Dona Lucilia Dona Lucilia, alguns anos antes de sua morte. 8
os tais amigos haviam empobrecido enormemente. E minha mãe diziame: “Seu avô trabalhou a vida inteira, teve uma vida de dor e até sofreu pelos seus inimigos. Mas quando ele morreu, sua família estava na tranquilidade, toda organizada, e com um futuro risonho para os seus.” Ele morreu um pouco mais cedo do que o comum dos homens. Mas a quem sofre e trabalha o necessário, Deus muitas vezes dá nesta vida épocas de bênção, de distensão, como recompensa. Modo atencioso de tratar acérrimo inimigo Mamãe narrava o caso de um senhor de uma boa família de São Paulo, que morava em Pirassununga, onde também residia o meu avô. Esse homem tinha enorme inveja de <strong>Dr</strong>. Antônio. Era um advogado medíocre, pouco inteligente, e vivia intentando golpes judiciários contra meu avô, o qual com um peteleco respondia aos ataques e os desfazia. Certa ocasião ele recebeu uma carta desse indivíduo nestes termos: “Totó, eu estou reduzido ao último ponto da miséria, gastei todo o meu dinheiro, estou tuberculoso e sendo acusado de um crime. Você, de quem sou inimigo e tem tanta queixa contra mim, é a única pessoa com a qual posso contar. Você não poderia vir agora à noite, nesse carro que mandei à sua casa, falar comigo para eu ter um pouco de sossego?” Era uma das noites gélidas de São Paulo, meu avô estava com uma espécie de bronquite, mas não teve dúvida: agasalhou-se, entrou no carro e foi falar com o homem. Este se encontrava deitado sobre <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 60. um colchão posto diretamente no solo, não tinha cama, e o travesseiro encostado na parede. E a pobre da mulher dele — era uma boa senhora — exercia o papel de enfer- Dona Lucilia possuía grande coerência; tudo quanto ela dizia exprimia seu pensamento. Dessa forma ela exercia um ensino permanente. meira, tratando-o de uma doença contagiosa, a tuberculose. Meu avô cumprimentou-o afavelmente, e logo foi de carro comprar, com seu próprio dinheiro, os remédios necessários. Depois combinaram de ir, no dia seguinte, para Pirassununga. E <strong>Dr</strong>. Antônio mandou para aquela cidade um aviso: “O <strong>Dr</strong>. Fulano vai amanhã comigo para ser julgado em Pirassununga, e eu não quero que haja qualquer desacato à pessoa dele. Vou a pé, de braços dados com ele, até a cadeia onde deve ser recolhido por ordem do juiz. Até o momento de entrar na prisão, ele é meu hóspede, e qualquer pessoa que diga uma palavra contra ele vai encontrar a minha oposição, porque sou o guardião e o depositário de sua honra.” E, na cidadezinha do interior, todo o mundo tinha ido ver o homem descer do trem, acompanhado pelos policiais. Meu avô deu-lhe o braço e ambos atravessaram a multidão; por respeito ao <strong>Dr</strong>. Antônio, ninguém disse nada. A polícia, que ia junto para impedir a fuga do homem, levouo até a cadeia. No dia seguinte, todos queriam saber quem era o advogado do prisioneiro; era uma curiosidade geral porque seu nome não tinha sido revelado. E na hora aprazada, quando entrou o advogado do réu, ficaram surpresos: era o meu avô, que pleiteou o caso, obteve a libertação do homem, o qual ainda viveu algum tempo. Mesmo assim, continuou tendo ódio do meu avô, dizendo que este o tratara bem, mas que ele teria feito melhor por <strong>Dr</strong>. Antônio. Formando o filho Minha mãe dizia-me: “Assim você deverá tratar seus inimigos. Não tenha ilusão, por melhor que você seja com os outros, no meio dos seus amigos haverá serpentes. E essas serpentes vão mordê-lo; não seja bobo, preste atenção, desconfie e saiba defender-se. Mas seja bondoso e saiba perdoar. Não mate as serpentes, ajude-as a viver. Assim você pode conduzir sua vida abençoado por Deus.” Dona Lucilia dava essas lições com tanta suavidade, seriedade e demonstrações de tanta caridade, que alguma coisa acabou ficando neste filho dela. v (Extraído de conferência de 9/10/1993) 9