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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />
Por fim, o meu<br />
Imaculado Coração<br />
triunfará!
São Francisco<br />
Di Girolamo<br />
regador incansável pela conversão<br />
Pdos pecadores, São Francisco Di Girolamo<br />
soube conservar-se inteiramente<br />
humilde e abnegado, apesar do estrondoso<br />
sucesso que obtivera em seu apostolado.<br />
Homem a quem a própria Virgem Santíssima<br />
recomendara aos pecadores, São<br />
Francisco arrastava as almas ao caminho<br />
do bem, por sua despretensão e humildade.<br />
Em legado ao bem que realizou, a<br />
Providência concedeu-lhe uma das mais<br />
belas mortes. Rendeu ele seu espírito<br />
cantando o Magnificat, cântico com que<br />
a própria Mãe de Deus louvou o Padre<br />
Eterno pelos dons que recebera.<br />
S. Hollmann<br />
Uma vida cheia de glória que proclamava<br />
humilde e alegremente sua plenitude, no<br />
momento derradeiro de seu ocaso.<br />
(Extraído de conferência<br />
2<br />
São Francisco Di<br />
Girolamo - Paris, França.<br />
de 10/5/1968)
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />
Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />
Por fim, o meu<br />
Imaculado Coração<br />
triunfará!<br />
Na capa, em<br />
destaque, Nossa<br />
Senhora de Fátima;<br />
ao fundo, cúpula<br />
da Basílica de São<br />
Pedro, Roma.<br />
Fotos: T. Ring, G. Kralj.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Editorial<br />
4 Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 13 de maio de 1973<br />
Celebrando uma visita...<br />
Dona Lucilia<br />
6 Preparando<br />
o filho para vida<br />
O Santo do mês<br />
10 10 de maio<br />
Santo Antonino de Florença<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
16 Meu filho, aprenda a sofrer!<br />
“Revolução e Contra-Revolução”<br />
22 A Contra-Revolução tendencial<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
26 O Rosário, caminho para a vitória!<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00<br />
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Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 No passado perene, o futuro...<br />
Última página<br />
36 Ponde em mim os olhos de Vossa piedade<br />
3
Editorial<br />
Por fim, o meu Imaculado<br />
Coração triunfará!<br />
Para o século XX, conturbado por vertiginosos acontecimentos — guerras mundiais, ascensão<br />
de novas formas de governo, descobertas científicas e tecnológicas —, a seu modo, as aparições<br />
de Fátima soaram como um carrilhão de sinos cujos ecos se prolongam até hoje, proclamando<br />
a aurora de uma nova era histórica: o triunfo do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.<br />
Fátima de tal modo marcou a espiritualidade católica, que grande foi o cortejo dos Papas que<br />
acorreram aos pés da Santíssima Virgem, a fim de rogar o poderoso auxílio da Mãe de Deus.<br />
Neste mês de maio, também o Papa Bento XVI se unirá ao número dos Pontífices que, perante as<br />
agruras e dificuldades, recorreram sabiamente Àquela que é a Mater Ecclesiae.<br />
No momento em que o Santo Padre eleva suas preces à Virgem de Fátima, não é descabido evocar<br />
as palavras de um homem que foi, sem dúvida, um arauto da máxima marial: “Por fim, o meu Imaculado<br />
Coração triunfará.” Animado pela certeza da completa vitória da Igreja e confiante no auxílio<br />
de Maria, ao dirigir a palavra a participantes de um simpósio sobre as aparições de Nossa Senhora<br />
em Fátima, assim manifestou-se <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />
“Os senhores não podem imaginar qual foi minha surpresa, quando, por volta dos trinta anos de<br />
idade, eu li um livro a respeito das aparições de Fátima. Até então, eu não havia ouvido falar delas<br />
senão vagamente, sem entretanto aprofundá-las, pois não me constava que algum Papa as tivesse<br />
aprovado. Eu então pensava: ‘Esperemos uma aprovação da Igreja.’<br />
“Entretanto, um belo dia, puseram-me nas mãos um livrinho de Fátima e eu o li. Percebi, então,<br />
que eram verdadeiras as aparições, e inegáveis os milagres que a cercaram, como por exemplo, o sol<br />
movendo-se numa pirotecnia fabulosa pelos céus.<br />
“A mensagem de Nossa Senhora ao mundo continha palavras esperadas por mim no fundo de minha<br />
alma: Se o mundo continuar entregue ao pecado, será castigado; porém, depois virá o Reino de<br />
Maria!<br />
“Enorme foi a minha alegria ao saber que, durante estes dias de estudo, vós tomastes conhecimento<br />
da mensagem de Fátima. Levai essa promessa no fundo de vossas almas.<br />
“Vós encontrareis, em muitas ocasiões de vossas jovens vidas, as pompas e o poder do mundo moderno<br />
e tereis a impressão de que ele é indestrutível, que a Tradição não vale nada, que o futuro segundo<br />
este mundo é a única coisa que vale. E o futuro, dizem as vozes do mal, é o igualitarismo vil e<br />
sensual.<br />
“Não acrediteis, e dizei: ‘Tu não tens o conhecimento do futuro nem dos rumos da História. Nossa<br />
Senhora sim o tem, e em Fátima Ela disse: Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!’<br />
“Que Nossa Senhora de Fátima nos dê muita Fé e fidelidade às suas palavras.”<br />
(Extraído de conferência de 3/4/1983)<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
13 de maio de 1973<br />
Celebrando uma visita...<br />
Em maio de 1973, o Movimento fundado<br />
por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> foi honrado com uma<br />
ilustre visita: a Imagem Peregrina de<br />
Nossa Senhora de Fátima, a qual havia vertido<br />
lágrimas miraculosamente em Nova Orleans no<br />
ano anterior.<br />
Para celebrar tão augusta visita, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> promoveu<br />
uma consagração de seus seguidores à<br />
Santíssima Virgem, segundo o método de São Luís<br />
Maria Grignion de Montfort. No dia seguinte,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em reunião, narrou o que se passara<br />
consigo durante a visita:<br />
A impressão que me causou a ação de Nossa<br />
Senhora por meio de sua Imagem Peregrina, foi<br />
a de um grande recolhimento sacral. Pode ser algo<br />
subjetivo, mas foi como eu senti sua ação de<br />
presença.<br />
Ela dominava de tal maneira o ambiente onde<br />
estava, que não era possível a ninguém fazer<br />
outra coisa senão olhar para ela; Nossa Senhora<br />
atraía os olhares com muita doçura, fazendo<br />
com que todos se sentissem envoltos por<br />
uma espécie de sacralidade suave, mas profundamente<br />
séria. Em meus sessenta e quatro anos<br />
de vida, jamais vi algo tão sério quanto aquela<br />
imagem.<br />
Ela conduzia o espírito às cogitações mais extraordinárias,<br />
de um lado; mas de outro lado, ela<br />
era muito profunda, tocava os corações naquela<br />
parte da alma que São Paulo chama “a juntura<br />
entre a alma e o espírito”.<br />
Nossa Senhora comunicava sobremaneira o<br />
afeto materno. Entretanto, era o afeto de uma<br />
mãe triste, isolada na sua tristeza, como alguém<br />
que chora sozinho à espera de quem lhe venha<br />
consolar. O convite ao “co-pranto” era evidente<br />
naquela imagem.<br />
Em certos momentos, eu tinha a impressão<br />
de a imagem estar mais pungente do que em outros.<br />
Era algo sobrenatural, fruto da graça. Depois,<br />
esta impressão ia diminuindo<br />
até passar inteiramente,<br />
e eu, então,<br />
a olhava e não via senão<br />
uma bonita imagem, feita<br />
com muita piedade. De<br />
repente, a impressão primeira<br />
voltava, e eu, ao fazer<br />
uma vênia diante dela,<br />
tinha a sensação de que<br />
Nossa Senhora ia falarme.<br />
A meu ver, isso significava<br />
claramente o fator<br />
sobrenatural de sua presença.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao lado da Imagem Peregrina de Nossa<br />
Senhora de Fátima, em maio de 1973.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 14/5/1973)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Preparando o filho<br />
para vida<br />
Formada nos antigos critérios de respeito, educação e seriedade,<br />
em Dona Lucilia todas as atitudes nunca careciam de profundo<br />
significado. Por isso, irreflexão ou espontaneidade eram contrárias<br />
a seu modo de ser. Assim, baseada em elevadas razões,<br />
Dona Lucilia narrava a seus filhos a admiração e gratidão que<br />
nutria por seu pai, <strong>Dr</strong>. Antonio Ribeiro dos Santos...<br />
Dona Lucilia possuía grande<br />
coerência; os seus gestos,<br />
a sua fisionomia, as inflexões<br />
de sua voz e tudo quanto ela dizia<br />
exprimiam seu pensamento. Dessa<br />
forma ela exercia um ensino permanente,<br />
fazendo-nos ver as coisas<br />
como devem ser, o que verdadeiramente<br />
é a vida. E mostrava como cada<br />
pessoa precisa estar habituada à<br />
dor, porque o sofrimento faz parte<br />
da normalidade da existência.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu,<br />
morreu na Cruz por amor a nós<br />
e quis por esta forma nos resgatar.<br />
Assim, Ele implantou a Cruz no centro<br />
de nossa vida; e a Cruz é o símbolo<br />
da dor.<br />
Toda pessoa séria leva uma vida<br />
dolorida, com dificuldades, sofre ingratidões,<br />
pressões, vinganças injustas,<br />
invejas etc. E quem conhece a vida<br />
fica sabendo continuamente que<br />
está sujeito a tais sofrimentos.<br />
Razão da admiração<br />
pelo pai<br />
A enorme admiração que mamãe<br />
possuía por seu pai devia-se ao fato<br />
de ele ter sido um homem disposto<br />
a sofrer.<br />
Meu avô era um excelente advogado.<br />
Trabalhava com afinco,<br />
frequentemente até as quatro horas<br />
da manhã, para que logo no<br />
início do dia seguinte seus empregados<br />
entregassem nos tribunais<br />
o trabalho feito por ele durante a<br />
noite.<br />
Ele era muito bom chefe de família.<br />
Poder ter uma conversa com<br />
os seus durante o jantar ou o almoço,<br />
era para ele a única recompensa<br />
da vida; recompensa que julgava ser<br />
muito boa.<br />
Papel da dor e do<br />
trabalho na vida<br />
do homem<br />
Dona Lucilia gostava de contar<br />
um episódio a fim de ensinar o papel<br />
da dor e do trabalho na vida do<br />
homem.<br />
A família de minha mãe tinha alguns<br />
conhecidos muito ricos que levavam<br />
uma vida de diversão; não<br />
trabalhavam e nem velavam pelos<br />
seus bens, os quais foram sendo consumidos,<br />
e eles sempre se divertindo.<br />
Certa noite, eles vinham andando<br />
pela rua onde morava o meu avô;<br />
já era quase madrugada, e viram que<br />
o escritório ainda estava com a luz<br />
acesa. Meu avô chamava-se Antônio,<br />
e muitas vezes era intimamente<br />
tratado de Totó. Disseram eles<br />
então: “Nós estamos aqui nos divertindo<br />
e o bobo do Totó está trabalhando<br />
até esta hora. Ele acumula<br />
dinheiro, é verdade, porém não o<br />
aproveita. Nós aproveitamos nossa<br />
fortuna gozando a vida!”<br />
Quando o meu avô morreu, ele<br />
estava bem de fortuna, enquanto<br />
6
Fotos: Arquivo revista<br />
<strong>Dr</strong>. Antonio Ribeiro dos Santos, pai de Dona Lucilia.<br />
7
Dona Lucilia<br />
Dona Lucilia, alguns anos antes de sua morte.<br />
8
os tais amigos haviam<br />
empobrecido enormemente.<br />
E minha mãe diziame:<br />
“Seu avô trabalhou<br />
a vida inteira, teve uma<br />
vida de dor e até sofreu<br />
pelos seus inimigos. Mas<br />
quando ele morreu, sua<br />
família estava na tranquilidade,<br />
toda organizada,<br />
e com um futuro risonho<br />
para os seus.”<br />
Ele morreu um pouco<br />
mais cedo do que o comum<br />
dos homens. Mas a quem sofre<br />
e trabalha o necessário, Deus muitas<br />
vezes dá nesta vida épocas de bênção,<br />
de distensão, como recompensa.<br />
Modo atencioso de<br />
tratar acérrimo inimigo<br />
Mamãe narrava o caso de um senhor<br />
de uma boa família de São Paulo,<br />
que morava em Pirassununga, onde<br />
também residia o meu avô.<br />
Esse homem tinha enorme inveja<br />
de <strong>Dr</strong>. Antônio. Era um advogado<br />
medíocre, pouco inteligente, e<br />
vivia intentando golpes judiciários<br />
contra meu avô, o qual com um peteleco<br />
respondia aos ataques e os<br />
desfazia.<br />
Certa ocasião ele recebeu uma<br />
carta desse indivíduo nestes termos:<br />
“Totó, eu estou reduzido ao último<br />
ponto da miséria, gastei todo o meu<br />
dinheiro, estou tuberculoso e sendo<br />
acusado de um crime. Você, de<br />
quem sou inimigo e tem tanta queixa<br />
contra mim, é a única pessoa com<br />
a qual posso contar. Você não poderia<br />
vir agora à noite, nesse carro que<br />
mandei à sua casa, falar comigo para<br />
eu ter um pouco de sossego?”<br />
Era uma das noites gélidas de<br />
São Paulo, meu avô estava com<br />
uma espécie de bronquite, mas não<br />
teve dúvida: agasalhou-se, entrou<br />
no carro e foi falar com o homem.<br />
Este se encontrava deitado sobre<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 60.<br />
um colchão posto diretamente no<br />
solo, não tinha cama, e o travesseiro<br />
encostado na parede. E a pobre<br />
da mulher dele — era uma boa senhora<br />
— exercia o papel de enfer-<br />
Dona Lucilia possuía<br />
grande coerência;<br />
tudo quanto ela<br />
dizia exprimia seu<br />
pensamento. Dessa<br />
forma ela exercia um<br />
ensino permanente.<br />
meira, tratando-o de uma doença<br />
contagiosa, a tuberculose.<br />
Meu avô cumprimentou-o afavelmente,<br />
e logo foi de carro comprar,<br />
com seu próprio dinheiro, os<br />
remédios necessários. Depois combinaram<br />
de ir, no dia seguinte, para<br />
Pirassununga. E <strong>Dr</strong>. Antônio mandou<br />
para aquela cidade um aviso:<br />
“O <strong>Dr</strong>. Fulano vai amanhã comigo<br />
para ser julgado em Pirassununga,<br />
e eu não quero que haja qualquer<br />
desacato à pessoa dele. Vou a pé,<br />
de braços dados com ele, até a cadeia<br />
onde deve ser recolhido por ordem<br />
do juiz. Até o momento de entrar<br />
na prisão, ele é meu hóspede, e<br />
qualquer pessoa que diga uma palavra<br />
contra ele vai encontrar a minha<br />
oposição, porque sou o<br />
guardião e o depositário<br />
de sua honra.”<br />
E, na cidadezinha do<br />
interior, todo o mundo<br />
tinha ido ver o homem<br />
descer do trem, acompanhado<br />
pelos policiais.<br />
Meu avô deu-lhe o braço<br />
e ambos atravessaram<br />
a multidão; por respeito<br />
ao <strong>Dr</strong>. Antônio, ninguém<br />
disse nada. A polícia, que<br />
ia junto para impedir a<br />
fuga do homem, levouo<br />
até a cadeia. No dia seguinte, todos<br />
queriam saber quem era o advogado<br />
do prisioneiro; era uma curiosidade<br />
geral porque seu nome não tinha<br />
sido revelado. E na hora aprazada,<br />
quando entrou o advogado do<br />
réu, ficaram surpresos: era o meu<br />
avô, que pleiteou o caso, obteve a libertação<br />
do homem, o qual ainda viveu<br />
algum tempo.<br />
Mesmo assim, continuou tendo<br />
ódio do meu avô, dizendo que este<br />
o tratara bem, mas que ele teria feito<br />
melhor por <strong>Dr</strong>. Antônio.<br />
Formando o filho<br />
Minha mãe dizia-me: “Assim você<br />
deverá tratar seus inimigos. Não<br />
tenha ilusão, por melhor que você<br />
seja com os outros, no meio dos<br />
seus amigos haverá serpentes. E essas<br />
serpentes vão mordê-lo; não seja<br />
bobo, preste atenção, desconfie e<br />
saiba defender-se. Mas seja bondoso<br />
e saiba perdoar. Não mate as serpentes,<br />
ajude-as a viver. Assim você pode<br />
conduzir sua vida abençoado por<br />
Deus.”<br />
Dona Lucilia dava essas lições<br />
com tanta suavidade, seriedade e demonstrações<br />
de tanta caridade, que<br />
alguma coisa acabou ficando neste<br />
filho dela.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/10/1993)<br />
9
O Santo do Mês<br />
–– * Maio * ––<br />
1. São José Operário. Em 1955, o<br />
Papa Pio XII dedicou esta memória litúrgica<br />
comemorando a dignidade do<br />
pai nutrício de Jesus, sua vida silenciosa<br />
e oculta na santa casa de Nazaré.<br />
2. V Domingo da Páscoa.<br />
3. São Filipe e São Tiago, Apóstolos,<br />
sepultados juntos na Basílica<br />
dos Doze Apóstolos em Roma, razão<br />
pela qual a memória de ambos é<br />
celebrada na mesma data.<br />
4. Santos João Houghton, Roberto<br />
Lawrence, Agostinho Webster e<br />
Ricardo Reynolds, sacerdotes, martirizados<br />
durante a perseguição religiosa<br />
na Inglaterra. (+1535)<br />
5. São Gotardo, Bispo de Hildesheim,<br />
na Alemanha. (+1038)<br />
6. São Venério, Bispo de Milão.<br />
Discípulo de Santo Ambrósio, ajudou<br />
São João Crisóstomo no seu<br />
desterro. (+409)<br />
7. Santa Rosa Venerini, Fundadora<br />
da Ordem das Mestras Pias, primeira<br />
congregação a cuidar de escolas<br />
femininas na Itália (Roma).<br />
(+1728)<br />
8. São Bonifácio V, Papa. Fomentou<br />
a disciplina monástica. (+615)<br />
9. VI Domingo da Páscoa.<br />
Santo Isaías, Profeta do Antigo<br />
Testamento, séc. VIII a.C.<br />
10. Santo Antonino, Bispo de<br />
Florença, dominicano. (+1459)<br />
11. São Francisco Di Girólamo,<br />
sacerdote jesuíta.<br />
12. São Domingos da Calçada,<br />
monge e presbítero. Empenhou-se<br />
em melhorar o caminho que leva a<br />
Santiago de Compostela, e construiu<br />
um hospital para peregrinos. (+1109)<br />
13. Nossa Senhora de Fátima.<br />
Em 1917, no povoado da Cova da<br />
Iria, Nossa Senhora apareceu várias<br />
vezes aos pastorinhos Lúcia, Francisco<br />
e Jacinta, com uma mensagem de<br />
vital importância para os séculos XX<br />
e XXI. Depois de prever grandes padecimentos<br />
para a Igreja e o mundo,<br />
afirmou: “Por fim, meu Imaculado<br />
Coração triunfará.”<br />
14. Santa Maria Mazzarelo, Virgem.<br />
Religiosa discípula de São João<br />
Bosco e Fundadora do ramo feminino<br />
dos salesianos (Filhas de Maria<br />
Auxiliadora). (+1881)<br />
15. Santo Isidro, padroeiro de<br />
Madrid (Espanha). (+1130)<br />
16. Ascensão do Senhor.<br />
17. São Pascoal Bailão, irmão leigo<br />
da ordem dos Frades Menores<br />
Franciscanos Descalços. (+1592)<br />
18. São João I, Papa e Mártir.<br />
(+526)<br />
19. São Dunstan, Abade de Glastonbury.<br />
Revitalizou a vida monástica,<br />
sob a influência de Cluny. Foi<br />
Bispo de Canterbury e conselheiro<br />
do rei da Inglaterra. (+988)<br />
20. São Bernardino de Sena, Frade<br />
franciscano. Reformou a sua Ordem<br />
e divulgou a devoção ao Nome<br />
de Jesus. (+1444)<br />
21. São Carlos José Eugênio<br />
de Mazenod, Bispo e Fundador.<br />
(+1861)<br />
22. Santa Rita de Cássia, viúva<br />
e religiosa agostiniana. Recebeu na<br />
fronte um estigma da Paixão de Cristo,<br />
que permaneceu até sua morte.<br />
(+1447)<br />
23. Domingo de Pentecostes.<br />
24. Maria Auxiliadora. São Pio V<br />
acrescentou na Ladainha de Nossa<br />
Senhora a invocação Auxilium Christianorum,<br />
pela vitória de Lepanto.<br />
Mais tarde, o Papa Pio VII, cumprindo<br />
uma promessa, instituiu esta festa<br />
em 1814 para comemorar a sua<br />
libertação das mãos de Napoleão.<br />
Maria Auxiliadora foi a grande protetora<br />
de São João Bosco.<br />
25. São Gregório VII, Papa.<br />
(1020-1085)<br />
26. São Filipe Néri, sacerdote.<br />
Fundador da Congregação do Oratório.<br />
(+1595)<br />
27. Santo Agostinho de Cantuária.<br />
(séc. VII)<br />
28. São Paulo Hanh, Mártir na<br />
Cochinchina, atual Vietnã, onde<br />
por professar sua Fé foi decapitado,<br />
após tremendos suplícios, sob o imperador<br />
Tu Duc. (+1859)<br />
29. Santos Mártires de Trento.<br />
30. Domingo da Santíssima Trindade<br />
31. Visitação de Nossa Senhora a<br />
Santa Isabel.<br />
10
10 de maio<br />
Santo Antonino de Florença<br />
Arcebispo de Florença e grande amigo do Beato Angélico, Santo<br />
Antonino lutou contra os desvios da Renascença.<br />
V. Toniolo<br />
Apartir do momento em que<br />
foi eleito Arcebispo de Florença,<br />
Santo Antonino lutou<br />
acirradamente contra os desvios<br />
propagados pelos renascentistas.<br />
Acompanhemos a descrição de sua<br />
vida feita pelo Pe. Rohrbacher:<br />
“Antônio, que por sua pequena estatura<br />
foi chamado Antonino, nasceu<br />
em 1389, sendo filho de um notável<br />
homem de Florença. Destacou-se desde<br />
cedo nos estudos por sua invulgar<br />
inteligência.”<br />
Ao fundo,<br />
fachada da<br />
Catedral de<br />
Florença; em<br />
destaque,<br />
busto de Santo<br />
Antonino.<br />
V. Toniolo<br />
11
O Santo do Mês<br />
Ao mesmo tempo<br />
em que permitia à<br />
Renascença deitar em<br />
Florença todo o seu<br />
calor, a Providência<br />
fazia florescer santos e<br />
gênios naquele mesmo<br />
ambiente, para<br />
disputar influência<br />
e combater o fogo das<br />
novas tendências<br />
Florença foi uma das grandes cidades<br />
que iluminaram a História,<br />
com seu especial modo de ser. Florença<br />
— ela é a cidade das flores —<br />
floresceu precisamente numa época<br />
na qual a História italiana encontrava-se<br />
em um tournant, como<br />
denominam os franceses,<br />
no momento em que no-<br />
vos rumos se constituíam e tudo se<br />
transformava.<br />
Configurava-se um conflito entre<br />
a tradição medieval e os fortes ventos<br />
da Renascença que ameaçavam<br />
tudo destruir. Entretanto, havia ainda<br />
possibilidades de sensibilizar a<br />
opinião italiana, caso grandes santos<br />
combatessem de frente a Renascença<br />
então vicejante.<br />
Florença era propriamente o foco<br />
da Renascença. Encontravam-se<br />
lá, então, os maiores talentos renascentistas,<br />
capazes de irradiar sobre a<br />
Itália o seu novo estilo, e que realizavam,<br />
na própria cidade, obras de arte<br />
de um valor extraordinário. Florença<br />
tinha grande importância para<br />
aquele tempo. Sendo metrópole<br />
do Grão-ducado de Toscana, possuía<br />
uma dinastia que haveria de ligar-se<br />
por vários laços de casamento com<br />
a Casa da França, e haveria de dar<br />
mais de um Papa ao sólio pontifício:<br />
os Médici, uma das famílias mais poderosas<br />
e importantes da Europa.<br />
Florença era então um luzeiro<br />
do mundo, nutrindo de<br />
especial significado, realce<br />
e importância, a tudo quanto se<br />
passava em seu meio.<br />
A resposta da<br />
Providência não<br />
haveria de tardar...<br />
“Muito cedo desejou entrar na Ordem<br />
Dominicana, pela santidade dos<br />
seus membros e pela influência das<br />
pregações do Beato João Dominichi.<br />
A este pregador dirigiu-se Antonino<br />
pedindo o hábito. Mas Dominichi,<br />
achando-o muito débil e frágil,<br />
prometeu atendê-lo quando houvesse<br />
decorado a obra “Decretos de Graciano”.<br />
Antes de um ano, para pasmo do<br />
dominicano, voltou o menino. Decorara<br />
a obra e foi admitido aos dezesseis<br />
anos somente.<br />
“Religioso exemplar, foi mais tarde<br />
Prior dos dominicanos de Toscana e<br />
Nápoles.<br />
“Em 1445 o Papa Eugênio IV procurava<br />
um arcebispo para Florença.<br />
Um frade dominicano pintor, que<br />
mais tarde seria conhecido como Fra<br />
Angélico, indicou Antonino como<br />
modelo de virtudes. O Papa acedeu à<br />
12
sugestão e, nomeando-o arcebispo, o<br />
santo entrou em Florença com pompa<br />
magnífica, segundo o costume,<br />
mas suprimindo o que havia de secular<br />
nessa solenidade…”<br />
Nessa situação, a Providência designou<br />
um santo recolhido, diáfano e<br />
robusto na Fé: Fra Angélico de Fiesole.<br />
Possuindo um talento artístico<br />
repleto de delicadeza, candura e,<br />
quase se afirmaria, santa ingenuidade,<br />
não obstante demonstrou sagacidade<br />
e perspicácia, quando se tornou<br />
necessário indicar quem deveria<br />
assumir o Arcebispado de Florença.<br />
O homem a quem indicara foi Santo<br />
Antonino.<br />
Ao mesmo tempo em que permitia<br />
que as hidras da Renascença deitassem<br />
ali todo o seu calor, a Providência<br />
fazia florescer santos e gênios<br />
naquele mesmo ambiente, para disputar<br />
influência e combater o fogo<br />
das novas tendências.<br />
Surge então Antonino como Bispo<br />
de Florença. Podem-se imaginar os<br />
magníficos veludos e damascos com<br />
os quais foram confeccionadas as roupagens<br />
dos personagens que toma-<br />
H. Grados<br />
13
O Santo do Mês<br />
ram parte no cortejo de Santo Antonino,<br />
na ocasião em que tomou posse<br />
da Sé Arquiepiscopal da cidade. Dessa<br />
pompa, ele retirou sabiamente tudo<br />
quanto havia de profano...<br />
O poder da santidade<br />
“No trono episcopal, mostrou todas<br />
as virtudes de um verdadeiro pastor.<br />
Trabalhou com tanto zelo para reformar<br />
os escândalos públicos, que o Papa<br />
Pio II o escolheu para a reforma da<br />
Cúria Romana. Mas antes que pudesse<br />
iniciar este grande mister, Deus chamou-o<br />
a Si. Era o ano de 1459. Grande<br />
orador foi o Arcebispo de Florença.<br />
Sua santidade e cultura levaram-no a<br />
ser consultado pelos grandes da época,<br />
o que lhe valeu o apelido de “Antonino,<br />
o Conselheiro”. Seu lema de vida<br />
era “Servir a Deus é reinar.” Cosme<br />
de Médici o tinha em tão alta consideração,<br />
que afirmava que a cidade<br />
de Florença tudo devia às orações do<br />
santo arcebispo.”<br />
A história pouco conta sobre a ação<br />
desenvolvida por ele a favor da austeridade<br />
de costumes, como também o<br />
combate frontal às influências maléficas<br />
da Renascença. Dos historiadores<br />
renascentistas, vários reconhecem que<br />
pela presença de Santo Antonino na<br />
Sé de Florença, o movimento da Renascença<br />
perdeu em algo seu vigor e<br />
sua velocidade em contagiar a cidade<br />
e, consequentemente, toda a Itália.<br />
Conclui-se a partir disso quanto é<br />
grande o poder de um santo, ao ponto<br />
de uma das figuras mais eminentes<br />
e talvez mais condenáveis do Renascentismo,<br />
Cosme de Médici, afirmar<br />
que a cidade devia tudo às orações de<br />
Santo Antonino. Vê-se o quanto este<br />
santo podia realizar, e quanta receptividade<br />
ainda havia em relação a ele.<br />
Poderia alguém indagar-se: “Qual<br />
o sentido dessa obra da Providência?<br />
Um santo que passa como um meteoro<br />
que brilha, detém um pouco o<br />
curso das coisas, mas cuja obra não<br />
consegue evitar o avanço do Renascimento.<br />
Qual é o alcance histórico<br />
do fato de a Providência ter colocado<br />
Santo Antonino em Florença?”<br />
Uma alma zelosa nunca poderia<br />
colocar-se essa pergunta, porque<br />
basta ter contido a onda renascentista<br />
durante algum tempo, para<br />
contribuir em alto grau à glória de<br />
Deus. Como Santo Inácio de Loyola<br />
que afirmava ter sido bem empregada<br />
por amor à glória de Deus uma<br />
vida inteira de lutas e padecimentos,<br />
a fim de que um grande pecador deixasse<br />
de cometer um pecado mortal.<br />
Corresponder é vencer!<br />
Compreende-se, por isso, que deter<br />
por pouco que seja a imensa onda<br />
de pecados provenientes da Re-<br />
O corpo incorrupto de Santo Antonino é venerado na Basílica de São Marcos (Florença).<br />
14
nascença, é evidentemente algo que<br />
possui muito significado para quem<br />
almeja a glória de Deus.<br />
Há um outro aspecto digno de<br />
consideração, que se centra na continuação<br />
da obra iniciada por Santo<br />
Antonino e pelo Beato Angélico.<br />
Deveriam haver almas que eram raízes<br />
de bem, aptas a dar continuidade<br />
ao trabalho por eles iniciado, e naturalmente<br />
apoiadas pelo Papado, e<br />
que prosseguissem a ofensiva contra<br />
a Renascença.<br />
E com pesar pode-se constatar que<br />
a obra da Providência não foi completada<br />
pela obra dos homens. E as<br />
almas chamadas por Santo Antonino<br />
a continuarem sua obra, não corresponderam<br />
ou não obtiveram o apoio<br />
necessário, e então a obra ruiu.<br />
Deduz-se, então, quão importante<br />
é o papel da história de uma alma.<br />
Deparamo-nos com uma cidade<br />
que irradiava a intemperança para o<br />
mundo inteiro, mas que de tal forma<br />
era tocada por talentos e dons, que<br />
caso as almas eleitas para empunhar<br />
a tocha da reação antirrenascentista<br />
fossem fiéis, possivelmente a cidade<br />
inteira teria se convertido. Uma vez<br />
convertida a cidade, era bem possível<br />
que a história do mundo fosse<br />
completamente diversa.<br />
Florença podia ter alterado a história<br />
do mundo se, por seu lado, algumas<br />
almas próximas de Santo An-<br />
tonino houvessem modificado a história<br />
de Florença. Portanto, se a história<br />
do mundo não se alterou, e o<br />
mundo desceu pelo despenhadeiro<br />
da Renascença — sucessivamente à<br />
Revolução Francesa e ao Comunismo<br />
— isto se deve a algumas almas<br />
Florença<br />
podia ter alterado<br />
a história do mundo<br />
se, por seu lado,<br />
algumas almas<br />
próximas de<br />
Santo Antonino<br />
houvessem modificado<br />
a história de<br />
Florença...<br />
que foram fracas e não tiveram generosidade.<br />
Disseram “não”, ou disseram<br />
um “sim” incompleto ao convite<br />
da Providência. Por causa dessas<br />
almas, a História não mudou.<br />
Não é devido ao grande talento<br />
de algum renascentista que a obra de<br />
Santo Antonino não vingou. A dificuldade<br />
é que a Providência encontre<br />
sempre fiéis os homens que Ela<br />
suscitou para serem seus instrumentos.<br />
Se todos os eleitos por Deus fossem<br />
de fato fiéis, não haveria quem<br />
impedisse os planos da Providência<br />
de se executarem.<br />
Vae mihi!<br />
Surge então uma aplicação para<br />
cada alma individualmente: “Não serei<br />
também uma alma destas? Não<br />
fui chamado a ter uma fidelidade ilibada?<br />
Não será que uma pequena<br />
falta de generosidade de minha parte<br />
determinará um recuo notável nos<br />
planos da Providência?”<br />
Quantas vezes não temos a possibilidade<br />
de fazer bem a uma alma,<br />
que por sua vez faria o bem a<br />
inúmeras outras almas! Não poderia<br />
resultar dessa atitude uma reação<br />
boa que fosse, sob diversos aspectos,<br />
um golpe no adversário? Entretanto,<br />
por falta de paciência, quantas<br />
não foram as ocasiões em que rejeitamos<br />
o apelo de Deus, no zelo pelas<br />
almas.<br />
Dirigindo-se a Santo Antonino,<br />
que foi colocado pela Providência<br />
numa situação tão importante, o católico<br />
autêntico deve pedir a intercessão<br />
dele, a fim de seguir seu<br />
exemplo de fidelidade completa e<br />
absoluta, no apostolado incomensuravelmente<br />
precioso que Nossa Senhora<br />
colocou em suas mãos. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 9/5/1968)<br />
H. Grados<br />
15
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Meu filho,<br />
aprenda a sofrer!<br />
O sofrimento, tão comum e tão evitado por todos<br />
os homens... Com a acuidade que lhe é própria,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra como sofrer representa uma<br />
glória para o verdadeiro católico.<br />
Ador é algo que não pode ser<br />
extinto da vida do homem.<br />
Para cada indivíduo ela se<br />
apresenta de uma maneira especial.<br />
Porém, há alguns sofrimentos que<br />
são comuns para todos: fazer os sacrifícios<br />
necessários para não pecar;<br />
não se limitar a evitar o pecado, mas<br />
crescer cada vez mais na virtude; salvar<br />
sua alma e também as almas dos<br />
outros.<br />
Sobretudo para quem possui<br />
uma vocação especial como a nossa,<br />
a Providência tem a intenção<br />
de que salvemos certo número de<br />
almas. O esforço comum da organização<br />
à qual pertencemos deve<br />
visar salvar um número quase incontável<br />
delas, porque os males<br />
que há na civilização contemporânea<br />
são enormes, e muitas pessoas<br />
se perdem.<br />
Assim, é preciso que nos ergamos<br />
contra a iniquidade praticada e<br />
lhe digamos como São João Batista:<br />
“Não te é permitido!” 1<br />
É difícil calcular o número de pessoas<br />
que poderiam salvar-se caso tivéssemos<br />
a alma plena dessa convicção.<br />
Pois bem, nesse esforço comum<br />
cada um deve dar tudo o que recebeu<br />
da Providência para produzir o<br />
rendimento necessário. E isto significa<br />
carregar a cruz.<br />
O ódio ao mal faz<br />
parte do amor a Deus<br />
É preciso evitar o pecado, porém<br />
não apenas cumprindo este ou aquele<br />
Mandamento isoladamente; devemos,<br />
acima de tudo, amar a Deus sobre<br />
todas as coisas.<br />
Ama-se a Deus desejando tudo<br />
aquilo que é conforme a Ele, e odiando<br />
tudo aquilo que se Lhe opõe. Por<br />
exemplo, considerando a Paixão, deve-se<br />
adorar Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
na perfeição moral indizível, divina,<br />
que Ele manifestou ao sofrer tudo<br />
aquilo. E também encher-se de indignação<br />
contra os que O ofenderam.<br />
Um indivíduo que fique com muita<br />
pena de Nosso Senhor, mas não se<br />
indigne contra quem praticou aquele<br />
mal, é um hipócrita e está mentindo.<br />
Porque se vejo uma pessoa praticar<br />
um crime e tenho muita pena<br />
da vítima, mas não tenho indignação<br />
contra o criminoso, estou querendo<br />
mentir a mim mesmo.<br />
Até o rompimento com<br />
uma amizade má pode<br />
representar uma cruz<br />
Por mais duro que seja, caso eu tenha<br />
uma amizade que me conduz ao<br />
pecado, devo romper com ela inteiramente.<br />
Neste caso, não posso fazer<br />
um rompimento leve, distanciandome<br />
aos poucos. A ruptura precisa ser<br />
completa, porque, ou evito meticulosamente<br />
tudo quanto me leva para<br />
o mal, ou, no fundo, estou à procura<br />
do caminho da perdição.<br />
E é um sofrimento a alma adquirir<br />
uma têmpera tão forte, que olha<br />
S. Hollmann<br />
16
17
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
de frente cada dificuldade dessas e<br />
diz inexoravelmente “não” ao pecado!<br />
E realiza o sacrifício já, por inteiro<br />
e definitivamente.<br />
Um sacrifício que se faz arrastando:<br />
Devo romper com tal amigo, mas<br />
não o faço hoje e deixo para a semana<br />
seguinte. Faço depois uma ruptura<br />
incompleta e dentro em breve<br />
encontro-me com ele num bar,<br />
num ônibus, e aquela relação péssima<br />
se refaz, e a tentação continua.<br />
Isto não vale nada. É preciso dizer<br />
que rompeu de vez; se não tem pretexto,<br />
é sem pretexto. Isso significa<br />
cruz, porque muitas vezes é dificílimo<br />
fazê-lo, mas devemos imitar nosso<br />
Divino Salvador que tomou a sua<br />
Cruz e foi para frente. Assim, preciso<br />
romper e não mais olhar para<br />
trás, de tal modo que nem me lembre<br />
mais daquilo; é um episódio de<br />
minha vida que se apagou.<br />
Mas se eu lembrar um<br />
pouquinho, quando menos<br />
eu esperar, em casa<br />
de um parente que vou<br />
visitar ou em qualquer<br />
outra circunstância, lá está<br />
ele; e aquilo tudo renasce.<br />
Quer dizer, há certas<br />
coisas que devem ser<br />
extirpadas como um câncer:<br />
arranca-se de uma<br />
vez só, senão ele volta e<br />
todo o drama se reapresenta.<br />
A gloriosa<br />
falange dos<br />
esquecidos por<br />
amor a Deus<br />
Há outras coisas às<br />
quais se deve renunciar.<br />
A pessoa forma na vida<br />
tantos sonhos aos quais<br />
tem apego: gostaria de<br />
ser isto, aquilo, aquilo<br />
outro. Porém, aparece o<br />
jogo das circunstâncias<br />
S. Hollmann<br />
Jesus carrega a Cruz às costas - Madrid (Espanha)<br />
na vida e a salvação eterna pede que<br />
ela não seja nada daquilo, mas tome<br />
outro caminho.<br />
Por exemplo, um jovem imagina<br />
ser locutor de rádio porque nos círculos<br />
dele se considera isso uma maravilha.<br />
Ele já sonhou cem vezes falando<br />
no rádio e alcançando sucesso:<br />
o povo o espera para aplaudi-lo;<br />
quatro ou cinco pessoas disputam<br />
quem vai conduzi-lo de automóvel<br />
para casa; um outro grupo de indivíduos<br />
se oferece para levá-lo a uma<br />
confeitaria para comer coisas saborosas;<br />
todos querem falar com ele,<br />
julgando-o genial. Caso ele passe a<br />
fazer parte de algum movimento religioso<br />
e tenha de renunciar à carreira<br />
que almejava, certamente não vai<br />
obter o sucesso esperado anteriormente.<br />
Ele fará parte da gloriosa falange<br />
dos esquecidos. Neste caso ele,<br />
então, deve dizer: “Eu quero ser empurrado<br />
de lado, com Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. Aceito qualquer coisa,<br />
contanto que eu siga o Redentor.”<br />
Combati o bom combate<br />
Como isso é difícil! Em nossa vida,<br />
desde a infância até a ancianidade,<br />
quantas e quantas vezes circunstâncias<br />
análogas se apresentam, tendo<br />
como causa apenas o fato de sermos<br />
católicos, apostólicos, romanos,<br />
leais e fiéis, difundirmos aquilo que<br />
temos a vocação de difundir.<br />
Assim, quando morrermos, poderemos<br />
dizer como São Paulo: “Combati<br />
o bom combate, terminei a minha<br />
carreira, guardei a fé. Resta-me<br />
agora receber a coroa da justiça, que<br />
o Senhor, justo Juiz, me dará naquele<br />
dia.” 2<br />
Segundo uma lindíssima tradição,<br />
ou lenda, com o grande Apóstolo<br />
— que, a bem dizer, converteu<br />
toda a bacia do Mediterrâneo,<br />
da qual depois<br />
se irradiou para o mundo<br />
a Igreja Católica e a Civilização<br />
Cristã — aconteceu<br />
o seguinte: levaram-no para<br />
junto a um tronco de árvore<br />
para ser decapitado<br />
com um gládio; ele se ajoelhou,<br />
a espada bateu com<br />
todo o vigor e sua cabeça<br />
rolou longe, pulando três<br />
vezes no solo, e dali nasceram<br />
três fontes. Tais fontes<br />
mostram a santidade de<br />
São Paulo e a divindade da<br />
Igreja. Até depois de morto,<br />
sua cabeça abriu fontes<br />
de água viva. Para trilharmos<br />
o caminho da santidade<br />
é preciso ter muita resolução<br />
de sofrer.<br />
Às vezes, a Providência<br />
dispõe que infortúnios de<br />
outra natureza caiam sobre<br />
nós: uma doença, uma calúnia,<br />
etc.<br />
18
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo disse que não cai<br />
um pássaro de uma árvore,<br />
nem um fio de cabelo<br />
de nossa cabeça sem que<br />
Ele saiba e queira. Se eu<br />
fui atingido assim, Jesus<br />
quis; se Ele quis, eu quero,<br />
assumo esse sofrimento<br />
até o fim.<br />
A quem Deus<br />
ama, permite<br />
o sofrimento<br />
Arquivo revista<br />
Isto supõe uma lógica,<br />
uma coerência a toda<br />
prova. Não basta entender<br />
ser necessário o sofrimento;<br />
devo efetivamente sofrer<br />
o que está no meu caminho.<br />
E sem ter surpresa,<br />
porque preciso estar<br />
preparado. Não devo ter<br />
a ideia: “Quem sabe se eu<br />
escapo com um jeitinho,<br />
e Deus não me peça o sofrimento!”<br />
Porque se Ele<br />
não me enviar a dor, é sinal<br />
de que não me ama.<br />
É claro, pois a cruz é<br />
uma honra, um sinal de predileção,<br />
que Nosso Senhor dá para os seus<br />
prediletos. As almas a quem Ele não<br />
faz sofrer são aquelas que preferem<br />
seguir as vias cujo termo final é o inferno.<br />
Deus, na sua justiça infinita, dispõe<br />
que o pecador seja mais feliz<br />
na Terra do que quem vive virtuosamente.<br />
Isso parece um absurdo: o<br />
Criador não deve amar mais aqueles<br />
que são virtuosos? Amando mais os<br />
virtuosos, não é natural que Ele lhes<br />
dê mais felicidade?<br />
Não, por uma razão muito simples:<br />
os sofrimentos da alma após a<br />
morte são muito maiores do que os<br />
havidos durante a vida. Enquanto se<br />
está vivo, pode-se sofrer muito, mas<br />
isso não é comparável às chamas do<br />
purgatório! E uma alma pode ficar<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fins da década de 70.<br />
um tempo indefinido dentro do purgatório,<br />
queimando! E a queimadura<br />
da alma dói muito mais do que a do<br />
corpo! Não nos deixemos levar pelo<br />
seguinte sofisma: “O purgatório, em<br />
última análise, queima a alma, mas<br />
não o corpo, o que seria pior.” A alma<br />
nos é muito mais interna do que<br />
o corpo. De maneira que meu eu é<br />
muito mais atingido por um fogo que<br />
queima a alma do que por chamas<br />
que queimam o corpo.<br />
É algo misterioso que a alma, sendo<br />
espírito, entretanto pode ser atingida<br />
pelo fogo e por isso sofrer terrivelmente.<br />
E para poupar os bons das<br />
chamas do purgatório — já não falo<br />
do terrível fogo do inferno —, a<br />
Providência manda-lhes sofrimentos<br />
muito grandes nesta Terra para<br />
punir os males que praticam: pecados<br />
veniais, às vezes mortais<br />
já perdoados. Quando<br />
morrem, Deus lhes abre<br />
os braços e eles vão para o<br />
Céu diretamente.<br />
Deve causar-nos alívio<br />
a ideia de que nossos sofrimentos<br />
obtêm a expiação<br />
dos nossos defeitos<br />
e, ao mesmo tempo, nos<br />
abre diretamente a glória<br />
do Céu. Algumas almas<br />
morrem já na alegria<br />
do Paraíso, sorriem, têm<br />
visões sobre a felicidade<br />
eterna. É que tudo já foi<br />
sofrido, a dívida está paga,<br />
e elas entram no banquete<br />
eterno do Céu.<br />
Também os<br />
inocentes são<br />
chamados ao<br />
sofrimento<br />
Há pessoas especialmente<br />
amadas por Deus a<br />
quem Ele pede uma coisa<br />
especial. O Homem-Deus,<br />
sendo a própria inocência,<br />
sofreu para expiar os pecados do<br />
mundo. E a Ele se reza: “Agnus Dei,<br />
qui tollis peccata mundi, miserere nobis<br />
— Cordeiro de Deus, que tirais o<br />
pecado do mundo, tende piedade de<br />
nós”. Deus, para salvar certas almas<br />
que estão se perdendo, a fim de obter<br />
certas vitórias para a sua Igreja,<br />
quer não apenas o sofrimento do pecador.<br />
O Redentor bate à porta de certas<br />
almas, dizendo: “Meu filho, tua alma<br />
é inocente; Eu a preservei até agora<br />
do pecado, e tu correspondestes à<br />
minha graça. Como Eu te amo, meu<br />
filho, quero de ti esta pedra preciosa<br />
que é o sofrimento do inocente; quero<br />
de presente um grande rubi, teu<br />
sangue não do corpo, mas da alma.<br />
Aceitas isso, ó meu filho inocente?”<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
S. Hollmann<br />
Santa<br />
Teresinha do<br />
Menino Jesus -<br />
Convento<br />
Carmelita de<br />
Barcelona<br />
(Espanha).<br />
Às vezes é para ganhar uma só alma,<br />
mas a partir desta Deus quer salvar<br />
muitas outras. E a alma inocente,<br />
que não é mole — inocente e mole<br />
são coisas contraditórias; o mole<br />
não é inocente, e o inocente não é<br />
mole —, a alma rija aceita e diz: “Senhor,<br />
quero sofrer por Vós. Não tenho<br />
palavras para Vos agradecer a<br />
inocência com que me preservastes.<br />
Além de sofrer como inocente, peço-Vos<br />
padecer tudo quanto queirais,<br />
de maneira que, quando cerrar<br />
meus olhos, eu possa dizer: Sofri tudo<br />
quanto Deus queria de mim, o cálice<br />
das dores eu o bebi até o fim,<br />
não hesitei, e o fiz em goles grandes<br />
e generosos. Cumpri vossa<br />
vontade. No Céu Vós me direis<br />
qual é o bem que quisestes fazer<br />
por meu intermédio.”<br />
Os sofrimentos de<br />
Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus<br />
Lembro-me de fatos<br />
da vida de santos que são<br />
verdadeiramente desconcertantes<br />
nesse sentido.<br />
Um exemplo: Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus.<br />
Desde muito cedo<br />
a alma dela, inocentíssima,<br />
foi convidada pela<br />
graça para sofrer pelo<br />
amor de Deus. Ela<br />
entrou para o Carmelo<br />
de sua cidade, Lisieux,<br />
e tinha um desejo<br />
ardente de morrer<br />
o quanto antes pelo<br />
Redentor.<br />
De fato, ela teve<br />
que sofrer bastante<br />
no Carmelo...<br />
Num convento<br />
carmelita, lugar onde<br />
as freiras são inteiramente<br />
dependentes<br />
de sua superiora,<br />
Santa Teresinha<br />
teve uma que, em vez de dar o<br />
exemplo de todas as virtudes, deixava<br />
muito a desejar... Para se ter ideia<br />
das coisas que fazia a superiora, cito<br />
apenas um exemplo: ela possuía<br />
um gato, e a freira que quisesse obter<br />
uma licença, um ato de misericórdia<br />
da superiora, deveria tratar<br />
bem o gato dela.<br />
Além disso, a superiora era muito<br />
mundana e vivia recebendo visitas da<br />
pequena sociedade de Lisieux. Estas<br />
pessoas vinham contar-lhe coisas como<br />
as seguintes: Fulana brigou com<br />
a amiga; uma outra ficou noiva; uma<br />
terceira rompeu o noivado... E a superiora<br />
se intrometia para resolver<br />
esses casos. À noite, ela reunia as freiras<br />
para narrar-lhes tais acontecidos.<br />
Nesse ambiente, as freiras não<br />
compreenderam a santidade de Santa<br />
Teresinha, nem o esplendor de sua<br />
pessoa.<br />
Ela era de uma bondade celestial<br />
para com todos, sobretudo para as<br />
noviças, das quais foi nomeada mestra.<br />
Durante todo o tempo de sua vida<br />
no convento, fecharam os olhos<br />
para a sua virtude, exceto uma noviça<br />
que certa vez ajoelhou-se diante<br />
dela e disse: “Irmã Teresa do Menino<br />
Jesus, eu vos peço: rezai por mim,<br />
porque um dia vós sereis uma grande<br />
santa e todo o mundo dirá: Santa<br />
Teresa do Menino Jesus, rogai<br />
por nós. E eu me antecipo e digo: Ó<br />
grande Santa Teresa do Menino de<br />
Jesus, rogai por mim.”<br />
Certa noite, Santa Teresinha expeliu<br />
sangue pela boca; era o sinal da<br />
tuberculose, doença naquele tempo<br />
considerada gravíssima, com muito<br />
menos possibilidade de cura do que<br />
hoje.<br />
Chegou o dia de sua morte. Há<br />
muito tempo, Santa Teresinha não<br />
podia mais se mover, e uma pessoa<br />
que estava em seu quarto viu-a, em<br />
certo momento, erguer seu tronco e,<br />
com ar transfigurado de alegria, ela<br />
disse “Ó meu Deus!” Era uma última<br />
consolação de Deus, que lhe
poupava o último instante de dor.<br />
Em seguida, caiu morta e um perfume<br />
de violeta espalhou-se por todo o<br />
convento.<br />
Ela praticara a humildade na perfeição,<br />
e a violeta é o símbolo dessa<br />
virtude. Até mesmo a superiora, que<br />
não gostava de Santa Teresinha, foi<br />
beijar os pés do cadáver; a alma dela<br />
já estava no Céu.<br />
Isto é sofrer até o fim. E cada um<br />
de nós, em relação aos sofrimentos<br />
que nos estão destinados, deve, por<br />
meio de Maria Santíssima, pedir a<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo a graça<br />
que o Divino Salvador implorou no<br />
Horto das Oliveiras: “Meu Deus, se<br />
for possível, sejam diminuídos esses<br />
sofrimentos, mas faça-se a vossa<br />
vontade e não a minha.”<br />
Roguemos a Nossa Senhora a graça<br />
de padecermos tudo quanto for<br />
inevitável, e de sofrermos até o fim,<br />
com coragem e decisão. Se assim caminharmos<br />
com passo decidido e<br />
forte, entraremos no Céu onde os<br />
anjos e os santos nos receberão.<br />
Nossa fidelidade<br />
pode estar sendo<br />
sustentada por uma<br />
vítima expiatória<br />
Em certo momento de minha infância,<br />
já entrando na adolescência, o<br />
peso da fidelidade me foi tão grande<br />
que muitas vezes cambaleei, não no<br />
sentido de que hesitasse em sair do<br />
bom caminho, mas eu percebia que<br />
as minhas forças não eram suficientes.<br />
Porém, na hora “H” essas energias<br />
se espichavam e eu conseguia<br />
mais um pouquinho e ia para frente,<br />
e assim cheguei até os 81 anos.<br />
É possível que esta fidelidade tenha<br />
sido conseguida por alguma alma<br />
que tenha resolvido sofrer muito<br />
por mim. Lembro-me de que,<br />
com frequência, eu via nas igrejas<br />
uma mulher baixinha, com um cabelo<br />
preto liso e não muito abundante,<br />
bem penteado, com uma risca ao<br />
meio. Era pobre, mas muito limpa,<br />
com uns trajes comuns de mulher do<br />
povo. Porém ela não tinha nariz, e<br />
usava um pano que dava toda a volta<br />
na cabeça para tapar a hediondez do<br />
buraco no meio da face.<br />
Ela andava depressa, em geral<br />
carregando diversos pacotes e um<br />
guarda-chuva. Via-se que ela tomava<br />
muito cuidado com a chuva — no<br />
clima de São Paulo é compreensível.<br />
Estava sempre com a fisionomia alegre<br />
e atraía os olhos de todo o mundo<br />
que passava, porque para uma<br />
mulher sem nariz olha-se ainda que<br />
não se queira.<br />
Eu muitas vezes pensava: “Quem<br />
sabe se essa mulher — e eu notava<br />
que ela passava perto de mim e me<br />
fixava — está oferecendo por mim<br />
essa humilhação de não ter nariz, e<br />
todos os incômodos daí decorrentes.<br />
Certamente no Céu eu lhe agradecerei<br />
muita coisa, pois — caso ele tenha<br />
de fato feito tal oferecimento —<br />
eu seria um pernibambo se não fosse<br />
ela.”<br />
Ela me olhava, mas poderia adivinhar<br />
que daquele moço nasceria<br />
nosso Movimento? E se essa pobre<br />
mulher ofereceu seu sacrifício nesse<br />
sentido — ela era bem mais velha do<br />
que eu, e deve ter morrido —, podemos<br />
imaginar a glória dela no Céu,<br />
ouvindo-me falar isto?<br />
Aquele que se dedica à salvação<br />
do próximo, sofrendo como deve, em<br />
certo momento receberá uma glória<br />
indizível, porque quem salva seu irmão,<br />
salva sua própria alma e brilhará<br />
no Céu como um sol por toda a<br />
eternidade. Por uma alma! O que dizer<br />
de nosso Movimento que ajuda a<br />
salvar tantas almas em tantos lugares<br />
e frear a Revolução, para que venha<br />
ao mundo o Reino de Maria!<br />
A glória do sofrimento<br />
É claro que na vida de um católico<br />
nem tudo é sofrimento; existem momentos<br />
de alegria. Porém precisamos<br />
nos habituar à ideia de que em<br />
certas etapas da existência há sofrimentos,<br />
sofrimentos e mais sofrimentos.<br />
Saibamos carregá-los, pois a<br />
glória de alguém não consiste em ser<br />
grande homem, mas grande sofredor.<br />
Sendo grande sofredor, será<br />
grande batalhador. E se for grande<br />
batalhador vencerá para conquistar<br />
o Céu. É isso que cada um de nós deve<br />
fazer.<br />
v<br />
1) Mc 6,18.<br />
2) II Tm 4,7-8.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 7/4/1989)<br />
Arquivo revista<br />
21
“Revolução e Contra-Revolução”<br />
A Contra-Revolução<br />
tendencial<br />
“Revolução e Contra-Revolução” foi um dos temas centrais das<br />
explicitações de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao longo de sua vida.<br />
Por isso, entre suas conferências encontram-se, com frequência,<br />
aprofundamentos à sua obra-mestra. Com o presente artigo,<br />
damos início a uma série destas explicitações.<br />
Q<br />
uando se analisa os mil artifícios<br />
empregados pela Revolução<br />
no campo das tendências<br />
para penetrar na mente do<br />
homem — de certo modo sem que<br />
este o perceba —, tem-se a impressão<br />
de que ela é quase irresistível.<br />
As pessoas que conhecem esses<br />
métodos têm tantos modos de<br />
agir e de influenciar, que quase não<br />
se compreende como um povo entregue<br />
às cogitações quotidianas, às<br />
preocupações comuns, pode se dar<br />
conta de que está sendo objeto de<br />
um tratamento revolucionário.<br />
Até uma combinação<br />
de cores pode ser de<br />
acordo com a Revolução<br />
Suponhamos uma dona de casa que<br />
deseja adquirir uma sacola onde possa<br />
colocar os objetos comprados por ela<br />
numa feira.<br />
Ela compra a cesta mais resistente<br />
e durável, que lhe parece mais fácil<br />
de carregar, mas quase não presta<br />
atenção porque aquele objeto não<br />
tem uma intenção ornamental especial.<br />
Porém, não se dá conta de que a<br />
combinação das cores daquela cesta<br />
é revolucionária e que ela, portanto,<br />
indo e voltando para o mercado ou<br />
para a feira, está levando e trazendo<br />
Revolução.<br />
Mais ainda, se ela, em sua casa,<br />
pendura aquela sacola num lugar<br />
qualquer da copa ou da cozinha,<br />
aquela combinação de cores pode<br />
estar influenciando tendencialmente,<br />
de um modo revolucionário, toda<br />
a sua família.<br />
Que defesa pode ter uma pobre<br />
dona de casa contra uma coisa dessas?<br />
Tem-se a impressão de que a Revolução<br />
tendencial não pode ser<br />
evitada pelo homem; é uma arma irresistível.<br />
E se tem a ilusão de que o<br />
mesmo acontece com a Contra-Revolução<br />
tendencial. Quer dizer, se<br />
uma pessoa normalmente leva uma<br />
cesta com bonita combinação de cores,<br />
e depois a prende numa parede<br />
de sua casa, está fazendo Contra-Revolução.<br />
Não é simplesmente uma cesta,<br />
mas são mil coisas: o cabo da escova<br />
de dente, a forma do sapato, tudo<br />
está fazendo Revolução a toda hora<br />
e, de vez em quando, Contra-Revolução.<br />
Quem pode resistir a isso?<br />
Mentalidades<br />
revolucionárias e contrarevolucionárias<br />
Então, devemos analisar como<br />
deve ser o homem para não se tornar<br />
um joguete da Revolução e nem<br />
sequer da Contra-Revolução. Ele fica<br />
um verdadeiro contra-revolucionário<br />
pela Fé, pelo exercício de suas<br />
faculdades intelectivas e de sua<br />
G. Kralj<br />
22
vontade. O resto ajuda, condiciona,<br />
tem sua importância, mas não pode<br />
ser decisivo. Como a matéria é muito<br />
complexa, muitas vezes não se fala<br />
desse ponto fundamental, que não<br />
podemos perder de vista.<br />
O autêntico contra-revolucionário,<br />
quando percebe que uma coisa é<br />
revolucionária, a recusa; quando nota<br />
que algo é contra-revolucionário,<br />
aceita-o.<br />
Ele vê, julga, quer ou não quer.<br />
Aqui está a parte nobre da operação<br />
da alma humana. Para isso, como deve<br />
ser a sua mentalidade?<br />
Depois da impressão, é<br />
necessária a reflexão<br />
Dou-lhes um exemplo tirado de<br />
uma leitura que fiz.<br />
Caiu-me nas mãos uma frase lindíssima<br />
de Santo Agostinho, extraída<br />
do livro “A divindade da Igreja<br />
Católica”, de Monsenhor Miguel<br />
Martins 1 .<br />
Eis a frase de Santo Agostinho:<br />
“Deus é infinitamente poderoso,<br />
mas não nos pode dar mais; é infinitamente<br />
sábio, mas não sabe nos dar<br />
mais; é infinitamente rico, mas nada<br />
mais tem para nos dar; porque na sagrada<br />
comunhão Ele se tem dado todo<br />
a nós.”<br />
Há nesse texto aquele voo de Santo<br />
Agostinho, que é só dele. Tem-se<br />
a impressão de que é uma ave levantando<br />
voo e indo direto para alturas<br />
inexcogitáveis!<br />
Mas é um voo do espírito, em<br />
comparação do qual o do avião não<br />
é nada.<br />
A ideia dele é a seguinte:<br />
Deus, infinitamente poderoso,<br />
pode nos dar algo mais do que a Sagrada<br />
Eucaristia? É Jesus<br />
Cristo realmente<br />
presente em<br />
Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade!<br />
Dando-Se a Si próprio,<br />
não tem mais o que dar.<br />
Então, quando, pela graça obtida<br />
através de Nossa Senhora, formos comungar,<br />
devemos tomar em consideração<br />
a beleza desse pensamento: vamos<br />
receber um dom tal que o próprio<br />
Deus não poderia dar outro melhor.<br />
Ele é infinitamente sábio, mas<br />
não sabe nos dar mais!<br />
Imaginemos a sabedoria de Deus<br />
criando o Céu e a Terra e todos os<br />
outros seres. Pois bem, Ele não sabe<br />
dar mais do que a Eucaristia!<br />
É infinitamente rico, mas não tem<br />
nada mais valioso para nos dar, porque<br />
na Sagrada Comunhão Ele se<br />
tem dado todo a nós!<br />
Tudo isso causa uma primeira impressão<br />
que vem acompanhada de<br />
uma graça.<br />
Mas é bom que se faça depois<br />
uma reflexão. O que está sendo dito<br />
é um pensamento profundamente<br />
sério, o qual deve ser guardado<br />
na alma.<br />
Esta operação que se faz a respeito<br />
desse pensamento — não é indispensável<br />
fazer isso com cada pensamento<br />
que se tem — é perfeita,<br />
quando a pessoa se impressiona, se<br />
convence e ama tanto aquilo que ouviu<br />
ou leu, que nunca mais deixa de<br />
ter isso em conta quando vai comungar.<br />
Sua memória conserva aquilo<br />
para a vida inteira.<br />
Quando me leram essa frase pela<br />
primeira vez, tive alegria. Agora,<br />
ao relembrá-la diante dos que estão<br />
neste auditório, minha alegria se renovou,<br />
ao ver a primeira alegria dos<br />
presentes diante desse pensamento.<br />
E foi uma alegria intensa, altissonante,<br />
que levanta voo!<br />
Choque das mentalidades<br />
Hoje é sexta-feira e muitas pessoas<br />
estão se preparando para toda<br />
espécie de diversões, enquanto que<br />
nesse auditório muitos jovens bradam<br />
de alegria, portanto de felicidade<br />
de alma, porque ouvem um pensamento<br />
desse gênero.<br />
Imaginemos um indivíduo que<br />
pretenda ir amanhã cedo para Guarujá<br />
e colocou sobre seu automóvel<br />
uma lancha, com comida e outras<br />
coisas para o passeio. O carro já está<br />
voltado para a rua, a fim de apressar<br />
a saída.<br />
Digamos que ele passe nesse momento<br />
aqui em frente e, ouvindo as<br />
exclamações, pergunte a alguém:<br />
— Por que razão esta alegria?<br />
E esse alguém lê para ele o texto<br />
de Santo Agostinho.<br />
O indivíduo pensa: “Como eles se<br />
entusiasmam com esse pensamento<br />
que eu não estou entendendo bem?<br />
Tenho aqui essa lancha e vou amanhã<br />
para Guarujá, isso que é uma coisa<br />
gostosa. Eles vão ter um dia de oração,<br />
de trabalho, de reunião... Coita-<br />
G. Kralj<br />
23
“Revolução e Contra-Revolução”<br />
S. Hollmann<br />
Santo Agostinho.<br />
dos! E essa reunião que estão tendo<br />
agora irá até a uma hora da manhã!”<br />
Esse homem poderia dizer: “Ou<br />
estou completamente errado ou errados<br />
estão eles, porque não me alegro<br />
com isso. Noto que eles passam<br />
diante da minha lancha e nem param<br />
para olhar! Nem sabem qual é<br />
sua marca, que está escrita do lado<br />
de fora numa plaquinha! Eles saem<br />
conversando entre si a respeito de<br />
coisas de Religião, de Sociologia, de<br />
História.<br />
“Alguns estão falando de Maria<br />
Antonieta. Penso que é uma moça<br />
que eles conhecem, mas não! Tratase<br />
daquela rainha da França, que teve<br />
a cabeça cortada pelos revolucionários!<br />
Realmente não entendo.”<br />
Julgo que com esse exemplo torno<br />
claro o contraste e o choque de<br />
mentalidades.<br />
O feitio do homem<br />
se molda conforme<br />
sua meta<br />
Esse homem tem a alma voltada<br />
para uma determinada meta e nós,<br />
pelo favor e pelas preces de Nossa<br />
Senhora, estamos orientados para<br />
outra meta. E conforme a meta<br />
se forma o feitio da pessoa. Em função<br />
disso — talvez meus ouvintes tenham<br />
pensado que eu perdi o rumo,<br />
e não esteja mais tratando da Revolução<br />
e da Contra-Revolução — vem<br />
a questão da resistência do homem<br />
à ação tendencial revolucionária ou<br />
contra-revolucionária.<br />
Há dois tipos de homem. Um deles<br />
é este sobre o qual falei — tipo que<br />
já era corrente nos longínquos tempos<br />
da minha infância. O modo de viver<br />
os fins de semana mudou muito, mas a<br />
mentalidade era a mesma.<br />
Naquela época, o fim de semana<br />
era só o domingo. A vida em São<br />
Paulo era muito menos tensa, não<br />
sendo preciso descansar sábado e<br />
domingo. O cansaço acumulado durante<br />
a semana era muito menor.<br />
A Sãopaulinho de outrora era ao<br />
mesmo tempo muito mais aristocrática<br />
e sossegada do que esta São<br />
Paulo industrial que vemos febricitar<br />
e transudar poluição em todos os lugares.<br />
Já na Sãopaulinho<br />
a meta normal do<br />
homem era o prazer<br />
Já naquele tempo, a meta normal<br />
do homem era o prazer. Ele seria inteiramente<br />
feliz se tivesse prazeres<br />
contínuos e na proporção de seus<br />
desejos.<br />
Há pessoas que gostam de grandes<br />
prazeres. Outras, de mentalidades<br />
ora mais apoucadas, ora mais finas,<br />
se contentam com prazerezinhos<br />
e apreciam sorver a vida com<br />
colherinhas de chá e não com enormes<br />
goles. Há, portanto, diferentes<br />
modos de viver em busca do prazer.<br />
Tinham muito pálida e remotamente<br />
a ideia de que o domingo é o<br />
dia do Senhor. Iam à Missa porque é<br />
uma exigência de Deus, e não havia<br />
como evitar. A mentalidade era essa.<br />
Trabalhavam nos dias de semana<br />
para ter os recursos a fim de gozar a<br />
vida no domingo. Mais ainda, procuravam<br />
levar durante a própria semana<br />
a vida mais gostosa possível.<br />
O que era a vida gostosa?<br />
Antes de tudo consistia em não ter<br />
preocupações nem aborrecimentos.<br />
Em segundo lugar, fazer o que<br />
quer: ir a Guarujá, à fazenda, ao Rio<br />
de Janeiro, ficar dormindo até meiodia,<br />
levantar-se às cinco horas da manhã<br />
para escalar o Jaraguá 2 , etc. Em<br />
suma, fazer o que é gostoso é a lei.<br />
E as coisas gostosas eram aquelas<br />
que direta e imediatamente dão<br />
gosto ao corpo. Para os espíritos um<br />
pouco mais elevados — não numerosos<br />
— o gosto do corpo se conjugava<br />
com certo prazer da alma. Então,<br />
alguns gostavam de música —<br />
mas que músicas! —, outros, de uma<br />
exposição artística, porque dão cer-<br />
24
Arquivo revista<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 30.<br />
to prazer de alma através dos sentidos.<br />
Quem se metia nessa vida, cujo<br />
diapasão é o gostoso, evidentemente<br />
não tinha alma para apreciar pensamentos<br />
elevados, como esse de Santo<br />
Agostinho; era cego, surdo e mudo<br />
para coisas dessa natureza.<br />
Os temas das<br />
conversas indicavam<br />
o feitio de espírito<br />
No meu tempo de moço — hoje<br />
não deve ser muito diferente, mas<br />
talvez muito pior — certos tipos de<br />
conversa indicavam superlativamente<br />
este feitio de espírito. Por exemplo,<br />
contar de modo exagerado e<br />
com fanfarronada as coisas que fez<br />
no domingo anterior: tomou uma<br />
lancha e quase houve um acidente,<br />
mas o indivíduo conseguiu evitá-lo<br />
de tal maneira; foi um herói. E narra<br />
o caso até o último pormenor, ou<br />
seja, até a última mentira que ele encontrou<br />
para chamar a atenção.<br />
Enquanto isso, um outro pensava:<br />
“Deixa este acabar de falar, para eu<br />
contar meu grande feito.” E se não<br />
tinha nada para jactanciar-se, ficava<br />
com vontade de mudar de assunto.<br />
Outro tema muito querido era as<br />
viagens de automóvel — as estradas<br />
de rodagem naquele tempo eram relativamente<br />
novas. As surpresas que<br />
houve em certo lugar; o freio que<br />
quase falhou; o indivíduo teve que ir<br />
a pé para comprar uma peça, mas foi<br />
muito feliz porque no caminho encontrou<br />
um conhecido que o levou<br />
de automóvel e o trouxe, e ainda lhe<br />
agradeceu, porque lhe disse que conversava<br />
muito bem. O que equivale a<br />
dizer: “Vocês não sabem apreciar a<br />
minha conversa, mas sou um colosso;<br />
saibam me apreciar melhor.”<br />
De vez em quando, conversas a<br />
respeito de negócios ou política.<br />
Voo da alma<br />
às coisas elevadas<br />
Em consequência, essas almas não<br />
tinham nenhuma capacidade de entender<br />
e amar os pensamentos elevados.<br />
Uma pessoa, ouvindo a leitura<br />
desse texto de Santo Agostinho, se<br />
entusiasma quando está voltada para<br />
outra ordem de valores. Ela compreende<br />
que as coisas materiais podem<br />
ser aprazíveis e devem, em certas circunstâncias,<br />
ornar ou tornar deleitável<br />
a vida do homem. Mas o principal<br />
não é o corpo; há uma forma de<br />
deleite, uma beleza, uma santidade,<br />
uma verdade nas coisas, que, quando<br />
a alma percebe, ela se rejubila, sobretudo<br />
quando são bem expressas.<br />
A alma, então, voa em direção a coisas<br />
mais elevadas.<br />
Para se ter ideia completa do que<br />
é um deleite desses, deve-se ler, nas<br />
“Confissões” de Santo Agostinho,<br />
a conversa dele com Santa Mônica,<br />
no porto de Óstia. Sua mãe havia rezado<br />
por ele durante muitos anos e,<br />
afinal, Santo Agostinho se convertera.<br />
Ia para Cartago, cidade então florescente<br />
do Norte da África, e estavam<br />
no porto de Óstia. Enquanto esperavam<br />
o navio, conversavam sobre<br />
o Céu junto à janela de uma hospedaria<br />
— colóquio de um santo com<br />
uma santa — e tiveram uma espécie<br />
de êxtase. Santo Agostinho conta essa<br />
conversa de um modo incomparável.<br />
Santa Mônica disse-lhe:<br />
— Meu filho, já obtive a tua conversão<br />
para que sigas no caminho<br />
da Fé. Teu pai morreu, e eu não tenho<br />
mais deveres nesta Terra; desejo<br />
apenas o Céu.<br />
Vê-se que, apesar de querer muito<br />
bem a Santa Mônica, ele não fez<br />
insistência para ela continuar na Terra.<br />
Santo Agostinho poderia dizerlhe:<br />
“Mamãe, não pense nisso, a senhora<br />
ainda está moça e tem muita<br />
saúde...” Ou então: “Ser-me-ia muito<br />
duro resignar-me a viver sem a senhora;<br />
procure ficar na Terra.”<br />
Mas não o fez porque entendera<br />
haver chegado o momento dela,<br />
e que as coisas devem se realizar<br />
nas horas de Deus e não dos homens.<br />
Daí a poucos dias, ela adoeceu<br />
e morreu, tendo sido sepultada<br />
na própria cidade de Óstia.<br />
Ele conta tudo isso de modo muito<br />
bonito e percebe-se o equilíbrio<br />
da alma católica. Narra seu próprio<br />
pranto e que levou seu corpo ao cemitério.<br />
E voltou tão triste que, para<br />
se consolar, tomou um banho! E<br />
com uma bondade de um coração<br />
episcopal, escreve ele: “Aconselho<br />
a todos que tiverem uma provação<br />
muito grande, que tomem um banho,<br />
porque ajuda a suportá-la.”<br />
Não é, portanto, uma alma estranha<br />
às realidades da Terra, que desdenha<br />
ou ignora qualquer forma de<br />
apoio ou de conforto para o irmão<br />
corpo. Mas depois voa muito acima<br />
disso.<br />
v<br />
Continua no próximo número...<br />
(Extraído de conferência<br />
de 9/11/1984)<br />
1) São Paulo: Editora da Escola Profissional<br />
Liceu Coração de Jesus, 1917.<br />
2) Jaraguá: pico situado nas cercanias de<br />
São Paulo.<br />
25
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
O Rosário, caminho<br />
para a<br />
S. Hollmann<br />
Unindo esplendidamente a oração mental e a vocal, o Santo Rosário<br />
tem sido a obra-prima da espiritualidade católica. Através dele<br />
alcançamos as mais especiais graças e auxílios sobrenaturais!<br />
T. Ring<br />
Para bem compreender o valor<br />
da devoção ao Santo<br />
Rosário, analisemo-lo com<br />
maior profundidade.<br />
Após ser entregue diretamente<br />
por Nossa Senhora a São Domingos<br />
de Gusmão, a devoção ao Rosário<br />
se estendeu rapidamente por toda<br />
Igreja, ultrapassando os limites<br />
da Ordem Dominicana e tornandose<br />
o distintivo de muitas outras ordens<br />
que passaram a portá-lo pendente<br />
à cintura.<br />
Tempo houve em que todo católico<br />
o trazia habitualmente consigo,<br />
não apenas como objeto de contar<br />
Ave-Marias, mas como instrumento<br />
que atraía as bênçãos de Deus. O<br />
Rosário era considerado uma corrente<br />
que liga o fiel a Nossa Senhora,<br />
uma arma que afugenta o demônio.<br />
Esplêndida conjunção<br />
da oração vocal<br />
com a mental<br />
O que vem a ser o Rosário?<br />
Em síntese, o Rosário é uma composição<br />
de meditações da vida de<br />
Nosso Senhor e de sua Mãe, somada<br />
a orações vocais. Tal conjunção — da<br />
oração vocal com a mental — é verdadeiramente<br />
esplêndida, pois, enquanto<br />
se profere com os lábios uma<br />
súplica, o espírito se concentra num<br />
ponto. Assim o homem faz na ordem<br />
sobrenatural tudo quanto pode. Porque<br />
através de suas intenções, se une<br />
àquilo que seus lábios pronunciam, e<br />
por sua mente se entrega àquilo que<br />
seu espírito medita.<br />
Por esta forma de oração o homem<br />
une-se intimamente a Deus,<br />
sobretudo porque esta ligação se dá<br />
através de Maria, Medianeira de todas<br />
as graças.<br />
Alguém poderia perguntar: “Qual<br />
o sentido de rezar vocalmente a Nossa<br />
Senhora enquanto se medita em<br />
outra coisa? Não podia ser algo mais<br />
simples? Não seria mais fácil medi-<br />
26
vitória!<br />
Tempo houve<br />
em que todo católico<br />
trazia o Rosário<br />
habitualmente<br />
consigo, não apenas<br />
como objeto de<br />
contar Ave-Marias,<br />
mas como<br />
instrumento que<br />
atraía as<br />
bênçãos de Deus<br />
Arquivo revista<br />
27
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
tar antes, e depois rezar dez Ave-<br />
Marias?”<br />
A resposta é muito simples. Cada<br />
mistério contém, nos seus pormenores,<br />
elevações sem fim, as quais nosso<br />
pobre espírito está procurando<br />
sondar... Ora, para fazê-lo com toda<br />
a perfeição, precisamos ser auxiliados<br />
pela graça de Deus, e tal graça<br />
nos é dada pelo auxílio de Nossa<br />
Senhora. Ou seja, pronuncia-se<br />
a Ave-Maria para pedir que a<br />
Virgem Santíssima nos obtenha<br />
as graças para bem meditar.<br />
Obra-prima da<br />
espiritualidade<br />
católica<br />
No Rosário encontramos<br />
pequenos, mas<br />
preciosos tesouros teológicos<br />
que o tornam<br />
uma obra-prima da espiritualidade<br />
e da Doutrina Católica. Esta devoção<br />
contém enorme força e substância;<br />
ela não é apenas feita de emo-<br />
Quisera eu,<br />
no momento em que<br />
todos os justos<br />
forem convocados<br />
à Ressurreição,<br />
meu primeiro ósculo<br />
seja ao Rosário<br />
que eu encontrar em<br />
minhas mãos.<br />
ções; pelo contrário, é séria, cheia de<br />
pensamento, com razões firmes. Ela<br />
constitui a vida espiritual do varão<br />
S. Hollmann<br />
Arquivo revista<br />
À esquerda, <strong>Plinio</strong> por ocasião de sua<br />
primeira comunhão. À direita, pintura<br />
representando a batalha de Lepanto.<br />
28
católico como um sólido e esplendoroso<br />
edifício de conclusões e certezas.<br />
Além disso, a meditação de cada<br />
mistério da vida de Nosso Senhor<br />
proporciona ao fiel receber graças<br />
próprias ao fato que está contemplando.<br />
Ao analisarmos as incontáveis<br />
graças que Maria Santíssima vem<br />
distribuindo por meio da recitação<br />
do Santo Rosário, vemos nele algo<br />
que o torna superior a outros atos de<br />
piedade mariana. Ora, qual é a razão<br />
disto?<br />
Antes de mais nada, vale salientar<br />
que Nossa Senhora, sendo excelsa<br />
Rainha, tem o direito de estabelecer<br />
suas preferências! E Ela quis elevar<br />
esta devoção além das outras, distribuindo<br />
graças especialíssimas através<br />
da recitação do Santo Rosário.<br />
Batalha de Lepanto<br />
Entre as diversas graças insignes<br />
alcançadas pela recitação do Rosário<br />
está a vitória obtida pela Cristandade<br />
na Batalha de Lepanto.<br />
São Pio V, então Pontífice, encontrava-se<br />
aflito diante da ameaça<br />
otomana que cercava a Europa cristã.<br />
Ordenou, então, que toda a Cristandade<br />
rezasse o Rosário a fim de<br />
suplicar a intervenção de Nossa Senhora.<br />
Antes da terrível batalha ocorrida<br />
no Golfo de Lepanto, a sete de outubro<br />
de 1571, entre as hostes cristãs<br />
e muçulmanas, os soldados católicos<br />
rezavam o Rosário com grande<br />
devoção.<br />
Segundo testemunharam os<br />
próprios adversários, a Santíssima<br />
Virgem apareceu-lhes durante<br />
a batalha, infundindo-lhes grande<br />
pavor.<br />
Para comemorar a grande vitória<br />
obtida neste dia, o Santo Padre instituiu<br />
a festa de Nossa Senhora do<br />
Rosário, a qual, no século XVIII,<br />
foi estendida a toda a Igreja Católica<br />
por determinação do Papa Clemente<br />
XI.<br />
Uma vez que por meio do Santo<br />
Rosário a Cristandade tem obtido<br />
tão grandes vitórias, não temos<br />
razão suficiente para esperar, por<br />
meio da recitação desta oração, a vitória<br />
em todas as lutas travadas ao<br />
longo de nossa existência?<br />
Resolução de rezar<br />
sempre o rosário<br />
Um fato ocorrido na vida de Santo<br />
Afonso Maria de Ligório mostra-nos<br />
que, sobretudo, numa grande<br />
luta o Rosário é penhor de vitória.<br />
O santo era conduzido em cadeira<br />
de rodas, por um irmão de hábito,<br />
através dos corredores do convento,<br />
quando perguntou se já haviam rezado<br />
todo o Rosário. O companheiro<br />
lhe respondeu:<br />
— Não me lembro.<br />
— Rezemos, então. Disse o santo.<br />
— Mas o senhor está cansado!<br />
Que mal há um só dia deixar de rezar<br />
o Rosário?<br />
— Temo por minha salvação eterna<br />
se o deixasse de rezar por um só<br />
dia.<br />
É justamente isso que devemos<br />
pensar e sentir: o Rosário é a grande<br />
garantia de nossa perseverança final.<br />
Devemos pedir à Santíssima Virgem<br />
a graça de rezar o Rosário todos<br />
os dias de nossa vida.<br />
Gostaria ainda de dar uma recomendação<br />
para os membros de nosso<br />
Movimento: nunca deixarem o<br />
Rosário, de modo que, mesmo dormindo,<br />
procurem ter o Rosário à<br />
mão, de maneira tal que o sintam<br />
consigo. E, se tiverem receio de que<br />
ele caia — devemos tratá-lo com toda<br />
a reverência —, pendurem-no ao<br />
pescoço, ou o coloquem no bolso.<br />
“Eu quisera ressuscitar<br />
com o Rosário em<br />
minhas mãos”<br />
Quando as nossas mãos não puderem<br />
mais abrir-se nem fechar-se,<br />
e forem movimentadas por outros<br />
que nos assistam, tenhamos, como<br />
última atitude de oração, o Rosário<br />
enleado em nossos dedos, de<br />
maneira que, quando chegar a Ressurreição<br />
dos mortos e de dentro do<br />
caixão nosso corpo retomar a vida,<br />
entre seus dedos vivificados esteja<br />
o Santo Rosário. Quisera eu que,<br />
no momento em que todos os justos<br />
forem convocados à Ressurreição,<br />
meu primeiro ósculo fosse no<br />
Rosário que eu encontrasse em minhas<br />
mãos.<br />
Eis um conselho para depois da<br />
Ressurreição — nunca ouvi dizer<br />
que se desse conselhos, ou se fizesse<br />
alguma combinação para essa hora,<br />
mas proponho uma combinação:<br />
Quando todos ressuscitarmos, entre<br />
os resplendores da Ressurreição,<br />
lembremo-nos: “Estava combinado!”,<br />
e então osculemos o Rosário!<br />
Assim este Movimento, que é de<br />
Nossa Senhora, ressuscitará tendo<br />
nas mãos seu Santo Rosário! v<br />
(Extraído de conferências de<br />
7/10/1964 e 10/3/1984)<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
No passado perene,<br />
o futuro...<br />
Tomando<br />
parte na Liga<br />
Hanseática,<br />
a cidade de<br />
Bremen exerceu<br />
um importante<br />
papel histórico.<br />
Porém, foi a<br />
beleza de sua<br />
arquitetura que<br />
a fez atravessar<br />
os séculos.<br />
N<br />
o decorrer de tantos séculos<br />
de História, a cultura<br />
europeia revelou que possuía<br />
de forma incomum o gosto pelo<br />
maravilhoso, no sentido mais profundo<br />
do termo: almejava ela, coisas<br />
de grande valor e categoria, capazes<br />
de produzir no espírito humano uma<br />
sensação de enlevo e entusiasmo tão<br />
intensa que pareciam transcender a<br />
capacidade humana de maravilhamento.<br />
E que, ademais, por sua nobreza<br />
e distinção, preparavam, em<br />
última análise, os espíritos para que<br />
tivessem apetência das coisas divinas.<br />
Esse anseio pelo belo era, portanto,<br />
um instrumento natural, utilizado<br />
para dirigir e dispôr as almas<br />
a fim de receberem o auxílio sobrenatural<br />
da graça de Deus, o qual reservara<br />
grandes dons para a vida futura,<br />
àqueles que Lhe foram fiéis na<br />
presente.<br />
Não obstante, é possível verificar<br />
entre os povos outra atitude de alma<br />
diversa desta, na qual o maravilho-<br />
30
M. <strong>Dr</strong>eher, Arquivo revista.<br />
so não ocupa praticamente lugar algum.<br />
Tal como alguém que, vivendo<br />
diante de magníficos panoramas marítimos,<br />
edificasse sua casa de costas<br />
para o mar, não apreciando tão evocativo<br />
ambiente.<br />
Como corretivo para tal defeito,<br />
nada há melhor do que exercitar a<br />
apetência pelo sublime. Ele pode ser<br />
31
A totalidade das<br />
construções da praça<br />
da cidade causa uma<br />
impressão encantadora<br />
de leveza, pelas formas<br />
pontiagudas e esguias<br />
que quase não tocam no<br />
solo, com um aspecto<br />
de conto de fadas.<br />
Catedral de Bremen.<br />
facilmente encontrado nas construções,<br />
nos templos e até mesmo nas<br />
praças...<br />
Um exemplo característico é a cidade<br />
de Bremen, Alemanha: uma<br />
gloriosa cidade medieval, à espera<br />
de quem vá contemplá-la.<br />
Importante papel<br />
histórico<br />
Bremen tomara parte na Liga<br />
Hanseática 1 , que era constituída<br />
principalmente por Hamburg,<br />
Lü-beck e Dantzig. Tais cidades<br />
adotaram uma forma de governo<br />
pela qual a população<br />
elegia os representantes<br />
para constituírem a câmara<br />
municipal. Porém,<br />
na realidade, o governo<br />
acabava por tocar a<br />
uma aristocracia cons-<br />
32
Banco Municipal, localizado na praça central da cidade.<br />
tituída por famílias que se dedicavam<br />
ao comercio e à indústria.<br />
Tal era a pujança da famosa Liga<br />
Hanseática, que esta chegou a possuir<br />
marinha própria, auxiliando até<br />
mesmo aos imperadores do Sacro<br />
Império Romano Alemão, e sendo<br />
durante certo tempo uma das maiores<br />
potências da Europa.<br />
Dentre as capitais desta Liga estava<br />
Bremen. Como essas cidades<br />
eram governadas pelas prefeituras,<br />
estas se tornavam os símbolos de autonomia<br />
da cidade, sendo ornamentadas<br />
com dignidade e beleza. Por<br />
esta razão, tanto na Alemanha como<br />
também nos Países Baixos, lugares<br />
em que o municipalismo muito<br />
se desenvolvera, encontram-se paços<br />
municipais que parecem ser verdadeiros<br />
palácios régios.<br />
Irregular simetria?<br />
Nesta pitoresca cidade há uma sede<br />
municipal chamada Rathaus, ou<br />
Casa do Conselho. Esta se encontra<br />
numa praça que tem ao fundo a Catedral<br />
da cidade. A Catedral forma<br />
um conjunto com o prédio e com as<br />
dependências e os edifícios análogos<br />
que se escoram graciosamente em<br />
suas paredes.<br />
De forma irregular, que convém,<br />
entretanto, à simetria com a disposição<br />
dos edifícios, a praça, provavelmente<br />
mais recente, foi idealizada<br />
de modo judicioso e muito adequado,<br />
com um toque de leveza, devido<br />
ao mosaico de pedras que encontrase<br />
no centro.<br />
Caso fosse possível fazer em alguma<br />
parte desta praça uma fonte<br />
de água elegante, leve e bonita,<br />
até mesmo com as técnicas modernas<br />
de iluminação com coloridos diversos<br />
— como no Bois de Boulogne,<br />
em que há no fundo das fontes, luzes<br />
de magníficas cores, causando a impressão<br />
de pedras preciosas líquidas;<br />
são topázios, ametistas, rubis que estão<br />
continuamente elevando-se e<br />
caindo —, se acrescentaria um toque<br />
ainda mais belo ao ambiente.<br />
Colocada em lugar um tanto assimétrico,<br />
está uma torre antiga, condizente<br />
com os demais monumentos,<br />
que era provavelmente uma<br />
fonte. O urbanismo moderno infelizmente<br />
não utiliza fontes de água,<br />
o que poderia atenuar, em parte, a<br />
irremediável feiura das metrópoles<br />
modernas. Todo o ambiente é antigo<br />
e medieval, ou ao menos traz as<br />
reminiscências desta época, o que se<br />
faz notar pelas figuras que adornam<br />
os edifícios, a Catedral e até mesmo<br />
as ruas.<br />
Um convite a<br />
elevar-se ou... a flutuar<br />
Em certos períodos da História, o<br />
telhado foi muito utilizado pela arquitetura<br />
europeia como elemento<br />
de decoração. Como na Catedral<br />
de Santo Estevão em Viena, e em<br />
outros prédios, utilizavam-se diversas<br />
cores de ardósia formando belos<br />
desenhos. O cobre era também<br />
empregado na decoração dos telhados,<br />
pois com o passar do tempo ele<br />
azinhavra, adquirindo um lindo tom<br />
verde-esmeralda, assemelhando-se<br />
a uma grande pedra preciosa. O tipo<br />
perfeito de telhado não deve pesar,<br />
e por outro lado dar a ideia de<br />
algo que eleva e convida para subir.<br />
Tanto a cor quanto a forma pontiaguda<br />
comunicam ao edifício alegria<br />
e leveza, pois há um contínuo convite<br />
para elevar-se.<br />
Como se tratava de edifícios públicos,<br />
havia reuniões e concentrações<br />
populares nas quais era preciso<br />
que o povo pudesse reunir-se no<br />
edifício, abrigado da chuva. Por essa<br />
razão a parte térrea dos prédios<br />
é composta de uma série de ogi-<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
vas que dão para uma galeria aberta,<br />
onde as pessoas podiam inclusive<br />
passear.<br />
A totalidade das construções dessa<br />
praça causa uma impressão encantadora<br />
de leveza, pelas formas<br />
pontiagudas e esguias que quase não<br />
tocam no solo, com um aspecto de<br />
conto de fadas. Para essa leveza concorre<br />
também a diferença de cores:<br />
verde-esmeralda, vermelho claro entremeado<br />
com o bege que se prolonga<br />
pelas pedras. Um jogo de cores<br />
tão delicado, tão leve, que se tem<br />
a impressão de que, colocados sobre<br />
uma jangada, esses edifícios passariam<br />
para as ondas a flutuar e não<br />
iriam para o fundo — aliás, seriam<br />
lindíssimos palácios flutuantes. O<br />
imponderável que deflui do prédio é<br />
de uma grande nave flutuando nesse<br />
mar de pedra que é a praça. Este é o<br />
Paço Municipal de Bremen.<br />
Enquanto esse prédio sorri, a Catedral,<br />
pelo contrário, transmite uma atmosfera<br />
de majestade e de força. Aspecto<br />
majestoso, forte e sério que relembra<br />
uma das facetas da Santa Igreja,<br />
que é sua divina severidade. Quando<br />
bem construída, toda igreja espelha<br />
um aspecto da Religião Católica.<br />
O efeito produzido pelas lindas e<br />
imensas torres da Catedral é como<br />
alguém que afirmasse: “Isso mesmo!<br />
Não só afirmo e finco o pé no chão,<br />
mas levanto a cabeça, e com toda a<br />
altura de minha estatura te olho, ó<br />
transeunte, para te dizer que a Igreja<br />
nunca muda, que a Igreja não passa,<br />
que Ela é eterna, e que tu tens que<br />
olhar com respeito para a severidade<br />
dos princípios que Ela emite.”<br />
O tempo passou inclemente, mas<br />
as pedras aguentaram altaneiras os<br />
percalços e as intempéries, produzindo<br />
a impressão de consistência<br />
pelo embate de mil tempestades pelas<br />
quais tiveram de passar, o que<br />
lhes dá um aspecto de seriedade e<br />
de sabedoria. Isso produz um choque<br />
ou uma discrepância harmônica<br />
com o restante dos edifícios que<br />
Para a leveza dos<br />
edifícios concorre a<br />
diferença de cores: verdeesmeralda,<br />
vermelho claro<br />
entremeado com bege.<br />
Um jogo de cores tão<br />
delicado, tão leve, que<br />
se tem a impressão de<br />
que, colocados sobre<br />
uma jangada, esses<br />
edifícios passariam<br />
pelas ondas a flutuar e<br />
não iriam ao fundo.<br />
Diversos aspectos da praça<br />
central de Bremen.<br />
34
compõem a praça. É o maravilhoso<br />
da severidade, do combativo, do altaneiro,<br />
ao lado do maravilhoso, do<br />
delicado, do gracioso, do harmonioso,<br />
do flutuante. São duas formas diversas<br />
do maravilhoso que, juntas,<br />
constituem pelo seu próprio contraste<br />
uma só única e harmoniosa maravilha.<br />
Essa é uma das mil maravilhas<br />
da maravilhosa Europa antiga...<br />
A alma medieval era profundamente<br />
embebida pelo sobrenatural,<br />
ao ponto de realizar, mesmo sem a<br />
intenção expressa, maravilhas como<br />
esta. Era uma sabedoria esparsa por<br />
toda a Idade Média, e um patrimônio<br />
comum da Cristandade, que levava<br />
as pessoas a agirem bem e fazerem<br />
as coisas retamente, muitas vezes até<br />
sem saber bem o porquê; era o dom<br />
de sabedoria entranhado nas almas.<br />
Nesse estado de alma, era-lhes possível<br />
encontrar todos os tesouros da<br />
sabedoria. Pois os sentimentos mais<br />
profundos do homem apresentam-se<br />
muitas vezes da seguinte forma: para<br />
uma mãe que sabe tratar de seus filhos,<br />
não é necessário estudar Pedagogia<br />
para ser uma excelente mãe.<br />
Do fundo de seu amor materno, instintivamente,<br />
ela retira os recursos<br />
para ser uma boa mãe. É melhor do<br />
que se ela tivesse estudado.<br />
A arte perfeita<br />
na era da perfeição!<br />
As técnicas atuais descreveriam<br />
esse edifício de modo inteiramente<br />
oposto ao que foi aqui realizado. Entretanto,<br />
a técnica pura não move e,<br />
pelo contrário, tende a matar o espírito.<br />
Talvez dissessem: Rathaus da cidade<br />
de Bremen, século tal; material<br />
empregado: pedras especiais que se<br />
encontram em tal montanha, de onde<br />
lhe vem, por uma reação química,<br />
a consistência e a durabilidade<br />
de seu vermelho. Foram trabalhadas<br />
em estilo românico e renascentista,<br />
sob as ordens de tal mestre no<br />
século tal. Existem arcadas que medem<br />
tanto por tanto. Neste edifício<br />
passaram-se os seguintes fatos históricos:<br />
foi aí proclamada a famosa insurreição<br />
de Bremen contra seu governador;<br />
também aí soou pela primeira<br />
vez o alarme pela penetração<br />
das tropas napoleônicas em Bremen,<br />
em tal ocasião; duramente bombardeada<br />
durante a Primeira Guerra<br />
Mundial, serviu de Quartel-General<br />
aos aliados.<br />
A explicação apresentada desta<br />
forma causa-nos a sensação da descrição<br />
de um cadáver reduzido ao esqueleto,<br />
onde não restou nada mais que<br />
a ossatura. Um jovem que fosse a um<br />
museu e lá ouvisse uma explicação como<br />
esta, dificilmente sairia entretido.<br />
De outra forma, quando são realçados<br />
os aspectos sublimes e elevados<br />
desse ambiente, dos costumes<br />
aí vividos e da civilização que<br />
edificou este local, tudo parece tomar<br />
novo vigor, produzindo a sensação<br />
de perenidade. Pois se é verdade<br />
que Deus existe, não seria<br />
possível que uma coisa como esta<br />
estivesse definitivamente mor-<br />
ta. Ele não pode permitir que algo<br />
assim desapareça, e que nunca<br />
mais algo de análogo venha a brilhar<br />
como um valor que oriente os<br />
homens. Se isso acontecesse, certamente<br />
o mundo acabaria, porque<br />
a glória de Deus não poderia permitir<br />
que haja novos séculos e novas<br />
civilizações construídas sobre o<br />
conspurcado.<br />
A certeza de que virá algo imensamente<br />
superior e mais belo do que<br />
foi realizado no passado, enche-nos<br />
a alma, robustecendo nossa esperança<br />
na vinda de uma era onde Nossa<br />
Senhora reinará plenamente: o Reino<br />
de Maria. E nisso consiste a perspectiva<br />
última do maravilhoso: ver<br />
no passado o perene; no perene, o<br />
futuro.<br />
Compete, portanto, aos filhos da<br />
luz, explicitar tudo aquilo que o medieval<br />
possuía implicitamente, pois<br />
esse é o requinte da perfeição. Explicitar<br />
para viver, mas também para<br />
dar maior coesão e consistência<br />
ao Reino de Maria, criando uma escola<br />
de pensamento que comunique<br />
uma intenção consciente e harmônica,<br />
porém não-racionalista, vinda do<br />
sentimento em sua boa espontaneidade,<br />
para a elaboração de um estilo<br />
artístico inédito.<br />
Será a arte medieval? Será outro<br />
estilo de arte? Os românicos não podiam<br />
imaginar o gótico, e inesperadamente<br />
o gótico apareceu. Não se<br />
pode saber, mas não sendo o gótico,<br />
será algo mais gótico do que o próprio<br />
gótico. Pois o caminho foi encontrado,<br />
e desse caminho não se<br />
sairá mais.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 14/8/1967)<br />
1) Aliança de cidades mercantis que<br />
manteve o poder de comércio sobre<br />
quase todo o Norte da Europa e o<br />
Mar Báltico.<br />
35
Mãe de<br />
Misericórdia -<br />
Roma (Itália).<br />
Ponde em mim os olhos de Vossa piedade<br />
Minha Mãe, eu sei bem, ou ao menos julgo saber bem, quais são os meus defeitos. Receio,<br />
porém, ter uma noção hipertrofiada de minhas qualidades. Vós bem sabeis como<br />
é uma coisa e como é outra.<br />
Não me interessa saber até que ponto minhas qualidades podem me obter o que eu preciso;<br />
nem me interessa saber até que ponto meus defeitos atraem sobre mim punições que eu poderia<br />
não sofrer se eu não os tivesse. Porque Vós vedes tudo isso e Vós rezais por mim com empenho<br />
de Mãe de Misericórdia. E onde entram os vossos méritos e a vossa súplica, o contributo<br />
de minha súplica é uma gota de água.<br />
Entretanto, Vós quereis a oração de vossos filhos. Olhai, pois, para as minhas necessidades,<br />
elas são um bramido que se levanta a Vós, pedindo-Vos aquilo que eu preciso.<br />
Tende pena de mim, ponde em mim os olhos de vossa piedade, e atendei-me.<br />
(Extraído de conferência de 22/11/1988)<br />
R. C. Branco