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Revista Dr Plinio 146

Maio de 2010

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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />

Por fim, o meu<br />

Imaculado Coração<br />

triunfará!


São Francisco<br />

Di Girolamo<br />

regador incansável pela conversão<br />

Pdos pecadores, São Francisco Di Girolamo<br />

soube conservar-se inteiramente<br />

humilde e abnegado, apesar do estrondoso<br />

sucesso que obtivera em seu apostolado.<br />

Homem a quem a própria Virgem Santíssima<br />

recomendara aos pecadores, São<br />

Francisco arrastava as almas ao caminho<br />

do bem, por sua despretensão e humildade.<br />

Em legado ao bem que realizou, a<br />

Providência concedeu-lhe uma das mais<br />

belas mortes. Rendeu ele seu espírito<br />

cantando o Magnificat, cântico com que<br />

a própria Mãe de Deus louvou o Padre<br />

Eterno pelos dons que recebera.<br />

S. Hollmann<br />

Uma vida cheia de glória que proclamava<br />

humilde e alegremente sua plenitude, no<br />

momento derradeiro de seu ocaso.<br />

(Extraído de conferência<br />

2<br />

São Francisco Di<br />

Girolamo - Paris, França.<br />

de 10/5/1968)


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />

Ano XIII - Nº <strong>146</strong> Maio de 2010<br />

Por fim, o meu<br />

Imaculado Coração<br />

triunfará!<br />

Na capa, em<br />

destaque, Nossa<br />

Senhora de Fátima;<br />

ao fundo, cúpula<br />

da Basílica de São<br />

Pedro, Roma.<br />

Fotos: T. Ring, G. Kralj.<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

Editorial<br />

4 Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 13 de maio de 1973<br />

Celebrando uma visita...<br />

Dona Lucilia<br />

6 Preparando<br />

o filho para vida<br />

O Santo do mês<br />

10 10 de maio<br />

Santo Antonino de Florença<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

16 Meu filho, aprenda a sofrer!<br />

“Revolução e Contra-Revolução”<br />

22 A Contra-Revolução tendencial<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

26 O Rosário, caminho para a vitória!<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 430,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 No passado perene, o futuro...<br />

Última página<br />

36 Ponde em mim os olhos de Vossa piedade<br />

3


Editorial<br />

Por fim, o meu Imaculado<br />

Coração triunfará!<br />

Para o século XX, conturbado por vertiginosos acontecimentos — guerras mundiais, ascensão<br />

de novas formas de governo, descobertas científicas e tecnológicas —, a seu modo, as aparições<br />

de Fátima soaram como um carrilhão de sinos cujos ecos se prolongam até hoje, proclamando<br />

a aurora de uma nova era histórica: o triunfo do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.<br />

Fátima de tal modo marcou a espiritualidade católica, que grande foi o cortejo dos Papas que<br />

acorreram aos pés da Santíssima Virgem, a fim de rogar o poderoso auxílio da Mãe de Deus.<br />

Neste mês de maio, também o Papa Bento XVI se unirá ao número dos Pontífices que, perante as<br />

agruras e dificuldades, recorreram sabiamente Àquela que é a Mater Ecclesiae.<br />

No momento em que o Santo Padre eleva suas preces à Virgem de Fátima, não é descabido evocar<br />

as palavras de um homem que foi, sem dúvida, um arauto da máxima marial: “Por fim, o meu Imaculado<br />

Coração triunfará.” Animado pela certeza da completa vitória da Igreja e confiante no auxílio<br />

de Maria, ao dirigir a palavra a participantes de um simpósio sobre as aparições de Nossa Senhora<br />

em Fátima, assim manifestou-se <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />

“Os senhores não podem imaginar qual foi minha surpresa, quando, por volta dos trinta anos de<br />

idade, eu li um livro a respeito das aparições de Fátima. Até então, eu não havia ouvido falar delas<br />

senão vagamente, sem entretanto aprofundá-las, pois não me constava que algum Papa as tivesse<br />

aprovado. Eu então pensava: ‘Esperemos uma aprovação da Igreja.’<br />

“Entretanto, um belo dia, puseram-me nas mãos um livrinho de Fátima e eu o li. Percebi, então,<br />

que eram verdadeiras as aparições, e inegáveis os milagres que a cercaram, como por exemplo, o sol<br />

movendo-se numa pirotecnia fabulosa pelos céus.<br />

“A mensagem de Nossa Senhora ao mundo continha palavras esperadas por mim no fundo de minha<br />

alma: Se o mundo continuar entregue ao pecado, será castigado; porém, depois virá o Reino de<br />

Maria!<br />

“Enorme foi a minha alegria ao saber que, durante estes dias de estudo, vós tomastes conhecimento<br />

da mensagem de Fátima. Levai essa promessa no fundo de vossas almas.<br />

“Vós encontrareis, em muitas ocasiões de vossas jovens vidas, as pompas e o poder do mundo moderno<br />

e tereis a impressão de que ele é indestrutível, que a Tradição não vale nada, que o futuro segundo<br />

este mundo é a única coisa que vale. E o futuro, dizem as vozes do mal, é o igualitarismo vil e<br />

sensual.<br />

“Não acrediteis, e dizei: ‘Tu não tens o conhecimento do futuro nem dos rumos da História. Nossa<br />

Senhora sim o tem, e em Fátima Ela disse: Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!’<br />

“Que Nossa Senhora de Fátima nos dê muita Fé e fidelidade às suas palavras.”<br />

(Extraído de conferência de 3/4/1983)<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Datas na vida de um cruzado<br />

13 de maio de 1973<br />

Celebrando uma visita...<br />

Em maio de 1973, o Movimento fundado<br />

por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> foi honrado com uma<br />

ilustre visita: a Imagem Peregrina de<br />

Nossa Senhora de Fátima, a qual havia vertido<br />

lágrimas miraculosamente em Nova Orleans no<br />

ano anterior.<br />

Para celebrar tão augusta visita, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> promoveu<br />

uma consagração de seus seguidores à<br />

Santíssima Virgem, segundo o método de São Luís<br />

Maria Grignion de Montfort. No dia seguinte,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em reunião, narrou o que se passara<br />

consigo durante a visita:<br />

A impressão que me causou a ação de Nossa<br />

Senhora por meio de sua Imagem Peregrina, foi<br />

a de um grande recolhimento sacral. Pode ser algo<br />

subjetivo, mas foi como eu senti sua ação de<br />

presença.<br />

Ela dominava de tal maneira o ambiente onde<br />

estava, que não era possível a ninguém fazer<br />

outra coisa senão olhar para ela; Nossa Senhora<br />

atraía os olhares com muita doçura, fazendo<br />

com que todos se sentissem envoltos por<br />

uma espécie de sacralidade suave, mas profundamente<br />

séria. Em meus sessenta e quatro anos<br />

de vida, jamais vi algo tão sério quanto aquela<br />

imagem.<br />

Ela conduzia o espírito às cogitações mais extraordinárias,<br />

de um lado; mas de outro lado, ela<br />

era muito profunda, tocava os corações naquela<br />

parte da alma que São Paulo chama “a juntura<br />

entre a alma e o espírito”.<br />

Nossa Senhora comunicava sobremaneira o<br />

afeto materno. Entretanto, era o afeto de uma<br />

mãe triste, isolada na sua tristeza, como alguém<br />

que chora sozinho à espera de quem lhe venha<br />

consolar. O convite ao “co-pranto” era evidente<br />

naquela imagem.<br />

Em certos momentos, eu tinha a impressão<br />

de a imagem estar mais pungente do que em outros.<br />

Era algo sobrenatural, fruto da graça. Depois,<br />

esta impressão ia diminuindo<br />

até passar inteiramente,<br />

e eu, então,<br />

a olhava e não via senão<br />

uma bonita imagem, feita<br />

com muita piedade. De<br />

repente, a impressão primeira<br />

voltava, e eu, ao fazer<br />

uma vênia diante dela,<br />

tinha a sensação de que<br />

Nossa Senhora ia falarme.<br />

A meu ver, isso significava<br />

claramente o fator<br />

sobrenatural de sua presença.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao lado da Imagem Peregrina de Nossa<br />

Senhora de Fátima, em maio de 1973.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 14/5/1973)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Preparando o filho<br />

para vida<br />

Formada nos antigos critérios de respeito, educação e seriedade,<br />

em Dona Lucilia todas as atitudes nunca careciam de profundo<br />

significado. Por isso, irreflexão ou espontaneidade eram contrárias<br />

a seu modo de ser. Assim, baseada em elevadas razões,<br />

Dona Lucilia narrava a seus filhos a admiração e gratidão que<br />

nutria por seu pai, <strong>Dr</strong>. Antonio Ribeiro dos Santos...<br />

Dona Lucilia possuía grande<br />

coerência; os seus gestos,<br />

a sua fisionomia, as inflexões<br />

de sua voz e tudo quanto ela dizia<br />

exprimiam seu pensamento. Dessa<br />

forma ela exercia um ensino permanente,<br />

fazendo-nos ver as coisas<br />

como devem ser, o que verdadeiramente<br />

é a vida. E mostrava como cada<br />

pessoa precisa estar habituada à<br />

dor, porque o sofrimento faz parte<br />

da normalidade da existência.<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu,<br />

morreu na Cruz por amor a nós<br />

e quis por esta forma nos resgatar.<br />

Assim, Ele implantou a Cruz no centro<br />

de nossa vida; e a Cruz é o símbolo<br />

da dor.<br />

Toda pessoa séria leva uma vida<br />

dolorida, com dificuldades, sofre ingratidões,<br />

pressões, vinganças injustas,<br />

invejas etc. E quem conhece a vida<br />

fica sabendo continuamente que<br />

está sujeito a tais sofrimentos.<br />

Razão da admiração<br />

pelo pai<br />

A enorme admiração que mamãe<br />

possuía por seu pai devia-se ao fato<br />

de ele ter sido um homem disposto<br />

a sofrer.<br />

Meu avô era um excelente advogado.<br />

Trabalhava com afinco,<br />

frequentemente até as quatro horas<br />

da manhã, para que logo no<br />

início do dia seguinte seus empregados<br />

entregassem nos tribunais<br />

o trabalho feito por ele durante a<br />

noite.<br />

Ele era muito bom chefe de família.<br />

Poder ter uma conversa com<br />

os seus durante o jantar ou o almoço,<br />

era para ele a única recompensa<br />

da vida; recompensa que julgava ser<br />

muito boa.<br />

Papel da dor e do<br />

trabalho na vida<br />

do homem<br />

Dona Lucilia gostava de contar<br />

um episódio a fim de ensinar o papel<br />

da dor e do trabalho na vida do<br />

homem.<br />

A família de minha mãe tinha alguns<br />

conhecidos muito ricos que levavam<br />

uma vida de diversão; não<br />

trabalhavam e nem velavam pelos<br />

seus bens, os quais foram sendo consumidos,<br />

e eles sempre se divertindo.<br />

Certa noite, eles vinham andando<br />

pela rua onde morava o meu avô;<br />

já era quase madrugada, e viram que<br />

o escritório ainda estava com a luz<br />

acesa. Meu avô chamava-se Antônio,<br />

e muitas vezes era intimamente<br />

tratado de Totó. Disseram eles<br />

então: “Nós estamos aqui nos divertindo<br />

e o bobo do Totó está trabalhando<br />

até esta hora. Ele acumula<br />

dinheiro, é verdade, porém não o<br />

aproveita. Nós aproveitamos nossa<br />

fortuna gozando a vida!”<br />

Quando o meu avô morreu, ele<br />

estava bem de fortuna, enquanto<br />

6


Fotos: Arquivo revista<br />

<strong>Dr</strong>. Antonio Ribeiro dos Santos, pai de Dona Lucilia.<br />

7


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia, alguns anos antes de sua morte.<br />

8


os tais amigos haviam<br />

empobrecido enormemente.<br />

E minha mãe diziame:<br />

“Seu avô trabalhou<br />

a vida inteira, teve uma<br />

vida de dor e até sofreu<br />

pelos seus inimigos. Mas<br />

quando ele morreu, sua<br />

família estava na tranquilidade,<br />

toda organizada,<br />

e com um futuro risonho<br />

para os seus.”<br />

Ele morreu um pouco<br />

mais cedo do que o comum<br />

dos homens. Mas a quem sofre<br />

e trabalha o necessário, Deus muitas<br />

vezes dá nesta vida épocas de bênção,<br />

de distensão, como recompensa.<br />

Modo atencioso de<br />

tratar acérrimo inimigo<br />

Mamãe narrava o caso de um senhor<br />

de uma boa família de São Paulo,<br />

que morava em Pirassununga, onde<br />

também residia o meu avô.<br />

Esse homem tinha enorme inveja<br />

de <strong>Dr</strong>. Antônio. Era um advogado<br />

medíocre, pouco inteligente, e<br />

vivia intentando golpes judiciários<br />

contra meu avô, o qual com um peteleco<br />

respondia aos ataques e os<br />

desfazia.<br />

Certa ocasião ele recebeu uma<br />

carta desse indivíduo nestes termos:<br />

“Totó, eu estou reduzido ao último<br />

ponto da miséria, gastei todo o meu<br />

dinheiro, estou tuberculoso e sendo<br />

acusado de um crime. Você, de<br />

quem sou inimigo e tem tanta queixa<br />

contra mim, é a única pessoa com<br />

a qual posso contar. Você não poderia<br />

vir agora à noite, nesse carro que<br />

mandei à sua casa, falar comigo para<br />

eu ter um pouco de sossego?”<br />

Era uma das noites gélidas de<br />

São Paulo, meu avô estava com<br />

uma espécie de bronquite, mas não<br />

teve dúvida: agasalhou-se, entrou<br />

no carro e foi falar com o homem.<br />

Este se encontrava deitado sobre<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 60.<br />

um colchão posto diretamente no<br />

solo, não tinha cama, e o travesseiro<br />

encostado na parede. E a pobre<br />

da mulher dele — era uma boa senhora<br />

— exercia o papel de enfer-<br />

Dona Lucilia possuía<br />

grande coerência;<br />

tudo quanto ela<br />

dizia exprimia seu<br />

pensamento. Dessa<br />

forma ela exercia um<br />

ensino permanente.<br />

meira, tratando-o de uma doença<br />

contagiosa, a tuberculose.<br />

Meu avô cumprimentou-o afavelmente,<br />

e logo foi de carro comprar,<br />

com seu próprio dinheiro, os<br />

remédios necessários. Depois combinaram<br />

de ir, no dia seguinte, para<br />

Pirassununga. E <strong>Dr</strong>. Antônio mandou<br />

para aquela cidade um aviso:<br />

“O <strong>Dr</strong>. Fulano vai amanhã comigo<br />

para ser julgado em Pirassununga,<br />

e eu não quero que haja qualquer<br />

desacato à pessoa dele. Vou a pé,<br />

de braços dados com ele, até a cadeia<br />

onde deve ser recolhido por ordem<br />

do juiz. Até o momento de entrar<br />

na prisão, ele é meu hóspede, e<br />

qualquer pessoa que diga uma palavra<br />

contra ele vai encontrar a minha<br />

oposição, porque sou o<br />

guardião e o depositário<br />

de sua honra.”<br />

E, na cidadezinha do<br />

interior, todo o mundo<br />

tinha ido ver o homem<br />

descer do trem, acompanhado<br />

pelos policiais.<br />

Meu avô deu-lhe o braço<br />

e ambos atravessaram<br />

a multidão; por respeito<br />

ao <strong>Dr</strong>. Antônio, ninguém<br />

disse nada. A polícia, que<br />

ia junto para impedir a<br />

fuga do homem, levouo<br />

até a cadeia. No dia seguinte, todos<br />

queriam saber quem era o advogado<br />

do prisioneiro; era uma curiosidade<br />

geral porque seu nome não tinha<br />

sido revelado. E na hora aprazada,<br />

quando entrou o advogado do<br />

réu, ficaram surpresos: era o meu<br />

avô, que pleiteou o caso, obteve a libertação<br />

do homem, o qual ainda viveu<br />

algum tempo.<br />

Mesmo assim, continuou tendo<br />

ódio do meu avô, dizendo que este<br />

o tratara bem, mas que ele teria feito<br />

melhor por <strong>Dr</strong>. Antônio.<br />

Formando o filho<br />

Minha mãe dizia-me: “Assim você<br />

deverá tratar seus inimigos. Não<br />

tenha ilusão, por melhor que você<br />

seja com os outros, no meio dos<br />

seus amigos haverá serpentes. E essas<br />

serpentes vão mordê-lo; não seja<br />

bobo, preste atenção, desconfie e<br />

saiba defender-se. Mas seja bondoso<br />

e saiba perdoar. Não mate as serpentes,<br />

ajude-as a viver. Assim você pode<br />

conduzir sua vida abençoado por<br />

Deus.”<br />

Dona Lucilia dava essas lições<br />

com tanta suavidade, seriedade e demonstrações<br />

de tanta caridade, que<br />

alguma coisa acabou ficando neste<br />

filho dela.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

9/10/1993)<br />

9


O Santo do Mês<br />

–– * Maio * ––<br />

1. São José Operário. Em 1955, o<br />

Papa Pio XII dedicou esta memória litúrgica<br />

comemorando a dignidade do<br />

pai nutrício de Jesus, sua vida silenciosa<br />

e oculta na santa casa de Nazaré.<br />

2. V Domingo da Páscoa.<br />

3. São Filipe e São Tiago, Apóstolos,<br />

sepultados juntos na Basílica<br />

dos Doze Apóstolos em Roma, razão<br />

pela qual a memória de ambos é<br />

celebrada na mesma data.<br />

4. Santos João Houghton, Roberto<br />

Lawrence, Agostinho Webster e<br />

Ricardo Reynolds, sacerdotes, martirizados<br />

durante a perseguição religiosa<br />

na Inglaterra. (+1535)<br />

5. São Gotardo, Bispo de Hildesheim,<br />

na Alemanha. (+1038)<br />

6. São Venério, Bispo de Milão.<br />

Discípulo de Santo Ambrósio, ajudou<br />

São João Crisóstomo no seu<br />

desterro. (+409)<br />

7. Santa Rosa Venerini, Fundadora<br />

da Ordem das Mestras Pias, primeira<br />

congregação a cuidar de escolas<br />

femininas na Itália (Roma).<br />

(+1728)<br />

8. São Bonifácio V, Papa. Fomentou<br />

a disciplina monástica. (+615)<br />

9. VI Domingo da Páscoa.<br />

Santo Isaías, Profeta do Antigo<br />

Testamento, séc. VIII a.C.<br />

10. Santo Antonino, Bispo de<br />

Florença, dominicano. (+1459)<br />

11. São Francisco Di Girólamo,<br />

sacerdote jesuíta.<br />

12. São Domingos da Calçada,<br />

monge e presbítero. Empenhou-se<br />

em melhorar o caminho que leva a<br />

Santiago de Compostela, e construiu<br />

um hospital para peregrinos. (+1109)<br />

13. Nossa Senhora de Fátima.<br />

Em 1917, no povoado da Cova da<br />

Iria, Nossa Senhora apareceu várias<br />

vezes aos pastorinhos Lúcia, Francisco<br />

e Jacinta, com uma mensagem de<br />

vital importância para os séculos XX<br />

e XXI. Depois de prever grandes padecimentos<br />

para a Igreja e o mundo,<br />

afirmou: “Por fim, meu Imaculado<br />

Coração triunfará.”<br />

14. Santa Maria Mazzarelo, Virgem.<br />

Religiosa discípula de São João<br />

Bosco e Fundadora do ramo feminino<br />

dos salesianos (Filhas de Maria<br />

Auxiliadora). (+1881)<br />

15. Santo Isidro, padroeiro de<br />

Madrid (Espanha). (+1130)<br />

16. Ascensão do Senhor.<br />

17. São Pascoal Bailão, irmão leigo<br />

da ordem dos Frades Menores<br />

Franciscanos Descalços. (+1592)<br />

18. São João I, Papa e Mártir.<br />

(+526)<br />

19. São Dunstan, Abade de Glastonbury.<br />

Revitalizou a vida monástica,<br />

sob a influência de Cluny. Foi<br />

Bispo de Canterbury e conselheiro<br />

do rei da Inglaterra. (+988)<br />

20. São Bernardino de Sena, Frade<br />

franciscano. Reformou a sua Ordem<br />

e divulgou a devoção ao Nome<br />

de Jesus. (+1444)<br />

21. São Carlos José Eugênio<br />

de Mazenod, Bispo e Fundador.<br />

(+1861)<br />

22. Santa Rita de Cássia, viúva<br />

e religiosa agostiniana. Recebeu na<br />

fronte um estigma da Paixão de Cristo,<br />

que permaneceu até sua morte.<br />

(+1447)<br />

23. Domingo de Pentecostes.<br />

24. Maria Auxiliadora. São Pio V<br />

acrescentou na Ladainha de Nossa<br />

Senhora a invocação Auxilium Christianorum,<br />

pela vitória de Lepanto.<br />

Mais tarde, o Papa Pio VII, cumprindo<br />

uma promessa, instituiu esta festa<br />

em 1814 para comemorar a sua<br />

libertação das mãos de Napoleão.<br />

Maria Auxiliadora foi a grande protetora<br />

de São João Bosco.<br />

25. São Gregório VII, Papa.<br />

(1020-1085)<br />

26. São Filipe Néri, sacerdote.<br />

Fundador da Congregação do Oratório.<br />

(+1595)<br />

27. Santo Agostinho de Cantuária.<br />

(séc. VII)<br />

28. São Paulo Hanh, Mártir na<br />

Cochinchina, atual Vietnã, onde<br />

por professar sua Fé foi decapitado,<br />

após tremendos suplícios, sob o imperador<br />

Tu Duc. (+1859)<br />

29. Santos Mártires de Trento.<br />

30. Domingo da Santíssima Trindade<br />

31. Visitação de Nossa Senhora a<br />

Santa Isabel.<br />

10


10 de maio<br />

Santo Antonino de Florença<br />

Arcebispo de Florença e grande amigo do Beato Angélico, Santo<br />

Antonino lutou contra os desvios da Renascença.<br />

V. Toniolo<br />

Apartir do momento em que<br />

foi eleito Arcebispo de Florença,<br />

Santo Antonino lutou<br />

acirradamente contra os desvios<br />

propagados pelos renascentistas.<br />

Acompanhemos a descrição de sua<br />

vida feita pelo Pe. Rohrbacher:<br />

“Antônio, que por sua pequena estatura<br />

foi chamado Antonino, nasceu<br />

em 1389, sendo filho de um notável<br />

homem de Florença. Destacou-se desde<br />

cedo nos estudos por sua invulgar<br />

inteligência.”<br />

Ao fundo,<br />

fachada da<br />

Catedral de<br />

Florença; em<br />

destaque,<br />

busto de Santo<br />

Antonino.<br />

V. Toniolo<br />

11


O Santo do Mês<br />

Ao mesmo tempo<br />

em que permitia à<br />

Renascença deitar em<br />

Florença todo o seu<br />

calor, a Providência<br />

fazia florescer santos e<br />

gênios naquele mesmo<br />

ambiente, para<br />

disputar influência<br />

e combater o fogo das<br />

novas tendências<br />

Florença foi uma das grandes cidades<br />

que iluminaram a História,<br />

com seu especial modo de ser. Florença<br />

— ela é a cidade das flores —<br />

floresceu precisamente numa época<br />

na qual a História italiana encontrava-se<br />

em um tournant, como<br />

denominam os franceses,<br />

no momento em que no-<br />

vos rumos se constituíam e tudo se<br />

transformava.<br />

Configurava-se um conflito entre<br />

a tradição medieval e os fortes ventos<br />

da Renascença que ameaçavam<br />

tudo destruir. Entretanto, havia ainda<br />

possibilidades de sensibilizar a<br />

opinião italiana, caso grandes santos<br />

combatessem de frente a Renascença<br />

então vicejante.<br />

Florença era propriamente o foco<br />

da Renascença. Encontravam-se<br />

lá, então, os maiores talentos renascentistas,<br />

capazes de irradiar sobre a<br />

Itália o seu novo estilo, e que realizavam,<br />

na própria cidade, obras de arte<br />

de um valor extraordinário. Florença<br />

tinha grande importância para<br />

aquele tempo. Sendo metrópole<br />

do Grão-ducado de Toscana, possuía<br />

uma dinastia que haveria de ligar-se<br />

por vários laços de casamento com<br />

a Casa da França, e haveria de dar<br />

mais de um Papa ao sólio pontifício:<br />

os Médici, uma das famílias mais poderosas<br />

e importantes da Europa.<br />

Florença era então um luzeiro<br />

do mundo, nutrindo de<br />

especial significado, realce<br />

e importância, a tudo quanto se<br />

passava em seu meio.<br />

A resposta da<br />

Providência não<br />

haveria de tardar...<br />

“Muito cedo desejou entrar na Ordem<br />

Dominicana, pela santidade dos<br />

seus membros e pela influência das<br />

pregações do Beato João Dominichi.<br />

A este pregador dirigiu-se Antonino<br />

pedindo o hábito. Mas Dominichi,<br />

achando-o muito débil e frágil,<br />

prometeu atendê-lo quando houvesse<br />

decorado a obra “Decretos de Graciano”.<br />

Antes de um ano, para pasmo do<br />

dominicano, voltou o menino. Decorara<br />

a obra e foi admitido aos dezesseis<br />

anos somente.<br />

“Religioso exemplar, foi mais tarde<br />

Prior dos dominicanos de Toscana e<br />

Nápoles.<br />

“Em 1445 o Papa Eugênio IV procurava<br />

um arcebispo para Florença.<br />

Um frade dominicano pintor, que<br />

mais tarde seria conhecido como Fra<br />

Angélico, indicou Antonino como<br />

modelo de virtudes. O Papa acedeu à<br />

12


sugestão e, nomeando-o arcebispo, o<br />

santo entrou em Florença com pompa<br />

magnífica, segundo o costume,<br />

mas suprimindo o que havia de secular<br />

nessa solenidade…”<br />

Nessa situação, a Providência designou<br />

um santo recolhido, diáfano e<br />

robusto na Fé: Fra Angélico de Fiesole.<br />

Possuindo um talento artístico<br />

repleto de delicadeza, candura e,<br />

quase se afirmaria, santa ingenuidade,<br />

não obstante demonstrou sagacidade<br />

e perspicácia, quando se tornou<br />

necessário indicar quem deveria<br />

assumir o Arcebispado de Florença.<br />

O homem a quem indicara foi Santo<br />

Antonino.<br />

Ao mesmo tempo em que permitia<br />

que as hidras da Renascença deitassem<br />

ali todo o seu calor, a Providência<br />

fazia florescer santos e gênios<br />

naquele mesmo ambiente, para disputar<br />

influência e combater o fogo<br />

das novas tendências.<br />

Surge então Antonino como Bispo<br />

de Florença. Podem-se imaginar os<br />

magníficos veludos e damascos com<br />

os quais foram confeccionadas as roupagens<br />

dos personagens que toma-<br />

H. Grados<br />

13


O Santo do Mês<br />

ram parte no cortejo de Santo Antonino,<br />

na ocasião em que tomou posse<br />

da Sé Arquiepiscopal da cidade. Dessa<br />

pompa, ele retirou sabiamente tudo<br />

quanto havia de profano...<br />

O poder da santidade<br />

“No trono episcopal, mostrou todas<br />

as virtudes de um verdadeiro pastor.<br />

Trabalhou com tanto zelo para reformar<br />

os escândalos públicos, que o Papa<br />

Pio II o escolheu para a reforma da<br />

Cúria Romana. Mas antes que pudesse<br />

iniciar este grande mister, Deus chamou-o<br />

a Si. Era o ano de 1459. Grande<br />

orador foi o Arcebispo de Florença.<br />

Sua santidade e cultura levaram-no a<br />

ser consultado pelos grandes da época,<br />

o que lhe valeu o apelido de “Antonino,<br />

o Conselheiro”. Seu lema de vida<br />

era “Servir a Deus é reinar.” Cosme<br />

de Médici o tinha em tão alta consideração,<br />

que afirmava que a cidade<br />

de Florença tudo devia às orações do<br />

santo arcebispo.”<br />

A história pouco conta sobre a ação<br />

desenvolvida por ele a favor da austeridade<br />

de costumes, como também o<br />

combate frontal às influências maléficas<br />

da Renascença. Dos historiadores<br />

renascentistas, vários reconhecem que<br />

pela presença de Santo Antonino na<br />

Sé de Florença, o movimento da Renascença<br />

perdeu em algo seu vigor e<br />

sua velocidade em contagiar a cidade<br />

e, consequentemente, toda a Itália.<br />

Conclui-se a partir disso quanto é<br />

grande o poder de um santo, ao ponto<br />

de uma das figuras mais eminentes<br />

e talvez mais condenáveis do Renascentismo,<br />

Cosme de Médici, afirmar<br />

que a cidade devia tudo às orações de<br />

Santo Antonino. Vê-se o quanto este<br />

santo podia realizar, e quanta receptividade<br />

ainda havia em relação a ele.<br />

Poderia alguém indagar-se: “Qual<br />

o sentido dessa obra da Providência?<br />

Um santo que passa como um meteoro<br />

que brilha, detém um pouco o<br />

curso das coisas, mas cuja obra não<br />

consegue evitar o avanço do Renascimento.<br />

Qual é o alcance histórico<br />

do fato de a Providência ter colocado<br />

Santo Antonino em Florença?”<br />

Uma alma zelosa nunca poderia<br />

colocar-se essa pergunta, porque<br />

basta ter contido a onda renascentista<br />

durante algum tempo, para<br />

contribuir em alto grau à glória de<br />

Deus. Como Santo Inácio de Loyola<br />

que afirmava ter sido bem empregada<br />

por amor à glória de Deus uma<br />

vida inteira de lutas e padecimentos,<br />

a fim de que um grande pecador deixasse<br />

de cometer um pecado mortal.<br />

Corresponder é vencer!<br />

Compreende-se, por isso, que deter<br />

por pouco que seja a imensa onda<br />

de pecados provenientes da Re-<br />

O corpo incorrupto de Santo Antonino é venerado na Basílica de São Marcos (Florença).<br />

14


nascença, é evidentemente algo que<br />

possui muito significado para quem<br />

almeja a glória de Deus.<br />

Há um outro aspecto digno de<br />

consideração, que se centra na continuação<br />

da obra iniciada por Santo<br />

Antonino e pelo Beato Angélico.<br />

Deveriam haver almas que eram raízes<br />

de bem, aptas a dar continuidade<br />

ao trabalho por eles iniciado, e naturalmente<br />

apoiadas pelo Papado, e<br />

que prosseguissem a ofensiva contra<br />

a Renascença.<br />

E com pesar pode-se constatar que<br />

a obra da Providência não foi completada<br />

pela obra dos homens. E as<br />

almas chamadas por Santo Antonino<br />

a continuarem sua obra, não corresponderam<br />

ou não obtiveram o apoio<br />

necessário, e então a obra ruiu.<br />

Deduz-se, então, quão importante<br />

é o papel da história de uma alma.<br />

Deparamo-nos com uma cidade<br />

que irradiava a intemperança para o<br />

mundo inteiro, mas que de tal forma<br />

era tocada por talentos e dons, que<br />

caso as almas eleitas para empunhar<br />

a tocha da reação antirrenascentista<br />

fossem fiéis, possivelmente a cidade<br />

inteira teria se convertido. Uma vez<br />

convertida a cidade, era bem possível<br />

que a história do mundo fosse<br />

completamente diversa.<br />

Florença podia ter alterado a história<br />

do mundo se, por seu lado, algumas<br />

almas próximas de Santo An-<br />

tonino houvessem modificado a história<br />

de Florença. Portanto, se a história<br />

do mundo não se alterou, e o<br />

mundo desceu pelo despenhadeiro<br />

da Renascença — sucessivamente à<br />

Revolução Francesa e ao Comunismo<br />

— isto se deve a algumas almas<br />

Florença<br />

podia ter alterado<br />

a história do mundo<br />

se, por seu lado,<br />

algumas almas<br />

próximas de<br />

Santo Antonino<br />

houvessem modificado<br />

a história de<br />

Florença...<br />

que foram fracas e não tiveram generosidade.<br />

Disseram “não”, ou disseram<br />

um “sim” incompleto ao convite<br />

da Providência. Por causa dessas<br />

almas, a História não mudou.<br />

Não é devido ao grande talento<br />

de algum renascentista que a obra de<br />

Santo Antonino não vingou. A dificuldade<br />

é que a Providência encontre<br />

sempre fiéis os homens que Ela<br />

suscitou para serem seus instrumentos.<br />

Se todos os eleitos por Deus fossem<br />

de fato fiéis, não haveria quem<br />

impedisse os planos da Providência<br />

de se executarem.<br />

Vae mihi!<br />

Surge então uma aplicação para<br />

cada alma individualmente: “Não serei<br />

também uma alma destas? Não<br />

fui chamado a ter uma fidelidade ilibada?<br />

Não será que uma pequena<br />

falta de generosidade de minha parte<br />

determinará um recuo notável nos<br />

planos da Providência?”<br />

Quantas vezes não temos a possibilidade<br />

de fazer bem a uma alma,<br />

que por sua vez faria o bem a<br />

inúmeras outras almas! Não poderia<br />

resultar dessa atitude uma reação<br />

boa que fosse, sob diversos aspectos,<br />

um golpe no adversário? Entretanto,<br />

por falta de paciência, quantas<br />

não foram as ocasiões em que rejeitamos<br />

o apelo de Deus, no zelo pelas<br />

almas.<br />

Dirigindo-se a Santo Antonino,<br />

que foi colocado pela Providência<br />

numa situação tão importante, o católico<br />

autêntico deve pedir a intercessão<br />

dele, a fim de seguir seu<br />

exemplo de fidelidade completa e<br />

absoluta, no apostolado incomensuravelmente<br />

precioso que Nossa Senhora<br />

colocou em suas mãos. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 9/5/1968)<br />

H. Grados<br />

15


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Meu filho,<br />

aprenda a sofrer!<br />

O sofrimento, tão comum e tão evitado por todos<br />

os homens... Com a acuidade que lhe é própria,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra como sofrer representa uma<br />

glória para o verdadeiro católico.<br />

Ador é algo que não pode ser<br />

extinto da vida do homem.<br />

Para cada indivíduo ela se<br />

apresenta de uma maneira especial.<br />

Porém, há alguns sofrimentos que<br />

são comuns para todos: fazer os sacrifícios<br />

necessários para não pecar;<br />

não se limitar a evitar o pecado, mas<br />

crescer cada vez mais na virtude; salvar<br />

sua alma e também as almas dos<br />

outros.<br />

Sobretudo para quem possui<br />

uma vocação especial como a nossa,<br />

a Providência tem a intenção<br />

de que salvemos certo número de<br />

almas. O esforço comum da organização<br />

à qual pertencemos deve<br />

visar salvar um número quase incontável<br />

delas, porque os males<br />

que há na civilização contemporânea<br />

são enormes, e muitas pessoas<br />

se perdem.<br />

Assim, é preciso que nos ergamos<br />

contra a iniquidade praticada e<br />

lhe digamos como São João Batista:<br />

“Não te é permitido!” 1<br />

É difícil calcular o número de pessoas<br />

que poderiam salvar-se caso tivéssemos<br />

a alma plena dessa convicção.<br />

Pois bem, nesse esforço comum<br />

cada um deve dar tudo o que recebeu<br />

da Providência para produzir o<br />

rendimento necessário. E isto significa<br />

carregar a cruz.<br />

O ódio ao mal faz<br />

parte do amor a Deus<br />

É preciso evitar o pecado, porém<br />

não apenas cumprindo este ou aquele<br />

Mandamento isoladamente; devemos,<br />

acima de tudo, amar a Deus sobre<br />

todas as coisas.<br />

Ama-se a Deus desejando tudo<br />

aquilo que é conforme a Ele, e odiando<br />

tudo aquilo que se Lhe opõe. Por<br />

exemplo, considerando a Paixão, deve-se<br />

adorar Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

na perfeição moral indizível, divina,<br />

que Ele manifestou ao sofrer tudo<br />

aquilo. E também encher-se de indignação<br />

contra os que O ofenderam.<br />

Um indivíduo que fique com muita<br />

pena de Nosso Senhor, mas não se<br />

indigne contra quem praticou aquele<br />

mal, é um hipócrita e está mentindo.<br />

Porque se vejo uma pessoa praticar<br />

um crime e tenho muita pena<br />

da vítima, mas não tenho indignação<br />

contra o criminoso, estou querendo<br />

mentir a mim mesmo.<br />

Até o rompimento com<br />

uma amizade má pode<br />

representar uma cruz<br />

Por mais duro que seja, caso eu tenha<br />

uma amizade que me conduz ao<br />

pecado, devo romper com ela inteiramente.<br />

Neste caso, não posso fazer<br />

um rompimento leve, distanciandome<br />

aos poucos. A ruptura precisa ser<br />

completa, porque, ou evito meticulosamente<br />

tudo quanto me leva para<br />

o mal, ou, no fundo, estou à procura<br />

do caminho da perdição.<br />

E é um sofrimento a alma adquirir<br />

uma têmpera tão forte, que olha<br />

S. Hollmann<br />

16


17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

de frente cada dificuldade dessas e<br />

diz inexoravelmente “não” ao pecado!<br />

E realiza o sacrifício já, por inteiro<br />

e definitivamente.<br />

Um sacrifício que se faz arrastando:<br />

Devo romper com tal amigo, mas<br />

não o faço hoje e deixo para a semana<br />

seguinte. Faço depois uma ruptura<br />

incompleta e dentro em breve<br />

encontro-me com ele num bar,<br />

num ônibus, e aquela relação péssima<br />

se refaz, e a tentação continua.<br />

Isto não vale nada. É preciso dizer<br />

que rompeu de vez; se não tem pretexto,<br />

é sem pretexto. Isso significa<br />

cruz, porque muitas vezes é dificílimo<br />

fazê-lo, mas devemos imitar nosso<br />

Divino Salvador que tomou a sua<br />

Cruz e foi para frente. Assim, preciso<br />

romper e não mais olhar para<br />

trás, de tal modo que nem me lembre<br />

mais daquilo; é um episódio de<br />

minha vida que se apagou.<br />

Mas se eu lembrar um<br />

pouquinho, quando menos<br />

eu esperar, em casa<br />

de um parente que vou<br />

visitar ou em qualquer<br />

outra circunstância, lá está<br />

ele; e aquilo tudo renasce.<br />

Quer dizer, há certas<br />

coisas que devem ser<br />

extirpadas como um câncer:<br />

arranca-se de uma<br />

vez só, senão ele volta e<br />

todo o drama se reapresenta.<br />

A gloriosa<br />

falange dos<br />

esquecidos por<br />

amor a Deus<br />

Há outras coisas às<br />

quais se deve renunciar.<br />

A pessoa forma na vida<br />

tantos sonhos aos quais<br />

tem apego: gostaria de<br />

ser isto, aquilo, aquilo<br />

outro. Porém, aparece o<br />

jogo das circunstâncias<br />

S. Hollmann<br />

Jesus carrega a Cruz às costas - Madrid (Espanha)<br />

na vida e a salvação eterna pede que<br />

ela não seja nada daquilo, mas tome<br />

outro caminho.<br />

Por exemplo, um jovem imagina<br />

ser locutor de rádio porque nos círculos<br />

dele se considera isso uma maravilha.<br />

Ele já sonhou cem vezes falando<br />

no rádio e alcançando sucesso:<br />

o povo o espera para aplaudi-lo;<br />

quatro ou cinco pessoas disputam<br />

quem vai conduzi-lo de automóvel<br />

para casa; um outro grupo de indivíduos<br />

se oferece para levá-lo a uma<br />

confeitaria para comer coisas saborosas;<br />

todos querem falar com ele,<br />

julgando-o genial. Caso ele passe a<br />

fazer parte de algum movimento religioso<br />

e tenha de renunciar à carreira<br />

que almejava, certamente não vai<br />

obter o sucesso esperado anteriormente.<br />

Ele fará parte da gloriosa falange<br />

dos esquecidos. Neste caso ele,<br />

então, deve dizer: “Eu quero ser empurrado<br />

de lado, com Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo. Aceito qualquer coisa,<br />

contanto que eu siga o Redentor.”<br />

Combati o bom combate<br />

Como isso é difícil! Em nossa vida,<br />

desde a infância até a ancianidade,<br />

quantas e quantas vezes circunstâncias<br />

análogas se apresentam, tendo<br />

como causa apenas o fato de sermos<br />

católicos, apostólicos, romanos,<br />

leais e fiéis, difundirmos aquilo que<br />

temos a vocação de difundir.<br />

Assim, quando morrermos, poderemos<br />

dizer como São Paulo: “Combati<br />

o bom combate, terminei a minha<br />

carreira, guardei a fé. Resta-me<br />

agora receber a coroa da justiça, que<br />

o Senhor, justo Juiz, me dará naquele<br />

dia.” 2<br />

Segundo uma lindíssima tradição,<br />

ou lenda, com o grande Apóstolo<br />

— que, a bem dizer, converteu<br />

toda a bacia do Mediterrâneo,<br />

da qual depois<br />

se irradiou para o mundo<br />

a Igreja Católica e a Civilização<br />

Cristã — aconteceu<br />

o seguinte: levaram-no para<br />

junto a um tronco de árvore<br />

para ser decapitado<br />

com um gládio; ele se ajoelhou,<br />

a espada bateu com<br />

todo o vigor e sua cabeça<br />

rolou longe, pulando três<br />

vezes no solo, e dali nasceram<br />

três fontes. Tais fontes<br />

mostram a santidade de<br />

São Paulo e a divindade da<br />

Igreja. Até depois de morto,<br />

sua cabeça abriu fontes<br />

de água viva. Para trilharmos<br />

o caminho da santidade<br />

é preciso ter muita resolução<br />

de sofrer.<br />

Às vezes, a Providência<br />

dispõe que infortúnios de<br />

outra natureza caiam sobre<br />

nós: uma doença, uma calúnia,<br />

etc.<br />

18


Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo disse que não cai<br />

um pássaro de uma árvore,<br />

nem um fio de cabelo<br />

de nossa cabeça sem que<br />

Ele saiba e queira. Se eu<br />

fui atingido assim, Jesus<br />

quis; se Ele quis, eu quero,<br />

assumo esse sofrimento<br />

até o fim.<br />

A quem Deus<br />

ama, permite<br />

o sofrimento<br />

Arquivo revista<br />

Isto supõe uma lógica,<br />

uma coerência a toda<br />

prova. Não basta entender<br />

ser necessário o sofrimento;<br />

devo efetivamente sofrer<br />

o que está no meu caminho.<br />

E sem ter surpresa,<br />

porque preciso estar<br />

preparado. Não devo ter<br />

a ideia: “Quem sabe se eu<br />

escapo com um jeitinho,<br />

e Deus não me peça o sofrimento!”<br />

Porque se Ele<br />

não me enviar a dor, é sinal<br />

de que não me ama.<br />

É claro, pois a cruz é<br />

uma honra, um sinal de predileção,<br />

que Nosso Senhor dá para os seus<br />

prediletos. As almas a quem Ele não<br />

faz sofrer são aquelas que preferem<br />

seguir as vias cujo termo final é o inferno.<br />

Deus, na sua justiça infinita, dispõe<br />

que o pecador seja mais feliz<br />

na Terra do que quem vive virtuosamente.<br />

Isso parece um absurdo: o<br />

Criador não deve amar mais aqueles<br />

que são virtuosos? Amando mais os<br />

virtuosos, não é natural que Ele lhes<br />

dê mais felicidade?<br />

Não, por uma razão muito simples:<br />

os sofrimentos da alma após a<br />

morte são muito maiores do que os<br />

havidos durante a vida. Enquanto se<br />

está vivo, pode-se sofrer muito, mas<br />

isso não é comparável às chamas do<br />

purgatório! E uma alma pode ficar<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fins da década de 70.<br />

um tempo indefinido dentro do purgatório,<br />

queimando! E a queimadura<br />

da alma dói muito mais do que a do<br />

corpo! Não nos deixemos levar pelo<br />

seguinte sofisma: “O purgatório, em<br />

última análise, queima a alma, mas<br />

não o corpo, o que seria pior.” A alma<br />

nos é muito mais interna do que<br />

o corpo. De maneira que meu eu é<br />

muito mais atingido por um fogo que<br />

queima a alma do que por chamas<br />

que queimam o corpo.<br />

É algo misterioso que a alma, sendo<br />

espírito, entretanto pode ser atingida<br />

pelo fogo e por isso sofrer terrivelmente.<br />

E para poupar os bons das<br />

chamas do purgatório — já não falo<br />

do terrível fogo do inferno —, a<br />

Providência manda-lhes sofrimentos<br />

muito grandes nesta Terra para<br />

punir os males que praticam: pecados<br />

veniais, às vezes mortais<br />

já perdoados. Quando<br />

morrem, Deus lhes abre<br />

os braços e eles vão para o<br />

Céu diretamente.<br />

Deve causar-nos alívio<br />

a ideia de que nossos sofrimentos<br />

obtêm a expiação<br />

dos nossos defeitos<br />

e, ao mesmo tempo, nos<br />

abre diretamente a glória<br />

do Céu. Algumas almas<br />

morrem já na alegria<br />

do Paraíso, sorriem, têm<br />

visões sobre a felicidade<br />

eterna. É que tudo já foi<br />

sofrido, a dívida está paga,<br />

e elas entram no banquete<br />

eterno do Céu.<br />

Também os<br />

inocentes são<br />

chamados ao<br />

sofrimento<br />

Há pessoas especialmente<br />

amadas por Deus a<br />

quem Ele pede uma coisa<br />

especial. O Homem-Deus,<br />

sendo a própria inocência,<br />

sofreu para expiar os pecados do<br />

mundo. E a Ele se reza: “Agnus Dei,<br />

qui tollis peccata mundi, miserere nobis<br />

— Cordeiro de Deus, que tirais o<br />

pecado do mundo, tende piedade de<br />

nós”. Deus, para salvar certas almas<br />

que estão se perdendo, a fim de obter<br />

certas vitórias para a sua Igreja,<br />

quer não apenas o sofrimento do pecador.<br />

O Redentor bate à porta de certas<br />

almas, dizendo: “Meu filho, tua alma<br />

é inocente; Eu a preservei até agora<br />

do pecado, e tu correspondestes à<br />

minha graça. Como Eu te amo, meu<br />

filho, quero de ti esta pedra preciosa<br />

que é o sofrimento do inocente; quero<br />

de presente um grande rubi, teu<br />

sangue não do corpo, mas da alma.<br />

Aceitas isso, ó meu filho inocente?”<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

S. Hollmann<br />

Santa<br />

Teresinha do<br />

Menino Jesus -<br />

Convento<br />

Carmelita de<br />

Barcelona<br />

(Espanha).<br />

Às vezes é para ganhar uma só alma,<br />

mas a partir desta Deus quer salvar<br />

muitas outras. E a alma inocente,<br />

que não é mole — inocente e mole<br />

são coisas contraditórias; o mole<br />

não é inocente, e o inocente não é<br />

mole —, a alma rija aceita e diz: “Senhor,<br />

quero sofrer por Vós. Não tenho<br />

palavras para Vos agradecer a<br />

inocência com que me preservastes.<br />

Além de sofrer como inocente, peço-Vos<br />

padecer tudo quanto queirais,<br />

de maneira que, quando cerrar<br />

meus olhos, eu possa dizer: Sofri tudo<br />

quanto Deus queria de mim, o cálice<br />

das dores eu o bebi até o fim,<br />

não hesitei, e o fiz em goles grandes<br />

e generosos. Cumpri vossa<br />

vontade. No Céu Vós me direis<br />

qual é o bem que quisestes fazer<br />

por meu intermédio.”<br />

Os sofrimentos de<br />

Santa Teresinha<br />

do Menino Jesus<br />

Lembro-me de fatos<br />

da vida de santos que são<br />

verdadeiramente desconcertantes<br />

nesse sentido.<br />

Um exemplo: Santa Teresinha<br />

do Menino Jesus.<br />

Desde muito cedo<br />

a alma dela, inocentíssima,<br />

foi convidada pela<br />

graça para sofrer pelo<br />

amor de Deus. Ela<br />

entrou para o Carmelo<br />

de sua cidade, Lisieux,<br />

e tinha um desejo<br />

ardente de morrer<br />

o quanto antes pelo<br />

Redentor.<br />

De fato, ela teve<br />

que sofrer bastante<br />

no Carmelo...<br />

Num convento<br />

carmelita, lugar onde<br />

as freiras são inteiramente<br />

dependentes<br />

de sua superiora,<br />

Santa Teresinha<br />

teve uma que, em vez de dar o<br />

exemplo de todas as virtudes, deixava<br />

muito a desejar... Para se ter ideia<br />

das coisas que fazia a superiora, cito<br />

apenas um exemplo: ela possuía<br />

um gato, e a freira que quisesse obter<br />

uma licença, um ato de misericórdia<br />

da superiora, deveria tratar<br />

bem o gato dela.<br />

Além disso, a superiora era muito<br />

mundana e vivia recebendo visitas da<br />

pequena sociedade de Lisieux. Estas<br />

pessoas vinham contar-lhe coisas como<br />

as seguintes: Fulana brigou com<br />

a amiga; uma outra ficou noiva; uma<br />

terceira rompeu o noivado... E a superiora<br />

se intrometia para resolver<br />

esses casos. À noite, ela reunia as freiras<br />

para narrar-lhes tais acontecidos.<br />

Nesse ambiente, as freiras não<br />

compreenderam a santidade de Santa<br />

Teresinha, nem o esplendor de sua<br />

pessoa.<br />

Ela era de uma bondade celestial<br />

para com todos, sobretudo para as<br />

noviças, das quais foi nomeada mestra.<br />

Durante todo o tempo de sua vida<br />

no convento, fecharam os olhos<br />

para a sua virtude, exceto uma noviça<br />

que certa vez ajoelhou-se diante<br />

dela e disse: “Irmã Teresa do Menino<br />

Jesus, eu vos peço: rezai por mim,<br />

porque um dia vós sereis uma grande<br />

santa e todo o mundo dirá: Santa<br />

Teresa do Menino Jesus, rogai<br />

por nós. E eu me antecipo e digo: Ó<br />

grande Santa Teresa do Menino de<br />

Jesus, rogai por mim.”<br />

Certa noite, Santa Teresinha expeliu<br />

sangue pela boca; era o sinal da<br />

tuberculose, doença naquele tempo<br />

considerada gravíssima, com muito<br />

menos possibilidade de cura do que<br />

hoje.<br />

Chegou o dia de sua morte. Há<br />

muito tempo, Santa Teresinha não<br />

podia mais se mover, e uma pessoa<br />

que estava em seu quarto viu-a, em<br />

certo momento, erguer seu tronco e,<br />

com ar transfigurado de alegria, ela<br />

disse “Ó meu Deus!” Era uma última<br />

consolação de Deus, que lhe


poupava o último instante de dor.<br />

Em seguida, caiu morta e um perfume<br />

de violeta espalhou-se por todo o<br />

convento.<br />

Ela praticara a humildade na perfeição,<br />

e a violeta é o símbolo dessa<br />

virtude. Até mesmo a superiora, que<br />

não gostava de Santa Teresinha, foi<br />

beijar os pés do cadáver; a alma dela<br />

já estava no Céu.<br />

Isto é sofrer até o fim. E cada um<br />

de nós, em relação aos sofrimentos<br />

que nos estão destinados, deve, por<br />

meio de Maria Santíssima, pedir a<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo a graça<br />

que o Divino Salvador implorou no<br />

Horto das Oliveiras: “Meu Deus, se<br />

for possível, sejam diminuídos esses<br />

sofrimentos, mas faça-se a vossa<br />

vontade e não a minha.”<br />

Roguemos a Nossa Senhora a graça<br />

de padecermos tudo quanto for<br />

inevitável, e de sofrermos até o fim,<br />

com coragem e decisão. Se assim caminharmos<br />

com passo decidido e<br />

forte, entraremos no Céu onde os<br />

anjos e os santos nos receberão.<br />

Nossa fidelidade<br />

pode estar sendo<br />

sustentada por uma<br />

vítima expiatória<br />

Em certo momento de minha infância,<br />

já entrando na adolescência, o<br />

peso da fidelidade me foi tão grande<br />

que muitas vezes cambaleei, não no<br />

sentido de que hesitasse em sair do<br />

bom caminho, mas eu percebia que<br />

as minhas forças não eram suficientes.<br />

Porém, na hora “H” essas energias<br />

se espichavam e eu conseguia<br />

mais um pouquinho e ia para frente,<br />

e assim cheguei até os 81 anos.<br />

É possível que esta fidelidade tenha<br />

sido conseguida por alguma alma<br />

que tenha resolvido sofrer muito<br />

por mim. Lembro-me de que,<br />

com frequência, eu via nas igrejas<br />

uma mulher baixinha, com um cabelo<br />

preto liso e não muito abundante,<br />

bem penteado, com uma risca ao<br />

meio. Era pobre, mas muito limpa,<br />

com uns trajes comuns de mulher do<br />

povo. Porém ela não tinha nariz, e<br />

usava um pano que dava toda a volta<br />

na cabeça para tapar a hediondez do<br />

buraco no meio da face.<br />

Ela andava depressa, em geral<br />

carregando diversos pacotes e um<br />

guarda-chuva. Via-se que ela tomava<br />

muito cuidado com a chuva — no<br />

clima de São Paulo é compreensível.<br />

Estava sempre com a fisionomia alegre<br />

e atraía os olhos de todo o mundo<br />

que passava, porque para uma<br />

mulher sem nariz olha-se ainda que<br />

não se queira.<br />

Eu muitas vezes pensava: “Quem<br />

sabe se essa mulher — e eu notava<br />

que ela passava perto de mim e me<br />

fixava — está oferecendo por mim<br />

essa humilhação de não ter nariz, e<br />

todos os incômodos daí decorrentes.<br />

Certamente no Céu eu lhe agradecerei<br />

muita coisa, pois — caso ele tenha<br />

de fato feito tal oferecimento —<br />

eu seria um pernibambo se não fosse<br />

ela.”<br />

Ela me olhava, mas poderia adivinhar<br />

que daquele moço nasceria<br />

nosso Movimento? E se essa pobre<br />

mulher ofereceu seu sacrifício nesse<br />

sentido — ela era bem mais velha do<br />

que eu, e deve ter morrido —, podemos<br />

imaginar a glória dela no Céu,<br />

ouvindo-me falar isto?<br />

Aquele que se dedica à salvação<br />

do próximo, sofrendo como deve, em<br />

certo momento receberá uma glória<br />

indizível, porque quem salva seu irmão,<br />

salva sua própria alma e brilhará<br />

no Céu como um sol por toda a<br />

eternidade. Por uma alma! O que dizer<br />

de nosso Movimento que ajuda a<br />

salvar tantas almas em tantos lugares<br />

e frear a Revolução, para que venha<br />

ao mundo o Reino de Maria!<br />

A glória do sofrimento<br />

É claro que na vida de um católico<br />

nem tudo é sofrimento; existem momentos<br />

de alegria. Porém precisamos<br />

nos habituar à ideia de que em<br />

certas etapas da existência há sofrimentos,<br />

sofrimentos e mais sofrimentos.<br />

Saibamos carregá-los, pois a<br />

glória de alguém não consiste em ser<br />

grande homem, mas grande sofredor.<br />

Sendo grande sofredor, será<br />

grande batalhador. E se for grande<br />

batalhador vencerá para conquistar<br />

o Céu. É isso que cada um de nós deve<br />

fazer.<br />

v<br />

1) Mc 6,18.<br />

2) II Tm 4,7-8.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 7/4/1989)<br />

Arquivo revista<br />

21


“Revolução e Contra-Revolução”<br />

A Contra-Revolução<br />

tendencial<br />

“Revolução e Contra-Revolução” foi um dos temas centrais das<br />

explicitações de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao longo de sua vida.<br />

Por isso, entre suas conferências encontram-se, com frequência,<br />

aprofundamentos à sua obra-mestra. Com o presente artigo,<br />

damos início a uma série destas explicitações.<br />

Q<br />

uando se analisa os mil artifícios<br />

empregados pela Revolução<br />

no campo das tendências<br />

para penetrar na mente do<br />

homem — de certo modo sem que<br />

este o perceba —, tem-se a impressão<br />

de que ela é quase irresistível.<br />

As pessoas que conhecem esses<br />

métodos têm tantos modos de<br />

agir e de influenciar, que quase não<br />

se compreende como um povo entregue<br />

às cogitações quotidianas, às<br />

preocupações comuns, pode se dar<br />

conta de que está sendo objeto de<br />

um tratamento revolucionário.<br />

Até uma combinação<br />

de cores pode ser de<br />

acordo com a Revolução<br />

Suponhamos uma dona de casa que<br />

deseja adquirir uma sacola onde possa<br />

colocar os objetos comprados por ela<br />

numa feira.<br />

Ela compra a cesta mais resistente<br />

e durável, que lhe parece mais fácil<br />

de carregar, mas quase não presta<br />

atenção porque aquele objeto não<br />

tem uma intenção ornamental especial.<br />

Porém, não se dá conta de que a<br />

combinação das cores daquela cesta<br />

é revolucionária e que ela, portanto,<br />

indo e voltando para o mercado ou<br />

para a feira, está levando e trazendo<br />

Revolução.<br />

Mais ainda, se ela, em sua casa,<br />

pendura aquela sacola num lugar<br />

qualquer da copa ou da cozinha,<br />

aquela combinação de cores pode<br />

estar influenciando tendencialmente,<br />

de um modo revolucionário, toda<br />

a sua família.<br />

Que defesa pode ter uma pobre<br />

dona de casa contra uma coisa dessas?<br />

Tem-se a impressão de que a Revolução<br />

tendencial não pode ser<br />

evitada pelo homem; é uma arma irresistível.<br />

E se tem a ilusão de que o<br />

mesmo acontece com a Contra-Revolução<br />

tendencial. Quer dizer, se<br />

uma pessoa normalmente leva uma<br />

cesta com bonita combinação de cores,<br />

e depois a prende numa parede<br />

de sua casa, está fazendo Contra-Revolução.<br />

Não é simplesmente uma cesta,<br />

mas são mil coisas: o cabo da escova<br />

de dente, a forma do sapato, tudo<br />

está fazendo Revolução a toda hora<br />

e, de vez em quando, Contra-Revolução.<br />

Quem pode resistir a isso?<br />

Mentalidades<br />

revolucionárias e contrarevolucionárias<br />

Então, devemos analisar como<br />

deve ser o homem para não se tornar<br />

um joguete da Revolução e nem<br />

sequer da Contra-Revolução. Ele fica<br />

um verdadeiro contra-revolucionário<br />

pela Fé, pelo exercício de suas<br />

faculdades intelectivas e de sua<br />

G. Kralj<br />

22


vontade. O resto ajuda, condiciona,<br />

tem sua importância, mas não pode<br />

ser decisivo. Como a matéria é muito<br />

complexa, muitas vezes não se fala<br />

desse ponto fundamental, que não<br />

podemos perder de vista.<br />

O autêntico contra-revolucionário,<br />

quando percebe que uma coisa é<br />

revolucionária, a recusa; quando nota<br />

que algo é contra-revolucionário,<br />

aceita-o.<br />

Ele vê, julga, quer ou não quer.<br />

Aqui está a parte nobre da operação<br />

da alma humana. Para isso, como deve<br />

ser a sua mentalidade?<br />

Depois da impressão, é<br />

necessária a reflexão<br />

Dou-lhes um exemplo tirado de<br />

uma leitura que fiz.<br />

Caiu-me nas mãos uma frase lindíssima<br />

de Santo Agostinho, extraída<br />

do livro “A divindade da Igreja<br />

Católica”, de Monsenhor Miguel<br />

Martins 1 .<br />

Eis a frase de Santo Agostinho:<br />

“Deus é infinitamente poderoso,<br />

mas não nos pode dar mais; é infinitamente<br />

sábio, mas não sabe nos dar<br />

mais; é infinitamente rico, mas nada<br />

mais tem para nos dar; porque na sagrada<br />

comunhão Ele se tem dado todo<br />

a nós.”<br />

Há nesse texto aquele voo de Santo<br />

Agostinho, que é só dele. Tem-se<br />

a impressão de que é uma ave levantando<br />

voo e indo direto para alturas<br />

inexcogitáveis!<br />

Mas é um voo do espírito, em<br />

comparação do qual o do avião não<br />

é nada.<br />

A ideia dele é a seguinte:<br />

Deus, infinitamente poderoso,<br />

pode nos dar algo mais do que a Sagrada<br />

Eucaristia? É Jesus<br />

Cristo realmente<br />

presente em<br />

Corpo, Sangue,<br />

Alma e Divindade!<br />

Dando-Se a Si próprio,<br />

não tem mais o que dar.<br />

Então, quando, pela graça obtida<br />

através de Nossa Senhora, formos comungar,<br />

devemos tomar em consideração<br />

a beleza desse pensamento: vamos<br />

receber um dom tal que o próprio<br />

Deus não poderia dar outro melhor.<br />

Ele é infinitamente sábio, mas<br />

não sabe nos dar mais!<br />

Imaginemos a sabedoria de Deus<br />

criando o Céu e a Terra e todos os<br />

outros seres. Pois bem, Ele não sabe<br />

dar mais do que a Eucaristia!<br />

É infinitamente rico, mas não tem<br />

nada mais valioso para nos dar, porque<br />

na Sagrada Comunhão Ele se<br />

tem dado todo a nós!<br />

Tudo isso causa uma primeira impressão<br />

que vem acompanhada de<br />

uma graça.<br />

Mas é bom que se faça depois<br />

uma reflexão. O que está sendo dito<br />

é um pensamento profundamente<br />

sério, o qual deve ser guardado<br />

na alma.<br />

Esta operação que se faz a respeito<br />

desse pensamento — não é indispensável<br />

fazer isso com cada pensamento<br />

que se tem — é perfeita,<br />

quando a pessoa se impressiona, se<br />

convence e ama tanto aquilo que ouviu<br />

ou leu, que nunca mais deixa de<br />

ter isso em conta quando vai comungar.<br />

Sua memória conserva aquilo<br />

para a vida inteira.<br />

Quando me leram essa frase pela<br />

primeira vez, tive alegria. Agora,<br />

ao relembrá-la diante dos que estão<br />

neste auditório, minha alegria se renovou,<br />

ao ver a primeira alegria dos<br />

presentes diante desse pensamento.<br />

E foi uma alegria intensa, altissonante,<br />

que levanta voo!<br />

Choque das mentalidades<br />

Hoje é sexta-feira e muitas pessoas<br />

estão se preparando para toda<br />

espécie de diversões, enquanto que<br />

nesse auditório muitos jovens bradam<br />

de alegria, portanto de felicidade<br />

de alma, porque ouvem um pensamento<br />

desse gênero.<br />

Imaginemos um indivíduo que<br />

pretenda ir amanhã cedo para Guarujá<br />

e colocou sobre seu automóvel<br />

uma lancha, com comida e outras<br />

coisas para o passeio. O carro já está<br />

voltado para a rua, a fim de apressar<br />

a saída.<br />

Digamos que ele passe nesse momento<br />

aqui em frente e, ouvindo as<br />

exclamações, pergunte a alguém:<br />

— Por que razão esta alegria?<br />

E esse alguém lê para ele o texto<br />

de Santo Agostinho.<br />

O indivíduo pensa: “Como eles se<br />

entusiasmam com esse pensamento<br />

que eu não estou entendendo bem?<br />

Tenho aqui essa lancha e vou amanhã<br />

para Guarujá, isso que é uma coisa<br />

gostosa. Eles vão ter um dia de oração,<br />

de trabalho, de reunião... Coita-<br />

G. Kralj<br />

23


“Revolução e Contra-Revolução”<br />

S. Hollmann<br />

Santo Agostinho.<br />

dos! E essa reunião que estão tendo<br />

agora irá até a uma hora da manhã!”<br />

Esse homem poderia dizer: “Ou<br />

estou completamente errado ou errados<br />

estão eles, porque não me alegro<br />

com isso. Noto que eles passam<br />

diante da minha lancha e nem param<br />

para olhar! Nem sabem qual é<br />

sua marca, que está escrita do lado<br />

de fora numa plaquinha! Eles saem<br />

conversando entre si a respeito de<br />

coisas de Religião, de Sociologia, de<br />

História.<br />

“Alguns estão falando de Maria<br />

Antonieta. Penso que é uma moça<br />

que eles conhecem, mas não! Tratase<br />

daquela rainha da França, que teve<br />

a cabeça cortada pelos revolucionários!<br />

Realmente não entendo.”<br />

Julgo que com esse exemplo torno<br />

claro o contraste e o choque de<br />

mentalidades.<br />

O feitio do homem<br />

se molda conforme<br />

sua meta<br />

Esse homem tem a alma voltada<br />

para uma determinada meta e nós,<br />

pelo favor e pelas preces de Nossa<br />

Senhora, estamos orientados para<br />

outra meta. E conforme a meta<br />

se forma o feitio da pessoa. Em função<br />

disso — talvez meus ouvintes tenham<br />

pensado que eu perdi o rumo,<br />

e não esteja mais tratando da Revolução<br />

e da Contra-Revolução — vem<br />

a questão da resistência do homem<br />

à ação tendencial revolucionária ou<br />

contra-revolucionária.<br />

Há dois tipos de homem. Um deles<br />

é este sobre o qual falei — tipo que<br />

já era corrente nos longínquos tempos<br />

da minha infância. O modo de viver<br />

os fins de semana mudou muito, mas a<br />

mentalidade era a mesma.<br />

Naquela época, o fim de semana<br />

era só o domingo. A vida em São<br />

Paulo era muito menos tensa, não<br />

sendo preciso descansar sábado e<br />

domingo. O cansaço acumulado durante<br />

a semana era muito menor.<br />

A Sãopaulinho de outrora era ao<br />

mesmo tempo muito mais aristocrática<br />

e sossegada do que esta São<br />

Paulo industrial que vemos febricitar<br />

e transudar poluição em todos os lugares.<br />

Já na Sãopaulinho<br />

a meta normal do<br />

homem era o prazer<br />

Já naquele tempo, a meta normal<br />

do homem era o prazer. Ele seria inteiramente<br />

feliz se tivesse prazeres<br />

contínuos e na proporção de seus<br />

desejos.<br />

Há pessoas que gostam de grandes<br />

prazeres. Outras, de mentalidades<br />

ora mais apoucadas, ora mais finas,<br />

se contentam com prazerezinhos<br />

e apreciam sorver a vida com<br />

colherinhas de chá e não com enormes<br />

goles. Há, portanto, diferentes<br />

modos de viver em busca do prazer.<br />

Tinham muito pálida e remotamente<br />

a ideia de que o domingo é o<br />

dia do Senhor. Iam à Missa porque é<br />

uma exigência de Deus, e não havia<br />

como evitar. A mentalidade era essa.<br />

Trabalhavam nos dias de semana<br />

para ter os recursos a fim de gozar a<br />

vida no domingo. Mais ainda, procuravam<br />

levar durante a própria semana<br />

a vida mais gostosa possível.<br />

O que era a vida gostosa?<br />

Antes de tudo consistia em não ter<br />

preocupações nem aborrecimentos.<br />

Em segundo lugar, fazer o que<br />

quer: ir a Guarujá, à fazenda, ao Rio<br />

de Janeiro, ficar dormindo até meiodia,<br />

levantar-se às cinco horas da manhã<br />

para escalar o Jaraguá 2 , etc. Em<br />

suma, fazer o que é gostoso é a lei.<br />

E as coisas gostosas eram aquelas<br />

que direta e imediatamente dão<br />

gosto ao corpo. Para os espíritos um<br />

pouco mais elevados — não numerosos<br />

— o gosto do corpo se conjugava<br />

com certo prazer da alma. Então,<br />

alguns gostavam de música —<br />

mas que músicas! —, outros, de uma<br />

exposição artística, porque dão cer-<br />

24


Arquivo revista<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 30.<br />

to prazer de alma através dos sentidos.<br />

Quem se metia nessa vida, cujo<br />

diapasão é o gostoso, evidentemente<br />

não tinha alma para apreciar pensamentos<br />

elevados, como esse de Santo<br />

Agostinho; era cego, surdo e mudo<br />

para coisas dessa natureza.<br />

Os temas das<br />

conversas indicavam<br />

o feitio de espírito<br />

No meu tempo de moço — hoje<br />

não deve ser muito diferente, mas<br />

talvez muito pior — certos tipos de<br />

conversa indicavam superlativamente<br />

este feitio de espírito. Por exemplo,<br />

contar de modo exagerado e<br />

com fanfarronada as coisas que fez<br />

no domingo anterior: tomou uma<br />

lancha e quase houve um acidente,<br />

mas o indivíduo conseguiu evitá-lo<br />

de tal maneira; foi um herói. E narra<br />

o caso até o último pormenor, ou<br />

seja, até a última mentira que ele encontrou<br />

para chamar a atenção.<br />

Enquanto isso, um outro pensava:<br />

“Deixa este acabar de falar, para eu<br />

contar meu grande feito.” E se não<br />

tinha nada para jactanciar-se, ficava<br />

com vontade de mudar de assunto.<br />

Outro tema muito querido era as<br />

viagens de automóvel — as estradas<br />

de rodagem naquele tempo eram relativamente<br />

novas. As surpresas que<br />

houve em certo lugar; o freio que<br />

quase falhou; o indivíduo teve que ir<br />

a pé para comprar uma peça, mas foi<br />

muito feliz porque no caminho encontrou<br />

um conhecido que o levou<br />

de automóvel e o trouxe, e ainda lhe<br />

agradeceu, porque lhe disse que conversava<br />

muito bem. O que equivale a<br />

dizer: “Vocês não sabem apreciar a<br />

minha conversa, mas sou um colosso;<br />

saibam me apreciar melhor.”<br />

De vez em quando, conversas a<br />

respeito de negócios ou política.<br />

Voo da alma<br />

às coisas elevadas<br />

Em consequência, essas almas não<br />

tinham nenhuma capacidade de entender<br />

e amar os pensamentos elevados.<br />

Uma pessoa, ouvindo a leitura<br />

desse texto de Santo Agostinho, se<br />

entusiasma quando está voltada para<br />

outra ordem de valores. Ela compreende<br />

que as coisas materiais podem<br />

ser aprazíveis e devem, em certas circunstâncias,<br />

ornar ou tornar deleitável<br />

a vida do homem. Mas o principal<br />

não é o corpo; há uma forma de<br />

deleite, uma beleza, uma santidade,<br />

uma verdade nas coisas, que, quando<br />

a alma percebe, ela se rejubila, sobretudo<br />

quando são bem expressas.<br />

A alma, então, voa em direção a coisas<br />

mais elevadas.<br />

Para se ter ideia completa do que<br />

é um deleite desses, deve-se ler, nas<br />

“Confissões” de Santo Agostinho,<br />

a conversa dele com Santa Mônica,<br />

no porto de Óstia. Sua mãe havia rezado<br />

por ele durante muitos anos e,<br />

afinal, Santo Agostinho se convertera.<br />

Ia para Cartago, cidade então florescente<br />

do Norte da África, e estavam<br />

no porto de Óstia. Enquanto esperavam<br />

o navio, conversavam sobre<br />

o Céu junto à janela de uma hospedaria<br />

— colóquio de um santo com<br />

uma santa — e tiveram uma espécie<br />

de êxtase. Santo Agostinho conta essa<br />

conversa de um modo incomparável.<br />

Santa Mônica disse-lhe:<br />

— Meu filho, já obtive a tua conversão<br />

para que sigas no caminho<br />

da Fé. Teu pai morreu, e eu não tenho<br />

mais deveres nesta Terra; desejo<br />

apenas o Céu.<br />

Vê-se que, apesar de querer muito<br />

bem a Santa Mônica, ele não fez<br />

insistência para ela continuar na Terra.<br />

Santo Agostinho poderia dizerlhe:<br />

“Mamãe, não pense nisso, a senhora<br />

ainda está moça e tem muita<br />

saúde...” Ou então: “Ser-me-ia muito<br />

duro resignar-me a viver sem a senhora;<br />

procure ficar na Terra.”<br />

Mas não o fez porque entendera<br />

haver chegado o momento dela,<br />

e que as coisas devem se realizar<br />

nas horas de Deus e não dos homens.<br />

Daí a poucos dias, ela adoeceu<br />

e morreu, tendo sido sepultada<br />

na própria cidade de Óstia.<br />

Ele conta tudo isso de modo muito<br />

bonito e percebe-se o equilíbrio<br />

da alma católica. Narra seu próprio<br />

pranto e que levou seu corpo ao cemitério.<br />

E voltou tão triste que, para<br />

se consolar, tomou um banho! E<br />

com uma bondade de um coração<br />

episcopal, escreve ele: “Aconselho<br />

a todos que tiverem uma provação<br />

muito grande, que tomem um banho,<br />

porque ajuda a suportá-la.”<br />

Não é, portanto, uma alma estranha<br />

às realidades da Terra, que desdenha<br />

ou ignora qualquer forma de<br />

apoio ou de conforto para o irmão<br />

corpo. Mas depois voa muito acima<br />

disso.<br />

v<br />

Continua no próximo número...<br />

(Extraído de conferência<br />

de 9/11/1984)<br />

1) São Paulo: Editora da Escola Profissional<br />

Liceu Coração de Jesus, 1917.<br />

2) Jaraguá: pico situado nas cercanias de<br />

São Paulo.<br />

25


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

O Rosário, caminho<br />

para a<br />

S. Hollmann<br />

Unindo esplendidamente a oração mental e a vocal, o Santo Rosário<br />

tem sido a obra-prima da espiritualidade católica. Através dele<br />

alcançamos as mais especiais graças e auxílios sobrenaturais!<br />

T. Ring<br />

Para bem compreender o valor<br />

da devoção ao Santo<br />

Rosário, analisemo-lo com<br />

maior profundidade.<br />

Após ser entregue diretamente<br />

por Nossa Senhora a São Domingos<br />

de Gusmão, a devoção ao Rosário<br />

se estendeu rapidamente por toda<br />

Igreja, ultrapassando os limites<br />

da Ordem Dominicana e tornandose<br />

o distintivo de muitas outras ordens<br />

que passaram a portá-lo pendente<br />

à cintura.<br />

Tempo houve em que todo católico<br />

o trazia habitualmente consigo,<br />

não apenas como objeto de contar<br />

Ave-Marias, mas como instrumento<br />

que atraía as bênçãos de Deus. O<br />

Rosário era considerado uma corrente<br />

que liga o fiel a Nossa Senhora,<br />

uma arma que afugenta o demônio.<br />

Esplêndida conjunção<br />

da oração vocal<br />

com a mental<br />

O que vem a ser o Rosário?<br />

Em síntese, o Rosário é uma composição<br />

de meditações da vida de<br />

Nosso Senhor e de sua Mãe, somada<br />

a orações vocais. Tal conjunção — da<br />

oração vocal com a mental — é verdadeiramente<br />

esplêndida, pois, enquanto<br />

se profere com os lábios uma<br />

súplica, o espírito se concentra num<br />

ponto. Assim o homem faz na ordem<br />

sobrenatural tudo quanto pode. Porque<br />

através de suas intenções, se une<br />

àquilo que seus lábios pronunciam, e<br />

por sua mente se entrega àquilo que<br />

seu espírito medita.<br />

Por esta forma de oração o homem<br />

une-se intimamente a Deus,<br />

sobretudo porque esta ligação se dá<br />

através de Maria, Medianeira de todas<br />

as graças.<br />

Alguém poderia perguntar: “Qual<br />

o sentido de rezar vocalmente a Nossa<br />

Senhora enquanto se medita em<br />

outra coisa? Não podia ser algo mais<br />

simples? Não seria mais fácil medi-<br />

26


vitória!<br />

Tempo houve<br />

em que todo católico<br />

trazia o Rosário<br />

habitualmente<br />

consigo, não apenas<br />

como objeto de<br />

contar Ave-Marias,<br />

mas como<br />

instrumento que<br />

atraía as<br />

bênçãos de Deus<br />

Arquivo revista<br />

27


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

tar antes, e depois rezar dez Ave-<br />

Marias?”<br />

A resposta é muito simples. Cada<br />

mistério contém, nos seus pormenores,<br />

elevações sem fim, as quais nosso<br />

pobre espírito está procurando<br />

sondar... Ora, para fazê-lo com toda<br />

a perfeição, precisamos ser auxiliados<br />

pela graça de Deus, e tal graça<br />

nos é dada pelo auxílio de Nossa<br />

Senhora. Ou seja, pronuncia-se<br />

a Ave-Maria para pedir que a<br />

Virgem Santíssima nos obtenha<br />

as graças para bem meditar.<br />

Obra-prima da<br />

espiritualidade<br />

católica<br />

No Rosário encontramos<br />

pequenos, mas<br />

preciosos tesouros teológicos<br />

que o tornam<br />

uma obra-prima da espiritualidade<br />

e da Doutrina Católica. Esta devoção<br />

contém enorme força e substância;<br />

ela não é apenas feita de emo-<br />

Quisera eu,<br />

no momento em que<br />

todos os justos<br />

forem convocados<br />

à Ressurreição,<br />

meu primeiro ósculo<br />

seja ao Rosário<br />

que eu encontrar em<br />

minhas mãos.<br />

ções; pelo contrário, é séria, cheia de<br />

pensamento, com razões firmes. Ela<br />

constitui a vida espiritual do varão<br />

S. Hollmann<br />

Arquivo revista<br />

À esquerda, <strong>Plinio</strong> por ocasião de sua<br />

primeira comunhão. À direita, pintura<br />

representando a batalha de Lepanto.<br />

28


católico como um sólido e esplendoroso<br />

edifício de conclusões e certezas.<br />

Além disso, a meditação de cada<br />

mistério da vida de Nosso Senhor<br />

proporciona ao fiel receber graças<br />

próprias ao fato que está contemplando.<br />

Ao analisarmos as incontáveis<br />

graças que Maria Santíssima vem<br />

distribuindo por meio da recitação<br />

do Santo Rosário, vemos nele algo<br />

que o torna superior a outros atos de<br />

piedade mariana. Ora, qual é a razão<br />

disto?<br />

Antes de mais nada, vale salientar<br />

que Nossa Senhora, sendo excelsa<br />

Rainha, tem o direito de estabelecer<br />

suas preferências! E Ela quis elevar<br />

esta devoção além das outras, distribuindo<br />

graças especialíssimas através<br />

da recitação do Santo Rosário.<br />

Batalha de Lepanto<br />

Entre as diversas graças insignes<br />

alcançadas pela recitação do Rosário<br />

está a vitória obtida pela Cristandade<br />

na Batalha de Lepanto.<br />

São Pio V, então Pontífice, encontrava-se<br />

aflito diante da ameaça<br />

otomana que cercava a Europa cristã.<br />

Ordenou, então, que toda a Cristandade<br />

rezasse o Rosário a fim de<br />

suplicar a intervenção de Nossa Senhora.<br />

Antes da terrível batalha ocorrida<br />

no Golfo de Lepanto, a sete de outubro<br />

de 1571, entre as hostes cristãs<br />

e muçulmanas, os soldados católicos<br />

rezavam o Rosário com grande<br />

devoção.<br />

Segundo testemunharam os<br />

próprios adversários, a Santíssima<br />

Virgem apareceu-lhes durante<br />

a batalha, infundindo-lhes grande<br />

pavor.<br />

Para comemorar a grande vitória<br />

obtida neste dia, o Santo Padre instituiu<br />

a festa de Nossa Senhora do<br />

Rosário, a qual, no século XVIII,<br />

foi estendida a toda a Igreja Católica<br />

por determinação do Papa Clemente<br />

XI.<br />

Uma vez que por meio do Santo<br />

Rosário a Cristandade tem obtido<br />

tão grandes vitórias, não temos<br />

razão suficiente para esperar, por<br />

meio da recitação desta oração, a vitória<br />

em todas as lutas travadas ao<br />

longo de nossa existência?<br />

Resolução de rezar<br />

sempre o rosário<br />

Um fato ocorrido na vida de Santo<br />

Afonso Maria de Ligório mostra-nos<br />

que, sobretudo, numa grande<br />

luta o Rosário é penhor de vitória.<br />

O santo era conduzido em cadeira<br />

de rodas, por um irmão de hábito,<br />

através dos corredores do convento,<br />

quando perguntou se já haviam rezado<br />

todo o Rosário. O companheiro<br />

lhe respondeu:<br />

— Não me lembro.<br />

— Rezemos, então. Disse o santo.<br />

— Mas o senhor está cansado!<br />

Que mal há um só dia deixar de rezar<br />

o Rosário?<br />

— Temo por minha salvação eterna<br />

se o deixasse de rezar por um só<br />

dia.<br />

É justamente isso que devemos<br />

pensar e sentir: o Rosário é a grande<br />

garantia de nossa perseverança final.<br />

Devemos pedir à Santíssima Virgem<br />

a graça de rezar o Rosário todos<br />

os dias de nossa vida.<br />

Gostaria ainda de dar uma recomendação<br />

para os membros de nosso<br />

Movimento: nunca deixarem o<br />

Rosário, de modo que, mesmo dormindo,<br />

procurem ter o Rosário à<br />

mão, de maneira tal que o sintam<br />

consigo. E, se tiverem receio de que<br />

ele caia — devemos tratá-lo com toda<br />

a reverência —, pendurem-no ao<br />

pescoço, ou o coloquem no bolso.<br />

“Eu quisera ressuscitar<br />

com o Rosário em<br />

minhas mãos”<br />

Quando as nossas mãos não puderem<br />

mais abrir-se nem fechar-se,<br />

e forem movimentadas por outros<br />

que nos assistam, tenhamos, como<br />

última atitude de oração, o Rosário<br />

enleado em nossos dedos, de<br />

maneira que, quando chegar a Ressurreição<br />

dos mortos e de dentro do<br />

caixão nosso corpo retomar a vida,<br />

entre seus dedos vivificados esteja<br />

o Santo Rosário. Quisera eu que,<br />

no momento em que todos os justos<br />

forem convocados à Ressurreição,<br />

meu primeiro ósculo fosse no<br />

Rosário que eu encontrasse em minhas<br />

mãos.<br />

Eis um conselho para depois da<br />

Ressurreição — nunca ouvi dizer<br />

que se desse conselhos, ou se fizesse<br />

alguma combinação para essa hora,<br />

mas proponho uma combinação:<br />

Quando todos ressuscitarmos, entre<br />

os resplendores da Ressurreição,<br />

lembremo-nos: “Estava combinado!”,<br />

e então osculemos o Rosário!<br />

Assim este Movimento, que é de<br />

Nossa Senhora, ressuscitará tendo<br />

nas mãos seu Santo Rosário! v<br />

(Extraído de conferências de<br />

7/10/1964 e 10/3/1984)<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

No passado perene,<br />

o futuro...<br />

Tomando<br />

parte na Liga<br />

Hanseática,<br />

a cidade de<br />

Bremen exerceu<br />

um importante<br />

papel histórico.<br />

Porém, foi a<br />

beleza de sua<br />

arquitetura que<br />

a fez atravessar<br />

os séculos.<br />

N<br />

o decorrer de tantos séculos<br />

de História, a cultura<br />

europeia revelou que possuía<br />

de forma incomum o gosto pelo<br />

maravilhoso, no sentido mais profundo<br />

do termo: almejava ela, coisas<br />

de grande valor e categoria, capazes<br />

de produzir no espírito humano uma<br />

sensação de enlevo e entusiasmo tão<br />

intensa que pareciam transcender a<br />

capacidade humana de maravilhamento.<br />

E que, ademais, por sua nobreza<br />

e distinção, preparavam, em<br />

última análise, os espíritos para que<br />

tivessem apetência das coisas divinas.<br />

Esse anseio pelo belo era, portanto,<br />

um instrumento natural, utilizado<br />

para dirigir e dispôr as almas<br />

a fim de receberem o auxílio sobrenatural<br />

da graça de Deus, o qual reservara<br />

grandes dons para a vida futura,<br />

àqueles que Lhe foram fiéis na<br />

presente.<br />

Não obstante, é possível verificar<br />

entre os povos outra atitude de alma<br />

diversa desta, na qual o maravilho-<br />

30


M. <strong>Dr</strong>eher, Arquivo revista.<br />

so não ocupa praticamente lugar algum.<br />

Tal como alguém que, vivendo<br />

diante de magníficos panoramas marítimos,<br />

edificasse sua casa de costas<br />

para o mar, não apreciando tão evocativo<br />

ambiente.<br />

Como corretivo para tal defeito,<br />

nada há melhor do que exercitar a<br />

apetência pelo sublime. Ele pode ser<br />

31


A totalidade das<br />

construções da praça<br />

da cidade causa uma<br />

impressão encantadora<br />

de leveza, pelas formas<br />

pontiagudas e esguias<br />

que quase não tocam no<br />

solo, com um aspecto<br />

de conto de fadas.<br />

Catedral de Bremen.<br />

facilmente encontrado nas construções,<br />

nos templos e até mesmo nas<br />

praças...<br />

Um exemplo característico é a cidade<br />

de Bremen, Alemanha: uma<br />

gloriosa cidade medieval, à espera<br />

de quem vá contemplá-la.<br />

Importante papel<br />

histórico<br />

Bremen tomara parte na Liga<br />

Hanseática 1 , que era constituída<br />

principalmente por Hamburg,<br />

Lü-beck e Dantzig. Tais cidades<br />

adotaram uma forma de governo<br />

pela qual a população<br />

elegia os representantes<br />

para constituírem a câmara<br />

municipal. Porém,<br />

na realidade, o governo<br />

acabava por tocar a<br />

uma aristocracia cons-<br />

32


Banco Municipal, localizado na praça central da cidade.<br />

tituída por famílias que se dedicavam<br />

ao comercio e à indústria.<br />

Tal era a pujança da famosa Liga<br />

Hanseática, que esta chegou a possuir<br />

marinha própria, auxiliando até<br />

mesmo aos imperadores do Sacro<br />

Império Romano Alemão, e sendo<br />

durante certo tempo uma das maiores<br />

potências da Europa.<br />

Dentre as capitais desta Liga estava<br />

Bremen. Como essas cidades<br />

eram governadas pelas prefeituras,<br />

estas se tornavam os símbolos de autonomia<br />

da cidade, sendo ornamentadas<br />

com dignidade e beleza. Por<br />

esta razão, tanto na Alemanha como<br />

também nos Países Baixos, lugares<br />

em que o municipalismo muito<br />

se desenvolvera, encontram-se paços<br />

municipais que parecem ser verdadeiros<br />

palácios régios.<br />

Irregular simetria?<br />

Nesta pitoresca cidade há uma sede<br />

municipal chamada Rathaus, ou<br />

Casa do Conselho. Esta se encontra<br />

numa praça que tem ao fundo a Catedral<br />

da cidade. A Catedral forma<br />

um conjunto com o prédio e com as<br />

dependências e os edifícios análogos<br />

que se escoram graciosamente em<br />

suas paredes.<br />

De forma irregular, que convém,<br />

entretanto, à simetria com a disposição<br />

dos edifícios, a praça, provavelmente<br />

mais recente, foi idealizada<br />

de modo judicioso e muito adequado,<br />

com um toque de leveza, devido<br />

ao mosaico de pedras que encontrase<br />

no centro.<br />

Caso fosse possível fazer em alguma<br />

parte desta praça uma fonte<br />

de água elegante, leve e bonita,<br />

até mesmo com as técnicas modernas<br />

de iluminação com coloridos diversos<br />

— como no Bois de Boulogne,<br />

em que há no fundo das fontes, luzes<br />

de magníficas cores, causando a impressão<br />

de pedras preciosas líquidas;<br />

são topázios, ametistas, rubis que estão<br />

continuamente elevando-se e<br />

caindo —, se acrescentaria um toque<br />

ainda mais belo ao ambiente.<br />

Colocada em lugar um tanto assimétrico,<br />

está uma torre antiga, condizente<br />

com os demais monumentos,<br />

que era provavelmente uma<br />

fonte. O urbanismo moderno infelizmente<br />

não utiliza fontes de água,<br />

o que poderia atenuar, em parte, a<br />

irremediável feiura das metrópoles<br />

modernas. Todo o ambiente é antigo<br />

e medieval, ou ao menos traz as<br />

reminiscências desta época, o que se<br />

faz notar pelas figuras que adornam<br />

os edifícios, a Catedral e até mesmo<br />

as ruas.<br />

Um convite a<br />

elevar-se ou... a flutuar<br />

Em certos períodos da História, o<br />

telhado foi muito utilizado pela arquitetura<br />

europeia como elemento<br />

de decoração. Como na Catedral<br />

de Santo Estevão em Viena, e em<br />

outros prédios, utilizavam-se diversas<br />

cores de ardósia formando belos<br />

desenhos. O cobre era também<br />

empregado na decoração dos telhados,<br />

pois com o passar do tempo ele<br />

azinhavra, adquirindo um lindo tom<br />

verde-esmeralda, assemelhando-se<br />

a uma grande pedra preciosa. O tipo<br />

perfeito de telhado não deve pesar,<br />

e por outro lado dar a ideia de<br />

algo que eleva e convida para subir.<br />

Tanto a cor quanto a forma pontiaguda<br />

comunicam ao edifício alegria<br />

e leveza, pois há um contínuo convite<br />

para elevar-se.<br />

Como se tratava de edifícios públicos,<br />

havia reuniões e concentrações<br />

populares nas quais era preciso<br />

que o povo pudesse reunir-se no<br />

edifício, abrigado da chuva. Por essa<br />

razão a parte térrea dos prédios<br />

é composta de uma série de ogi-<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

vas que dão para uma galeria aberta,<br />

onde as pessoas podiam inclusive<br />

passear.<br />

A totalidade das construções dessa<br />

praça causa uma impressão encantadora<br />

de leveza, pelas formas<br />

pontiagudas e esguias que quase não<br />

tocam no solo, com um aspecto de<br />

conto de fadas. Para essa leveza concorre<br />

também a diferença de cores:<br />

verde-esmeralda, vermelho claro entremeado<br />

com o bege que se prolonga<br />

pelas pedras. Um jogo de cores<br />

tão delicado, tão leve, que se tem<br />

a impressão de que, colocados sobre<br />

uma jangada, esses edifícios passariam<br />

para as ondas a flutuar e não<br />

iriam para o fundo — aliás, seriam<br />

lindíssimos palácios flutuantes. O<br />

imponderável que deflui do prédio é<br />

de uma grande nave flutuando nesse<br />

mar de pedra que é a praça. Este é o<br />

Paço Municipal de Bremen.<br />

Enquanto esse prédio sorri, a Catedral,<br />

pelo contrário, transmite uma atmosfera<br />

de majestade e de força. Aspecto<br />

majestoso, forte e sério que relembra<br />

uma das facetas da Santa Igreja,<br />

que é sua divina severidade. Quando<br />

bem construída, toda igreja espelha<br />

um aspecto da Religião Católica.<br />

O efeito produzido pelas lindas e<br />

imensas torres da Catedral é como<br />

alguém que afirmasse: “Isso mesmo!<br />

Não só afirmo e finco o pé no chão,<br />

mas levanto a cabeça, e com toda a<br />

altura de minha estatura te olho, ó<br />

transeunte, para te dizer que a Igreja<br />

nunca muda, que a Igreja não passa,<br />

que Ela é eterna, e que tu tens que<br />

olhar com respeito para a severidade<br />

dos princípios que Ela emite.”<br />

O tempo passou inclemente, mas<br />

as pedras aguentaram altaneiras os<br />

percalços e as intempéries, produzindo<br />

a impressão de consistência<br />

pelo embate de mil tempestades pelas<br />

quais tiveram de passar, o que<br />

lhes dá um aspecto de seriedade e<br />

de sabedoria. Isso produz um choque<br />

ou uma discrepância harmônica<br />

com o restante dos edifícios que<br />

Para a leveza dos<br />

edifícios concorre a<br />

diferença de cores: verdeesmeralda,<br />

vermelho claro<br />

entremeado com bege.<br />

Um jogo de cores tão<br />

delicado, tão leve, que<br />

se tem a impressão de<br />

que, colocados sobre<br />

uma jangada, esses<br />

edifícios passariam<br />

pelas ondas a flutuar e<br />

não iriam ao fundo.<br />

Diversos aspectos da praça<br />

central de Bremen.<br />

34


compõem a praça. É o maravilhoso<br />

da severidade, do combativo, do altaneiro,<br />

ao lado do maravilhoso, do<br />

delicado, do gracioso, do harmonioso,<br />

do flutuante. São duas formas diversas<br />

do maravilhoso que, juntas,<br />

constituem pelo seu próprio contraste<br />

uma só única e harmoniosa maravilha.<br />

Essa é uma das mil maravilhas<br />

da maravilhosa Europa antiga...<br />

A alma medieval era profundamente<br />

embebida pelo sobrenatural,<br />

ao ponto de realizar, mesmo sem a<br />

intenção expressa, maravilhas como<br />

esta. Era uma sabedoria esparsa por<br />

toda a Idade Média, e um patrimônio<br />

comum da Cristandade, que levava<br />

as pessoas a agirem bem e fazerem<br />

as coisas retamente, muitas vezes até<br />

sem saber bem o porquê; era o dom<br />

de sabedoria entranhado nas almas.<br />

Nesse estado de alma, era-lhes possível<br />

encontrar todos os tesouros da<br />

sabedoria. Pois os sentimentos mais<br />

profundos do homem apresentam-se<br />

muitas vezes da seguinte forma: para<br />

uma mãe que sabe tratar de seus filhos,<br />

não é necessário estudar Pedagogia<br />

para ser uma excelente mãe.<br />

Do fundo de seu amor materno, instintivamente,<br />

ela retira os recursos<br />

para ser uma boa mãe. É melhor do<br />

que se ela tivesse estudado.<br />

A arte perfeita<br />

na era da perfeição!<br />

As técnicas atuais descreveriam<br />

esse edifício de modo inteiramente<br />

oposto ao que foi aqui realizado. Entretanto,<br />

a técnica pura não move e,<br />

pelo contrário, tende a matar o espírito.<br />

Talvez dissessem: Rathaus da cidade<br />

de Bremen, século tal; material<br />

empregado: pedras especiais que se<br />

encontram em tal montanha, de onde<br />

lhe vem, por uma reação química,<br />

a consistência e a durabilidade<br />

de seu vermelho. Foram trabalhadas<br />

em estilo românico e renascentista,<br />

sob as ordens de tal mestre no<br />

século tal. Existem arcadas que medem<br />

tanto por tanto. Neste edifício<br />

passaram-se os seguintes fatos históricos:<br />

foi aí proclamada a famosa insurreição<br />

de Bremen contra seu governador;<br />

também aí soou pela primeira<br />

vez o alarme pela penetração<br />

das tropas napoleônicas em Bremen,<br />

em tal ocasião; duramente bombardeada<br />

durante a Primeira Guerra<br />

Mundial, serviu de Quartel-General<br />

aos aliados.<br />

A explicação apresentada desta<br />

forma causa-nos a sensação da descrição<br />

de um cadáver reduzido ao esqueleto,<br />

onde não restou nada mais que<br />

a ossatura. Um jovem que fosse a um<br />

museu e lá ouvisse uma explicação como<br />

esta, dificilmente sairia entretido.<br />

De outra forma, quando são realçados<br />

os aspectos sublimes e elevados<br />

desse ambiente, dos costumes<br />

aí vividos e da civilização que<br />

edificou este local, tudo parece tomar<br />

novo vigor, produzindo a sensação<br />

de perenidade. Pois se é verdade<br />

que Deus existe, não seria<br />

possível que uma coisa como esta<br />

estivesse definitivamente mor-<br />

ta. Ele não pode permitir que algo<br />

assim desapareça, e que nunca<br />

mais algo de análogo venha a brilhar<br />

como um valor que oriente os<br />

homens. Se isso acontecesse, certamente<br />

o mundo acabaria, porque<br />

a glória de Deus não poderia permitir<br />

que haja novos séculos e novas<br />

civilizações construídas sobre o<br />

conspurcado.<br />

A certeza de que virá algo imensamente<br />

superior e mais belo do que<br />

foi realizado no passado, enche-nos<br />

a alma, robustecendo nossa esperança<br />

na vinda de uma era onde Nossa<br />

Senhora reinará plenamente: o Reino<br />

de Maria. E nisso consiste a perspectiva<br />

última do maravilhoso: ver<br />

no passado o perene; no perene, o<br />

futuro.<br />

Compete, portanto, aos filhos da<br />

luz, explicitar tudo aquilo que o medieval<br />

possuía implicitamente, pois<br />

esse é o requinte da perfeição. Explicitar<br />

para viver, mas também para<br />

dar maior coesão e consistência<br />

ao Reino de Maria, criando uma escola<br />

de pensamento que comunique<br />

uma intenção consciente e harmônica,<br />

porém não-racionalista, vinda do<br />

sentimento em sua boa espontaneidade,<br />

para a elaboração de um estilo<br />

artístico inédito.<br />

Será a arte medieval? Será outro<br />

estilo de arte? Os românicos não podiam<br />

imaginar o gótico, e inesperadamente<br />

o gótico apareceu. Não se<br />

pode saber, mas não sendo o gótico,<br />

será algo mais gótico do que o próprio<br />

gótico. Pois o caminho foi encontrado,<br />

e desse caminho não se<br />

sairá mais.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 14/8/1967)<br />

1) Aliança de cidades mercantis que<br />

manteve o poder de comércio sobre<br />

quase todo o Norte da Europa e o<br />

Mar Báltico.<br />

35


Mãe de<br />

Misericórdia -<br />

Roma (Itália).<br />

Ponde em mim os olhos de Vossa piedade<br />

Minha Mãe, eu sei bem, ou ao menos julgo saber bem, quais são os meus defeitos. Receio,<br />

porém, ter uma noção hipertrofiada de minhas qualidades. Vós bem sabeis como<br />

é uma coisa e como é outra.<br />

Não me interessa saber até que ponto minhas qualidades podem me obter o que eu preciso;<br />

nem me interessa saber até que ponto meus defeitos atraem sobre mim punições que eu poderia<br />

não sofrer se eu não os tivesse. Porque Vós vedes tudo isso e Vós rezais por mim com empenho<br />

de Mãe de Misericórdia. E onde entram os vossos méritos e a vossa súplica, o contributo<br />

de minha súplica é uma gota de água.<br />

Entretanto, Vós quereis a oração de vossos filhos. Olhai, pois, para as minhas necessidades,<br />

elas são um bramido que se levanta a Vós, pedindo-Vos aquilo que eu preciso.<br />

Tende pena de mim, ponde em mim os olhos de vossa piedade, e atendei-me.<br />

(Extraído de conferência de 22/11/1988)<br />

R. C. Branco

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