
Acompanhemos alguns<br />
comentários que deixam<br />
transparecer o que<br />
sempre transbordou de<br />
seu coração: a confiança<br />
em Nossa Senhora.<br />
Fotos: S. Hollmann / V. Toniolo / Arquivo revista<br />
Devemos tomar em consideração<br />
que a “batalha” a ser enfrentada<br />
por cada homem no decorrer<br />
de sua vida, é verdadeiramente uma dura<br />
batalha. Mas essa batalha pode ser ganha<br />
por uma razão fundamental: é que ninguém<br />
luta a sós.<br />
O que significa não lutar a sós?<br />
A necessidade de uma<br />
ajuda sobrenatural<br />
Temos em nosso auxílio uma proteção<br />
sobrenatural, sobre-humana, que é a proteção<br />
de Nossa Senhora.<br />
10
Deus<br />
Afresco Medieval - Subiaco, Itália<br />
11
De Maria nanquam satis<br />
O Padre<br />
Eterno pediu o<br />
consentimento de<br />
Nossa Senhora para<br />
a consumação do<br />
sacrifício de seu<br />
Divino Filho.<br />
Nossa Senhora da Alegria -<br />
Catedral de Barcelona, Espanha.<br />
A Ela foi dado conhecer a alma<br />
de cada homem de uma forma que<br />
ninguém jamais conheceu. A Santíssima<br />
Virgem vê até o mais íntimo<br />
da alma de cada um de nós, com tal<br />
amor, bondade e desejo de ajudar,<br />
que isso A levou a consentir nos padecimentos<br />
pelos quais seu Divino<br />
Filho passou.<br />
Como Nosso Senhor era filho de<br />
Nossa Senhora e do Divino Espírito<br />
Santo, o Padre Eterno pediu o consentimento<br />
d’Ela para a consumação<br />
da Paixão de seu Divino Filho. O Padre<br />
Eterno não quis fazer algo sem<br />
atender ao consentimento d’Ela.<br />
A pergunta feita por Ele a Nossa<br />
Senhora possivelmente foi a seguinte:<br />
“Esse Filho, a quem quereis tanto<br />
e que é o Filho do próprio Espírito<br />
Santo, vai ser morto para a salvação<br />
de todo o gênero humano. Vós<br />
quereis entregá-Lo para a salvação<br />
da humanidade? Se quiserdes, Ele<br />
sofrerá como nunca ninguém antes,<br />
nem depois d’Ele, terá jamais sofrido.<br />
Uma enormidade de tormentos<br />
e de aflições se abaterá sobre Ele.<br />
Mas se Vós quiserdes, Ele não passará<br />
por essas dores, mas os homens<br />
não se salvarão e irão para o Inferno.<br />
Quereis?”<br />
12
E Ela respondeu: “Quero!”<br />
Respondeu tendo em vista cada homem, seus pecados<br />
e ingratidões.<br />
Para que fôssemos limpos de nossos pecados e resgatados<br />
da culpa original, o Filho d’Ela padeceu enormes<br />
tormentos, também para que tivéssemos a força necessária<br />
para nossa “batalha” no decorrer da vida.<br />
Sempre que pedirmos<br />
a proteção d’Ela, obteremos<br />
Nunca nos faltarão as forças, pois sempre que peçamos<br />
a proteção d’Ela, obteremos.<br />
É preciso pedir, pois é insuficiente cobrar a Deus:<br />
“Vós prometestes que a tentação nunca seria maior do<br />
que as forças para combatê-la, porém agora eu não tenho<br />
forças.” A resposta de Deus será: “Esforce-se apenas<br />
um pouco que o resto virá.”<br />
Além de esforçar-se é preciso pedir forças a Nossa Senhora.<br />
Portanto, é preciso ter em relação a Ela uma devoção<br />
comparável à de São Luís Grignion de Montfort, compreendendo<br />
que Ela é medianeira de todas as graças, e<br />
todos os pedidos feitos ao Padre Eterno Lhe são agradáveis<br />
quando feitos por meio da Santíssima Virgem.<br />
Quando Deus atende a um pedido feito por qualquer<br />
homem, Ele o faz através de Nossa Senhora, porque o<br />
pedido foi endossado e feito por Ela. Esta é a causa pela<br />
qual somos atendidos.<br />
Há uma oração lindíssima — a qual recomendo rezarem<br />
— que recorda o desvelo e a mediação de Nossa Senhora<br />
para com todos os homens: é o Memorare (Lembrai-vos).<br />
A lindíssima oração do Memorare<br />
“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria...”<br />
Cada palavra tem sua aplicação. O que quer dizer,<br />
“piíssima”? Piedosa, tem como superlativo piedosíssima.<br />
Mas resume-se dizendo “piíssima”. “Piedosa”, neste<br />
caso, não quer dizer rezar muito, mas sim, ter largamente<br />
piedade e compaixão dos outros. Poder-se-ia dizer:<br />
“Lembrai-Vos, ó compassivíssima Virgem Maria”,<br />
que tem muita compaixão, que perdoa muito.<br />
“...que nunca se ouviu dizer...”<br />
A oração começa por essa afirmação, “nunca se ouviu<br />
dizer”, ou seja, em nenhum tempo ou lugar, em toda<br />
a Terra, alguém, tendo pedido alguma coisa a Ela, foi desamparado.<br />
“...que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado<br />
a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse<br />
por Vós desamparado...”<br />
Ou seja, “quem, pedindo vossa proteção, implorando<br />
que Vós o acompanheis, que olheis para ele, que o sigais,<br />
Vós sempre atendeis. Lembrai-Vos disso no meu caso,<br />
para que não seja eu a primeira exceção na história<br />
de vossa glória.” É uma linda proclamação. Em nenhuma<br />
época do mundo a Virgem Maria deixou de atender<br />
àqueles que pedem a Ela, em nenhum caso, em nenhuma<br />
circunstância.<br />
Se alguém tem a infelicidade de pecar, ou de possuir<br />
um vício, ou uma atitude moral — ou imoral — que se<br />
repete, não há problema: basta rezar e pedir, porque<br />
Nossa Senhora acabará tendo pena.<br />
“Animado eu, pois, com tal confiança, a Vós, ó Virgem<br />
entre todas singular...”<br />
Quer dizer: “Vós sois mais Virgem do que todas as<br />
virgens, sois a Santa Virgem das virgens.” Pois Ela está<br />
para as virgens como as virgens estão para as que não<br />
são virgens. Nenhuma virgem do mundo teve a virgindade<br />
d’Aquela que foi virgem, antes, durante e depois<br />
do parto.<br />
Como pôde Nosso Senhor ter nascido sem violar a virgindade<br />
de sua Mãe?<br />
É um mistério que a Onipotência de Deus pode fazer<br />
facilmente.<br />
“...como a Mãe recorro e de Vós me valho...”<br />
É como dizer: “Eu me dirijo a Vós como a minha<br />
mãe”.<br />
Há algo emocionante, que não raras vezes se dá: os feridos<br />
no campo de batalha durante uma guerra padecem,<br />
muitas vezes, durante horas e horas, com dores, sangrando,<br />
sentindo fome, sede e cansaço. Ficam abandonados.<br />
Naturalmente, nesse apuro eles gritam. A maior parte<br />
dos gritos é pela mãe! São homens às vezes que perderam<br />
a mãe quando eram pequeninos, porém, na hora da<br />
morte, é pela mãe que eles bradam.<br />
Ninguém é capaz de amar tanto a alguém, quanto uma<br />
boa mãe ama o seu filho.<br />
Mesmo sendo o último dos homens, não há problema,<br />
pois Nossa Senhora é a mais alta e a mais excelsa de todas<br />
as mães. A compaixão d’Ela vale mais do que os castigos<br />
merecidos por nossos pecados. Se nossos pecados<br />
são um abismo, a compaixão de Nossa Senhora é uma<br />
montanha muito maior do que esse abismo.<br />
“...e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro<br />
aos vossos pés...”<br />
O Memorare é, por definição, a oração de um pecador.<br />
Por isso a oração termina dizendo: “...gemendo sob<br />
o peso de meus pecados me prostro aos vossos pés”. É<br />
um pecador que está gemendo sob o peso de seus pecados,<br />
mas posto aos pés da Virgem Santíssima. Portanto,<br />
se temos a desgraça de estar em pecado, não deixemos<br />
de rezar essa oração com confiança, porque é a oração<br />
13
De Maria nanquam satis<br />
do pecador: “E gemendo sob o peso dos meus pecados<br />
me prostro aos vossos pés.”<br />
“Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do<br />
Verbo de Deus humanado...”<br />
O coração da mãe está sempre aberto para<br />
perdoar e afagar o filho.<br />
“Minha Mãe — Vós sois a Mãe de Jesus<br />
Cristo, o Verbo que se fez homem,<br />
mas a minha também —,<br />
não desprezeis as minhas<br />
súplicas. Elas<br />
bem podem ser<br />
desprezadas, pois<br />
são súplicas, por<br />
si mesmas, inválidas.<br />
Porém, não<br />
as desprezeis, porque<br />
sou vosso filho e um<br />
filho pode pedir isso a sua<br />
mãe.”<br />
“...mas dignai-Vos de as ouvir<br />
propícia...”<br />
Tem-se a impressão de que Nossa<br />
Senhora vai se inclinar bondosamente<br />
e ouvir a oração.<br />
“...e alcançar o que Vos rogo.<br />
Assim seja.”<br />
O que se está pedindo? Pode<br />
ser a emenda de um defeito,<br />
de um vício, a aquisição<br />
de uma virtude. Tomando<br />
em consideração tudo<br />
quanto a Igreja ensina sobre<br />
Nossa Senhora, temos<br />
todos os motivos<br />
para crer que Ela vai<br />
obter o que rogamos.<br />
Devemos pedir<br />
tudo à Santíssima<br />
Virgem com<br />
muito empenho e<br />
ardor, mas, sobretudo<br />
algo que sobremaneira<br />
A agrada: a graça<br />
de sermos bons.<br />
O que Ela quer de<br />
nós é que estejamos<br />
na graça de Deus<br />
e cheguemos ao<br />
Céu. Pedir forças<br />
para nossa<br />
salvação é pe-<br />
dir aquilo que as santas mãos de Maria estão transbordando<br />
para nos conceder.<br />
Nossa Senhora é a<br />
Onipotência Suplicante<br />
Pelo que foi dito sobre Nossa Senhora, conclui-se que<br />
a devoção a Ela é de suma importância. Se Deus é tão<br />
perfeito, tão supremo, e nós, homens, tão insignificantes,<br />
caso não houvesse uma ligação entre Deus e os homens<br />
— que é Nossa Senhora — Ele não nos ouviria. A Justiça,<br />
a Pureza, a Santidade d’Ele, postas em contato com<br />
as misérias humanas, Lhe causariam horror.<br />
Mas Ele mesmo, com suma bondade, criou vínculos<br />
que nos atariam a Ele. Encarnando-se no claustro virginal<br />
de Maria Santíssima, Ele se fez homem. Sendo Nossa<br />
Senhora Mãe espiritual de todos os homens, pedindo a<br />
Ele por nós, Ela assemelha-se a uma mãe que pede a um<br />
irmão, em benefício do outro. O irmão não pode resistir.<br />
Desta forma, Nossa Senhora é chamada pelos teólogos:<br />
“Onipotência suplicante”.<br />
Ela suplica. Porém, sendo sua oração sempre atendida,<br />
ao mesmo tempo em que suplica, é onipotente.<br />
É notório que ela atende ao que pedimos. Desta forma,<br />
nós, que não mereceríamos ser ouvidos por Deus em<br />
nossos pedidos, por causa d’Ela acabamos por merecer.<br />
Mãe de compaixão sem limites<br />
Torna-se muito clara a doutrina acima exposta, tomando<br />
em consideração, por exemplo, uma mãe que tenha<br />
dois filhos: um filho juiz e um criminoso. Se coubesse<br />
ao filho juiz julgar o que é criminoso, a boa mãe certamente<br />
se dirigiria ao juiz e diria: “Meu filho, sei que tu<br />
és juiz e a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos deste teu<br />
irmão são tais que merecem a pena de morte. Entretanto,<br />
em justiça — tu, juiz, me deves a vida — poupai a vida<br />
deste meu filho que merece a morte, por pedido daquela<br />
que te deu a vida.”<br />
Aos pés da Cruz,<br />
Nossa Senhora rezava pelos<br />
dois ladrões. Jesus recebeu<br />
essa oração e concedeu graças<br />
extraordinárias a ambos.<br />
Mater Dolorosa - Basílica de Castrourdiales, Espanha.<br />
14
A maior das prerrogativas de<br />
Nossa Senhora é ser Mãe de Deus.<br />
Tudo aquilo que um filho possa<br />
dar à sua mãe, Deus deu a Ela.<br />
O valor da súplica de Nossa Senhora<br />
é tão grande que os teólogos<br />
afirmam: todas as orações de<br />
todas as criaturas devem passar<br />
por Nossa Senhora, caso contrário,<br />
não chegam a Deus. De modo<br />
que — dizem eles — se todos<br />
os anjos e santos do Céu pedissem<br />
algo a Deus sem ser por intermédio<br />
d’Ela, não seriam atendidos.<br />
Entretanto Nossa Senhora, pedindo<br />
sozinha, é atendida.<br />
Essa é a Mãe de uma doçura<br />
sem nome e uma compaixão sem<br />
limites. Uma mãe que tem tanta<br />
pena de seus filhos que, na hora<br />
de um filho ruim ser julgado, obtém<br />
para ele a salvação.<br />
Aos pés da cruz,<br />
intercedendo<br />
pelo bom ladrão<br />
É célebre a tocante passagem<br />
do Evangelho na qual Nosso Senhor<br />
crucificado está entre dois<br />
ladrões. Estes últimos conversavam<br />
entre si, e o mau ladrão blasfemava<br />
contra Nosso Senhor.<br />
O bom ladrão replicou: “Nós<br />
merecemos o castigo que estamos<br />
sofrendo e por isso vamos morrer.<br />
Mas Este é um justo e não merece<br />
tal suplício. Por isso, não fales<br />
mal d’Ele.”<br />
Pediu a Deus perdão pelos pecados<br />
que cometeu.<br />
Jesus disse a ele: “Tu, hoje, comigo estarás no Paraíso.”<br />
Foi a primeira canonização da História! “Hodie mecum<br />
eris in Paradiso.”<br />
Nossa Senhora estava aos pés da cruz. Certamente<br />
Ela estava rezando pelos ladrões. Nosso Senhor, do alto<br />
da cruz, recebeu essa oração e deu graças extraordinárias<br />
a ambos. Um deles, por ser ruim as rejeitou; o outro,<br />
porém, correspondeu a elas e pediu perdão. A graça da<br />
conversão que o bom ladrão recebeu foi tão abundante<br />
que Nosso Senhor, ao descer para o limbo a fim de levar<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência na década de 80.<br />
para o Céu as almas dos justos que lá se encontravam, levou<br />
também a alma dele.<br />
Eu julgo que, se não fosse a oração de Nossa Senhora,<br />
nada teria acontecido.<br />
Assim é possível compreender a importância da devoção<br />
a Nossa Senhora. Tal devoção é leve, cheia de esperança,<br />
de perdão e de afeto materno; constitui a alegria<br />
de nossas almas. Sem a devoção a Nossa Senhora, nossa<br />
vida de católico seria soturna.<br />
v<br />
(Extraído de conferências de<br />
21/9/1991 e 3/3/1992)<br />
15
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
A<br />
“Revolução<br />
Cultural”<br />
No fim dos anos 60,<br />
surge um novo aspecto<br />
da IV Revolução:<br />
a revolução cultural, já prevista e<br />
definida por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
na primeira edição de<br />
“Revolução e Contra-Revolução”,<br />
em 1959.<br />
1 – Que é a “revolução cultural”?<br />
É aquela que atua “na vida cotidiana, nos costumes,<br />
nas mentalidades, nos modos de ser, de sentir e de viver”<br />
(p. 217).<br />
2 – De que modo ela surgiu?<br />
“Como uma modalidade de guerra psicológica revolucionária,<br />
a partir da rebelião estudantil da Sorbonne, em<br />
maio de 1968, numerosos autores socialistas e marxistas em<br />
geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma<br />
de revolução prévia às transformações políticas e sócio-econômicas.<br />
(...) É a chamada ‘revolução cultural’” (p. 217).<br />
3 - Qual seu principal objetivo?<br />
“Consideram eles que esta revolução, preponderantemente<br />
psicológica e tendencial, é uma etapa indispensável<br />
para se chegar à mudança de mentalidade que tornaria possível<br />
a implantação da utopia igualitária, pois, sem tal preparação,<br />
a transformação revolucionária e as consequentes<br />
‘mudanças de estrutura’ tornar-se-iam efêmeras” (p. 217).<br />
4 – Há analogia entre ela e outra forma de Revolução?<br />
“O referido conceito de ‘revolução cultural’ abarca,<br />
com impressionante analogia, o mesmo campo já designado<br />
por Revolução e Contra-Revolução, em 1959 , como<br />
próprio da Revolução nas tendências” (p. 217).<br />
5 – Que significa “Revolução nas tendências”?<br />
A “Revolução é um processo feito de etapas, e tem<br />
sua origem última em determinadas tendências desordenadas<br />
que lhe servem de alma e de força propulsora mais<br />
íntima (...)<br />
16
Reunião do Conselho de Estado russo por ocasião do centenário de sua fundação, 1903.<br />
Por Ilya Repin, Museu de São Petersburgo.<br />
“Essas tendências desordenadas, que por sua própria<br />
natureza lutam por realizar-se, já não se conformando<br />
com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam<br />
por modificar as mentalidades, os modos de ser,<br />
as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar<br />
de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas<br />
idéias” (pp. 40-41)<br />
6 – Existe alguma relação entre a IV Revolução e a “revolução<br />
cultural”?<br />
“A IV Revolução, se bem que inclui também o aspecto<br />
político, é uma Revolução que a si mesma se qualifica de<br />
‘cultural’, ou seja, que abarca grosso modo todos os aspectos<br />
do existir humano” (p. 202) 2<br />
v<br />
1) “Revolução e Contra-Revolução” contém três partes. As<br />
duas primeiras foram escritas em 1959, e a terceira – na<br />
qual <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> trata da ‘revolução cultural’ – em 1976.<br />
2) Para todas as referências: “Revolução e Contra-Revolução”,<br />
Editora Retornarei, São Paulo, 5ª edição em português, 254<br />
páginas.<br />
17
O Santo do mês<br />
São Tomás de<br />
Vilanova,<br />
caridade milagrosa e<br />
dom de conselho<br />
Fotos: S. Hollmann / R. C. Branco / D. S. Domingues / Arquivo revista<br />
“No início do século XVI” —<br />
afirma Rohrbacher — “a Alemanha<br />
e a Espanha apresentavam um<br />
curioso contraste: a Alemanha fora<br />
dividida e desviada por um monge<br />
agostiniano: Lutero; a Espanha<br />
fora edificada e santificada por um<br />
monge agostiniano: São Tomás de<br />
Vilanova.”<br />
Ouçamos o que o Padre R. F. Rohrbacher<br />
nos diz, na sua “Vida dos Santos”,<br />
sobre São Tomás de Vilanova.<br />
Nascido no ano de 1488, em Fuenllana, diocese<br />
de Toledo, Tomás era filho de velha nobreza<br />
empobrecida. Seus pais eram excepcionalmente<br />
virtuosos e incutiram no filho um extraordinário<br />
amor aos pobres. Sua mãe, mulher de raro valor,<br />
possuía até o dom dos milagres. O menino foi<br />
digno dos exemplos recebidos. Após uma infância<br />
virtuosa, formou-se brilhantemente em Alcalá,<br />
passando a lecionar Filosofia entre os eremitas<br />
de Santo Agostinho, professando a 25 de<br />
Novembro de 1517, no mesmo ano da apostasia<br />
de Lutero.<br />
18
Dedicou-se depois à cátedra,<br />
ao púlpito e ao confessionário.<br />
Foi pregador e conselheiro<br />
de Carlos V, que nada<br />
lhe negava, pois dizia que ele<br />
tinha “o dom de vergar os corações”.<br />
Escolhido como bispo<br />
de Granada, recusou o cargo,<br />
mas anos depois foi obrigado a<br />
aceitar o de Valência. O imperador<br />
escolhera outro religioso,<br />
mas o seu secretário ouviu o<br />
nome de São Tomás e assim redigiu<br />
o diploma de nomeação.<br />
Ao saber do acontecido, Carlos<br />
V negou-se a retificar o engano,<br />
pois o considerou providencial.<br />
Havia muito que o reino<br />
de Valência era vítima de seca<br />
e aridez. De súbito, quatro<br />
dias antes do Natal de 1544,<br />
ano da escolha do novo arcebispo,<br />
a chuva começou a cair<br />
em abundância, como a anunciar<br />
dias de graça e redenção.<br />
E, de fato, assim foi o governo<br />
de São Tomás. Dando ele o<br />
exemplo, reformou paulatinamente<br />
o clero de sua diocese,<br />
voltando-se depois para os demais<br />
fiéis. Continuou sua vida<br />
mortificada, vendo nos pobres<br />
sua maior riqueza. Liberal para<br />
com os outros, era tão parcimonioso<br />
para consigo mesmo<br />
que chegou a ser acusado<br />
de avarento por um alfaiate, a<br />
quem mandara reformar um velho gibão. Entretanto, a este<br />
mesmo alfaiate doou cento e cinqüenta moedas de prata<br />
como dote para suas três filhas.<br />
Sua caridade era, frequentemente, acompanhada de milagres.<br />
Seus êxtases também eram tão comuns que deles<br />
chegou a falar, em seus vários sermões sobre a Transfiguração.<br />
Finalmente, após onze anos de episcopado, São Tomás<br />
caiu gravemente enfermo, vindo a falecer em 8 de setembro<br />
de 1555, dia da Natividade de Nossa Senhora, por<br />
quem demonstrara a maior devoção durante toda a vida.<br />
Já agonizante, doou a um pobre carcereiro a cama em que<br />
estava deitado, pois já nada mais possuía.<br />
São Tomás deixou grande número de sermões, cujo magnífico<br />
estilo lembra São Bernardo, por quem sempre nutriu<br />
grande admiração<br />
Admirável e além de qualquer<br />
louvor, São Tomás de Vilanova<br />
executou a providencial tarefa de<br />
aconselhar o Imperador do Sacro<br />
Império Romano-Alemão.<br />
À esquerda: São Tomás de Vilanova - Basílica<br />
de São Pedro, Roma; acima: altar onde se<br />
veneram relíquias ex ossibus do mesmo santo.<br />
Não é muito fácil comentar<br />
esta ficha, porque os traços<br />
que relata de São Tomás de<br />
Vilanova são de um lado, evidentemente<br />
admiráveis e, de<br />
outro, característicos de muitos<br />
santos, estando acima e<br />
além de qualquer louvor. Limito-me<br />
portanto, a ressaltar<br />
algumas coisas digna de meditação,<br />
por apresentar certa<br />
peculiaridade.<br />
Homem suscitado<br />
pela Providência<br />
Em primeiro lugar, o fato<br />
de Carlos V ter tido como<br />
pregador e conselheiro um<br />
tão grande santo quanto este.<br />
Vemos aí o dedo da Providência<br />
dirigindo os grandes<br />
homens de Estado. Carlos V,<br />
Imperador do Sacro Império<br />
Romano-Alemão, o homem<br />
em cujos domínios o sol nunca<br />
se deitava, Rei da Espanha,<br />
e, portanto, de todas as colônias<br />
que esta possuía no Novo<br />
Mundo — para a execução da<br />
tarefa providencial que cabia<br />
à Casa d’Áustria, teve o auxílio<br />
de São Tomás de Vilanova.<br />
Há revelações privadas<br />
tratando a respeito do papel<br />
dos Habsburg, dos desígnios<br />
da Providência sobre a Casa<br />
d’Áustria, e das graças que lhe concedeu para realizar<br />
esses desígnios. Conhecendo tudo isto, compreendemos<br />
como é belo ver a Providência amparar por esta forma a<br />
Carlos V, de maneira a ajudá-lo a cumprir um dever realmente<br />
pesado.<br />
Dom de vergar os corações<br />
De outro lado, entretanto, não se pode deixar de notar<br />
com tristeza o resultado causado pela falta de correspondência<br />
dos homens às graças de Deus. Carlos V teve<br />
um santo como conselheiro, mas, devido à sua moleza<br />
e espírito de contemporização, permitiu ao protestantismo<br />
se expandir tanto em suas próprias terras. É bem<br />
verdade que ele lutava com muitos inimigos, como, por<br />
19
O Santo do mês<br />
exemplo, a Turquia e a França, a qual se tornou responsável,<br />
por este modo, pelo alastramento do protestantismo.<br />
Porém, ele desfrutou longos períodos de paz, e teria<br />
tido muitos meios para se opor mais seriamente ao alastramento<br />
do protestantismo. Suas famosas contemporizações<br />
causam tristes reflexões da parte de todos os historiadores<br />
da Igreja.<br />
De outro lado, existe o reverso da medalha. Este homem<br />
terminou sua existência como penitente. Abandonou<br />
todos os seus bens e foi se encerrar no Mosteiro de<br />
Yuste, onde passou os últimos anos de sua vida de um<br />
modo digno a edificar a Cristandade. Não foram os conselhos<br />
de São Tomás que teriam, afinal de contas, repercutido<br />
em seu coração? Dizia Carlos V que São Tomás tinha<br />
o dom de vergar os corações. Tudo dá a impressão de<br />
que ele falava por experiência própria: não teria São Tomás<br />
vergado esse coração de ferro?<br />
Poder-se-ia objetar: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, por que o senhor fala<br />
em ‘coração de ferro’? Um homem contemporizador é<br />
um mole, um brando, não pode ser considerado um ‘coração<br />
de ferro’.” Minha experiência, que já não é pequena,<br />
me ensina o seguinte: não há alma mais dura do que<br />
a do mole; não há coisa mais difícil do que levar o mole<br />
a ser enérgico. É mais árduo fazer um mole ser enérgico<br />
do que um enérgico seja moderado.<br />
Por exemplo, se um santo tivesse conseguido que Luís<br />
XVI fosse enérgico, teria feito uma proeza sobrenatural<br />
— se se pudesse usar esta expressão — maior do que um<br />
20
Desprendido,<br />
nosso Santo mostrava<br />
as maravilhas feitas por Deus<br />
em sua alma, sabendo<br />
que com isto glorificava-O<br />
Na página ao lado: fachada da Basílica Vaticana;<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 40. À direita:<br />
Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Alemão.<br />
O conjunto dos santos da Igreja tem este aspecto lindo:<br />
quase tudo o que habitualmente não deve ser feito,<br />
a título de exceção, um santo pode realizar. A esposa de<br />
Cristo suscitou não só bem-aventurados que estão dentro<br />
da regra geral, mas, em sua santidade — por assim<br />
dizer infatigável —, também gerou santos que fizeram<br />
mais ou menos tudo quanto, a título excepcional, seria<br />
legítimo.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 22/9/1969)<br />
outro que convencesse Luís XIV a não praticar alguns<br />
atos de energia, talvez exagerada, que ele tenha feito em<br />
seu reinado. De maneira que, se isso São Tomás de Vilanova<br />
conseguiu, foi realmente uma prova de que ele vergava<br />
corações de ferro.<br />
Uma via excepcional suscitada<br />
pela Esposa de Cristo<br />
Outra coisa bonita é notarmos que os êxtases de São<br />
Tomás foram tantos que ele próprio chegou a falar deles<br />
em sermões. Essa naturalidade, sinceridade e nobreza<br />
com que ele contava, do púlpito, as manifestações da<br />
vida da graça em sua alma, demonstram um espírito verdadeiramente<br />
elevado, capaz de fazer isso sem se envaidecer<br />
nem procurar dar a entender que era por mérito<br />
próprio, mas, pelo contrário, atribuindo tudo à graça de<br />
Deus.<br />
É o contrário de um certo modo protestantoso de entender<br />
a modéstia, que se generalizou mesmo em certos<br />
países católicos, segundo o qual o indivíduo seria imodesto<br />
sempre que se elogiasse a si próprio, deixando<br />
transparecer suas qualidades, porque a suprema modéstia<br />
consiste em escondê-las. Nem sempre isto é bem pensado.<br />
Porque os defeitos sempre aparecem. Se escondermos<br />
com muito cuidado as qualidades, pergunta-se o que<br />
iremos levar de bom para o convívio com os outros. Quer<br />
dizer, isso é um cálculo um pouco simplificado.<br />
Que seja perigoso dizer a alguém: “Fale sobre suas<br />
qualidades”, eu compreendo. Pois é provável que a pessoa<br />
não tenha uma noção inteiramente objetiva a respeito<br />
delas. Mas afirmar que ocultar as virtudes seja uma<br />
obrigação, até lá não chego.<br />
Desprendido, nosso Santo mostrava as maravilhas<br />
feitas por Deus em sua alma, sabendo que com isto glorificava-O.<br />
É uma via não-habitual, inteiramente justificável.<br />
21
T. Ring<br />
Calendário dos Santos<br />
6. XXIII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Cagnoaldo de Laon, bispo.<br />
Foi discípulo de São Columbano.<br />
7. São Clodoaldo, presbítero.<br />
Membro da família real dos francos,<br />
neto de Santa Clotilde e do<br />
rei Clóvis. Foi educado por sua avó<br />
após o assassinato de seus pais. Renunciou<br />
ao trono real e fez-se monge<br />
sob a autoridade de São Severino,<br />
eremita.<br />
8. Natividade da Bem-aventurada<br />
Virgem Maria. (Festa)<br />
16. Bem-aventurado Vítor III,<br />
Papa. Durante trinta anos foi Abade<br />
de Montecassino. Nomeado cardeal<br />
por São Gregório VII, participou<br />
do conclave que o elegeu como<br />
sucessor de São Pedro no ano<br />
de 1086. Faleceu no ano seguinte.<br />
(+1087)<br />
17. São Pedro de Arbués, mártir.<br />
Sacerdote agostiniano. Combateu<br />
heresias e superstições no<br />
Reino de Aragão. Foi apunhalado<br />
junto ao altar da Catedral de<br />
Saragoça, e morreu 3 dias depois.<br />
(+1485)<br />
9. São Pedro Claver. Sacerdote<br />
da Companhia de Jesus. Fez-se<br />
apóstolo entre os escravos negros<br />
na Colômbia, batizando mais de<br />
trezentas mil pessoas. Chamou-se<br />
a sim mesmo “o escravo dos escravos”.<br />
(+1654)<br />
G. Kralj<br />
Santa Maria de Servelló.<br />
1. São Josué. Foi continuador de<br />
Moisés e introduziu o povo eleito<br />
na Terra Prometida.<br />
2. São Siagrio, Bispo de Autun<br />
(França). Participou brilhantemente<br />
de vários concílios. (+ 599)<br />
3. São Gregório Magno, Papa<br />
e Doutor da Igreja. Entre muitas<br />
obras, destacam-se o combate à heresia<br />
nestoriana e a reforma do clero<br />
e da vida monástica. Escreveu<br />
célebres obras morais, pastorais e<br />
teológicas. (+ 604)<br />
4. São Bonifácio I, Papa. (+422)<br />
5. Santo Alperto de Tortona,<br />
fundador e primeiro abade do mosteiro<br />
de Butrium. (+c. 1073)<br />
10. Santo Alberto. Bispo de<br />
Avranches (França). Fez construir<br />
a igreja de São Miguel Arcanjo, hoje,<br />
a célebre abadia beneditina do<br />
Mont Saint-Michel.<br />
11. São Daniel, Bispo e Abade<br />
de Bangor, em Gales. (+c. 584)<br />
12. Santíssimo Nome de Maria.<br />
13. XXIV Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
São Litório, bispo. Construiu a<br />
primeira igreja da cidade de Tours.<br />
(+ 371)<br />
14. Exaltação da Santa Cruz.<br />
São Pedro, abade. Cisterciense<br />
do mosteiro de Bellevaux, França.<br />
Foi, também, Bispo de Tarantásia.<br />
(+1174)<br />
15. Nossa Senhora das Dores.<br />
São Vicente de Paula, fundador.<br />
22
V. Domingues<br />
* Setembro *<br />
22. Santos Paulo Chong Ha-<br />
Sang e Agostinho Yu Chin-Gil,<br />
mártires. Catequistas leigos na Coréia.<br />
Morreram degolados após sofrerem<br />
cruéis tormentos.<br />
23. São Pio de Pietrelcina, sacerdote<br />
capuchinho. (+1968)<br />
24. São Gerardo Sagredo. Bispo<br />
de Morisena, Hungria, e preceptor<br />
de Santo Américo (futuro rei).<br />
Morreu apedrejado. (+1046)<br />
25. São Princípio, Bispo de Soissons,<br />
Gália. Era irmão de São Remígio.<br />
(Séc. VI)<br />
26. Santa Teresa Couderc. Fundou<br />
a Congregação de Nossa Se-<br />
nhora do Retiro do Cenáculo,<br />
França. (+1885)<br />
27. XXVI Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
São Vicente de Paula, fundador.<br />
(+1660)<br />
28. São Simão de Rojas. Sacerdote<br />
espanhol pertencente à Ordem<br />
da Santíssima Trindade (Trinitários).<br />
Fundou, em 1612, a Congregação<br />
dos Escravos do Dulcíssimo<br />
Nome de Maria.<br />
29. São Miguel,São Gabriel e<br />
São Rafael, Arcanjos.<br />
30. São Jerônimo. Presbítero e<br />
Doutor da Igreja. (+420)<br />
São Jerônimo, ilustre pregador<br />
e “doutor eminente na interpretação<br />
das Sagradas Escrituras”.<br />
18. Santo Eustórgio. Bispo de<br />
Milão. Combateu a heresia ariana.<br />
(séc. IV)<br />
19. Santa Maria de Servelló. Religiosa<br />
Mercedária. (+1290)<br />
20. XXV Domingo do Tempo Comum.<br />
Beato Francisco de Posadas . Sacerdote<br />
da Ordem dos Pregadores<br />
(Dominicanos). Exerceu seu ministério<br />
na região de Córdoba, Espanha.<br />
21. Santos Lourenço Imbert, Pedro<br />
Maubant e Jacques Chastan,<br />
mártires. Sacerdotes da Ordem das<br />
Missões Estrangeiras, de Paris, foram<br />
mortos à espada na Coréia,<br />
quando se ofereceram para salvar a<br />
vida de fiéis católicos. (+1839)<br />
São Pio de Pietrelcina, sacerdote capuchinho,<br />
recentemente canonizado pela Igreja.<br />
23
DR. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Admirável, austera<br />
e silenciosa Trapa<br />
O verdadeiro apostolado não é feito em meio à aparente<br />
prosperidade de uma vida sem cruzes; pelo contrário, o<br />
sofrimento bem aceito promove o crescimento das obras<br />
de Deus. Estas são as considerações feitas por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
ao narrar um maravilhoso fato da Ordem Trapista.<br />
Os trapistas constituem um ramo<br />
da ordem de Cister, que segue a<br />
regra de São Bento, o qual se dedica<br />
inteiramente à vida de recolhimento.<br />
Eles vivem enclausurados em mosteiros<br />
sem nem sequer receber visitas.<br />
Alternam a oração litúrgica — na qual<br />
aplicam a maior parte do seu tempo,<br />
sete horas por dia — com trabalhos<br />
manuais e estudos de caráter ascético<br />
e místico.<br />
Os monges da Trapa têm por<br />
objetivo levar uma vida de muita<br />
penitência: jamais falam — a<br />
não ser em ocasiões da mais estrita<br />
e imperiosa necessidade<br />
—; praticam estritamente o jejum,<br />
jamais comendo carne, peixe<br />
ou ovos, a não ser por recomendação<br />
médica. Com um detalhe:<br />
nesses casos, os ovos podem<br />
ser comidos no refeitório,<br />
porém, a carne e o peixe<br />
só na enfermaria.<br />
Essa Ordem admirável<br />
passou — como todas as coisas<br />
admiráveis passam — por<br />
muitas peripécias.
O verdadeiro conceito<br />
de admirável<br />
O conceito que, hoje em dia, as<br />
pessoas têm de admirável é um tanto<br />
diferente daquele que se tinha antigamente.<br />
Para os homens de hoje, alguém é<br />
admirável quando triunfa com facilidade<br />
sem jamais passar por provações<br />
sérias e duras. Quando, na realidade,<br />
é verdadeiramente admirável —<br />
no sentido cristão da palavra — quem<br />
passa por reveses e derrotas, por perigos<br />
e angústias, mas, com a graça de<br />
Deus, as acaba vencendo.<br />
Percebe-se isto na vida de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo. Ele operou inúmeros<br />
milagres, foi aclamado Rei em Jerusalém no Domingo<br />
de Ramos, e passou por aquilo que, para os espíritos<br />
superficiais da época, pareceu súbita e inesperada<br />
derrocada: sua Paixão e Crucifixão.<br />
Uma obra de apostolado só é autêntica quando as<br />
pessoas que nela trabalham compreendem o valor das<br />
cruzes. As luzes são fáceis de compreender. Todo labor<br />
apostólico passa, necessariamente, por altos e baixos,<br />
por luzes e por cruzes.<br />
Narro-lhes um fato curioso que se deu numa Trapa<br />
durante a Revolução Francesa.<br />
O exílio da Trapa<br />
Com a Revolução Francesa foram extintas todas as<br />
Ordens Religiosas que havia na França.<br />
Houve, entretanto, um Abade da Trapa, que, no dia 26<br />
de abril de 1791, resolveu não permitir que sua Ordem<br />
se extinguisse e deliberou então sair da França: era Dom<br />
Augustin de Lestrange (1754-1827), homem muito empreendedor<br />
e corajoso. Com outros vinte e quatro monges<br />
empreendeu uma viagem em direção à Suíça, pois este<br />
era o ponto mais adequando para obter o êxito da iniciativa.<br />
Num dos cantões suíços — espécie de província —, o<br />
cantão de Friburgo, havia um convento abandonado, antes<br />
propriedade dos Cartuxos, e, por uma graça da Providência,<br />
as autoridades locais o puseram à disposição de<br />
Dom Augustin e de seus monges.<br />
Como fizeram eles tal viagem?<br />
Empreenderam todo o percurso, da França até a Suíça,<br />
num grande carro fechado onde cabiam os vinte e<br />
cinco religiosos. O veículo era todo cercado por uma tela,<br />
a fim de que não rompessem o recolhimento religioso<br />
São Bernardo de<br />
Claraval, compondo as<br />
constituições de Cister.<br />
olhando para o exterior. Iam, durante todo o dia, cantando<br />
o Ofício e cumprindo o programa regular do mosteiro,<br />
dentro da carruagem.<br />
À noite, dormiam ao relento — sobre um monte de feno<br />
ou sobre o chão diretamente — e nunca em hospedarias.<br />
Antes de dormir, se reuniam para cantar a Salve Regina,<br />
como faziam no Mosteiro da Trapa.<br />
Depois de chegarem à Suíça e se instalarem, quando<br />
ainda agradeciam a Deus, que de um modo tão maravilhoso<br />
os tinha levado a esse remanso de paz onde podiam<br />
continuar sua vida religiosa, outro tufão: as tropas<br />
revolucionárias francesas invadiram a Suíça, e eles foram<br />
obrigados a fugir novamente, passando para a Rússia.<br />
Tudo isto com o mesmo estilo de vida, dentro do famoso<br />
carro. Resolveram, depois dirigir-se para a Inglaterra,<br />
e como lá não puderam ficar, viajaram para os Estados<br />
Unidos!<br />
Fixaram-se nos Estados Unidos, lá permanecendo por<br />
algum tempo, até que a notícia da queda de Napoleão<br />
e da ascensão de Luís XVIII ao trono os fez voltar para<br />
a França e instalarem-se na mesma Trapa que tinham<br />
abandonado anos antes.<br />
Derrocada ou triunfo?<br />
Qual o resultado de tantas viagens? Durante o tempo<br />
das fugas, em todos os lugares por onde passavam, formavam<br />
novas Trapas, de maneira a constituir um número<br />
considerável de mosteiros fora da França, com um total<br />
de seiscentos religiosos. Quando eles partiram da França<br />
eram apenas vinte e cinco!<br />
Admiremos os desígnios de Deus: a Providência quis<br />
espalhar essa Ordem, voltada ao sofrimento, pelo mundo<br />
inteiro.<br />
25
DR. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Construíram, congregaram e venceram<br />
Tarefa dificílima foi, sem dúvida, a de obter que tantas<br />
pessoas amassem a dura vida de contemplação e isolamento<br />
de um trapista. Para tal, era preciso possuir um<br />
senso apostólico extraordinário.<br />
Esses homens, no auge da destruição, construíram;<br />
no auge da dispersão, congregaram; no auge da derrocada,<br />
venceram, transformando a derrota numa verdadeira<br />
apoteose. Vê-se com isto do que é capaz a Fé e o devotamento<br />
sem limite a um ideal.<br />
Para humilhar os revolucionários, a Providência fez<br />
que tal perseguição fosse a ocasião da disseminação da<br />
Trapa. Sem essa perseguição, a Trapa jamais teria se expandido<br />
tanto.<br />
Isto é uma verdadeira maravilha! Vinte e cinco homens<br />
que possuíam um ideal e, apesar de todos os reveses,<br />
dele não desistiram: não há mais convento, porém vive-se<br />
o cerimonial dentro de um carro; não há cama, dorme-se<br />
no chão; é-se expulso para um lugar, aproveita-se<br />
para lá fazer apostolado; e de lá enxotado, deixa-se uma<br />
semente plantada. Apesar de tudo pelo que passaram, o<br />
ideal trapista se manteve e, em vinte e cinco anos, sua<br />
Ordem atingira um assombroso desenvolvimento.<br />
26
No auge da destruição, construíram; no auge da dispersão,<br />
congregaram; no auge da derrocada, venceram<br />
transformando a derrota numa verdadeira apoteose.<br />
A árdua vida de um trapista<br />
A vida de um trapista é, sem dúvida, árdua.<br />
Em certos dias, eles acordam à 1:00 hora da manhã,<br />
em outros à 1:30 ou 2:00. Quando no silêncio<br />
da noite toca o sino, todos se levantam.<br />
O monge trapista dorme vestido com o hábito<br />
religioso e, ao levanta-se, vai com rapidez para a igreja<br />
— segundo a recomendação de São Bernardo — a fim<br />
de cantar as Matinas.<br />
Alguém poderia objetar: “Apesar de tudo isto, a vida<br />
de um trapista não é tão difícil, pois ele não tem mais o<br />
choque que o comum dos homens tem com o mundo. O<br />
monge da Trapa rompeu com o mundo, de modo que as<br />
atrações deste já não o atraem mais.”<br />
É verdade que o trapista cortou com o mundo, e o<br />
mundo não existe mais para ele. Entretanto, dou um<br />
exemplo que é o seguinte: quando, estando fora de um<br />
trem, alguém o vê passar, com aquelas cortininhas nas janelas<br />
dos vagons e a chaminé da locomotiva — no tempo<br />
que se usavam locomotivas com chaminé — deitando<br />
uma fumaça poética, e as pessoas que estão dentro serem<br />
levadas vertiginosamente para destinos complicados<br />
e épicos, tem a impressão de que o trem é uma coisa sedutora!<br />
É preciso entrar nele para se compreender que<br />
tal viagem é um verdadeiro horror, e que basta ele parar<br />
nas estações para todos saírem a fim de passear, porque<br />
não se aguenta estar ali dentro por muito tempo.<br />
Pois bem, “tranca-se” o monge no convento e o que<br />
acontece? Ele perde a noção do que era o mundo e começa<br />
a ver o trem do lado de fora. É fatal! Começam então<br />
as ilusões, as tentações.<br />
Poderia então alguém perguntar: “Ora, o que é mais<br />
fácil: viver no mosteiro ou fora dele?”<br />
Quem não tem uma graça especial para a vida de clausura,<br />
não a aguenta; quem a tem, trate de não imaginar<br />
que o outro estado de vida é muito mais leve e compreenda<br />
que Deus põe a cruz no caminho de todos aqueles a<br />
quem Ele ama.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 27/6/1970)<br />
27
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Quem vive no<br />
incompreensão,<br />
Ao analisar as impressões causadas<br />
pela observação de uma bela ave, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> as correlaciona<br />
com a vida de quem faz apostolado.<br />
Aquivo revista<br />
Há uma ave que sempre me encantou e, ao mesmo<br />
tempo, me deixou um tanto desconcertado:<br />
a garça.<br />
Em primeiro lugar, por causa da cor branca nívea,<br />
que me agradava muito. Depois, devido à sua — se assim<br />
se pode dizer — construção, pela qual ela tem o<br />
corpo todo branco, de onde sai um pescoço delicado e<br />
elegantemente torneado, com uma cabecinha para conter<br />
olhos, narinas e um bico muito grande, causando a<br />
impressão de um símbolo da capacidade de captar, prever<br />
e agir à distância.<br />
E tudo sobre duas pernas fininhas, que parecem ser<br />
de ar. À primeira vista têm-se a sensação de que a garça<br />
não está pisando em nada, mas flutua no ar. Só se percebe<br />
que ela se move quando, com suas pernas compridas,<br />
abre a pata de palmípede e marcha num passo elegante.<br />
Ela avança com elegância, distinção e império; “manda”<br />
com tanta finura e autoridade no minúsculo território<br />
onde é rainha que dá gosto, a quem aprecia o princípio<br />
da autoridade, ver a garça mover-se.<br />
Se fosse capaz de pensar, ela faria um raciocínio<br />
assim:<br />
“Que vida eu levo! Tenho pernas<br />
tão frágeis que preciso andar com muito<br />
cuidado, pois qualquer coisa pode<br />
quebrá-las. Sou feita para caminhar no<br />
meio dos pântanos a fim de encontrar<br />
minha comida nos vermes, que todo<br />
mundo reputa sujeira. Na minha brancura<br />
nívea, sou uma coletora de insetos<br />
repugnantes dos quais tenho que fazer<br />
a minha delícia. Meu bico tão comprido,<br />
seletivo, exigente, é um captador<br />
de coisinhas que todo mundo rejeita...<br />
Que vida eu levo!”<br />
A garça poderia julgar que está condenada<br />
ao império dos pantanais e aos<br />
banquetes repugnantes. Como ela deveria<br />
achar triste a sua existência! Em<br />
determinado momento, movida por<br />
algum instinto, abre as asas e voa!<br />
28
pantanal da<br />
deve saber voar<br />
J. V. Verde<br />
Adeus, pântanos!<br />
Adeus insetos, ela também<br />
possui o ar, as vastidões, o<br />
sol que bate em suas asas e<br />
a torna rutilante como se ela<br />
fosse feita de neve; suas pernas<br />
parecem filamentos que prolongam<br />
garbosamente sua estatura. Ela<br />
corta o ar com um vôo muito mais elegante<br />
do que elegantes são seus passos.<br />
Assim são também certos movimentos de<br />
idéias, obrigados a fazer na vida de todos os<br />
dias apostolado nos pantanais das indecisões e incompreensões.<br />
Assim como a garça voa, a Providência<br />
propicia favores para que o homem de ideal voe<br />
também. São as consolações celestes, as recompensas<br />
e as horas em que nosso movimento, por exemplo,<br />
pode abrir largamente as suas asas, diante de todo<br />
o mundo e brilhar... refletindo — na alvura e pureza<br />
de seus ideais, no rigor de sua ortodoxia, no entusiasmo<br />
de sua dedicação, sem intuito de remuneração<br />
ou recompensa terrena — a santidade do próprio<br />
Deus, como a garça reflete o brilho do próprio<br />
sol. É a luz que voa e se espalha,<br />
longamente, parecida com a trajetória<br />
gloriosa da garça. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 3/8/1990)<br />
Aquivo revista<br />
29
Luzes da Civilização Crista<br />
Sacrifício e Heroísmo:<br />
Civilização<br />
Na província de Albacete (Espanha) está situada a fortaleza<br />
de Almanza, uma das mais características dessa terra de<br />
castelos. Ao comentar fotografias de tal baluarte, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
correlaciona o espírito dos homens que o construíram com as<br />
mentalidades contemporâneas.<br />
V<br />
ou descrever como imagino a grandeza contida<br />
nesta fotografia. Em primeiro lugar é necessário<br />
fazer uma distinção entre dois campos visuais,<br />
admiravelmente harmônicos, entretanto perfeitamente<br />
distintos: o castelo propriamente dito, com a montanha<br />
que lhe serve de fundamento, e o conjunto de<br />
nuvens que emolduram extraordinariamente o castelo<br />
e completam sua beleza.<br />
O castelo, conjugado às nuvens, faz centrar toda<br />
a atenção de quem o observa em sua torre. A torre,<br />
por sua vez, causa uma impressão de altaneria, dignidade<br />
e majestade extraordinária. Tem-se a impressão<br />
de que ela enfrenta, do alto do monte, o inimigo<br />
que vem ao longe. Enfrenta com galhardia, olhando<br />
como quem ameaça e diz: “Chega que eu te abato!<br />
Não te temo!”<br />
Não é jactância da torre, pois a fotografia é tirada<br />
com tanta arte que se percebe atrás outras muralhas<br />
do castelo, que mostram como ele é profundo<br />
e quanta fortificação contém, quanta<br />
tropa possui e quantos outros elementos a<br />
torre apresenta para vencer. O atrevimen-<br />
30
frutos da<br />
Cristã<br />
to da torre, fidalgo atrevimento, tem a sua razão de ser: o<br />
castelo é poderoso e a torre nada teme!<br />
Colocando-se na posição de um comandante do castelo,<br />
postado no alto da torre, vendo de longe o inimigo<br />
que avança, tem-se a impressão de que a torre personifica<br />
tudo quanto há de heroico na defesa da fortificação.<br />
Entretanto, esse comandante desafia dois adversários:<br />
um que vem de longe, caminhando na terra, em tropel de<br />
cavalaria —cavaleiros armados, espadas, lanças, olifantes<br />
—, ameaçando chegar, escalar a muralha que muito<br />
se assemelha com a torre. Mas há também outro<br />
adversário: são as nuvens do céu.<br />
Estas nuvens se acumulam densas, majestosas,<br />
grossas, um tanto luminosas, de um lado e de outro,<br />
escuras, carregadas, expressando possibilidades<br />
de glória na parte luminosa, mas de certo ar de<br />
ameaça e de luta, expressa na parte sombria. Poder-se-ia<br />
dizer que essas nuvens simbolizam a tremenda<br />
batalha que deve dar-se.<br />
Seria como que a voz da História dizendo ao<br />
comandante do castelo: “As ameaças da vida<br />
pairam sobre ti; chegou a tua hora de lutar!<br />
Sê herói ou serás esmagado!”<br />
Voltando os olhos novamente para o castelo, é possível<br />
notar algo curioso: a impressão de o castelo estar dominando<br />
a rocha que está debaixo dele. É uma “garra”<br />
que domina a rocha. Tal domínio dá-se de tal forma que<br />
é possível notar, na muralha frontal, a rocha que “escalou”<br />
a muralha e subiu quase até em cima. O castelo está<br />
em luta com a rocha e diz com desdém: “Tu não me alcançaste.”<br />
No tempo das guerras de arma branca, tempo este em<br />
que tais construções tiveram seu significado, havia um<br />
inconveniente em que essas rochas estivessem tão próximas<br />
da fortaleza, porque davam ao adversário a esperança<br />
de escalá-las e saltar a muralha. Entretanto, era<br />
tão trabalhoso e difícil que certamente os inimigos preferiam<br />
contemporizar por sentirem<br />
a impossibilidade de<br />
abater tão imponentes<br />
31
Luzes da Civilização Crista<br />
Do alto do monte,<br />
a fortaleza enfrenta o inimigo<br />
com galhardia e majestade<br />
como quem diz: “Chegue perto<br />
e eu vos abato, pois não vos temo.”<br />
Diversos aspectos do Castelo de Almanza,<br />
na província de Albacete (Espanha).<br />
muralhas. Certamente, por detrás das pulcras e nobres<br />
ameias, havia um elemento de defesa com o qual o adversário<br />
deveria tomar consideração, dando-lhe muito<br />
receio de subir. É o fato de que provavelmente na parte<br />
alta do muro houvesse instalações para fazer fogo e com<br />
ele ferver água e derreter chumbo. De maneira que bastava<br />
o adversário iniciar a escalada das rochas, para sobre<br />
ele virem torrentes de água fervente que lhe entravam<br />
armadura adentro queimando todo o corpo.<br />
Pior do que a água fervente era o chumbo derretido,<br />
pois produziam espantosas queimaduras. Secavam na ar-<br />
32
33
Luzes da Civilização Crista<br />
madura e nas junções desta, imobilizando o combatente,<br />
deixando-o com os braços e as pernas hirtos. Sem armadura,<br />
o guerreiro era um boneco à mercê de qualquer<br />
espada. Desta maneira, a pedra era até certo ponto uma<br />
cilada para o adversário. Se fosse ignorada a existência<br />
de recursos como este, estava liquidado. Era ao mesmo<br />
tempo a rocha da cilada e a rocha da vitória.<br />
Nota-se uma luminosa abertura, que certamente foi<br />
feita quando cessaram as guerras contra os mouros, em<br />
Espanha, e os castelos perderam sua significação militar.<br />
Os castelos deixaram de ser fortalezas, passando a residências<br />
de senhores feudais, proprietários de extensos<br />
territórios, que lá levavam uma cômoda e despreocupada<br />
vida no interior de suas muralhas.<br />
Iniciou-se então o período em que os castelos tornaram-se<br />
ornamentados de móveis preciosos, tecidos importados,<br />
quadros valiosos. O castelo destinava-se ao esplendor<br />
da vida, após ter sido dedicado ao heroísmo.<br />
Tal castelo é uma imagem do heroísmo cristão,<br />
nascido no momento em que<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo expirou na Cruz.<br />
Do costado de Cristo, transpassado<br />
por uma lança, nasceu a Santa Igreja que<br />
produziria frutos como este!<br />
34
A l g o<br />
que provavelmente<br />
não<br />
existia no tempo<br />
em que os castelos tinham<br />
o seu significado militar,<br />
é a vegetação que o circunda.<br />
Certamente, no tempo das batalhas, estes prados<br />
estavam arrasados. Eles não permitiam que crescesse<br />
vegetação, por ser um lugar onde o inimigo poderia se<br />
dissimular, nas cercanias do castelo. Era necessário haver<br />
uma planície para o inimigo não se ocultar das flechas<br />
que, do alto do castelo, lançassem contra ele.<br />
Seus muros e suas paredes receberam os raios calcinantes<br />
do sol de Espanha, como também as gélidas chuvas<br />
dessa terra. Quando maltratada pelo tempo, a pedra<br />
adquire uma beleza fora do comum. Considerando a cor<br />
dessa pedra, dir-se-ia que é de âmbar ou de porcelana, e<br />
não pedra corrente.<br />
Qual seria a adequada missão de um castelo desses?<br />
Recordar à alma egoísta do homem contemporâneo<br />
algo que deve envergonhá-lo: a perda do senso de sacrifício.<br />
O homem hodierno perdeu o anseio da luta, não sabendo<br />
mais o que é ser herói. Para as civilizações acorcovadas<br />
dos dias atuais, o castelo é uma lição de moral proclamando<br />
a grandeza de alma dos espanhóis da Reconquista,<br />
que por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Nossa<br />
Senhora e à Santa Igreja Católica foram “povoando” a<br />
península ibérica de fortalezas, à medida que iam reconquistando<br />
a Espanha, a fim de que os mouros não pensassem<br />
em voltar jamais. Caso quisessem retornar, encontrariam<br />
essa rede de castelos opondo-se a eles. A realidade<br />
é que uma vez expulsos, nunca mais voltaram!<br />
Heroísmo cristão! Heroísmo nascido no momento em<br />
que Nosso Senhor Jesus Cristo expirou na Cruz e redimiu<br />
o gênero humano. De seu costado transpassado por<br />
uma lança nasceu a Santa Igreja Católica que produziria<br />
depois frutos como este.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 5/51984)<br />
35
Corrigi-me<br />
em minha<br />
oração<br />
T. Ring<br />
Minha Mãe, Vós sabeis<br />
o que me convém,<br />
entretanto<br />
eu nem sempre o sei. Às vezes<br />
eu não peço o que me convém,<br />
porque não sei. Outras vezes<br />
eu peço o que não me convém,<br />
porque imagino que é bom.<br />
Senhora, eu Vos peço, ponde um seletivo em minha oração. De forma<br />
que Vós, que bem sabeis o que me é conveniente, me obtenhais, ainda<br />
que eu não peça, porque eu não sei o que de fato me convém. Corrigime<br />
em minha oração, caso peça algo que me pareça muito razoável,<br />
porém por razões que ignoro e Vós sabeis, não seja conveniente.<br />
Fazei o que me convenha!<br />
Oportet semper orare et non deficere! É preciso<br />
rezar sempre e não desanimar nunca!<br />
(Extraído de conferência de 5/12/1987)