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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>151</strong> Outubro de 2010<br />
A felicidade de<br />
fazer o bem
São Pedro de Alcântara -<br />
Escorial, Madrid.<br />
Modelo de<br />
penitente<br />
Sumamente penitente, São Pedro<br />
de Alcântara foi a própria<br />
personificação da penitência na<br />
Igreja Católica, durante o século XVI.<br />
Os grandes santos sofredores, os<br />
grandes santos penitentes, são aqueles<br />
que pelo exemplo e pelo deslumbramento<br />
de sua entrega, mantêm nos homens o<br />
espírito de penitência necessário.<br />
Isto fez São Pedro de Alcântara numa<br />
época em que a Renascença começava<br />
a tomar conta do mundo e o espírito<br />
de penitência era abominado. Época<br />
em que, devido à explosão do orgulho<br />
e da sensualidade, manifestou-se uma<br />
tendência universal para transformar a<br />
vida num ininterrupto prazer.<br />
Peçamos a São Pedro de Alcântara a<br />
graça de admirarmos e imitarmos o seu<br />
exemplo em nosso tempo.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 19/10/1964)<br />
S. Hollmann<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>151</strong> Outubro de 2010<br />
Ano XIII - Nº <strong>151</strong> Outubro de 2010<br />
A felicidade de<br />
fazer o bem<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
durante uma<br />
conferência na<br />
década de 80.<br />
Foto: M. Shinoda<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Editorial<br />
4 A felicidade de fazer o bem<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Outubro de 1945:<br />
Os católicos e a reforma constitucional do País<br />
Dona Lucilia<br />
6 O estado de espírito de Dona Lucilia<br />
ante o sofrimento<br />
O Santo do mês<br />
8 15 de Outubro: Santa Teresa<br />
de Ávila, uma alma universal<br />
De Maria Nunquam Satis<br />
14 Nossa Senhora, Rainha do universo<br />
O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
20 O Homem-Deus<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
26 Finura no trato e santidade<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum .............. R$ 90,00<br />
Colaborador .......... R$ 130,00<br />
Propulsor ............. R$ 260,00<br />
Grande Propulsor ...... R$ 430,00<br />
Exemplar avulso ....... R$ 12,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 O Versailles da Idade Média - II<br />
Última página<br />
36 A realeza de Maria Santíssima<br />
3
Editorial<br />
A felicidade de fazer o bem<br />
C<br />
ortesia, polidez, gentileza, amizade... são conceitos muito afins com <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
Quando menino, eu possuía colegas com os quais, de vez em quando, estabelecia amizade.<br />
No primeiro período da amizade havia simpatia mútua, interesse, agrado. Mas, em determinado<br />
momento, parecia-me perceber o fundo da mentalidade de meu companheiro, e com isso sua companhia<br />
ficava sem graça, perdia a atração.<br />
Vinha-me, então, uma sensação frustrante: “À distância, as pessoas dão-nos uma boa impressão, mas<br />
quando as conhecemos de perto, percebemos algo que repele.”<br />
Isto, naturalmente, quando não dava em ruptura, gerava pelo menos um trato tenso.<br />
Qual seria, entretanto, o fundo deste desapontamento? O que faltaria para a continuidade dessa<br />
amizade? O próprio <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> responde:<br />
Lendo fatos relativos ao Ancien Régime — onde a cortesia estava presente no trato, e correspondia<br />
a um hábito social —, eu percebia como as pessoas daqueles tempos viam-se numa perspectiva<br />
completamente diferente: elas possuíam alegria por causar alegria, satisfação por causar satisfação. O<br />
convívio era outro, a douceur de vivre estava implantada entre os homens...<br />
Esta ideia levou‐me à seguinte pergunta: No tempo pagão, isto era assim?<br />
A resposta era clara, bastava olhar para a História. Tomemos, por exemplo, um romano que manda<br />
chamar o escravo, e lhe diz: “Quero matar um inimigo, e para isso preciso testar este veneno. Você vai,<br />
então, tomá-lo para que eu possa ver se ele é forte o suficiente.” E o escravo morria em meio a contorções<br />
terríveis, diante de seu dono.<br />
Quer dizer, os pagãos importavam-se apenas com suas vantagens próprias; a felicidade dos outros não<br />
lhes interessava.<br />
Ora, em comparação com os antigos tempos, nas pessoas de minha geração, por mais que o trato não<br />
fosse igual ao dos romanos, a cortesia era meio cinematográfica. Pode‐se dizer que ela estava morrendo<br />
para dar lugar ao trato correto, mas que não possuía mais as doçuras de outrora.<br />
Eu pensava: “Se eu conhecesse alguém capaz daquela dedicação, daquela solidariedade, eu começaria<br />
a achar sua companhia interessante e teria alegria em me dedicar também a ele.”<br />
***<br />
Quatro palavras explicam a história da doçura entre os homens: Nosso Senhor Jesus Cristo!<br />
Ele veio à Terra quando o mundo estava imerso na noite das mais densas trevas. Então a alegria de ser<br />
bom, de fazer o bem começou a fulgir entre os homens.<br />
“Pertransivit benefaciendo — passou pela vida fazendo o bem”. O tempo inteiro, desde o começo<br />
até o fim, Nosso Senhor fez o bem. E com o transbordamento, com a abundância que conhecemos: por<br />
mais que os discípulos tivessem dormido no Horto das Oliveiras, quando Ele foi preso deu ordem aos<br />
carrascos: “A estes, deixai‐os ir em paz.”<br />
Para termos a verdadeira alegria na alma, para termos a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo diante dos<br />
olhos, saibamos nos sacrificar pelos outros sem esperar retribuição. Quando nos dermos conta, o aroma<br />
do convívio entre nós estará embalsamado, perfumado e agradável. É Cristo Nosso Senhor que estará<br />
presente.<br />
(Extraído de conferência de 1/6/1985)<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
Outubro de 1945<br />
Os católicos e a<br />
reforma constitucional<br />
do País<br />
Ao ser entrevistado pelo “Diário da Noite”,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, enquanto ex-deputado<br />
constituinte, assim se exprimiu acerca<br />
das responsabilidades da nova Assembleia<br />
Constituinte:<br />
A reforma política pela qual ora passa o país é<br />
uma necessidade. E, de fato, ela não poderia realizar-se<br />
a tempo, caso se seguissem os trâmites estabelecidos<br />
no regime de 1937. Essa reforma terá<br />
profunda importância sobre os destinos do Brasil,<br />
e exige a cooperação franca e desinteressada de todas<br />
as forças vivas do País.<br />
(“Diário da Noite”: E a futura Assembleia, terá<br />
ela caráter constituinte?)<br />
Só seria possível opinar sobre as funções que<br />
a futura Assembleia deverá exercer, depois de<br />
um atento e demorado estudo do Ato Adicional.<br />
O problema é sério, e exige madura ponderação.<br />
Quanto à Assembleia Constituinte de 1934, acho<br />
que a obra que ela realizou foi, debaixo de muitos<br />
pontos de vista, falha e precária. Não creio, porém,<br />
que lhe tivesse sido possível fazer muito melhor.<br />
A Constituinte de 34 refletiu de modo fiel as<br />
tendências instáveis da opinião nacional em franca<br />
evolução do liberalismo outré 1 de 1891, para<br />
formas estatais de um caráter mais acentuadamente<br />
social. Esse ecletismo, apontado por muitos<br />
como um índice de inferioridade, era de fato<br />
o sinal genuíno de sua adaptação à realidade nacional<br />
do momento. Parece-me que o regime constitucional<br />
poderia ter tido duração maior, se não<br />
fosse o uso imprudente que fizeram da Constituição.<br />
Isto do ponto de vista temporal. Do ponto de<br />
vista espiritual, a Constituição de 34 assinalou a<br />
ruína definitiva do laicismo do Estado, e deu à Religião<br />
Católica certas garantias de valor: ensino religioso,<br />
indissolubilidade do vínculo conjugal, capelanias<br />
militares, etc. Foi um grande triunfo da<br />
Liga Eleitoral Católica.<br />
(“Diário da Noite”: Que acha das responsabilidades<br />
da futura Assembleia?)<br />
Do ponto de vista temporal, ela deverá enfrentar<br />
problemas delicadíssimos. Sem prejuízo da<br />
plasticidade que as circunstâncias impuseram, a<br />
Assembleia deverá preservar as características cristãs<br />
de nossa civilização que se marcaram tão profundamente<br />
em nossas tradições jurídicas e sociais.<br />
É este o supremo valor que, de qualquer maneira,<br />
deverá ser preservado contra as lufadas da<br />
crise contemporânea. É preciso reagir contra os fatores<br />
de dissolução que ameaçam o Brasil cristão.<br />
Muito especialmente, é preciso que o ensino religioso,<br />
a indissolubilidade do casamento e as capelanias<br />
militares sejam preservados.<br />
1) Exagerado, excessivo.<br />
5
Dona Lucilia<br />
O estado de espírito de Dona<br />
Lucilia ante o sofrimento<br />
Talis vita finis ita — tal vida, tal morte! Este célebre adágio<br />
latino vem-nos ao espírito quando analisamos o modo de<br />
ser de Dona Lucilia ante os sofrimentos e adversidades.<br />
Pois a serenidade e a delicadeza de alma que ela teve<br />
durante a vida foram as mesmas que se manifestaram na<br />
hora de sua morte.<br />
Em diversas ocasiões, eu vi<br />
mamãe sofrer. Em todas<br />
elas o aspecto preponderante<br />
era o seguinte: quando o sofrimento<br />
era causado por alguém<br />
dos círculos dela, o qual havia prejudicado<br />
algum direito seu, procedendo<br />
mal em relação a ela, o so-<br />
frimento dela consistia em considerar<br />
o pecado.<br />
Ela possuía pena de quem o praticou,<br />
mas sobretudo lhe pesava ver<br />
Deus ofendido, o bem calcado aos<br />
pés, o mal que de todo modo deveria<br />
ser evitado, tendo sido praticado pela<br />
miséria de alguém.<br />
E só mesmo depois de analisar<br />
profundamente a ofensa feita a<br />
Deus é que ela passava à consideração<br />
do mal que aquela falta poderia<br />
fazer a ela, ou para os filhos, ou para<br />
alguma outra coisa ou pessoa, e isso<br />
também lhe doía profundamente.<br />
Antes de tudo, no terreno moral,<br />
6
Em ambas as páginas, Dona Lucilia nas diversas fases de sua vida.<br />
no qual ela via uma recusa de afeto e<br />
de correspondência às suas boas intenções.<br />
Uma alma leal e equitativa<br />
como a dela, apesar de tão afetuosa,<br />
não se deixava iludir com o afeto insincero<br />
de outros, os quais lhe causavam<br />
profundo sofrimento.<br />
Ante os maiores<br />
sofrimentos,<br />
tranquilidade e dignidade<br />
No entanto, acima de tudo isso<br />
transparecia nela uma paz, uma<br />
tranquilidade que davam impressão<br />
de que a dor era uma montanha, na<br />
qual a alma dela subia, indo muito<br />
além de seu cume. Desta forma nunca<br />
se ouvia de seus lábios uma palavra<br />
amarga, ou um gemido desse gênero:<br />
“Por que Deus fez ou permitiu<br />
que se desse uma coisa dessas? O<br />
que vai acontecer agora?!” Seus lábios<br />
eram inteiramente imaculados<br />
de ditos deste gênero. Pelo contrário,<br />
tudo ela tomava com uma inteira<br />
confiança e com toda a normalidade.<br />
Por vezes era tão grande o sofrimento,<br />
que ela chegava a chorar. Era raro,<br />
mas quando se dava era um pranto<br />
doce, filial e confiante, durante o<br />
qual ela detinha seu olhar na imagem<br />
do Sagrado Coração de Jesus,<br />
que ficava no quarto dela, e continuava<br />
sofrendo, com dignidade e tranquilidade<br />
até o fim. Isto foi assim até<br />
o ocaso de sua vida.<br />
Lembro-me que esta delicadeza<br />
de alma dela se manifestou até mesmo<br />
na hora de sua morte.<br />
O último cintilar<br />
da delicadeza<br />
de Dona Lucilia<br />
Estava ela com noventa e dois<br />
anos de idade e muito doente. Em<br />
certa noite seu estado de saúde foi<br />
se agravando, e de manhã ela estava<br />
muito mal. Ela sabia que eu estava<br />
dormindo, e que estava doente,<br />
mas não sabia tratar-se de uma crise<br />
de diabetes que me fizera sofrer a<br />
amputação de alguns artelhos, e para<br />
não me incomodar foi sofrendo e<br />
chegando à agonia, sabendo que faltava<br />
pouco para a hora de eu me levantar,<br />
mas antes disso não queria<br />
me chamar. E com quanta dor para<br />
mim ela morreu sem me chamar. Estou<br />
certo que se ela soubesse que iria<br />
morrer, teria pedido para acordar-<br />
-me, pois ela sabia o quanto eu sofreria<br />
por não poder estar junto dela<br />
neste momento, mas a morte veio<br />
repentinamente. Mas era tal o respeito<br />
dela pelos outros, a preocupação<br />
pelo sofrimento insignificante de<br />
seu filho acordar antes do normal.<br />
Desta forma, ela, mesmo na hora do<br />
grande sofrimento da morte, permaneceu<br />
confiante, e acrescentando a<br />
esta bela jóia de sua alma, ornada de<br />
delicadeza e bondade, este último e<br />
reluzente brilhante.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 7/4/1989)<br />
7
O Santo do Mês<br />
–– * Outubro * ––<br />
1. Santa Teresa do Menino Jesus,<br />
virgem e Doutora da Igreja. Muito<br />
jovem ingressou no Carmelo de Lisieux.<br />
Pio XI a canonizou no ano de<br />
1925 e dois anos mais tarde a proclamou,<br />
junto a São Francisco Xavier,<br />
Padroeira Universal das Missões. No<br />
centenário de sua morte, foi declarada<br />
por João Paulo II Doutora da<br />
Igreja. (+1897)<br />
2. São Beregiso, abade. Fundou<br />
um mosteiro de cônegos regulares<br />
na região de Ardennes (Bélgica).<br />
(+c. 725)<br />
3. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Cipriano, Bispo de Toulon,<br />
Gália. (+c. 543)<br />
4. São Francisco de Assis, fundador.<br />
(+ 1226)<br />
5. Santa Flora, religiosa da Ordem<br />
de São João de Jerusalém. Dedicou<br />
sua vida ao cuidado dos doentes.<br />
(+1347)<br />
6. São Bruno, fundador. (+ 1101).<br />
7. Nossa Senhora do Rosário. Memória.<br />
8. São Félix, Bispo de Como. Foi<br />
ordenado por Santo Ambrósio. (séc.<br />
IV)<br />
9. Santo Inocêncio da Imaculada,<br />
presbítero passionista, e oito companheiros<br />
mártires. Padeceram o suplício<br />
em Turón (Astúrias) durante<br />
a perseguição religiosa na Espanha.<br />
Foram canonizados em 1999 por<br />
João Paulo II. (+ 1934)<br />
10. XXVIII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
11. Santo Alexandre de Sauli, bispo.<br />
12. São Félix IV, Papa. (+530)<br />
13. São Venâncio, abade. Apesar<br />
de casado, ingressou na vida monástica,<br />
com permissão da esposa. (séc. V)<br />
14. São Domingos Loricato. Seguindo<br />
o conselho de seu mestre,<br />
São Pedro Damião, fundou a comunidade<br />
eremítica da Santíssima Trindade<br />
do monte San Vicino, Itália.<br />
(+1060)<br />
15. Santa Teresa de Ávila, virgem<br />
e Doutora da Igreja<br />
16. Santa Margarida Maria Alacoque.<br />
Religiosa do convento de Paray-le-Monial<br />
(Ordem da Visitação),<br />
França. Recebeu revelações de Nosso<br />
Senhor para propagar a devoção<br />
ao Sagrado Coração de Jesus.<br />
(+1690)<br />
17. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Inácio de Antioquia, bispo<br />
e mártir. Discípulo de São<br />
João Evangelista, foi martirizado<br />
em Roma, sendo entregue às feras,<br />
durante o império de Trajano.<br />
(+107)<br />
18. São Lucas, Evangelista.<br />
19. São Phillip Howard, mártir.<br />
Conde de Arundel, padeceu por<br />
professar a Fé católica, sob a perseguição<br />
de Elizabeth I. (+ 1595)<br />
20. Santo André Calibita, monge<br />
cretense. Por defender o culto às<br />
imagens foi cruelmente torturado e<br />
depois lançado do alto de uma muralha.<br />
(+767)<br />
21. São Hilarião, abade. (+c. 371)<br />
22. São Marcos, Bispo de Jerusalém<br />
(séc. II)<br />
23. São João, Bispo de Siracusa,<br />
Sicília (Itália). (+c. 601)<br />
24. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />
25. Santo Antônio de Sant’Ana<br />
Galvão, religioso. (+ 1822)<br />
26. São Fulco, Bispo de Pavia (Itália).<br />
(+1229)<br />
27. Santo Evaristo, Papa. Foi o<br />
quarto sucessor de São Pedro. Morreu<br />
mártir no tempo de Trajano.<br />
(+c. 117)<br />
28. São Rodrigo Aguilar, presbítero.<br />
Martirizado durante a perseguição<br />
no México, em 1927.<br />
29. São Narciso, bispo e mártir.<br />
Exerceu seu ministério em Girona,<br />
(Espanha). (séc. IV)<br />
30. São Gerardo, Bispo de Potenza<br />
(Itália). (+ 1122)<br />
31. XXXI Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Antonino, Bispo de Milão.<br />
Lutou denodadamente contra o<br />
arianismo. (+c. 661)<br />
8
15 de Outubro<br />
Santa Teresa de<br />
Ávila, uma alma<br />
universal<br />
Possuidora de uma alma verdadeiramente<br />
católica, ante as devastações do<br />
protestantismo Santa Teresa se reafervorou<br />
e reformou o Carmelo, constituindo um dos<br />
principais elementos da Contra-Reforma.<br />
Santa Teresa de Jesus viveu<br />
na época em que o<br />
protestantismo deixara<br />
de ser uma centelha que começava<br />
a incendiar apenas uma<br />
parte da Alemanha para tornar-se<br />
um fogo invadindo o<br />
mundo inteiro. Na França —<br />
de onde vinham para a Espanha<br />
notícias muito mais frescas,<br />
por estar mais próxima da<br />
Alemanha —, o incêndio religioso<br />
era tremendo.<br />
Sobre este aspecto de sua<br />
vida, Rohrbacher faz as seguintes<br />
considerações:<br />
No primeiro capítulo de<br />
sua obra, “O Caminho da Perfeição”,<br />
Teresa explica os motivos<br />
que a levaram a estabelecer<br />
uma observância<br />
tão rigorosa no<br />
mosteiro carmelita de<br />
São José de Ávila.<br />
Diz ela: “Tendo conhecimento dos<br />
desastres, em França, da devastação<br />
que aí faziam os heréticos, e como essa<br />
infeliz seita aí se fortificava dia a<br />
dia, fui por isso tão vivamente tocada<br />
que, como se eu pudesse alguma coisa,<br />
ou fosse alguma coisa, chorava em<br />
presença de Deus e implorava que remediasse<br />
tão grande mal.<br />
“Parecia-me que eu teria dado mil<br />
vidas para salvar uma só alma, do<br />
grande número delas que se perdiam<br />
nesse reino. Mas, vendo que era somente<br />
uma mulher, e ainda tão má e<br />
totalmente incapaz de prestar a Deus<br />
o serviço que eu desejava, acreditei,<br />
como acredito ainda, que, como há<br />
tantos inimigos e tão poucos amigos,<br />
eu devia trabalhar o quanto pudesse<br />
para fazer com que esses últimos fossem<br />
bons.<br />
“Assim, tomei a resolução de fazer<br />
o que dependia de mim para praticar<br />
os conselhos evangélicos com a maior<br />
9
O Santo do Mês<br />
perfeição que pudesse, e procurar levar<br />
esse pequeno número de religiosas<br />
que estão aqui, a fazer a mesma coisa.<br />
Nesse sentido, confiei-me à bondade<br />
de Deus, que não deixa jamais<br />
de assistir aqueles que a tudo renunciam<br />
por seu amor. Esperei<br />
que com essas boas moças, sendo<br />
como meu desejo as figurava,<br />
meus defeitos seriam cobertos<br />
por suas virtudes e poderíamos<br />
contentar a Deus em alguma<br />
coisa, ocupando-nos todas<br />
em rezar pelos pregadores, pelos<br />
defensores da Igreja e pelos homens<br />
sábios que sustentam discussões.<br />
Pois assim faríamos o que<br />
estava em nosso alcance para socorrer<br />
nosso Mestre, que esses traidores,<br />
que Lhe devem tantos benefícios, tratam<br />
com tanta indignidade, que parecem<br />
querer crucificá-Lo ainda e não<br />
deixar lugar algum onde Ele pudesse<br />
repousar a cabeça.”<br />
Ante o avanço do<br />
protestantismo, Santa<br />
Teresa se reafervora e<br />
reforma o Carmelo<br />
A reflexão de Santa Teresa é lindíssima.<br />
Simples religiosa de um<br />
convento carmelita, não propriamente<br />
corrupto, mas relaxado, ela<br />
mesma passou muito tempo na tibieza<br />
e na mediocridade quanto ao<br />
Santa Teresa - Paróquia<br />
de Riquewihr, Alsácia<br />
Santa Teresa<br />
possuía uma alma<br />
verdadeiramente<br />
universal, capaz<br />
de considerar os<br />
perigos nos quais se<br />
encontrava a Igreja<br />
Católica em seu todo.<br />
amor de Deus. Ela ouviu falar das<br />
devastações — naquele tempo muito<br />
grandes — que o protestantismo<br />
estava fazendo na França.<br />
Os protestantes tinham conquistado<br />
completamente um pequeno<br />
reino que havia no Sul<br />
desse país: Navarra. Além disso,<br />
tinham eles se espalhado<br />
por toda a França, e um terço<br />
da nação havia se tornado protestante.<br />
Faziam toda espécie<br />
de blasfêmias, de agressões às<br />
igrejas; era um verdadeiro incêndio<br />
religioso na França.<br />
As notícias desses fatos chegam<br />
à Espanha e ao conhecimento<br />
dessa freira. A graça de Deus toca<br />
a alma dessa religiosa e ela compreende<br />
o imenso desastre que isso<br />
representava. Em vez de ficar com<br />
ideias nacionalistas idiotas, pensando:<br />
“Aquilo é na França; estou na<br />
Espanha e não tenho nada a ver com<br />
o que se passa naquele país”, mas<br />
convicta da universalidade da Religião<br />
Católica, da Redenção de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, ela entendeu<br />
também que isso era um verdadeiro<br />
desastre para o mundo católico. Então,<br />
ela se pôs a chorar copiosamente,<br />
e daí veio a ideia de sua conversão.<br />
Alma verdadeiramente<br />
católica!<br />
Por outro lado, ela sabia naturalmente<br />
que a nação espanhola era<br />
10
muito mais fiel à Fé católica do<br />
que a nação francesa; portanto,<br />
para o país dela, naquelas circunstâncias,<br />
ao menos para prazo<br />
breve, o perigo não era grande.<br />
Tinha ela a felicidade de viver<br />
sob um grande rei católico,<br />
Felipe II, adversário acérrimo<br />
do protestantismo.<br />
Santa Teresa possuía uma<br />
alma verdadeiramente católica,<br />
quer dizer, universal, capaz<br />
de considerar não só os perigos<br />
nos quais se encontrava e os<br />
problemas da Igreja que tocavam<br />
a sua pessoa, mas também<br />
a causa da Igreja Católica como<br />
um todo, e de se interessar por<br />
essa causa, ainda que seu próprio<br />
país não estivesse atingido.<br />
Ou seja, ela amava a Igreja<br />
sem nacionalismo estreito, sem<br />
egoísmo, sem personalismos. Vemos<br />
aqui um grande exemplo de espírito<br />
sobrenatural que ela dava.<br />
Há muitas pessoas que começam<br />
a considerar apenas o que lhes<br />
é mais próximo; depois, por ampliações<br />
sucessivas, chegam até a uma<br />
visão geral das coisas. É um feitio de<br />
espírito, um modo de caminhar.<br />
Porém, é muito frequente encontrar<br />
pessoas que, fazendo-se católicas,<br />
se interessam apenas por sua paróquia,<br />
ou então pela sua diocese ou<br />
pelo seu país. Negócios católicos de<br />
outras nações são mais ou menos como<br />
o mundo da Lua; a ideia de uma<br />
Causa católica como um todo, elas<br />
não chegam a compreender. Ora,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> diante das muralhas de Ávila, em 1988.<br />
De onde lhe veio a ideia da conversão?<br />
Ela expõe esse assunto apenas<br />
de passagem aqui, mas em outros<br />
trechos isso fica mais claro. Santa Teresa<br />
fez o seguinte raciocínio: “Sou<br />
uma simples religiosa e, como mulher,<br />
nada posso fazer. A não ser o seguinte:<br />
os amigos de Deus são poucos<br />
e tíbios, enquanto que seus inimigos<br />
são muitos e ardorosos. Devo, portanto,<br />
rezar, imolar-me, renunciar a<br />
tudo para que os amigos de Deus se<br />
tornem mais fortes e sejam capazes<br />
de fazer face aos seus inimigos.”<br />
Então, afervorar, “catolicizar” os<br />
católicos era o meio de levar o inimiuma<br />
alma bem formada, que ama a<br />
Deus, precisa amá-Lo não somente<br />
na sua paróquia, mas no mundo inteiro.<br />
E, fundamentalmente falando,<br />
deve alegrar-se com os triunfos da<br />
Causa católica, desolar-se com suas<br />
derrotas, quer sejam no âmbito de<br />
sua vida ou fora dele, no próprio país<br />
ou no exterior. Esta é uma alma verdadeiramente<br />
católica, universal.<br />
Santa Teresa de Jesus possuía<br />
uma alma de fogo, com uma viva noção<br />
da Causa católica. Embora naquela<br />
época as comunicações entre<br />
a França e a Espanha fossem muito<br />
lentas, sendo preciso atravessar os<br />
Pirineus, com estradas muito ruins, o<br />
que tornava difícil a semeadura das<br />
doutrinas más das heresias, ela se<br />
entregou por inteiro à tarefa de reformar<br />
a Ordem do Carmo.<br />
Ideia de conversão<br />
11
O Santo do Mês<br />
go à derrota. Assim, tornava-se necessário<br />
que algumas freiras, as quais<br />
estavam ao seu alcance, se imolassem,<br />
rezassem, e ela mesma passasse<br />
da mediocridade para o fervor, a fim<br />
de conseguir que os pregadores, os<br />
doutores católicos, os batalhadores<br />
pelas armas católicas se tornassem<br />
capazes de derrotar os protestantes.<br />
Dessa ideia surgiu a reforma do<br />
Carmelo. E, naturalmente, graças<br />
incontáveis se derramaram sobre a<br />
França, em consequência das orações<br />
das carmelitas.<br />
Vemos que tudo isso foi inspirado<br />
por ideias altamente teológicas e sapienciais:<br />
a comunhão dos santos; o<br />
valor preponderante da oração e do<br />
sacrifício para a Igreja vencer suas<br />
grandes batalhas; “catolicizar” os católicos,<br />
como meio de vencer os não<br />
católicos e deter o furor destes últimos.<br />
É uma concatenação de ideias<br />
esplêndidas, que se ligam umas às<br />
outras, e têm, como desfecho, a reforma<br />
da Ordem do Carmo.<br />
1<br />
A reforma do<br />
Carmelo: um dos<br />
principais episódios<br />
da Contra-Reforma<br />
3<br />
Santa Teresa de Jesus apenas estabeleceu<br />
a reforma das<br />
Carmelitas Descalças.<br />
5<br />
12
2<br />
Humanamente falando, não é uma<br />
obra tão extraordinária. O que representa,<br />
sob o aspecto humano,<br />
multiplicar o número de conventos<br />
Embora tenha apenas<br />
estabelecido a reforma<br />
das Carmelitas<br />
Descalças, não há<br />
livro de História<br />
da Igreja que não<br />
mencione Santa<br />
Teresa entre os<br />
principais fatores da<br />
Contra-Reforma.<br />
1- Convento de Santa Teresa;<br />
2 e 3- Aspectos do claustro do<br />
silêncio, mosteiro de São Tomás,<br />
4- <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> avista a cidade de<br />
Ávila; 5- Santa Teresa de Ávila<br />
(Basílica de São Pedro, Roma).<br />
4<br />
de religiosas trancadas no seu convento?<br />
Ou, digamos, de mosteiros de<br />
padres fervorosos?<br />
Entretanto, não há História da<br />
Igreja, um pouco cuidadosa, que<br />
não mencione entre os principais<br />
fatos da Contra-Reforma, a reforma<br />
teresiana do Carmelo. Porque<br />
essa reforma teve um efeito extraordinário<br />
nos imponderáveis de toda<br />
a Cristandade. Em torno das carmelitas<br />
desencadeou-se um movimento<br />
de afervoramento, que foi<br />
um dos motores mais vigorosos da<br />
Contra-Reforma.<br />
Os padres carmelitas também atuaram<br />
da mesma maneira. Quer dizer,<br />
desenvolveram uma ação maior<br />
do que os meios humanos nela empregados,<br />
uma espécie de expansão<br />
de um espírito, de uma mentalidade,<br />
de uma atitude de alma, a qual<br />
teve como consequência um afervoramento<br />
geral dos católicos.<br />
A prioridade da<br />
vida interior<br />
Isso se explica muito mais pelo<br />
lado sobrenatural do que pelo natural.<br />
E nos mostra quanta razão temos<br />
em algumas impostações nossas:<br />
prioridade da vida interior sobre<br />
a vida ativa; preocupar-se mais<br />
em “catolicizar” os católicos do<br />
que conquistar não católicos para<br />
a Igreja Católica; a ideia de que a<br />
oração e o sofrimento valem mais,<br />
na luta contra os adversários, do<br />
que a ação; o desejo, entretanto, ardente<br />
da ação levada até suas últimas<br />
audácias, que caracterizavam o<br />
espírito de Santa Teresa de Jesus.<br />
Tudo isso faz com que percebamos,<br />
pela grande autoridade de Santa<br />
Teresa de Jesus, quantas concepções<br />
nossas são verdadeiras e, portanto,<br />
como a elas devemos ser fiéis.<br />
(Extraído de conferências<br />
de 14/10/1966 e 29/11/1969)<br />
13
De Maria Nunquam Satis<br />
Nossa Senhora,<br />
Rainha do universo<br />
Muito se tem comentado sobre o trecho do Gênesis que descreve<br />
a Criação do universo. Nele observamos que, descansando no<br />
sétimo dia e apreciando ser boa cada criatura individualmente, Deus<br />
considerou que o conjunto era ótimo.<br />
Qual será, entretanto, o papel da Santíssima Virgem<br />
nesse primeiro momento da Criação?<br />
Q<br />
uando a Terra era ainda<br />
“inanis et vacua” 1 , podemos<br />
imaginar, com base nas descrições<br />
de astrônomos a respeito das<br />
A criação do mundo -<br />
Metropolitan Museum<br />
of Art, Nova York.<br />
estrelas, os estágios pelos quais teria<br />
ela passado antes de tomar seu aspecto<br />
atual.<br />
Por exemplo, na etapa em que o<br />
globo terrestre não fosse senão uma<br />
matéria incandescente com coloridos<br />
diversos, estes constituiriam<br />
uma pirotecnia celeste, um divino<br />
fogo de artifício, o qual só Deus podia<br />
contemplar. Seria, de certa forma,<br />
um jato de fogo saído das mãos<br />
d’Ele para formar a Terra, com todo<br />
o verum, o bonum, o pluchrum.<br />
Tem-se a impressão de que a<br />
Terra, a natureza, ainda em<br />
seus primórdios, tinha uma<br />
pujança extraordinária.<br />
Com o passar do tempo<br />
tudo ia se concatenando,<br />
se ordenando, e<br />
belezas incontáveis<br />
se estabelecendo.<br />
Nessas eras primitivas<br />
não houve<br />
um aspecto dessas transformações<br />
que não significasse certa profecia<br />
a respeito do Divino Salvador e<br />
de Maria Santíssima.<br />
Tudo isso são meras hipóteses,<br />
e seria bonito que um astrônomo<br />
ou geólogo, repleto de espírito<br />
de Fé, estudasse as fases pelas<br />
quais passou a Terra, relacionando<br />
os aspectos que deveriam simbolizar<br />
movimentos de alma de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo e da Virgem<br />
Maria.<br />
A Terra em formação<br />
Consideremos que, após a Terra<br />
ter passado por fases assustadoras<br />
e aparentemente desordenadas<br />
por sua violência, Deus a foi temperando,<br />
fez com que ela se resfriasse e<br />
fosse mudando de aspecto.<br />
Já não havia aquelas imensas labaredas,<br />
aqueles ruídos estrondosos,<br />
aquelas crateras que se abriam. Dir-<br />
-se-ia que a Terra perdera a grandeza<br />
pré-apocalíptica daqueles primeiros<br />
tempos.
C. Aguirre<br />
Maria Medianeira - Catedral de Orvieto, Itália.<br />
Talvez um anjo, diante daquela<br />
transformação, tenha perguntado:<br />
“Senhor, por que deixais que isto<br />
fique assim? O que aconteceu para<br />
que as coisas revelassem menos a<br />
vossa magnificência?” E Deus simplesmente<br />
disse: “Vereis!”<br />
E, ao verem tudo em ordem, os<br />
anjos compreenderam ser essa ordem<br />
mais bela do que a magnificência<br />
de uma só coisa; o equilíbrio de<br />
uma situação global, abrangendo todas<br />
as pulcritudes anteriores ordenadas,<br />
tinha uma beleza superior, que<br />
não tocava tanto os sentidos, porém<br />
era mais apreciável pela mente, por<br />
isso mais digna dos anjos.<br />
Possivelmente, algum anjo ou todos<br />
eles tivessem cantado: “Graças<br />
Vos damos, Senhor, porque nós compreendemos<br />
agora o dom da inteligência<br />
que nos destes para inteligir<br />
aquilo que ficou menos chamejante<br />
e tonitruante, porém mais compreensível<br />
e belo do que tudo quanto Vós<br />
fizestes. A ordem global é mais bela<br />
do que a dos mais belos elementos,<br />
quando não cabem dentro dela.”<br />
E se isso acontecesse, Deus sorriria<br />
e responderia: “Vós não vistes nada!”<br />
Então, estando a Terra em ordem,<br />
Ele começa a criar vegetais, com<br />
exuberância colossal, árvores gigantes<br />
etc. Depois, ordena tudo: bosques,<br />
flores delicadas, frutos.<br />
Estabelecida a ordem entre os vegetais,<br />
Deus cria os animais enormes<br />
— talvez nessa etapa surgiram os dinossauros.<br />
Depois disso começa a<br />
pôr em ordem todos eles: os animais<br />
vão ficando menos terríveis, tudo vai<br />
se ordenando.<br />
Um novo Adão,<br />
uma nova Eva...<br />
Suponhamos que um profeta tivesse<br />
a revelação de quem seria Carlos<br />
Magno, e muito tempo antes<br />
mandasse preparar sua coroa, seu<br />
castelo, uma esplêndida sala com um<br />
imponente trono. Certo dia nascia<br />
Carlos Magno.<br />
Foi o que se deu com a Criação:<br />
quando a sala do trono estava pronta<br />
para receber o rei, Deus cria Adão,<br />
para reinar; de certa forma, tudo tinha<br />
sido criado em função dele, mas<br />
faltava ainda um aspecto do Criador<br />
a ser representado, e este não cabia<br />
a Adão; então, Deus cria da costela<br />
do homem a primeira mulher, Eva.<br />
Estavam criados o homem dos<br />
homens e a mulher das mulheres,<br />
ambos com dons extraordinários, capacidades<br />
incomparáveis. Quem seria<br />
capaz de imaginar como seria o<br />
homem antes do pecado?<br />
Vemos assim a vastidão de horizontes<br />
de Deus no planejar, e a amplitude<br />
de poderes ao executar, tudo<br />
feito na plenitude da perfeição.<br />
Porém, o primeiro casal deveria<br />
ser como a base de uma enorme<br />
montanha, que teria no ápice um novo<br />
Adão e uma nova Eva. No cimo<br />
deste monte estava uma Virgem, que<br />
deveria ser a Mãe perfeita e seria Esposa<br />
do próprio Deus, na qual Ele<br />
geraria o Homem-Deus. Este deveria<br />
ser o instante mais belo, mais nobre<br />
e mais elevado da Criação.<br />
Quão grandioso não terá sido o<br />
momento em que Deus fez do barro<br />
15
De Maria Nunquam Satis<br />
S. Miyazaki<br />
Somados aos sofrimentos próprios<br />
da morte, teve Nosso Senhor<br />
que padecer toda espécie de torturas<br />
e atrocidades. E, por não ter as fraquezas<br />
do subconsciente, Ele sentiu<br />
até a profundidade última de sua alma<br />
essa dissociação e ruptura.<br />
Nossa Senhora, por sua vez, conhecendo-O<br />
como ninguém e possuindo<br />
uma sabedoria superior à de<br />
qualquer outra criatura, via todas<br />
aquelas dores, o sangue correndo, a<br />
respiração arfando, a vida bruxuleando,<br />
e percebia inteiramente o tamanho<br />
daquele sofrimento.<br />
E em meio a tantas dores Ela<br />
nem sequer se sentou, e nem desmaiou.<br />
Mas, para o esmagamento<br />
do demônio, a redenção do gênero<br />
humano e pela glória de Deus, desejou<br />
que aquilo se desse, apesar dos<br />
sofrimentos causados a seu Divino<br />
Filho e a Ela. Que dores Maria Santíssima<br />
terá suportado! Que extraordinária<br />
força de vontade Ela possuía,<br />
para passar por cima dos sentimentos<br />
mais pungentes e fazer aquilo<br />
que a Fé e a razão indicavam! Isto<br />
tudo deveria formar um tumultuar<br />
harmônico na alma d’Ela, à semelhança<br />
do som de um órgão com todos<br />
seus registros ativados.<br />
Os fenômenos mais extraordinários<br />
da pré-história da Terra dão<br />
apenas uma ideia do que foi a força<br />
de alma de Nossa Senhora naquele<br />
momento.<br />
Quando as águas saíam das entranhas<br />
da Terra — assim imagino, pois<br />
não estou dando uma aula de Ciênum<br />
boneco e, soprando em suas narinas,<br />
lhe deu vida, criando assim o<br />
homem! Muitíssimo mais grandioso<br />
foi o instante no qual o Altíssimo tomou<br />
uma Virgem, pousou sobre Ela<br />
sua virtude, fazendo vir ao mundo o<br />
Homem-Deus.<br />
Tudo isso Nossa Senhora conheceu.<br />
Porque Maria Santíssima compreendia<br />
o que se passava dentro<br />
d’Ela, admirava e amava. E sua correspondência<br />
à graça dava mais glória<br />
a Deus do que tudo o que houve<br />
no passado e haverá no futuro. O<br />
que dizer diante de tal grandeza?<br />
Pois esse ato mais nobre do que a<br />
Criação do universo — a Encarnação<br />
do Verbo — se passou n’Ela, com a<br />
colaboração d’Ela. Sua alma santíssima<br />
e seu Sapiencial e Imaculado Coração<br />
tiveram alguma proporção com<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos anos 90.<br />
a Encarnação, enquanto que o Céu<br />
não tem proporção. Hic tacet omnis<br />
língua — Aqui se cala toda língua.<br />
Maria Santíssima e o<br />
“Consummatum est”<br />
Um estudo aprofundado desta temática<br />
nos ajudaria a compreender<br />
certas coisas inconcebíveis pelo espírito<br />
humano, como, por exemplo,<br />
o que se deu na alma de Nossa Senhora<br />
e na humanidade santíssima<br />
de Jesus no momento do “Consummatum<br />
est”.<br />
Pois a morte é algo sumamente<br />
doloroso: o corpo fica em estado cadavérico<br />
— creio que a alma tenha<br />
consciência disso. Essa consciência<br />
deve coincidir com um pináculo de<br />
desdita, de infelicidade e de mal-es-<br />
tar no corpo, até a hora em que a alma<br />
o deixa e a pessoa morre.<br />
Para se ter ideia do significado dessa<br />
separação, imaginemos que arrancassem<br />
de nossos dedos as primeiras<br />
falanges, depois as segundas e por fim<br />
as terceiras. Que dor sentiríamos? No<br />
entanto, esta dor seria muito menor<br />
do que a causada pela morte!<br />
Stabat Mater Dolorosa<br />
16
cia, mas fazendo uma digressão —,<br />
precipitando-se e esguichando de todos<br />
os lados nos mares, deveria haver<br />
um barulho, um burburinho do elemento<br />
líquido, fenomenal e cheio de<br />
grandeza. Era uma imagem pálida da<br />
resolução que brotava do fundo do<br />
ser de Maria, ao dizer: “Ele precisa<br />
morrer, porque a glória de Deus pede!<br />
Se é a vontade do Pai que meu Filho<br />
morra, Eu O ofereço!”<br />
Crucifixão - Catedral de<br />
Notre Dame, Paris.<br />
S. Hollmann<br />
Dor pela Morte; indizível<br />
alegria pela Ressurreição<br />
Mas há ainda outro momento de<br />
incomensurável grandeza: a Ressurreição<br />
de Nosso Senhor. O corpo<br />
d’Ele trancado, uma pedra, dois<br />
guardas romanos boçais, colocados<br />
ali com lanças, couraças, para enfrentar<br />
qualquer pessoa; uma noite e<br />
um silêncio profundos dentro da sepultura,<br />
uma escuridão tão completa<br />
como igual só havia num outro lugar<br />
do mundo: a alma de Maria.<br />
O Filho d’Ela estava morto! Não<br />
definitivamente morto, a Santíssima<br />
Virgem bem o sabia, mas Ela, que tinha<br />
assistido à Encarnação do Verbo,<br />
agora presenciava o estraçalhamento!<br />
Podemos imaginar o que<br />
Nossa Senhora sentiu na hora da<br />
Morte de seu Divino Filho. A dor<br />
daquele pecado cometido e daquela<br />
separação consumada! E o que nunca<br />
deveria estar dissociado, ali estava<br />
separado, no escuro, abandonado<br />
pelos homens.<br />
Nossa Senhora, entretanto, quando<br />
chegou a hora decretada pela sabedoria<br />
e bondade de Deus, viu uma<br />
luz sobrenatural entrando naquelas<br />
profundidades do sepulcro, os anjos<br />
afluindo às miríades e, de repente, o<br />
Corpo de Jesus estremecer...<br />
Não é verdade que isto se parece<br />
com a Criação? E que entre o cadáver<br />
d’Ele e o corpo de Adão, feito para<br />
receber a alma, há analogias celestes?<br />
Podemos imaginar o frêmito, o<br />
sobressalto de Maria Santíssima.<br />
Em meio a tantas<br />
dores Ela nem sequer<br />
se sentou. Mas, para<br />
a redenção do gênero<br />
humano e pela glória<br />
de Deus, Maria<br />
desejou que aquilo<br />
se desse, apesar dos<br />
sofrimentos causados<br />
a seu Divino Filho.<br />
Creio que nesse momento Ela se tenha<br />
levantado alguns passos acima<br />
do chão, ficado estática e talvez brilhado<br />
com uma luz extraordinária.<br />
É perfeitamente possível que tenha<br />
cantado o Magnificat!<br />
Nossa Senhora,<br />
Rainha do universo<br />
Este é o verdadeiro método para<br />
se ter ideia de quem é Maria Santíssima.<br />
Ela está no Céu, em corpo e<br />
alma, se digna conhecer o que estamos<br />
dizendo neste momento e de estar<br />
agindo, por meio da graça, na alma<br />
de cada um de nós, para inteligir,<br />
querer e sentir o que deve.<br />
E Ela conhece incomparavelmente<br />
melhor o que está se passando, por<br />
exemplo, em mim ou em qualquer um<br />
dos presentes neste auditório, do que<br />
nos conhecemos uns aos outros, ou<br />
até mesmo o que ocorre em cada um.<br />
Através do método de se fazer<br />
uma relação entre as coisas estupendas<br />
do universo e a Virgem Maria,<br />
pode-se, por exemplo, ao ver um rio<br />
que calmamente muda de direção,<br />
pensar em Nossa Senhora, Rainha<br />
do universo, a qual dá o rumo do rio<br />
da História e, de vez em quando, de<br />
modo sereno altera sua direção para<br />
sair uma maravilha maior.<br />
Quando observamos uma cascata,<br />
cujas águas se precipitam e assim<br />
se purificam, reportamo-nos a Maria<br />
Santíssima intervindo nos acontecimentos<br />
e fazendo com que o curso<br />
da História seja purificado.<br />
17
De Maria Nunquam Satis<br />
Falei do gáudio que teríamos ao<br />
ver as combustões do céu; podemos<br />
também imaginar nossa alegria se<br />
contemplássemos as chamas do Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de<br />
Maria. Enfim, contemplando as criaturas,<br />
podemos fazer mil analogias<br />
com Nossa Senhora.<br />
Maria e as vitórias<br />
da Santa Igreja ao<br />
longo da História<br />
Ameaçado pelos<br />
índios, Beato<br />
Anchieta canta as<br />
glórias de Maria<br />
escrevendo um poema<br />
na areia. Nossa<br />
Senhora sorri, vendo<br />
o filho bem-amado<br />
do qual nasceria a<br />
evangelização do<br />
Brasil.<br />
tas do castelo. Oh! A grandeza dessas<br />
portas fechadas! Oh! A magnificência<br />
desta decisão de São Gregório<br />
VII: “Não perdoo, não te restaurarei<br />
no império! Absolverei a tua<br />
pobre alma, quiçá para uma vida de<br />
penitente. O diadema imperial, não<br />
o terás mais na fronte. Esta fronte<br />
pecou e sobre ela a glória máxima da<br />
ordem temporal não pousará!”<br />
Durante quatro dias e quatro noites,<br />
ele fica ajoelhado na neve e pedindo!<br />
Afinal, as portas se abrem e<br />
se faz a reconciliação. Entoam-se hinos,<br />
há grande alegria e se restabelece<br />
a ordem normal das coisas: a vitória<br />
da Religião sobre a ordem temporal,<br />
a vitória do sobrenatural sobre<br />
o natural, a vitória do espírito so-<br />
E considerar uma operação de<br />
Deus sobre as coisas, comparando<br />
com a ação da alma d’Ela, nas grandes<br />
ocasiões da História.<br />
São Gregório VII excomungando<br />
o Imperador Henrique IV. Um a um<br />
os liames feudais no Sacro Império<br />
Romano Alemão iam se desfazendo.<br />
Ninguém empurra o Imperador, aos<br />
pontapés, para fora de seu palácio,<br />
mas sucede algo muito pior: o palácio<br />
se esvazia, de maneira que não<br />
havia mais criados para servi-lo. Todo<br />
o mundo o abandonou, no meio<br />
da sua pompa inútil. E o seu império<br />
cessou pela excomunhão do Vigário<br />
de Cristo!<br />
Que é o poder das armas? Dois<br />
mil, cinco mil, dez mil — os exércitos<br />
naquele tempo eram pequenos —<br />
cinquenta mil homens em armas...<br />
Um ancião — colocado no castelo<br />
de Canossa, pertencente à Condessa<br />
Matilde, da Toscana — excomunga<br />
e declara dissolvidos os vínculos<br />
feudais; um império inteiro para de<br />
funcionar, porque esse ancião é sucessor<br />
daquele a quem foi dito: “Tu<br />
és Pedro e sobre essa pedra edificarei<br />
a minha Igreja e as portas do inferno<br />
não prevalecerão contra Ela.”<br />
Então o Imperador consegue convencer<br />
alguns para o seguirem, porque<br />
explica que vai pedir perdão e<br />
precisa de ajuda para poder atravessar<br />
os Alpes. Coisa dificílima! Hoje<br />
se sobrevoam os Alpes... Ele sai<br />
num trenó, durante o inverno, talvez<br />
acompanhado de três ou quatro servidores,<br />
que têm horror do homem<br />
a quem servem, e o conduzem quase<br />
como a um leproso com o qual ninguém<br />
quer se contagiar. Sobem e descem<br />
montes, passam por precipícios,<br />
correm riscos de vida e Henrique IV<br />
não tem certeza de sua própria contrição;<br />
sabe, entretanto, que se ele<br />
morrer sem contrição, mas por mera<br />
atrição, pode ir para o inferno! E pede<br />
Àquela a quem ele ofendeu que o<br />
proteja e perdoe, de maneira a poder<br />
chegar à fonte de todo o perdão: o<br />
ancião venerável a quem ele insultou.<br />
Por fim, Henrique IV chega a Canossa,<br />
mas encontra fechadas as porbre<br />
a matéria. Quantas vitórias mil<br />
vezes mais gloriosas do que a de um<br />
país sobre outro! Vitórias ordenativas<br />
de todo o conjunto humano.<br />
À medida que eu falava, vi os corações<br />
de vários de meus ouvintes<br />
se encherem de entusiasmo, e Nossa<br />
Senhora gostou disso. Como se<br />
terá entusiasmado o Coração d’Ela,<br />
quando se passou esse fato?<br />
Como seriam as labaredas do Coração<br />
dulcíssimo de Nossa Senhora,<br />
quando Godofredo de Bouillon e os<br />
dele saltaram por cima das muralhas<br />
de Jerusalém e entraram?<br />
E vendo os missionários chegando<br />
num país onde não há Fé e que<br />
começam a pregar a Religião católica<br />
e ela começa a nascer?<br />
Anchieta e Nóbrega vêm ao Brasil<br />
e iniciam a pregação — estou falando<br />
do Brasil, mas poderia apresentar<br />
outros exemplos —; o País começa<br />
a nascer e a se mover. Mais bela<br />
do que a natureza mineral, a vegetal,<br />
a animal e do que o próprio homem,<br />
era a graça que vinha pelas mãos dos<br />
missionários e conduzia as pessoas<br />
para a vida sobrenatural.<br />
Maria Santíssima percebeu que<br />
isto era mais pulcro do que tudo<br />
quanto se tinha passado anteriormente.<br />
Anchieta, ameaçado pelos<br />
índios, canta as glórias d’Ela, escrevendo<br />
em latim um poema e decorando-o.<br />
O mar não ousa tocar nas<br />
areias sobre as quais o texto estava<br />
redigido. Nossa Senhora sorri, vendo<br />
o filho bem-amado do qual nasceria<br />
a evangelização deste País.<br />
Que labareda, talvez áurea ou<br />
azulada, sairia do Coração de Maria!<br />
E gotas de graças caindo! Já não é<br />
o dramático, o espetacular e o apocalíptico,<br />
mas outra forma de manifestação:<br />
o gracioso, o materno, o afável,<br />
o leitoso de certas pedras, o suave<br />
de alguns cristais, a brisa de auroras<br />
que havia no Coração d’Ela. Todas<br />
as modalidades possíveis de brisas<br />
que sopraram na Terra não têm o<br />
encanto de um só sorriso de Maria!<br />
18
T. Ring<br />
Beato Anchieta escreve<br />
sobre a areia; em<br />
destaque, a Virgem<br />
Branca (Toledo).<br />
Quantos sorrisos Nossa Senhora<br />
dirigiu a Anchieta, que evangelizava<br />
este País!<br />
A maternalidade de Maria Santíssima!<br />
O homem foi criado à imagem<br />
e semelhança de Deus. O Homem-<br />
-Deus é Filho d’Ela, e Nossa Senhora<br />
nos ama por causa disso. Quando<br />
sofremos, Ela tem pena de nós.<br />
Quanto isto é magnífico! Sobretudo<br />
quando pecamos, Ela tem compaixão<br />
de nós. E é mais magnífico ainda.<br />
Porque, quando sofremos, o sofrimento<br />
não nos torna inimigos de<br />
Maria Santíssima. Até, pelo contrário,<br />
quebra em nossa alma certa autossuficiência<br />
e tendência ao orgulho.<br />
Mas, quando pecamos, nós rompemos<br />
com Ela de um modo criminoso.<br />
Nossa Senhora previu tudo isso<br />
quando estava na Terra e teve dor,<br />
porque Ela pensou: “Essa alma, maravilha<br />
criada por Deus, que meu Filho<br />
resgatou com aquelas gotas de<br />
Sangue incomparáveis que Eu vi florescerem<br />
n’Ele aos borbotões, agora<br />
vai se perder?” De modo semelhante<br />
ao gemido de Nosso Senhor:<br />
“Quae utilitas in sanguine meo? –<br />
Que utilidade tem o meu Sangue?”,<br />
Maria Santíssima diz: “Qual a utilidade<br />
do Sangue de meu Filho?”<br />
Então Nossa Senhora pede a Jesus,<br />
pelo amor d’Ele ao pecador —<br />
o Redentor ama aquele que não O<br />
ama mais —, que lhe consiga a graça<br />
de atender ao que esta diz em sua alma:<br />
“Meu filho, converta-se! Meu filho,<br />
abra os olhos! Meu filho, tenha<br />
juízo! Meu filho, volte a ser meu!”<br />
E às vezes com insistências tão prementes<br />
que se diria que a alma está<br />
literalmente sitiada. Quantas doçuras<br />
cabem nisso! Quanto saber fazer!<br />
Quanta misericórdia e compreensão!<br />
Quanto esgueirar-se pelas anfractuosidades<br />
de uma alma, para se<br />
adaptar a tudo!<br />
A participação d'Ela<br />
na Igreja Militante e<br />
na Igreja Penitente<br />
Todas essas operações o Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de Maria<br />
está fazendo no Céu e na Terra. Porque<br />
Nossa Senhora conhece, mais<br />
do que qualquer bem-aventurado,<br />
o que se passa em Deus, e Ela reage<br />
no suprassumo da elevação e da<br />
perfeição. E preside, dirige, rege tudo<br />
quanto sucede no Céu! Sabe o<br />
que se passa em todas as criaturas da<br />
Terra. Conhece a vida da Igreja Militante<br />
e, com esta intensidade, participa<br />
de tudo o que acontece.<br />
Mais ainda, Ela conhece a Igreja<br />
Penitente e vê todas as dores no Purgatório.<br />
Em tudo isto Nossa Senhora está<br />
continuamente presente, à maneira<br />
de uma brisa, um vulcão, um céu, um<br />
sol, um diamante, uma águia, uma<br />
pomba, um cordeiro, um leão. Ela é<br />
tudo! Muito mais do que tudo, Ela é<br />
a Virgem Maria, Mãe de Deus! v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 24/11/1979)<br />
1) Informe e vazia. Cf. Gen 1,2.<br />
19
O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
S. Hollmann<br />
A flagelação - Museu Hermitage,<br />
São Petersburgo (Rússia)<br />
20
O Homem-Deus<br />
Ao iniciar uma das concorridas conferências de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
jovens membros de seu Movimento pedem-lhe que comente a<br />
flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo. E proclamam<br />
os seguintes trechos de um artigo por ele escrito 1 :<br />
Por que foi o Bom Jesus manietado<br />
por seus algozes? Por<br />
que impediram eles o movimento<br />
de suas mãos, prendendo-<br />
-as com duras cordas? Só o ódio ou<br />
o temor poderiam explicar que assim<br />
se reduza alguém à imobilidade ou à<br />
impotência. Por que odiar assim estas<br />
mãos? Por que temê-las?<br />
A mão é uma das partes mais expressivas<br />
e mais nobres do corpo humano.<br />
Quando os pontífices e os pais<br />
abençoam, fazem-no com um gesto de<br />
mão. Quando o homem inocente perseguido<br />
se vê saturado de dores e apela<br />
para a justiça divina, é ainda com<br />
as mãos que ele amaldiçoa. E por isto,<br />
os homens osculam as mãos que<br />
fazem o bem e algemam as mãos que<br />
praticam o mal.<br />
Vossas mãos, Senhor Jesus — agora<br />
sangrentas e desfiguradas, entretanto<br />
tão belas e tão dignas —, desde<br />
os primeiros dias de vossa infância,<br />
quem pode dizer, Senhor, a glória que<br />
estas mãos deram a Deus, quando sobre<br />
elas pousaram os primeiros ósculos<br />
de Nossa Senhora e de São José?<br />
Quem poderia dizer com quanta<br />
meiguice e com quanto carinho fizeram<br />
a Maria Santíssima o primeiro<br />
carinho? Com quanta piedade se uniram<br />
pela primeira vez em atitude de<br />
prece? E com quanta força, quanta<br />
nobreza, quanta humildade, trabalharam<br />
na oficina de São José? Mãos de<br />
Filho perfeito, que outra coisa fizeram<br />
no lar, senão o bem?<br />
Por que, Senhor, tanto ódio? Por<br />
que tanto medo, que pareceu necessário<br />
atar vossas mãos, reduzir ao silêncio<br />
vossa voz, extinguir vossa vida? É<br />
porque alguém receasse ser curado ou<br />
afagado? Quem, porventura, teme a<br />
saúde, ou quem odeia o carinho?<br />
Senhor Deus, para compreender esta<br />
monstruosidade, é preciso crer no<br />
mal, é preciso reconhecer que tais são<br />
os homens, que sua natureza facilmente<br />
se revolta contra o sacrifício. E<br />
Por que, Senhor,<br />
tanto ódio? Por que<br />
tanto medo, que<br />
pareceu necessário<br />
atar vossas mãos,<br />
reduzir ao silêncio<br />
vossa voz, extinguir<br />
vossa vida?<br />
que, quando entra no caminho da revolta,<br />
não há infâmia, nem desordem<br />
de que não seja capaz. E quando alguém<br />
diz “não”, começa a Vos odiar,<br />
odiando todo o bem, toda a verdade,<br />
toda a perfeição de que sois a própria<br />
personificação.<br />
E se não Vos tem à mão sob forma<br />
visível, para descarregar seu ódio satânico,<br />
golpeia a Igreja, profana a Eucaristia,<br />
blasfema, propaga a imoralidade,<br />
prega a Revolução! Vossos inimi-<br />
gos amam tanto o mal, que percebem<br />
ainda sob as humilhações das cordas<br />
que vos prendem, toda a força de vosso<br />
poder, e tremem!<br />
Ó Bom Jesus, vossos adversários<br />
tremem diante da Igreja, enquanto eu,<br />
miserável, vendo-a manietada, reputo<br />
tudo perdido...<br />
Vossa Igreja, entretanto, participa<br />
de vossa força interior e pode, a qualquer<br />
momento, destruir todos os obstáculos<br />
com que a cercam!<br />
Nossa esperança não está nas concessões,<br />
nem na adaptação aos erros<br />
do século. Nossa esperança está em<br />
Vós, Senhor!<br />
Atendei às súplicas dos justos, que<br />
vos imploram por meio de Maria Santíssima:<br />
Enviai, ó Jesus, o vosso Espírito, e<br />
renovareis a face da Terra!<br />
O que,<br />
fundamentalmente,<br />
fazia sofrer a Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo?<br />
Na agonia — contemplada no primeiro<br />
mistério doloroso — a Alma<br />
santíssima de Nosso Senhor sofreu<br />
de modo inenarrável. A repercussão<br />
desse sofrimento da Alma sobre<br />
o Corpo ocasionou o suor de sangue.<br />
O Corpo sagrado de Nosso Senhor<br />
ainda não fora atingido de modo direto,<br />
mas somente à maneira de reflexo,<br />
de corolário.<br />
21
O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
O primeiro mistério em que contemplamos<br />
o Corpo d’Ele ferido diretamente<br />
é a flagelação. Seguem<br />
depois a coroação de espinhos, Nosso<br />
Senhor com a Cruz às costas e a<br />
Crucifixão. Assim, nos cinco pontos<br />
sucessivos dos mistérios dolorosos, a<br />
Paixão inteira de Nosso Senhor, de<br />
Alma e de Corpo, está expressa.<br />
Mas, de fato, a dor da Alma não<br />
cessou de nenhum modo quando começaram<br />
os sofrimentos do Corpo.<br />
Pelo contrário, foi num crescendo;<br />
a Paixão de sua Alma foi se desenvolvendo<br />
à medida que a Paixão do<br />
Corpo aumentava. E chegou ao ápice<br />
no momento do Consummatum<br />
est — Tudo está consumado, e Jesus<br />
expirou.<br />
Na Paixão, Ele padeceu no Corpo,<br />
mas, sobretudo na Alma. O que,<br />
fundamentalmente, fazia sofrer a<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo?<br />
Seria preciso um oceano<br />
de tempo para fazer uma<br />
meditação completa sobre<br />
este tema. Mas alguns pontos<br />
podem ser dados, sumariamente.<br />
Assim, entro diretamente<br />
no assunto.<br />
Verdadeiramente<br />
homem,<br />
verdadeiramente<br />
Deus!<br />
Em Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo há uma só Pessoa<br />
com duas naturezas, a divina<br />
e a humana. A Igreja definiu<br />
esta verdade nos primeiros<br />
séculos, depois de<br />
ter saído das catacumbas,<br />
contra muitas heresias que<br />
pretendiam desfigurar essa<br />
realidade, ora afirmando<br />
que Cristo era exclusivamente<br />
um homem, ao qual<br />
Deus tinha, por assim dizer,<br />
extrinsecamente tocado um<br />
pouco; ora dizendo, pelo<br />
O primeiro mistério<br />
em que contemplamos<br />
o Corpo d’Ele ferido<br />
diretamente é a<br />
flagelação...<br />
Anunciação - Metropolitan Museum, Nova York.<br />
contrário, que Ele era um fantasma,<br />
uma figura que Deus suscitara para<br />
dar a impressão de que tinha havido<br />
a Encarnação. Porque eles não queriam<br />
se consolar com a ideia desse<br />
arco voltaico sublime, feito entre<br />
Deus Onipotente e Criador e o homem<br />
tão miserável.<br />
Conforme o ensinamento da Igreja,<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo é uma<br />
só Pessoa, com duas naturezas. Para<br />
dar alguma comparação, consideremos<br />
o homem que tem uma parte<br />
animal e outra espiritual, as quais<br />
formam uma só pessoa. Essas duas<br />
naturezas, o aspecto animal e o aspecto<br />
espiritual — o aspecto anjo,<br />
digamos —, convivem perfeitamente,<br />
de tal maneira que a muitos de<br />
nós nunca passaria pela mente perguntar<br />
como somos constituídos.<br />
Em Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
a natureza divina e a natureza humana<br />
coexistem perfeitamente e<br />
estão hipostaticamente unidas, de<br />
modo a constituírem uma só Pessoa,<br />
a segunda Pessoa da Santíssima<br />
Trindade, o Verbo de Deus que<br />
se fez carne, quer dizer, formou-se<br />
nas entranhas puríssimas de Nossa<br />
Senhora, resultante do esponsório<br />
da Santíssima Virgem com o Espírito<br />
Santo.<br />
Segundo inúmeros teólogos, ainda<br />
que não houvesse o pecado original<br />
e, portanto, não fosse<br />
necessário Nosso Senhor vir<br />
à Terra para resgatar os homens,<br />
teria havido a Encarnação<br />
do Verbo.<br />
Embora<br />
representasse<br />
perfeitamente o<br />
gênero humano,<br />
Adão não possuía o<br />
mais alto grau que<br />
a natureza humana<br />
pode atingir<br />
Deus dispôs toda a Criação<br />
admiravelmente: os anjos<br />
com suas três hierarquias,<br />
e em cada uma delas<br />
três categorias, formando<br />
nove coros, que cantam perpetuamente<br />
a glória divina;<br />
abaixo dos anjos — em certo<br />
sentido, pouco abaixo; em<br />
outro sentido, enormemente<br />
abaixo dos anjos —, vêm os<br />
homens.<br />
22
Adão, o primogênito do gênero<br />
humano, Deus o criou com grandeza<br />
de inteligência, bondade de vontade<br />
e riqueza de personalidade. E com<br />
uma força, bem como um aspecto<br />
perfeito da face e do corpo, que o faziam<br />
digno de ser o primeiro dos homens,<br />
o primeiro jorro desta torrente,<br />
que deveria ser a Humanidade.<br />
Ele era belo e grande em todos os<br />
sentidos da palavra. O Criador o fizera<br />
esplendidamente dotado de alma,<br />
o elevou à ordem sobrenatural,<br />
vivia na graça de Deus. Havendo nele<br />
a ordem perfeita, seu corpo e notadamente<br />
sua face eram o símbolo<br />
perfeito de sua alma.<br />
Tinha, portanto, a beleza física,<br />
que era o aspecto material de sua<br />
beleza moral, e que se completavam<br />
harmonicamente. De maneira<br />
que, quem olhasse para Adão, veria<br />
a perfeição do gênero humano manifestada<br />
de modo adequado e esplêndido.<br />
Tudo isso entrou em decadência,<br />
em degradação, com o pecado original.<br />
E os homens nascidos de Adão e<br />
Eva tiveram a marca do pecado original<br />
e, depois, a dos pecados que foram<br />
cometendo, causando os resultados<br />
por nós conhecidos.<br />
Se não tivesse sido cometido o<br />
pecado original, e os homens nascidos<br />
no Paraíso Terrestre lá continuassem<br />
— porque eles, no Éden, seriam<br />
pecáveis; muitos poderiam pecar,<br />
mas seriam expulsos —, constituiriam<br />
como que uma raça perfeita,<br />
eleita, magnífica, repetindo de algum<br />
modo as grandezas e os esplendores<br />
de Adão.<br />
Adão, embora representasse perfeitamente<br />
o gênero humano, que<br />
haveria de nascer, não era seu ápice.<br />
A perfeição é escalonada, e ele não<br />
possuía o mais alto grau que a natureza<br />
humana pode atingir.<br />
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, considerado<br />
na sua humanidade<br />
santíssima, é a<br />
suprema perfeição<br />
do gênero<br />
humano<br />
Deus, na sua sabedoria<br />
infinita, não cria<br />
as coisas como quem retira<br />
de uma sacola punhados<br />
de confete e os joga na<br />
rua, sem saber sua quantidade<br />
e o local para onde os<br />
lança. Muitas pessoas têm a impressão<br />
de que a Criação foi assim:<br />
Deus tirou do nada — que seria o saco<br />
de confetes — tufos de pessoas,<br />
que começaram a viver meio espantadas<br />
de estarem juntas, não havendo<br />
uma ordenação superior que as reuniu<br />
para determinado fim.<br />
Mas o Criador faz as coisas de<br />
um modo especial, ou seja, com<br />
uma perfeição que só Ele pode proporcionar.<br />
A partir do barro, criou<br />
Adão. E depois os outros homens,<br />
fazendo com que se reproduzam como<br />
conhecemos, e dotando cada um<br />
de uma alma espiritual. De tudo isto,<br />
no plano de Deus, forma-se uma<br />
coleção ordenada, como seria, por<br />
exemplo, uma coleção de leques,<br />
de relógios, de armas, em que cada<br />
peça tem sua individualidade,<br />
sua razão de ser, e constitui<br />
uma harmonia com as outras<br />
peças.<br />
Para melhor exprimir<br />
essa ideia de harmonia,<br />
todos os homens — o<br />
gênero humano —<br />
constituem uma harpa<br />
colossal, com milhões<br />
de cordas que<br />
vibram sob o olhar<br />
de Deus. Se cada<br />
corda vibrar como<br />
Ele quer, executa<br />
uma harmonia<br />
digna dos anjos e do<br />
próprio Criador.<br />
Cristo Flagelado -<br />
Imagem pertencente<br />
a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
23
O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
É claro que, nesta coleção, Deus<br />
haveria de fazer as coisas com graus<br />
de perfeição desiguais. Pelo princípio<br />
da unidade deve haver variedade.<br />
E em razão do princípio da unidade<br />
na variedade, ou da variedade<br />
na unidade, nessa coleção estabelecida,<br />
planejada pela Providência, teria<br />
que existir um ser supremo.<br />
Esse supremo, que leva a perfeição<br />
do gênero humano a um grau inconcebível<br />
por nós, é Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, considerado na sua humanidade<br />
santíssima.<br />
Se imaginarmos o mais perfeito<br />
dos homens, física, moral e intelectualmente<br />
falando, sem comparação<br />
com os outros, não teríamos nem de<br />
longe uma ideia completa do que era<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo na Terra,<br />
e do que é no Céu, onde Ele está<br />
com seu Corpo glorioso, acrescido<br />
de esplendor de modo verdadeiramente<br />
maravilhoso.<br />
Devemos considerar que este Homem<br />
não era apenas um santo, o<br />
qual levou sua santidade ao mais alto<br />
grau. Ele é o Homem-Deus! Aquele<br />
Corpo, aquela Alma humana, ligados<br />
pela união hipostática à natureza<br />
divina, formavam uma só Pessoa.<br />
Não era apenas um santo, mas a própria<br />
santidade!<br />
Ficamos diante de uma ideia de<br />
grandeza, de perfeição, que excede a<br />
tudo quanto se possa cogitar. E devemos<br />
acrescentar outra reflexão: o<br />
Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
— porque é próprio do corpo refletir<br />
a alma — era a expressão perfeita<br />
de sua Alma humana; exprimia<br />
a própria Divindade.<br />
O Homem-Deus, no<br />
que tinha de humano,<br />
amava infinitamente o<br />
que possuía de divino<br />
Entendemos assim quem é Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo e, portanto, qual<br />
a atitude de adoração, de veneração,<br />
de respeito, de fidelidade, etc.,<br />
que Ele naturalmente devia despertar<br />
em todos.<br />
Nosso Senhor veio à Terra para<br />
salvar as almas; portanto,<br />
esse efeito, tão salvífico para<br />
as almas, Ele queria produzi-lo.<br />
E, neste sentido, o<br />
Divino Salvador amava sua<br />
própria figura, sua própria<br />
inteligência, sua própria<br />
santidade, não só porque<br />
era Deus — e Deus não pode<br />
deixar de amar-Se a Si<br />
mesmo infinitamente —,<br />
mas pelo fato de que aquilo<br />
de humano que havia n’Ele<br />
era o melhor reflexo de tudo<br />
quanto fora criado.<br />
Lemos no Gênesis que<br />
Deus, depois de ter criado<br />
o universo, descansou, contente,<br />
vendo a harmonia<br />
que Ele havia feito. Porque<br />
cada coisa era boa e o conjunto<br />
ainda melhor.<br />
Ora, tudo quanto há no<br />
universo valia menos do que<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo. Podemos<br />
imaginar o seu comprazimento —<br />
santíssimo, sem nem de longe se assemelhar<br />
àquilo que chamamos egoísmo,<br />
paixão tão vil —, conhecendo-<br />
-Se como era, e a natureza humana<br />
dizendo dentro d’Ele às três Pessoas<br />
da Santíssima Trindade: “Eu sou o<br />
vosso espelho mais exato em toda a<br />
Criação, glória a Vós!”<br />
O Homem-Deus, no que Ele tinha<br />
de humano, amava infinitamente<br />
o que possuía de divino; por causa<br />
disso, Nosso Senhor tinha gosto<br />
em que, por amor a Deus — evidentemente<br />
não por uma vaidade; isto<br />
está inteiramente afastado — os homens<br />
contemplassem esse reflexo do<br />
Criador e O adorassem. E para Ele<br />
era uma razão de alegria, quando as<br />
multidões iam ao seu encalço, sendo<br />
preciso que os Apóstolos O protegessem,<br />
para não chegarem perto<br />
demais.<br />
Ensinava fazendo o bem<br />
O Evangelho narra a cena de Nosso<br />
Senhor pregando para o povo de<br />
dentro de uma barca, para que pudesse<br />
ser ouvido por todos. Ele tinha<br />
a voz perfeita — com que suavidade,<br />
força, grandeza, riqueza de inflexões!<br />
— e dali podia falar admiravelmente<br />
as coisas mais fulgurantes, ou<br />
mais doces, ouvidas a qualquer distância.<br />
O Redentor passava por algum<br />
lugar e via uma pessoa que estava<br />
sofrendo, sozinha, numa estrada<br />
ou num caminho. Ele via as almas<br />
que se abriam para Ele, e tinha<br />
com isso a felicidade que Deus<br />
tem na sua própria glória, observando<br />
que a criatura, que Ele criou e<br />
chamou para amá-Lo, é tocada pela<br />
graça e exclama: “Meu Senhor e<br />
meu Deus!”<br />
Para provar aos homens ser Ele o<br />
Homem-Deus — sua missão consistia<br />
em ensinar quem era Ele —, Nosso<br />
Senhor tinha como instrumentos,<br />
24
Nosso Senhor Jesus Cristo em sua vida pública:<br />
1- Transmutando a água em vinho nas bodas<br />
de Caná; 2- Ressuscitando o filho da viúva de<br />
Naim; 3- Pregando para os apóstolos.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
Nosso Senhor realizou<br />
milagres morais<br />
em quantidade:<br />
pessoas perdidas,<br />
completamente<br />
desviadas pelos<br />
recantos da vida,<br />
e que, entretanto,<br />
conhecendo-O, se<br />
voltavam para Ele e<br />
ficavam limpas.<br />
primeiro — e que instrumento incomparável!<br />
— a Si próprio. Depois<br />
o que Ele dizia: sua doutrina maravilhosa,<br />
simplicíssima, delicadíssima,<br />
fortíssima, de lógica inquebrantável,<br />
verdade intocável, irrepreensível,<br />
perfeita. Até o fim do mundo, os homens<br />
estudarão os sermões do Divino<br />
Mestre que estão no Evangelho,<br />
e não chegarão até o fundo.<br />
Além disso, Ele aconselhava, ajudava,<br />
praticava milagres para curar.<br />
Tais benefícios mereceram que São<br />
Pedro fizesse de Nosso Senhor este<br />
elogio tão simples e tão grandioso:<br />
pertransivit benefaciendo — passou pelo<br />
mundo fazendo o bem 2 . Em todos<br />
os lados, de todos os jeitos, Ele praticou<br />
o bem, até mesmo quando punia.<br />
E quando Jesus tomou um látego<br />
na mão e expulsou os vendilhões do<br />
Templo, teve bondade para com eles.<br />
Aterrorizou-os, mas deve ter-lhes dado<br />
a graça do temor, para que se convertessem.<br />
O seu braço fortíssimo, divino,<br />
atingia e metia em fuga, mas, ao<br />
mesmo tempo, a sua graça procurava<br />
levantar as almas, para se unirem a<br />
Ele através do temor de Deus.<br />
Milagres, que quantidade! Milagres<br />
físicos: curas que Nosso Senhor<br />
realizou; milagres morais: pessoas<br />
péssimas, perdidas, completamente<br />
desviadas pelos recantos da vida,<br />
e que, entretanto, conhecendo-O, se<br />
voltavam para Ele e ficavam limpas.<br />
Mais ainda: pessoas tão embotadas<br />
no mal, que O conheciam, convertiam-se<br />
por pouco tempo e caíam<br />
novamente no pecado. O Redentor<br />
as procurava, reconduzindo-as para<br />
o bem. Ricos como Lázaro, pobres<br />
como as multidões que O acompanhavam,<br />
poderosos como Nicodemos,<br />
José de Arimateia, todos O seguiam,<br />
encantados. v<br />
Continua no próximo número...<br />
(Extraído de conferência<br />
de 7/4/1984)<br />
1) Artigo publicado na revista “Catolicismo”,<br />
de abril de 1952.<br />
2) At 10,38<br />
25
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
S. Hollmann<br />
Jesus diante dos Fariseus -<br />
Museu do Prado (Madrid).<br />
26
Finura no trato<br />
e santidade<br />
A civilização cristã, nascida do Preciosíssimo<br />
Sangue de Cristo, produziu frutos<br />
em abundância. Um deles foi o trato<br />
cavalheiresco.<br />
Para se entender as relações<br />
entre finura no trato e santidade,<br />
deve-se compreender<br />
bem o que significam trato e finura.<br />
O trato é um conjunto de fórmulas<br />
por onde expressamos para com<br />
os outros a nossa atitude de espírito,<br />
interior. Quer dizer, o trato envolve<br />
de fato duas coisas: em primeiro lugar<br />
uma conduta e depois maneiras.<br />
Há um modo de tratar que não<br />
é apenas feito de maneiras, mas de<br />
elevação de espírito. Por exemplo,<br />
tratar os outros com benignidade,<br />
força, fidelidade, nobreza; isso não é<br />
exatamente igual à maneira.<br />
Imaginemos um homem que deve<br />
dinheiro a seu amigo. O modo pelo<br />
qual esta relação de crédito e débito<br />
se desenvolve diz respeito ao trato.<br />
O lidar de um com outro em torno<br />
de uma situação naturalmente tensiva<br />
pode ser mais elevado ou menos,<br />
mais generoso ou menos, independente<br />
das maneiras de cortesia que<br />
nesse trato se empregam.<br />
Os modos de cortesia são as fórmulas,<br />
a linguagem, as expressões<br />
do rosto, os gestos das mãos, a atitude<br />
de toda a pessoa; isso constitui<br />
um elemento secundário e extrínseco<br />
do trato.<br />
A santidade necessariamente conduz<br />
a um trato muito elevado, no<br />
sentido fundamental da palavra, ou<br />
seja, no seu aspecto profundo. Uma<br />
pessoa que é santa — a santidade é<br />
a raiz de todo procedimento perfeito<br />
— tem em relação aos outros uma<br />
conduta e um trato exemplares. Ela<br />
trata os outros com toda a distinção,<br />
com todo o esmero, respeito, afeto,<br />
ou com toda a força e energia que as<br />
circunstâncias exigem. Sob esse aspecto,<br />
a santidade é coidêntica com<br />
a perfeição no trato.<br />
Onde foi tirado o<br />
verdadeiro amor a Deus,<br />
não pode haver autêntico<br />
amor aos homens<br />
No sentido profano, pode haver<br />
pessoas não santas que tratam os outros<br />
eximiamente.<br />
Isso ocorre quando há uma grande<br />
tradição de civilização católica, a<br />
qual não morre de um momento para<br />
outro. Embora a moralidade possa<br />
cair muito rapidamente, a tradição<br />
do trato ainda continua. Usando<br />
uma imagem de São Pio X, que<br />
ele aplicava a outra coisa, não pode-<br />
27
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Anonimo<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 60.<br />
mos pôr rosas num jarro sem que este<br />
se impregne do perfume e continue<br />
perfumado, mesmo depois de<br />
serem retiradas as flores.<br />
Assim também, certo cavalheirismo<br />
e certa fidalguia de trato, no sentido<br />
mais profundo da palavra, podem<br />
subsistir como uma tradição católica<br />
num ambiente que é pouco católico,<br />
ou deixou de ser católico. Por<br />
exemplo, alguma coisa da nobreza de<br />
trato de certos lordes ainda é uma remota<br />
tradição da Inglaterra, proveniente<br />
do tempo em que era católica.<br />
Mas essas boas tradições vão morrendo.<br />
Um homem pode ser muito<br />
elegante no trato, em matéria de negócios<br />
comerciais, porém deselegante<br />
quanto ao modo de adquirir dinheiro,<br />
ou em assunto de adultério, ou qualquer<br />
outra matéria. Ele, por exemplo,<br />
julgará que é um defeito de trato ir à<br />
casa de um amigo e roubar uma colherinha,<br />
mas rouba a esposa do amigo.<br />
Quer dizer, são tradições que ficam<br />
meio hirtas e têm uma vida artificial.<br />
Aos poucos vão minguando e<br />
acabam desaparecendo.<br />
Tendo cessado o estado de<br />
graça, a finura do trato é como<br />
uma trepadeira da qual<br />
se corta a raiz. Durante<br />
algum tempo algumas<br />
flores, que tinham<br />
começado a desabrochar,<br />
se desabrocham<br />
inteiramente. Pode haver,<br />
portanto, uma ilusão<br />
de vida naquela trepadeira.<br />
Mas é uma pós-<br />
-vida, porque ela morrerá<br />
mesmo. Onde foi tirado o<br />
verdadeiro amor a Deus, não<br />
pode haver autêntico amor aos<br />
homens. Não havendo amor a Deus<br />
nem amor aos homens, o trato, neste<br />
sentido elevado da palavra, evidentemente<br />
tem que desaparecer.<br />
Na natureza há símbolos magníficos<br />
dessas situações. Contaram-me<br />
que em certos cadáveres a barba ainda<br />
cresce um pouquinho. É um resto<br />
do desenvolvimento vital num corpo<br />
que está morto. Assim também<br />
pode haver aparente florescimento<br />
de maneiras numa civilização já sem<br />
vida. Sob certo ponto de vista, podemos<br />
dizer que o trato continuou esplêndido,<br />
cristão, aristocrático e acidental<br />
na Europa até há pouco. Mas<br />
era uma coisa defectiva, tendente a<br />
cair, o resto de algo magnífico que tinha<br />
existido.<br />
A perfeição no trato gera<br />
maneiras esplêndidas<br />
Louis XVI ajuda os pobres - Versailles,<br />
Paris (exposição itinerante na<br />
Pinacoteca do Estado São Paulo).<br />
As maneiras são<br />
fórmulas, gestos,<br />
atitudes, que têm<br />
muito de natural,<br />
mas também alguma<br />
coisa de arbitrário,<br />
convencional, pelas<br />
quais os povos chegam<br />
a exprimir, por um<br />
consentimento geral,<br />
os seus estados de<br />
espírito e o seu bom<br />
trato.<br />
Qual a diferença entre trato e maneiras?<br />
As maneiras são fórmulas, gestos,<br />
atitudes, que têm muito de natural,<br />
mas também alguma coisa de<br />
arbitrário, convencional, pelas quais<br />
os povos chegam a exprimir, por um<br />
consentimento geral, os seus estados<br />
de espírito e o seu bom trato.<br />
Os povos podem ser muito virtuosos<br />
antes de terem maneiras perfeitas.<br />
Têm um trato muito elevado<br />
e maneiras apenas corretas, suficientes,<br />
às vezes até com um resto<br />
de barbárie, não com selvageria;<br />
mas algo de trivialidade, banalidade,<br />
falta de elegância, pode ser que<br />
exista.<br />
Um santo pode, portanto, ter<br />
menos boas maneiras do que uma<br />
pessoa não santa. As maneiras são<br />
elaboradas lentamente pelas civilizações;<br />
constituem o produto de<br />
toda uma sociedade. E existe sempre<br />
a seguinte relação: a perfei-<br />
28
ção no trato acaba gerando ao longo<br />
do tempo maneiras esplêndidas.<br />
Estas são uma espécie de fruto<br />
remoto do trato. E, portanto, um<br />
fruto um pouco mais remoto ainda,<br />
da virtude. E vivem necessariamente<br />
só da virtude. De maneira<br />
que se virtude não houvesse,<br />
as maneiras seriam também<br />
muitíssimo inferiores. E quando<br />
a virtude morre, o trato vai se de-<br />
Como são as maneiras<br />
de uma civilização<br />
sem Deus?<br />
Para terminar, eu gostaria de dizer<br />
apenas o seguinte. O histórico<br />
das civilizações, se fosse bem feito,<br />
mostraria que as maneiras perfeitas<br />
só existiram como fruto da civilização<br />
católica; mas não antes.<br />
Havia povos cujas aristocracias,<br />
Cavaleiros da Ordem de São Luís - Versailles, Paris (exposição<br />
itinerante na Pinacoteca do Estado São Paulo).<br />
formando; as maneiras ainda continuam,<br />
porque é uma coisa externa,<br />
material, cujo desaparecimento<br />
choca mais.<br />
Na França, nas vésperas da Revolução,<br />
havia maneiras requintadíssimas,<br />
mas já indicando que iriam desaparecer.<br />
O trato decorre, então, necessária<br />
e imediatamente das virtudes.<br />
As maneiras provêm necessariamente<br />
das virtudes porque decorrem<br />
do trato, mas não imediatamente<br />
quanto às maneiras requintadas,<br />
esplêndidas, que são fruto de<br />
uma civilização.<br />
É claro que uma pessoa sem virtude<br />
pode ter bom trato em alguns pontos,<br />
e a fortiori 1 boas maneiras. Porém,<br />
com o tempo isso desaparecerá.<br />
sob alguns aspectos, tinham maneiras<br />
excelentes e de certa forma até<br />
insuperáveis. O povo chinês, por<br />
exemplo, e mesmo romanos, gregos<br />
etc., debaixo de alguns pontos<br />
de vista tinham um direito bom,<br />
uma arte, uma cultura, uma literatura<br />
boas. Mas nunca com a elevação<br />
que as coisas atingiram com a<br />
civilização católica.<br />
Fala-se de civilização clássica, romana.<br />
Vejamos, porém, como era<br />
um banquete em Roma. Os convivas,<br />
deitados naqueles triclínios, comiam<br />
e bebiam desbragadamente,<br />
de um modo indecente, com uma<br />
glutonice sem igual, e se embriagavam<br />
de tal modo que eram levados<br />
para fora da sala. Quando alguém<br />
se sentia — a expressão é muito<br />
G. Kralj<br />
prosaica, mas afinal temos que empregá-la<br />
— cheio demais, levantava-se<br />
e ia para as salas contíguas,<br />
onde havia escravos com a habilidade<br />
de provocar, por meio de penas<br />
de aves, cócegas no palato; ele, então,<br />
restituía tudo o que havia comido<br />
e bebido. Depois vinha outro escravo<br />
trazendo vasilhas com água; a<br />
pessoa lavava as mãos e, se quisesse,<br />
secava-as nos cabelos do próprio<br />
escravo, que serviam de toalha. O<br />
escravo ficava, portanto, todo emporcalhado.<br />
Imaginemos a cena nos seus pormenores.<br />
O glutão ou a glutona de<br />
bocarra aberta e o escravo fazendo<br />
cócegas na garganta: surge a ânsia<br />
e, afinal, a explosão gástrica. A<br />
pessoa anda de um lado para outro,<br />
cambaleia, para com disparos<br />
de coração etc. Por fim, equilibra-<br />
-se o monturo, oscila mais um pouco<br />
e volta para comer. E tudo recomeça.<br />
Isto é o horror em matéria de maneiras.<br />
Eu poderia citar cem outras<br />
coisas em cem espécies de civilizações.<br />
Hoje em dia, quando uma pessoa<br />
recebe outra em sua casa, a fórmula<br />
polida, o dito elegante, interessante,<br />
a atitude rasgada e gentil são substituídos<br />
por uma acolhida parda; há<br />
uma frieza recíproca, indicando a<br />
completa decadência em matéria de<br />
trato. Isso tudo é efeito de um desbotamento<br />
de alma, o qual tem uma<br />
raiz moral; e esta última possui uma<br />
causa religiosa.<br />
Em suma, o trato e as maneiras<br />
“pocas 2 ” são consequências da tibieza.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 18/12/1965)<br />
1) Com maior razão.<br />
2) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> assim denominava as<br />
pessoas ou as coisas inexpressivas,<br />
medíocres.<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
O Versailles da<br />
Idade Média - II<br />
Continuando seus comentários sobre o<br />
famoso Château de Vincennes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> analisa<br />
a beleza de seus mais variados aspectos.<br />
Acontemplação das fotografias<br />
do Castelo de Vincennes<br />
dá-nos a ideia da beleza<br />
que, sem se cansar nem se repetir,<br />
entretanto se desdobra.<br />
Ao lado da torre, encontramos<br />
uma construção bem posterior à<br />
Idade Média; perto delas está um<br />
caminhozinho, tão pacífico e pitorescamente<br />
irregular, junto ao fosso<br />
no qual outrora habitou o terror.<br />
Neste castelo, as pedras de certa<br />
forma parafraseiam o dito de Rostand,<br />
em sua obra “Chantecler”,<br />
pois elas como que afirmam: “Ó<br />
História, sem a qual estas pedras<br />
não seriam senão pedras”. Essas pedras<br />
são relíquias históricas.<br />
simplesmente porque os homens<br />
não se meteram e a deixaram fazer<br />
o que ela quis. Ou seja, Deus ordenou<br />
essas criaturas de tal maneira<br />
Cortinado de folhagem<br />
- Sociedade orgânica<br />
Numa das fotografias, observa-se<br />
um cortinado magnífico da folhagem,<br />
que de certa forma ilustra uma<br />
tese muito cara ao nosso Movimento:<br />
a da sociedade orgânica.<br />
Dificilmente o mais caprichoso<br />
dos desenhistas, ou até dos paisagistas,<br />
imaginaria uma folhagem assim,<br />
constituindo essa cortina. Ora,<br />
na vegetação europeia há milhares<br />
de coisas semelhantes, totalmente<br />
imprevistas e que a natureza produz,<br />
30
Fotos: F. Lecaros / H. Grados<br />
que, pela vontade d’Ele e pelo jogo<br />
das causas segundas, elas produzem<br />
coisas lindas.<br />
E uma das nossas teses é esta:<br />
nem tudo deve ser dirigido, planejado,<br />
organizado, mas precisa-se deixar<br />
que boa parte das coisas viceje<br />
por si mesma, tornando-se elas mais<br />
belas do que se fossem ordenadas. É<br />
precisamente o contrário do Estado<br />
totalitário.<br />
Considerem a parte da muralha<br />
e da vegetação iluminada pelo Sol.<br />
Que modesta, mas magnífica beleza<br />
essa vegetação empresta à muralha<br />
construída pelos homens! Mas não<br />
houve um plano.<br />
A fachada<br />
A fachada é estupenda, monumental,<br />
eu diria: medieval! Nela há<br />
um pedestal para alguma imagem.<br />
Todas as imagens e ornatos antigos<br />
foram sendo arrancados com o tempo<br />
e, mais provavelmente, por crimes<br />
perpetrados pela Revolução.<br />
Mas a beleza ficou e se nota na seriedade<br />
doce, afável, pensativa e solene<br />
do castelo.<br />
Vincennes é lindíssimo! O estilo<br />
é gótico, com enfeites de significado<br />
certamente heráldico. As ameias<br />
formam um unum com as torres ornamentais.<br />
Vemos o fosso e a ponte, a qual,<br />
outrora, naturalmente foi levadiça.<br />
Podemos nos imaginar ali, observando<br />
a água, a ponte levadiça que<br />
desce, e a beleza dessas pedras banhadas<br />
pelo Sol. Idade Média! E alguns<br />
cruzados montados a cavalo<br />
ou, pelo menos — e quanto menos!<br />
—, alguns nobres e altivos mosqueteiros.<br />
O telhado de<br />
ardósia azul...<br />
Quero fazer um comentário<br />
de uma coisa muito mais banal, à<br />
qual nossos olhos de sul-america-<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
A Capela<br />
A capela é muito bonita! Notem<br />
a rosácea e o rendilhado de um alto<br />
triângulo, talvez símbolo da Santíssima<br />
Trindade, repetido pelo triângulo<br />
situado mais acima e atrás. Percebe-se<br />
algo da solenidade do interior.<br />
Para dar vazão às águas da chuva,<br />
há alguns prolongamentos que ficam<br />
bonitos na construção.<br />
Esta igreja é como um santo quis<br />
que ela fosse. Quer dizer, reflete inteiramente<br />
a alma dele e a ortodoxia<br />
da Igreja.<br />
nos não estão habituados: a ardósia<br />
azul, que é uma verdadeira maravilha.<br />
Não posso me convencer de que<br />
não seja possível fazer telhas de<br />
qualidades variadas e de cores lindas.<br />
Aqui no Brasil há algo muito bonito;<br />
vi, por exemplo, em Pindamonhangaba<br />
— mas existem em vários<br />
outros lugares —, telhados de casas,<br />
que se prolongam muito além da parede,<br />
para proteger da chuva as pessoas<br />
que passam. A parte de baixo é<br />
feita de bonita porcelana antiga, e a<br />
de cima, de material próprio para escoar<br />
a água.<br />
Não haveria um modo de pôr algo<br />
de porcelana na telha moderna?<br />
De fazer telhas de boa qualidade e<br />
fabulosamente bonitas? Nós, que<br />
inventamos tanta espécie de matéria<br />
plástica, não poderíamos fabricar<br />
telhas mais belas do que as feitas<br />
de terra? Quanta coisa linda não<br />
se faz por não haver vontade de fabricar<br />
o belo ou, mais diretamente,<br />
por haver desejo de não produzir o<br />
belo!<br />
No Jardim América 1 há uma casa<br />
entre média e pequena, com ardósias<br />
verdes, muito bonitas. As famílias<br />
daquele bairro são abastadas,<br />
mas essa não é uma casa rica. Quer<br />
dizer, não deve custar muito aquela<br />
ardósia.<br />
Sob certo aspecto,<br />
a capela parece tão<br />
frágil que quase se<br />
tem a impressão de<br />
ser uma bonbonnière.<br />
Mas as torres mostram<br />
sua força; causam a<br />
sensação de serem quase<br />
torres de batalha.<br />
32
Sob certo aspecto, a capela parece<br />
tão frágil que quase se tem a impressão<br />
de ser uma bonbonnière. Mas suas<br />
torres mostram sua força; causam<br />
a sensação de serem quase torres de<br />
batalha.<br />
A força está aliada à delicadeza,<br />
de modo extremo. É verdadeiramente<br />
estupenda! Observem a grande altura<br />
das janelas!<br />
Todas as partes que terminam<br />
em pontas foram construídas para a<br />
consolidação do prédio, e proporcionam-lhe<br />
verdadeira beleza e leveza.<br />
Se essas pontas fossem retiradas, o<br />
edifício perderia enormemente. Realmente<br />
são lindíssimas, uma obra-<br />
-prima!<br />
No portal há grande número de<br />
esculturas. Examinando-as, percebe-se<br />
que cada uma dessas fisionomiasinhas<br />
tem sua expressão e seu<br />
valor artístico, às vezes muito marcante.<br />
Talvez alguns desses vitrais sejam<br />
antigos. Se todos eles fossem inteiramente<br />
reconstituídos, teriam grande<br />
beleza. É bonito ver aquela enorme<br />
mancha de luz, a qual se repete no<br />
meio da sombra.<br />
A renda de pedra é um deslumbramento!<br />
Num dos vitrais as cores são claras,<br />
pois a luz do Sol entrava aos borbotões.<br />
Que voo de espírito uma janela<br />
como essa ajuda a ter! É assim que<br />
se formam grandes almas.<br />
Não sei se, em matéria de cores,<br />
foi inventado na História algo tão<br />
belo como os vitrais. Nem mosaicos,<br />
nem quadros, ou qualquer outra coisa<br />
me agradam tanto quanto o vitral.<br />
Torreões<br />
Consideremos a glória e a graça<br />
dos torreões. São torres edificadas<br />
sobre outras torres, para que o vigia<br />
pudesse, nos dias e nas noites de<br />
guarda, ver bem de longe se o inimigo<br />
se aproximava.<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Quantas incertezas numa noite de<br />
vigia! Um grupo de luzes suspeitas<br />
se movimenta em direção ao castelo:<br />
seriam peregrinos que caminham,<br />
ou um exército? Passa uma nuvem,<br />
uma neblina, o vigia ora vê, ora não<br />
vê; que luta para observar tudo! Por<br />
fim, ele tem alegria quando o Sol se<br />
levanta e é substituído pelo soldado<br />
que vem começar a vigília diurna,<br />
tão mais leve e mais fácil.<br />
As torres proporcionam, de certa<br />
forma, uma bonita lição a respeito<br />
do que há de nobilitante na desigualdade.<br />
Uma delas, tão mais alta do<br />
que a outra, está numa relação de rei<br />
para senhor feudal. Mas é uma honra<br />
para a menor estar perto da mais<br />
alta; uma delas como que cresce em<br />
altura; e a altura da última é ressaltada<br />
pela menor. É a nobre beleza<br />
do convívio entre desiguais.<br />
Possui arcadas e, em cima, uma<br />
galeria, uma passagem com balaústres,<br />
nobres linhas altas, mas com<br />
qualquer coisa de festivo, que não<br />
era compatível com a seriedade medieval.<br />
Nota-se o contraste dos dois estilos.<br />
A arcada redonda e a ponta medieval<br />
não combinam bem; a ponta<br />
conduz à vitória, mas o conjunto é<br />
tão alegre e festivo que o torreão fica<br />
meio esmagado.<br />
O torreão sobressai de um modo<br />
especial, indicando um pouco o que<br />
nele existe de aventura.<br />
Durante toda a minha vida tive<br />
vontade de morar num torreão. Residir<br />
numa torre, mas, dentro dela, dormir<br />
no torreão. Parecia-me que ouvir<br />
o uivar dos ventos do lado de fora seria<br />
uma verdadeira maravilha.<br />
O Donjon<br />
Observemos a altaneria, a força,<br />
mas com certo garbo, do don-<br />
Dir-se-ia que o donjon se<br />
sente feliz por ter chegado<br />
tão alto e de respirar os<br />
ares puros dos locais<br />
elevados; alegre por ser<br />
superior àquilo que o<br />
rodeia, preside e ordena<br />
tudo, mas sem orgulho.<br />
34
jon. Dir-se-ia que ele se sente feliz<br />
de ter chegado tão alto, e de respirar<br />
os ares puros dos locais elevados;<br />
alegre por ser superior àquilo<br />
que o rodeia, preside e ordena tudo,<br />
mas sem orgulho. Olhando-o, mesmo<br />
de longe, percebe-se que ele incute<br />
ideia de ordem, de tranquilidade,<br />
de bom senso, de lógica e de coragem.<br />
Podemos imaginar sua estrutura<br />
interna: em cada andar havia um<br />
salão enorme, tendo ao centro uma<br />
coluna. As colunas de pedra, sobrepondo-se<br />
umas às outras, faziam a<br />
sustentação dos vários andares do<br />
edifício. E nos ângulos existiam saletas<br />
para diversas finalidades: oratório,<br />
quarto de dormir; e também<br />
saletazinhas, para uma audiência<br />
reservada, guarda de joias, de papéis<br />
etc.<br />
E num desses torreões, o Duque<br />
de Beaufort 2 olhando, por exemplo,<br />
o vasto panorama e planejando sua<br />
fuga.<br />
Talvez um desses andares tenha<br />
sido utilizado para o fabrico da porcelana<br />
que deu origem às celebérrimas<br />
porcelanas de Sèvres.<br />
Imaginemos São Luís morando<br />
em alguns ou todos os andares do<br />
donjon e, num desses ângulos, está<br />
seu oratório, no qual ele reza.<br />
É o famoso donjon de Vincennes,<br />
uma verdadeira maravilha. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 16/2/1979)<br />
1) Bairro da cidade de São Paulo.<br />
2) Um dos chefes da Fronda. Foi preso<br />
no donjon de Vincennes em 1643, e<br />
de lá conseguiu fugir em 1648.<br />
35
S. Hollmann<br />
Nossa Senhora Rainha -<br />
Museu diocesano de<br />
Santillana del Mar,<br />
Santander (Espanha).<br />
A realeza de Maria Santíssima<br />
E<br />
m Fátima, com a promessa de triunfo do Imaculado Coração de Maria, começou a se delinear<br />
nas páginas da história a era em que a realeza de Maria deverá atingir todo seu fulgor.<br />
Esmagando o demônio, príncipe deste mundo, com seu calcanhar puríssimo, Nossa Senhora<br />
reinará, triunfará!<br />
(Extraído de conferência de 31/5/1965)