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Revista Dr Plinio 152

Novembro de 2010

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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>152</strong> Novembro de 2010<br />

Confiança nos<br />

impossíveis


Se devêssemos passar dois mil anos apenas<br />

aplaudindo a Santa Igreja Católica, Apostólica,<br />

Romana, enquanto eu vivesse e as minhas mãos<br />

pudessem bater palmas, eu estaria participando desse<br />

aplauso.<br />

(Extraído de conferência de 15/3/1980)<br />

Fotos: G. Krajl / P. Mikio.<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>152</strong> Novembro de 2010<br />

Ano XIII - Nº <strong>152</strong> Novembro de 2010<br />

Confiança nos<br />

impossíveis<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

durante uma de<br />

suas conferências.<br />

Foto: S. Miyazaki<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Editorial<br />

4 A fina ponta da esperança<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 Novembro de 1973:<br />

“Senhora de Fátima!”<br />

Dona Lucilia<br />

6 Assistindo a discussões...<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

O Santo do mês<br />

10 4 de novembro: São Carlos Borromeu,<br />

o Bispo da Contra-Reforma<br />

O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

14 O Homem-Deus – II<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

20 Conduzindo o rebanho<br />

Perspectiva pliniana da história<br />

24 O poder judiciário de um rei na Idade Média<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 90,00<br />

Colaborador .......... R$ 130,00<br />

Propulsor ............. R$ 260,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 430,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 12,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

26 Confiança nos impossíveis<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 O imaginável e o sonhado se encontram<br />

Última página<br />

36 Com o cetro de Deus nas mãos...<br />

3


Editorial<br />

A fina ponta da esperança<br />

Ohomem vive de esperanças. Salutares ou — hélas! — nocivas, quem não as teve? Ainda quando<br />

era improvável tornarem-se realidade, os homens adequavam suas vidas às esperanças que possuíam.<br />

Sim, isso era comum, mas no tempo presente, repleto de inebriantes descobertas da tecnologia, parece<br />

ser que a esperança vai, de modo paulatino, cedendo lugar ao anseio pelo imediato, à satisfação de caprichos<br />

do momento, a uma visualização que considera a existência humana como voltada somente para<br />

o prazer reles e passageiro. Sempre houve quem tivesse essa mentalidade, mas o problema novo é que ela<br />

vai se impondo universalmente, como se fosse o único valor a ser buscado.<br />

Até que ponto a enxurrada de novidades contribuiu para este resultado? Não se sabe. O certo é que os<br />

homens, em número crescente, vão se desinteressando do futuro e fechando-se sobre si mesmos. “Não me<br />

interessa o amanhã, eu vivo cada dia”, dizem. Renunciaram à esperança.<br />

Com isso vai desaparecendo toda forma de grandeza que pressupõe a esperança, ao passo que cada<br />

vez mais pessoas sofrem de tédio, depressão e até desespero. Todavia, por mais que sejam adversas as circunstâncias<br />

nas quais vivemos, a solução para se recuperar o equilíbrio perdido é simples: fortificar a esperança<br />

por uma certeza, acrescida de um novo vigor: a confiança!<br />

Pois como afirma São Tomás: “A confiança é uma esperança fortificada por uma opinião firme.” 1<br />

Vejamos como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discorre sobre a relação entre a esperança e a confiança.<br />

Qual é a diferença entre esperança e confiança?<br />

Quando se espera algo, tem-se certa alegria pela perspectiva de que alguma coisa boa acontecerá;<br />

porém, quando se confia, não há apenas alegria, mas também certeza.<br />

A confiança é a fina ponta da esperança; ela dá forças a nossas almas e nos faz irmos adiante.<br />

Enquanto a esperança nos dá fundadas razões para termos quase certeza de que nos acontecerá<br />

determinada coisa boa, a confiança, entretanto, nos dá a plena certeza.<br />

A virtude da confiança representa a voz de Deus no interior de nossas almas.<br />

Para nós que estamos talvez na orla dos acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, a<br />

virtude da confiança se põe nos seguintes termos: estamos diante do perigo, mas sabemos que a Providência<br />

quer utilizar-se de nós para vencer esse perigo. Sendo assim, nós temos confiança, ou seja,<br />

temos certeza, de que seremos instrumentos da Providência para vencer tais perigos. Essa é a certeza<br />

da confiança.<br />

Nessas condições, devemos pedir a Nossa Senhora que em todas as ocasiões difíceis de nossa vida<br />

nos dê confiança e não deixe de suscitar no interior de nossas almas o seguinte movimento:<br />

“Se Nossa Senhora me chamou para uma missão, Ela fará com que eu a realize, pois este chamado<br />

não poderá ter sido em vão.”<br />

Então, ainda que tudo pareça contrariar minha esperança, eu avanço contra o perigo, em paz, porque<br />

confio que vai se realizar tudo quanto Ela prometeu.<br />

(Extraído de conferência de 22/1/1994)<br />

1) S. Theol. II-II, q.129, a. 6 (ad 3)<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Datas na vida de um cruzado<br />

Novembro de 1973<br />

“Senhora de Fátima!”<br />

Em 1973, na capital paulista, terminada a<br />

Missa pelas vítimas do comunismo, na<br />

Catedral Metropolitana, os participantes<br />

foram em cortejo até o Pátio do Colégio. Lá, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> discursou perante numeroso público:<br />

Como o passado brasileiro se manifesta bem<br />

aqui! Diante dessa construção que nos lembra<br />

os primeiros dias de São Paulo, que nos lembra<br />

a epopeia jesuítica da evangelização destas terras,<br />

e da fundação da cidade; que nos lembra<br />

os ideais católicos que animaram os heróis que<br />

aqui habitaram e que começaram a fundar aqui<br />

a São Paulo católica; a tradição, representada<br />

por um monumento comemorativo da fundação<br />

da cidade; a tradição, aqui harmonicamente representada<br />

também pela delegação portuguesa,<br />

que nos seus belos trajes característicos nos lembra<br />

a mãe pátria, da qual nos gloriamos de provir.<br />

Quero dizer, a imagem de uma grande nação,<br />

de um grande povo que nasce agora para o seu<br />

destino mundial, o Brasil que nasce junto com as<br />

nações irmãs da América do Sul, para a realização<br />

da grande epopeia do século XXI, a restauração<br />

da civilização cristã.<br />

Este Brasil de hoje não é um Brasil desvairado,<br />

não é um Brasil que perdeu seu rumo,<br />

mas um Brasil firme nos seus princípios, que<br />

tem uma plêiade de jovens, uma plêiade de varões<br />

dispostos a todo sacrifício para impedir que<br />

os ideais fementidos que querem nos levar ao<br />

oposto do que era o ideal de Anchieta e de seus<br />

companheiros, que esses ideais nos desviem de<br />

nossa rota.<br />

Aqui estão todos aqueles que, diante de<br />

Deus, testemunham a nossa resolução de viver,<br />

de lutar e de morrer, para que viva, lute e triunfe<br />

o Brasil e o Continente americano, na luta contra<br />

o inimigo da civilização.<br />

***<br />

Senhora! Tantos e tão generosos aplausos!<br />

Mas como seriam vazias estas palavras se não<br />

se voltassem finalmente a Vós, que sois o centro<br />

desta manifestação, Senhora gloriosa de Fátima,<br />

que anunciastes em 1917, ao mundo inteiro, os<br />

dramas e castigos que ensanguentariam o mundo<br />

se as almas não se voltassem a Vós num movimento<br />

sincero de regeneração. Senhora de Fátima,<br />

que, entretanto, anunciastes também que,<br />

no fim, o vosso Imaculado Coração triunfaria!<br />

Vossos olhos contemplaram, do alto do assento<br />

celeste, onde vossas virtudes excelsas vos<br />

granjearam o mais alto dos tronos abaixo do<br />

trono do próprio Deus, vossos olhos maternais<br />

presenciaram, na Catedral Metropolitana, essa<br />

quantidade enorme de jovens que compareciam,<br />

pessoas de todas as idades que compareciam<br />

para receber o Corpo e Sangue infinitamente<br />

preciosos de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

vosso Divino Filho. Vós sois o canal por onde<br />

a todos veio a graça dessa atitude de alma.<br />

Vós sois Aquela por meio de Quem veio a todos<br />

nós a graça de lutarmos pela tradição, família<br />

e propriedade. Vós sois Aquela cuja promessa<br />

nos alenta nessa luta pela certeza da vitória.<br />

Vós dissestes que, por fim, o vosso Coração<br />

Imaculado triunfaria.<br />

Sim, minha Mãe, o vosso Reino triunfará.<br />

(Extraído de discurso no Pátio do Colégio,<br />

de 11/11/1973)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Assistindo a discussões...<br />

Apesar de extremamente bondosa e amável, Dona Lucilia<br />

não desaprovava seu filho quando este, em defesa dos bons<br />

princípios, engajava-se em alguma tertúlia.<br />

Meus pais, minha irmã e<br />

eu morávamos na casa<br />

de minha avó materna,<br />

para fazer-lhe companhia. Essa residência<br />

era o centro da família, todos<br />

os outros filhos dela, netos, noras,<br />

genros etc., a frequentavam e a<br />

casa estava, portanto, continuamente<br />

cheia.<br />

Os meninos, chegando à casa,<br />

procuravam por mim porque gostavam<br />

de conversar com os que tinham<br />

a mesma idade. Assim, frequentemente,<br />

parentes ou amigos queriam<br />

falar comigo, sobretudo durante as<br />

refeições.<br />

As crianças, jantavam e almoçavam<br />

numa sala própria para não<br />

atrapalharem a conversa dos mais<br />

velhos. Mas, quando ficavam um<br />

pouco mais velhinhas eram chamadas<br />

para assistir a conversação, sendo-lhes<br />

permitido dar opiniões. E os<br />

mais velhos, às vezes, corrigiam suas<br />

palavras, quando havia algum erro<br />

de português, de francês. Com quinze<br />

anos de idade, era-se obrigado a<br />

falar francês correntemente.<br />

As conversas durante<br />

as refeições em casa<br />

de Dona Gabriela<br />

Nessas ocasiões, surgiam com frequência<br />

os dois temas essenciais, em<br />

torno dos quais girava a conversa à<br />

Hoje a televisão<br />

suplantou<br />

completamente<br />

a discussão, e até<br />

eliminou a conversa<br />

dos membros da<br />

família entre si. Mas,<br />

não havendo televisão<br />

naquele tempo, podese,<br />

então, imaginar<br />

como as conversas<br />

eram vivas.<br />

mesa: religião e monarquia. Eu tinha<br />

parentes católicos e monarquistas,<br />

bem como ateus e republicanos;<br />

e entre uns e outros saíam discussões<br />

acesas, mas no fundo cordiais, pois<br />

eles conservavam a amizade. E sempre<br />

tive um gosto enorme por discussão;<br />

achava uma delícia!<br />

Eu ficava ouvindo a conversa e,<br />

naturalmente, não podia me meter<br />

na discussão de qualquer modo<br />

porque não tolerariam que um pimpolho<br />

de quinze anos atrapalhasse.<br />

Mas com certo jeito se conseguia.<br />

Quando a discussão entre dois estava<br />

muito acesa, se um menino perguntasse:<br />

“Olha, não estou entendendo<br />

tal coisa, queria me explicar?”,<br />

havia uma vantagem para a<br />

família em elucidar o jovenzinho, a<br />

fim de que desenvolvesse sua inteligência.<br />

Então paravam a contenda e<br />

explicavam-lhe como era tal coisa,<br />

tal outra.<br />

Hoje a televisão suplantou<br />

completamente a discussão, e até<br />

eliminou a conversa dos membros<br />

da família entre si. Mas naquele<br />

tempo não havia televisão, nem<br />

rádio. Pode-se, então, imaginar<br />

como as conversas eram<br />

vivas.<br />

Eu apresentava, então,<br />

perguntas à maneira de<br />

casca de banana, pois<br />

muitas vezes sabia quais<br />

eram as respostas. Dirigindo-me<br />

ao tio republicano<br />

ou ao tio ateu,<br />

indagava: “Não compreendi<br />

bem; o senhor<br />

deu tal argumento, poderia<br />

explicar-me?”<br />

Ele ficava contente<br />

e pensava: “Tenho um<br />

novo discípulo”; dava a<br />

resposta e eu apresentava<br />

a minha objeção,<br />

Da direita para a esquerda:<br />

Dona Gabriela, <strong>Dr</strong>. João Paulo,<br />

Dona Lucilia, Rosée e <strong>Plinio</strong>.<br />

6


Fotos: Anonimos


Dona Lucilia<br />

S. Hollmann<br />

Sagrado Coração de Jesus -<br />

Valladolid, Espanha.<br />

enrolando-o na discussão. E, às vezes,<br />

eles se zangavam e começavam<br />

a esbravejar. Eu lançava uma vista<br />

d’olhos para Dona Lucilia, porque<br />

não queria desagradá-la, mas se percebesse<br />

que não iria causar-lhe descontentamento<br />

continuava a contenda.<br />

E, às vezes, eram discussões<br />

quentíssimas...<br />

Em defesa de Cristo Rei<br />

Lembro-me de que, em certa ocasião,<br />

próximo da festa de Cristo Rei,<br />

um tio, que estava sentado ao meu<br />

lado, voltando-se para mim — eu já<br />

era estudante de Direito — disse:<br />

“Não posso compreender essa festa<br />

de Cristo Rei. Pôr uma coroa na<br />

cabeça de Jesus Cristo — nas imagens<br />

de Cristo Rei Ele está coroado<br />

—, como se Ele lucrasse alguma coisa.<br />

Ele é muito mais do que rei, está<br />

no Céu e lá não precisa de coroa.<br />

É um verdadeiro absurdo.” E, com<br />

ar de pouco caso, acrescentou: “São<br />

coisas da Igreja Católica que eu não<br />

compreendo.”<br />

Redargui: “O senhor não<br />

compreende porque desconhece<br />

que a Igreja é mestra dos<br />

povos e deve tornar claro às<br />

pessoas uma série de fatos<br />

que, às vezes, sem uma explicação,<br />

não entendem.<br />

Cristo tem o direito de ser<br />

obedecido por todos os<br />

povos da Terra porque é<br />

Deus. A Escritura<br />

diz<br />

d’Ele: Rex regum et Dominus dominantium<br />

— Rei dos reis e Senhor dos<br />

senhores 1 . E para que o povo compreenda<br />

isto, o verdadeiro é representá-Lo<br />

com uma coroa de rei, símbolo<br />

do mais alto poder que existe<br />

na Terra, na ordem temporal. Cristo<br />

Nosso Senhor tem esse poder em todas<br />

as ordens; Ele é verdadeiramente<br />

o Rei. O senhor não acha que isso<br />

está bem?”<br />

Ele resmungou, e eu acrescentei:<br />

“Os teólogos pensam sobre isto<br />

e têm um mar de coisas a refletir e a<br />

meditar; é um tema profundo. Mas,<br />

de outro lado, é tão simples que com<br />

poucas palavras a Igreja ensina isso<br />

ao povo: Ele é rei e aqui está a coroa.”<br />

Nessas discussões por vezes saíam<br />

berros. Dona Lucilia, sempre tranquila<br />

— se fosse por outra razão, ela<br />

me chamaria logo a atenção —, assistia<br />

àquilo inteiramente calma.<br />

Naquele tempo, em todas as casas<br />

que tinham certo conforto, se usava,<br />

na mesa, palitos, mas não como<br />

os existentes hoje, os quais são achas<br />

de lenha em ponto pequeno para futricar<br />

os dentes. Eram feitos de uma<br />

madeira muito branca, macia, bonita,<br />

que vinha de Portugal, e bem fabricados,<br />

dando a impressão de uma<br />

lançazinha de cavalaria.<br />

E Dona Lucilia, estando na casa<br />

somente pessoas da família, com<br />

certa frequência tirava um palito do<br />

paliteiro e, com uma faca de sobremesa,<br />

começava a cortá-lo, levantando<br />

a madeira em todos os lados, formando<br />

assim um tufozinho, uma espécie<br />

de brinquedinho para encher o<br />

tempo.<br />

Quando ficava alarmada devido<br />

a uma discussão que ia mal, ou algo<br />

semelhante, ela parava de cortar;<br />

e quando estava despreocupada ela<br />

continuava. Invariavelmente.<br />

Eu olhava para mamãe e pensava:<br />

“Ela está cortando o palito, portanto<br />

posso continuar que não acontece<br />

nada!” Não era uma combinação


de sinal entre nós, mas seu hábito<br />

me fazia ver em que estado de espírito<br />

ela se encontrava. Então, ela<br />

cortava o palito e eu cortava o<br />

meu interlocutor!<br />

As intervenções<br />

de Dona Lucilia<br />

Às vezes ela se metia<br />

na discussão, sobretudo<br />

se houvesse qualquer<br />

risco de tomar ar<br />

de blasfêmia, falarem<br />

contra Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, Nossa Senhora<br />

etc. Nesses casos,<br />

mamãe intervinha seriamente:<br />

“Não se pode dizer<br />

isto, eu não permito, não<br />

tolero. Vamos mudar de assunto.”<br />

Passado o episódio, todas as<br />

doçuras dela renasciam e sua bondade<br />

era sempre conquistadora.<br />

Bondade com princípios<br />

Recentemente, tive uma recordação<br />

disso por um modo curioso.<br />

Um membro de nosso Movimento<br />

encontrou-se com um filho de um<br />

irmão dela, portanto meu primo-<br />

-irmão, o qual possui mentalidade<br />

muito diferente da minha, mas sempre<br />

tivemos relações cordiais.<br />

Tendo o membro de nosso Movimento<br />

lhe perguntado se se lembrava<br />

de Dona Lucilia, ele disse: “Tia<br />

Lucilia? Eu me lembro perfeitamente<br />

dela; era uma pessoa extraordinária.<br />

Nunca encontrei afeto em minha<br />

vida igual ao que ela tinha por<br />

mim!”<br />

E ele, já velho, se recordava de<br />

um fato de sua infância como se tivesse<br />

ocorrido ontem. Os pais dele<br />

fizeram uma viagem de repouso<br />

ao Rio de Janeiro e, não querendo<br />

levar crianças a fim de ficarem despreocupados,<br />

deixaram os três filhos<br />

hospedados em casa de minha avó.<br />

J. Dias.<br />

Dona Lucilia aos 92 anos de idade.<br />

Às vezes mamãe<br />

intervinha na<br />

discussão, sobretudo<br />

se houvesse qualquer<br />

risco de falarem<br />

contra Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo ou Nossa<br />

Senhora.<br />

O mais velho dos três, o qual tinha<br />

mais ou menos doze anos, sem<br />

tomar em consideração o feitio muito<br />

autoritário de minha avó — era<br />

uma grande senhora, de estilo antigo,<br />

e que mandava pelo olhar, ninguém<br />

mexia com ela —, chegou bem<br />

atrasado para o almoço.<br />

Quando ele sentou-se à mesa, ela<br />

perguntou-lhe: “Fulano, onde é que<br />

você esteve?” Ele respondeu: “Eu<br />

fui fazer tal coisa.” Minha avó então<br />

lhe disse: “Mas na hora do almoço?<br />

Você não sabe em que casa está? E<br />

que nessa casa não se chega atrasado<br />

às refeições? Saiba respeitar<br />

a sua avó e todas as<br />

pessoas que estão junto a<br />

esta mesa, comendo há<br />

certo tempo sem que você<br />

tenha aparecido para<br />

almoçar com elas. Isso<br />

é um desaforo.”<br />

Ele então desatou<br />

em choro. Minha avó:<br />

“Um homem não chora,<br />

pare de chorar!”<br />

Naturalmente, ele chorou<br />

mais ainda, porque<br />

a tragédia estava ficando<br />

maior.<br />

Mamãe, que estava sentada<br />

ao seu lado, fez um sinalzinho<br />

no braço dele, levantou-se<br />

e disse-lhe: “Venha comigo.”<br />

Ele saiu com ela e foram para<br />

o corredor contíguo à sala de jantar,<br />

onde mamãe o colocou bem junto<br />

a si; ele se agarrou ao pescoço dela,<br />

e chorava ainda mais. Então mamãe<br />

disse-lhe: “Meu filho, você precisa<br />

compreender, sua avó é assim<br />

mesmo; é uma senhora dos antigos<br />

tempos e não permite nada que não<br />

esteja inteiramente na linha. Ela faz<br />

bem, mas sua tia está aqui com pena<br />

de você, sossegue um pouquinho<br />

e vá lá para a mesa que sua avó não<br />

vai falar mais nada. Termine de comer<br />

e depois vá dormir, pois isso logo<br />

passa.”<br />

Diz esse meu primo que essa recordação<br />

de um afeto incomparável<br />

ele guardou a vida inteira. Mas, ela<br />

dizendo: “Sua avó faz bem e você<br />

não deve chegar atrasado nas refeições”,<br />

significava que o princípio ela<br />

mantinha.<br />

v<br />

1) Ap 19,16<br />

(Extraído de conferência<br />

de 31/7/1993)<br />

9


O Santo do Mês<br />

–– * Novembro * ––<br />

1. Solenidade de Todos os Santos.<br />

São Nuno Álvares Pereira. Foi<br />

Condestável de Portugal. No fim de<br />

sua vida, ingressou como oblato na<br />

Ordem Carmelita. (+1431)<br />

2. Comemoração de todos os Fieis<br />

Defuntos.<br />

3. São Pedro Francisco Néron, sacerdote<br />

da Sociedade das Missões<br />

Estrangeiras, de Paris. Após sofrer<br />

terríveis tormentos, foi martirizado<br />

em Tonquin, Vietnã, no ano de 1860,<br />

sob a perseguição do Imperador Tu<br />

Duc.<br />

4. São Carlos Borromeu, Cardeal<br />

Arcebispo de Milão. (+1584)<br />

5. São Domingos Mau, sacerdote<br />

dominicano, mártir em Tonquin, no<br />

Vietnã. (+1858)<br />

6. São Paulo, Bispo de Constantinopla<br />

e mártir em defesa da Fé contra<br />

o arianismo. (+350)<br />

7. XXXII Domingo do Tempo Comum.<br />

8. Santo Adeodato I, Papa.<br />

(+618).<br />

9. Santo André Avelino, sacerdote<br />

teatino. Nasceu em Nápoles e foi<br />

levado por São Carlos Borromeu a<br />

Milão, onde sua pregação converteu<br />

inúmeros pecadores. Morreu ao fazer<br />

o Sinal da Cruz no início da Santa<br />

Missa que ia celebrar. (+1608)<br />

10. São Leão Magno, Papa.<br />

(+461).<br />

11. São Martinho de Tours, bispo.<br />

(+397)<br />

12. Santo Esíquio, Bispo de Vienne,<br />

França. (+552).<br />

13. Santo Eugênio de Toledo, bispo.<br />

Foi incansável na luta pela perfeita<br />

observância da sagrada liturgia.<br />

(+657)<br />

14. XXXIII Domingo do Tempo<br />

Comum.<br />

15. Santo Alberto Magno, bispo<br />

e Doutor da Igreja. Teve a glória de<br />

ser mestre de São Tomás de Aquino,<br />

na Universidade de Paris. Foi Bispo<br />

de Colônia (Alemanha).<br />

16. Santa Inês de Assis. Adotou,<br />

junto a sua irmã, Santa Clara, a vida<br />

religiosa sob a direção de São Francisco.<br />

(+1253)<br />

17. Santa Hilda, Abadessa de<br />

Whitby, Northumbria (atual Reino<br />

Unido). (+680)<br />

18. Santo Odon, Abade da célebre<br />

abadia de Cluny, França.<br />

Com seus sucessores, Santo Odilon,<br />

São Mayeul e Santo Hugo,<br />

fez dessa abadia o centro de irradiação<br />

da sabedoria beneditina.<br />

(+942)<br />

19. Santa Mechtilde de Hackelborn.<br />

Era irmã de Santa Gertrudes<br />

de Hackelborn. Desde jovem teve<br />

notáveis experiências místicas, no<br />

centro das quais está o Sagrado Coração<br />

de Jesus. (+1298)<br />

20. São Gregório Decapolita.<br />

Após levar vida monacal e anacoreta,<br />

lutou contra a heresia iconoclasta<br />

em Constantinopla. (séc. IX)<br />

21. Solenidade de Cristo Rei.<br />

22. Santa Cecília, virgem e mártir.<br />

Padroeira dos músicos.<br />

23. Santa Cecília Yu So-Sa, mártir<br />

na Coréia. Por ódio à Fé, confiscaram-lhe<br />

os bens e a encarceraram.<br />

Foi açoitada aos 80 anos e morreu<br />

no cárcere. (+1839)<br />

24. Santo Alberto de Lovaina.<br />

Bispo da cidade de Liège, Bélgica,<br />

foi martirizado em Reims. (+1192)<br />

25. São Garcia, Abade do mosteiro<br />

de Arlanza, Burgos (Espanha).<br />

(+1073)<br />

26. São Silvestre Gozzolini. Além<br />

de abade e anacoreta, fundou no<br />

deserto, perto do monte Fano, Itália,<br />

a Congregação dos Silvestrinos.<br />

(+1267)<br />

27. São Valeriano, Bispo de Aquiléia,<br />

na região de Veneza. Defendeu<br />

a Fé católica contra os arianos.<br />

28. I Domingo do Advento<br />

29. São Saturnino, Bispo de Toulouse.<br />

Foi martirizado durante a perseguição<br />

de Décio. (+c. 250)<br />

30. Santo André, Apóstolo. Era<br />

irmão de São Pedro. Foi crucificado<br />

em Patras, na Grécia.<br />

10


4 de novembro<br />

São Carlos Borromeu, o<br />

Bispo da Contra-Reforma<br />

S. Hollmann<br />

A Pseudo-Reforma<br />

Protestante foi um<br />

dos grandes lances<br />

da Revolução.<br />

Porém, em<br />

contrapartida, Deus<br />

suscitou almas que<br />

muito contribuíram<br />

para explicitar e<br />

definir as verdades<br />

negadas pelo<br />

Protestantismo.<br />

Uma delas foi São<br />

Carlos Borromeu,<br />

grande figura da<br />

Contra-Reforma.<br />

São Carlos Borromeu -<br />

Catedral de Lisieux, França.<br />

Sobre São Carlos Borromeu há<br />

os seguintes dados. Apesar de<br />

curtos, creio serem muito elucidativos:<br />

Feito cardeal aos 23 anos, São Carlos<br />

Borromeu foi suscitado por Deus<br />

para a verdadeira reforma da Igreja.<br />

Presidiu sínodos e concílios, estabeleceu<br />

colégios e comunidades, renovou<br />

o espírito de seu clero e das ordens<br />

religiosas.<br />

11


O Santo do Mês<br />

R. Castelo<br />

Acima, São Carlos Borromeu pregando para os fiéis. Ao lado,<br />

relíquia do coração de São Carlos Borromeu - Roma.<br />

À sua prudência deve-se, em grande<br />

parte, a feliz conclusão do Concílio<br />

Tridentino.<br />

Modelo de Bispo da<br />

Contra-Reforma<br />

São Carlos Borromeu tornou-se<br />

uma grande figura da Contra-Reforma,<br />

a qual nos interessa especialmente.<br />

Se a Pseudo-Reforma foi um<br />

dos grandes lances da Revolução, a<br />

Contra-Reforma foi, evidentemente,<br />

um dos grandes lances da Contra-<br />

-Revolução.<br />

As grandes figuras da Contra-<br />

-Reforma auxiliaram muito a definir,<br />

na Igreja, todas as verdades<br />

que o protestantismo negava. Representam<br />

um grande exemplo para<br />

nós, tendo sido o contrário de certos<br />

teólogos vazios, que não têm os<br />

olhos postos nos problemas do tempo,<br />

mas escarafuncham, por curiosidade,<br />

questões dentro dos jardins<br />

da Teologia. Os personagens da<br />

Não basta redigir<br />

obras refutando<br />

isso ou aquilo. A<br />

pessoa precisa ser<br />

a personificação, o<br />

próprio símbolo, o tipo<br />

humano, das obras<br />

que escreveu.<br />

Contra-Reforma tinham sua atenção<br />

posta no mal como se apresentava<br />

naquele tempo, e tomaram posição<br />

contra esse mal; por essa forma<br />

fizeram progredir muito a doutrina<br />

católica.<br />

Uma categoria de pensamento<br />

do contrarrevolucionário é exatamente<br />

não estar fazendo estudos no<br />

ar, os quais não têm relação com o<br />

aspecto que a Revolução apresenta<br />

no momento; mas realizar estudos a<br />

serviço da Igreja, para salvar as almas,<br />

refutar ideias falsas e, mais<br />

ainda, em que o suco do pensamento<br />

é acrescido pela análise acurada<br />

do erro.<br />

É próprio do sentido cultural de<br />

nosso Movimento conhecer a verdade<br />

por duas formas.<br />

12


Primeira: deduzindo as verdades<br />

ainda não sabidas daquelas que<br />

já são conhecidas. Segunda: analisar<br />

o erro e, ao refutá-lo, conhecer melhor<br />

e mais profundamente a verdade<br />

estudando a negação dela. Não<br />

aproveitando os fragmentos de verdade<br />

existentes no erro, mas, por exclusão,<br />

entendendo a verdade que<br />

se deve sustentar. Por essa razão, os<br />

doutores da Contra-Reforma nos<br />

são muito caros.<br />

São Carlos Borromeu foi, não<br />

apenas um grande bispo contrarreformista,<br />

mas, em algum sentido, o<br />

Bispo da Contra-Reforma. Não só<br />

porque ele era um homem muito<br />

preparado, de grande cultura e que<br />

era irradiada por ele a toda a Igreja<br />

em seu tempo, mas por ter realizado<br />

o modelo perfeito do bispo. Muitos<br />

dos bispos bons, que viveram desde a<br />

Contra-Reforma até nossos dias, tinham<br />

o ideal de serem bispos como<br />

o foi São Carlos Borromeu.<br />

Eficácia do tipo humano<br />

Não basta redigir obras refutando<br />

isso ou aquilo. A pessoa precisa ser<br />

a personificação, o próprio símbolo,<br />

o tipo humano, das obras que escreveu.<br />

O trabalho que ele realizou,<br />

sendo o Bispo da Contra-Reforma e<br />

o modelo de bispo, foi de uma eficácia<br />

para a Igreja certamente maior<br />

do que a dos próprios escritos dele.<br />

Não quero dizer que sempre o exemplo<br />

vale mais do que o escrito –– seria<br />

exagerado. Mas, nesse caso concreto,<br />

ele valeu mais pelo exemplo<br />

do que pelos seus escritos.<br />

Para não me alongar demasiado,<br />

conto um fato da vida desse santo:<br />

Naquele tempo, julgava-se — como<br />

também nós julgamos — que um<br />

cardeal deve revestir-se de pompa,<br />

de grandeza, de solenidade, para fazer<br />

brilhar a glória de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo diante dos homens. São<br />

Carlos Borromeu pertencia a uma<br />

grande família italiana; além de<br />

Príncipe da Igreja ele era, até certo<br />

ponto, senhor temporal de Milão e,<br />

durante certo tempo, foi Cardeal Secretário<br />

de Estado. Por todas essas<br />

razões devia cercar-se de grandeza,<br />

e de fato ele assim o fez.<br />

Certa vez, ele andava numa esplêndida<br />

carruagem, com acolchoados,<br />

e toda a pompa, pelas ruas de<br />

Milão — ou numa estrada, não me<br />

lembro exatamente — quando passa<br />

perto dele um frade simples, pobre,<br />

montado a cavalo. Cumprimentos<br />

de parte a parte, e o frade lhe<br />

diz: “Eminência, como é agradável<br />

ser cardeal! Viaja-se de modo mais<br />

cômodo do que um simples frade!”<br />

O Cardeal Borromeu voltou-se muito<br />

gentilmente para o frade e convidou-o<br />

então a viajar com ele. O frade<br />

entrou na carruagem, sentou-se e<br />

começou a dar gritos devido aos cilícios<br />

existentes por debaixo do banco.<br />

O cardeal viajava sobre cilícios,<br />

sofrendo com as sacudidelas próprias<br />

de uma estrada ou rua daquele<br />

tempo, embora metido nas sedas,<br />

nos cristais e púrpuras de uma carruagem<br />

provavelmente toda dourada<br />

e ainda com plumas e lacaios.<br />

A santa prudência<br />

Quanto à “prudência” de São<br />

Carlos, não significa que ele tenha<br />

sido um homem cauteloso, que evitou<br />

qualquer risco. Esse é o<br />

sentido comum da palavra<br />

prudência. A prudência<br />

é a virtude cardeal<br />

que nos faz conhecer e<br />

aplicar bem os métodos<br />

necessários para<br />

os fins que temos<br />

em vista.<br />

Por exemplo,<br />

um membro<br />

prudentíssimo<br />

de uma empresa<br />

de contabilidade<br />

é aquele que emprega as<br />

boas regras para tocar para a frente<br />

a escrituração. Nós agimos com prudência<br />

em relação à legislação trabalhista,<br />

não só pagando o necessário<br />

para evitar problemas, mas também<br />

tomando as necessárias providências<br />

para receber aquilo a que temos<br />

direito. Quer dizer, a prudência<br />

é o acerto no agir. Então, o texto<br />

da ficha elogia São Carlos Borromeu<br />

porque teve esse acerto. Para a conclusão<br />

do Concílio de Trento ele empregou,<br />

com grande sabedoria e prudência,<br />

os métodos adequados.<br />

Na Ladainha Lauretana se invoca<br />

Nossa Senhora como “Virgo Prudentíssima”,<br />

a Virgem que com muito<br />

acerto fez as coisas para chegar ao<br />

fim que a superexcelsa vocação d’Ela<br />

pedia ou indicava.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 30/10/1963 e 4/11/1968)<br />

S. Hollmann<br />

13


O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O Homem-Deus – II<br />

Continuando seus comentários à divindade de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> salienta a extrema maldade<br />

daqueles que O supliciaram.<br />

Dir-se-ia que vindo à Terra o<br />

Homem-Deus, diante de<br />

provas tão claras, de manifestações<br />

de uma superioridade divina<br />

a todo momento, o povo eleito —<br />

o qual sabia que o Salvador nasceria<br />

dele, e estava esperando-O — haveria<br />

de reconhecer o Messias, aclamá-<br />

-Lo com glória e eleva-Lo ao píncaro<br />

do gênero humano. Se o povo judeu<br />

tivesse reconhecido o Messias, com a<br />

força de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

romanos, gregos, persas, egípcios, nada<br />

significariam. Esse povo seria elevado<br />

a um cume extraordinário!<br />

Aqui se inicia o mistério da maldade<br />

humana. Esse povo que existia<br />

para isso, gemia porque o Messias<br />

não vinha; quando Jesus apareceu<br />

uma facção do povo se pôs desde<br />

logo contra Ele. E se cindiu: uma<br />

fração pequena do povo começou a<br />

adorá-Lo, a partir dos pastores que<br />

estavam em Belém e tiveram o anúncio<br />

do nascimento de Nosso Senhor.<br />

Mas, de outro lado, a maior parte<br />

passou a persegui-Lo.<br />

Logo depois do nascimento de Jesus,<br />

Herodes fez o cálculo infame:<br />

“Deve ter nascido o Messias, porque<br />

os reis magos o estão dizendo.<br />

Ele ameaça o meu trono. É o Salvador<br />

previsto pelos profetas. Eu estou<br />

acreditando, ou pelo menos achando<br />

tão provável que até fico amedrontado.”<br />

E, para gozar a vida e ter o prazer<br />

de ser rei, Herodes quis matar<br />

Nosso Senhor sem nem sequer O ter<br />

visto, só porque Ele estava no mundo!<br />

Mandou, então, eliminar os inocentes,<br />

para evitar que o Inocente<br />

por excelência vivesse.<br />

Desígnios misteriosos de Deus,<br />

caminhos que se compreendem só<br />

posteriormente! São José, coarctado<br />

pela falta de bondade da população<br />

em Belém, que não quis receber<br />

a ele e a Nossa Senhora, levou a Santíssima<br />

Virgem para uma gruta, fora<br />

da cidade.<br />

Quando Nosso Senhor inicia sua<br />

vida pública, fazendo inúmeros milagres,<br />

o povo se entusiasma etc.,<br />

aquele cálculo de Herodes se repete<br />

nas classes que mais O deveriam<br />

aclamar, quer dizer, na sacerdotal e<br />

na classe alta política, as quais começam<br />

a ter medo: “Quem é este homem<br />

que está levando atrás de si tais<br />

multidões? Ele é perigoso para nós;<br />

de repente nosso poder fica reduzido<br />

a nada!” Inicia-se, então, uma espécie<br />

de guerra, a psy-war, com calúnias<br />

e perguntas embaraçosas.<br />

Os fariseus e os saduceus mandam<br />

pessoas fazer perguntas a Jesus,<br />

que O deixem mal à vontade. Pobres<br />

coitados! Se uma formiga quisesse<br />

lutar contra um animal quimérico,<br />

tão pesado como um elefante e forte<br />

como um leão, ela estaria mais próxima<br />

de vencer do que qualquer homem<br />

disputando com Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo!<br />

Questões elaboradas nos laboratórios<br />

da maldade e da insinceridade,<br />

todas retorcidas, cheias de ciladas.<br />

Posta a pergunta, vinha a resposta,<br />

em geral simples, direta, pulverizadora<br />

e luminosa.<br />

— De quem é essa efígie?<br />

— É de César.<br />

— Pois dai a Deus o que é de<br />

Deus e a César o que é de César.<br />

Não há mais nada a dizer.<br />

O Evangelho conta que se difundiram<br />

calúnias a respeito de Nosso<br />

Senhor: era glutão, mundano, ambicioso...<br />

Como poderia ser ambicioso<br />

Ele que era tudo? É mais ou menos<br />

imaginar que um leão quisesse fazer<br />

carreira, transformando-se na abelha-mestra<br />

de uma colmeia...<br />

Disseram que Ele comia em casa<br />

de publicano, para bajular as pessoas<br />

que tinham dinheiro... Falaram até<br />

— suprema calúnia, supremo insulto<br />

contra a evidência — que Nosso<br />

Senhor tinha parte com o demônio.<br />

14


Natividade de<br />

Jesus - Notre<br />

Dame de Paris.<br />

Multiplicação<br />

dos pães -<br />

Paray-le-Monial,<br />

França.<br />

Matança dos<br />

inocentes -<br />

Basílica de<br />

Saint-Denis,<br />

França.<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

Logo Ele, que era direta e esplendorosamente<br />

o contrário do demônio;<br />

nem é tão exato dizer que Jesus era<br />

o oposto do demônio: o demônio era<br />

o contrário d’Ele!<br />

Várias pistas da<br />

conjuração por excelência<br />

que operou o deicídio<br />

Começa-se a criar uma onda contra<br />

Nosso Senhor, a qual leva, em<br />

primeiro lugar, os muito ruins, que<br />

eram uma minoria bem colocada,<br />

poderosa e influente.<br />

A partir da tintura-mãe dessa<br />

maldade da minoria, a onda começou<br />

a crescer de proche en proche, de<br />

vizinhança em vizinhança, a tomar<br />

os ambiciosos, os que se vendiam,<br />

aqueles que não queriam o mal pelo<br />

mal, mas se amavam tanto que, colocados<br />

diante de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, eram capazes de dizer:<br />

“Ele é tudo isto, mas ficarei popular,<br />

bem-visto, terei importância, se ajudar<br />

a calúnia. Portanto, para que os<br />

maus me batam as palmas, me glorifiquem,<br />

vou também, embora não<br />

tenha certeza, começar a falar mal<br />

de Jesus.”<br />

Depois desses maus de segundo<br />

grau, outra zona moral do povo foi<br />

atingida: a dos moles. “Se eu disser<br />

o que penso, serei perseguido, e isso<br />

não quero. Embora eu verifique<br />

que contra Jesus esteja se fazendo<br />

uma injustiça abominável, uma ignomínia,<br />

uma infâmia, essas coisas<br />

são com Ele, não comigo! Quero levar<br />

vida fácil, agradável, de maneira<br />

que eu possa me instalar bem nesta<br />

Terra. Comprometo a minha carreira,<br />

tomando a defesa de Jesus. Logo,<br />

vou também falar mal d’Ele.”<br />

“Falar mal é horrível. Vejo fulano,<br />

um molóide como eu — que não tem<br />

coragem de enfrentar os outros para<br />

não ser perseguido —, falar mal de<br />

Jesus. Mas eu sou um homem reto, e<br />

não farei isso. Simplesmente não falarei<br />

bem. E quando disserem d’Ele,<br />

15


O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

diante de mim, as coisas mais inverossímeis,<br />

ficarei quieto.<br />

“Não sou inimigo d’Ele; no fundo,<br />

gosto d’Ele, às vezes rezo para Jesus<br />

e Ele é tão bom que me atende. Razão<br />

a mais para eu não tomar o partido<br />

d’Ele. Se Jesus não me ajudasse,<br />

eu talvez tivesse vantagem de tomar<br />

sua defesa, porque Ele então<br />

me atenderia... Mas, uma vez que<br />

Ele me auxilia até quando não tomo<br />

o partido d’Ele, fico bem com uns<br />

e com Ele. Encontro aí o caminho<br />

bom para mim, onde me ponho.”<br />

Em seguida, vem a coorte imensa<br />

dos voluntariamente imbecis:<br />

“Não tenho bastante capacidade intelectual<br />

para me situar diante desse<br />

problema. Se eu o visse com clareza,<br />

tomaria posição. Mas, Deus me<br />

deu uma inteligência pequena, não<br />

tenho muito jeito para resolver isto.<br />

De maneira que vou fechar os olhos<br />

e deixar correr o marfim.”<br />

Essas várias zonas do povo foram<br />

sendo atingidas, estabelecendo-se<br />

em torno de Nosso Senhor o vazio.<br />

A crise no Colégio<br />

Apostólico e a<br />

traição de Judas<br />

A entrada d’Ele em Jerusalém, no<br />

Domingo de Ramos, foi uma manifestação<br />

de quanto o povo, apesar<br />

de tudo, O via e apreciava, mas não<br />

na medida do necessário, do justo.<br />

Aclamavam-No, é verdade, mas Ele<br />

merecia muito mais!<br />

Fazem-Lhe uma meia festa. Por isso,<br />

em geral, as pinturas e gravuras<br />

de Nosso Senhor entrando em Jerusalém<br />

O apresentam com tristeza, pesar,<br />

e dirigindo um olhar quase severo<br />

para a multidão que O aplaudia.<br />

Para Ele o interior das almas não oferece<br />

segredo, e Jesus percebia a insuficiência,<br />

a precariedade daquela ovação<br />

de que Ele era objeto.<br />

Humildemente sentado sobre um<br />

burrico, Ele atravessava em meio à<br />

multidão, chamando a todos, pela<br />

sua presença, a amarem a Deus. Porém,<br />

ao mesmo tempo, percebia as<br />

negações, as recusas, a frieza, a hipocrisia<br />

deste ou daquele ato de admiração,<br />

e sofria com isso.<br />

Se fôssemos estudar todo o padecimento<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

e não só a Paixão, dir-se-ia que<br />

a partir da primeira ingratidão Ele<br />

começou a sofrer. Quando teria sido<br />

essa primeira ingratidão? Não se<br />

sabe. Ela veio aos tufos, em grande<br />

quantidade, no Domingo de Ramos.<br />

Se fosse só isso...<br />

Aproximam-se as festas judaicas<br />

da Páscoa. Nosso Senhor, inteiramente<br />

fiel à Lei — Ele era, como<br />

Deus, o Legislador —, realiza a<br />

ceia na quinta-feira e está com seus<br />

apóstolos à mesa. Sabia que um deles,<br />

portanto dos mais chegados, O<br />

havia traído. Esse apóstolo, que estava<br />

em crise, era um homem que<br />

Ele tinha chamado. Quer dizer, pela<br />

graça Nosso Senhor atraiu Judas<br />

Iscariotes para junto d’Ele, mas<br />

provavelmente Judas correspondeu<br />

mal, desde o primeiro momento. E<br />

Ainda quando Judas<br />

O trai, Jesus responde<br />

com um gesto de<br />

carinho: “Judas, com<br />

um ósculo tu trais o<br />

Filho do Homem?”<br />

Judas não ligou,<br />

naquele momento<br />

rompeu com Nosso<br />

Senhor e retirou-se.<br />

foi um apóstolo medíocre, que deu<br />

depois num apóstolo infame. Crise,<br />

crise...<br />

Confiaram a esse homem a guarda<br />

do dinheiro para as esmolas e,<br />

conta-nos o Evangelho, ele era ladrão.<br />

Roubava da caixa comum para<br />

gastos consigo a fim de satisfazer<br />

sua ganância.<br />

Da esquerda para<br />

a direita: Domingo<br />

de Ramos (Subiaco,<br />

Itália); Oração no<br />

horto (Catedral de<br />

León, Espanha);<br />

Beijo de Judas<br />

(Catedral de<br />

Bourges, França);<br />

A Via-Sacra<br />

(Colmar, Alsácia).<br />

16


Se fosse só essa crise... Os apóstolos<br />

“fervorosos” lá se encontravam<br />

com o Redentor; é o banquete. Ele<br />

lava os pés dos apóstolos, perdoa-<br />

-lhes os pecados.<br />

A tristeza vinha tomando a alma<br />

de Nosso Senhor; em certo momento<br />

disse o Redentor que um deles<br />

haveria de traí-Lo. Ele foi tão bom,<br />

que não afirmou outra coisa: “E vós<br />

todos haveis de Me abandonar.”<br />

Ele conhecia a traição, e também<br />

o abandono. Um deles, São João,<br />

colocou o ouvido sobre o peito de<br />

Jesus, em gesto de amizade e intimidade,<br />

e perguntou quem era o traidor.<br />

Cristo respondeu: “Aquele a<br />

quem Eu der o pão molhado no vinho.”<br />

Ele não quis dizer o nome de<br />

Judas. Para não perceberem, deu<br />

uma resposta rápida, e falou baixinho.<br />

Tomou o pão e ofereceu-o amavelmente<br />

a Judas. Carinho para com<br />

Judas até o último momento.<br />

Nosso Senhor dá a Judas aquela<br />

ordem misteriosa: “O que tens que<br />

fazer, faze-o logo.” E o traidor saiu<br />

durante a noite, e foi consumar o pecado<br />

dele.<br />

Jesus não mandou Judas pecar.<br />

Mas Judas, naquele momento,<br />

rompeu com Nosso Senhor e retirou-se.<br />

Podemos imaginar<br />

seus passos aflitos,<br />

apressados:<br />

“Trinta dinheiros! Quero trinta<br />

dinheiros!” É melhor não excogitar<br />

como se fez o pacto, e o que Judas<br />

pensou quando sentiu os trinta<br />

dinheiros pesarem na sua sacola.<br />

E quando Judas O oscula para<br />

que Jesus fosse preso, ainda é uma<br />

pergunta com carinho: “Judas, com<br />

um ósculo tu trais o Filho do Homem?”<br />

Judas não ligou. Trinta dinheiros,<br />

o resto não importa!<br />

Todos conhecem essa história,<br />

que terminou ignobilmente numa figueira...<br />

O Divino Redentor passa pela<br />

tristeza de constatar que também os<br />

Apóstolos escolhidos não O viam.<br />

No Horto das Oliveiras, quando dormiam,<br />

todos os esplendores de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo para eles eram<br />

nada. Estavam com sono, queriam<br />

dormir. E na hora do perigo todos fugiram.<br />

Até aquele que pousara o ouvido<br />

sobre o peito d’Ele, e ouvira as<br />

batidas de seu Sagrado Coração!<br />

Os algozes não podiam<br />

deixar de perceber a<br />

perfeição de Jesus<br />

Na Paixão, Nosso Senhor sentia-<br />

-Se completamente recusado pelos homens,<br />

pelo povo eleito. Entretanto,<br />

Ele era divino,<br />

incomparável!<br />

Por que tinham feito isso? Que<br />

enorme injustiça, que impiedade sem<br />

conta, que revolta atroz contra Deus!<br />

Vislumbramos, então, a tristeza, a indignação,<br />

o sofrimento de sua Alma.<br />

É neste ponto que entra a flagelação,<br />

o primeiro mistério do Rosário<br />

considerando a agressão física contra<br />

o Homem-Deus. Amarram-Lhe<br />

as mãos, atam-No a uma coluna e começam<br />

a fustigá-Lo por ódio a Deus.<br />

Poder-se-ia objetar: “Mas eles<br />

não sabiam que Ele era o Homem-<br />

-Deus, e até negavam isso. Como o<br />

senhor pode dizer que era por ódio<br />

a Deus?”<br />

Eles viam aquela perfeição, que é<br />

uma com Deus, e tal perfeição eles<br />

odiaram. Portanto, agrediram Nosso<br />

Senhor por ódio a Deus.<br />

Se alguém, tomando a fotografia<br />

de um dos que está aqui, diz, embora<br />

sem conhecê-lo: “Mas que tipo antipático,<br />

detestável! Vou crivar de punhaladas<br />

essa foto; depois amarrá-la<br />

numa árvore e dar tiros contra ela; e<br />

ainda atear fogo nos molambos de<br />

papel que restarem.”<br />

A pessoa assim ultrajada diria:<br />

“Esse homem não me quer, ele me<br />

odeia.”<br />

É claro! Eles sabiam, neste sentido,<br />

que ali estava Deus.<br />

Começa, então, o contraste pungente<br />

entre a mansidão, a bondade,<br />

Fotos: T. Ring / S. Hollmann


O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

a voluntária incapacidade de defender-Se,<br />

de um lado; e o ódio brutal,<br />

estúpido, cruel, de outro lado.<br />

Para amarrar Nosso Senhor, os algozes<br />

Lhe dizem com brutalidade:<br />

“Dá cá as mãos!” Ele, não com uma<br />

mão, mas apenas com um dedo poderia<br />

expulsar aquela gente toda.<br />

Se quisesse, o Redentor chamaria<br />

as coortes do Céu para descerem e<br />

defenderem-No; elas viriam imediatamente,<br />

porque Ele não chamava,<br />

mas mandava!<br />

Jesus entrega as mãos, que eles<br />

amarram com brutalidade, utilizando<br />

corda tosca, rude, e um modo de<br />

amarrar que, com certeza, atormentava,<br />

prejudicava a circulação, tolhia<br />

os movimentos etc. Tinham a ilusão<br />

estúpida de que, amarrando-O, Ele<br />

estava amarrado. Bastaria Ele dizer:<br />

“Corda, rompe-te”, que ela cairia no<br />

chão; ou, se quisesse, poderia transformá-la<br />

em serpente, que atacaria<br />

aqueles malvados.<br />

Mas Nosso Senhor queria sofrer.<br />

O extraordinário é que uns queriam<br />

flagelá-Lo e Ele queria ser<br />

flagelado. Jesus Se entregou à flagelação.<br />

Os algozes já tinham tirado a túnica<br />

do Divino Salvador, ou mandaram-Lhe<br />

que a tirasse. Sua vestimenta<br />

sagrada era a túnica inconsútil —<br />

que não tem costura —, a qual havia<br />

sido tecida por Nossa Senhora, e não<br />

tinha sujeira nenhuma, pois o Corpo<br />

divino só podia irradiar a mais alva<br />

limpeza. Por um ato de vontade do<br />

Redentor, nada podia macular esta<br />

túnica, e os verdugos jogam-na ao<br />

Podemos imaginar<br />

a doçura, a beleza<br />

harmoniosa dos<br />

gemidos de Jesus ao<br />

ser açoitado. Ele,<br />

de pé, digníssimo,<br />

inteiramente manso,<br />

sem nenhum protesto,<br />

nem exclamação de<br />

dor, apenas falando<br />

com o Padre Eterno.<br />

chão, com raiva. Ele pensa nas mãos<br />

de Nossa Senhora, que a teceram,<br />

mas nada diz: era mais uma dor que<br />

Nosso Senhor queria sofrer.<br />

A doçura inefável dos<br />

gemidos do Homem-<br />

Deus atado à coluna<br />

da flagelação<br />

Levam-No para junto de uma coluna<br />

e, certamente com bofetadas,<br />

empurrões, gargalhadas, amarram<br />

aquela corda que prendia suas mãos<br />

em alguma argola da coluna — porque<br />

assim se faziam as flagelações. E<br />

aqueles homens — que homens! —,<br />

com terríveis açoites, começam fustigá-Lo<br />

com toda a força, e Ele a gemer.<br />

Podemos imaginar a doçura, a<br />

beleza harmoniosa desse gemido,<br />

aquele Corpo santíssimo que se contorcia<br />

de dor, pela brutalidade do<br />

tormento que estava sofrendo; pedaços<br />

de carne caíam ao solo: eram<br />

carnes do Homem-Deus! Seu Sangue<br />

salvador corria aos borbotões.<br />

Ele de pé, digníssimo, inteiramente<br />

manso, sem nenhum protesto, nem<br />

exclamação de dor, apenas falando<br />

com o Padre Eterno. Era o seu refúgio<br />

naquela ocasião. E seu Corpo, do<br />

alto da cabeça até a planta dos pés,<br />

ficou repleto de ferimentos gravíssimos.<br />

Era o martírio do qual haveria<br />

de resultar a Redenção do gênero<br />

humano.<br />

Terminada a flagelação, mandaram-No<br />

— os tempos eram de mais<br />

pudor do que os de hoje — apanhar a<br />

túnica. Com dores inimagináveis devido<br />

aos movimentos, Ele foi buscá-<br />

-la e a revestiu, sabendo que iria começar<br />

a Via Crucis. Quer dizer, Ele<br />

entrava em outra sequência enorme<br />

de tormentos de toda ordem.<br />

Considerem a muito bonita imagem<br />

de Nosso Senhor que está nes-<br />

Fotos: S. Hollmann, V. Toniolo, M. Shinoda.<br />

À esquerda,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />

uma conversa.<br />

À direita, em<br />

sequência: Jesus<br />

é escarnecido<br />

pelos algozes<br />

(Dijon, França);<br />

Nosso Senhor com<br />

a cruz às costas<br />

(Madri, Espanha); A<br />

crucifixão (Catedral<br />

de Bourges, França).


te auditório. Ela é principalmente<br />

expressiva, vendo-a de baixo para cima.<br />

Seu olhar mostra, segundo o artista<br />

— a meu ver com fundamento<br />

—, o estado de espírito de Jesus<br />

durante a flagelação: preocupação,<br />

a aflição diante do tormento que vinha,<br />

a dor que Ele estava sofrendo<br />

em todo o seu Corpo. Mas uma distensão<br />

completa, uma mansidão perfeita<br />

e uma dignidade de Rei. Nunca<br />

rei nenhum teve uma púrpura igual à<br />

d’Ele: a do seu Sangue infinitamente<br />

precioso.<br />

Isso foi o pórtico, o começo da<br />

Paixão cruenta de Nosso Senhor.<br />

Depois veio a coroação de espinhos,<br />

a Via Sacra, uma série de sofrimentos<br />

até o alto do Calvário.<br />

Ele, carregando a Cruz, caiu três<br />

vezes sob o peso dela. Pregaram-No<br />

na Cruz e seu Corpo ficou doloridamente<br />

pendente; tentava apoiar-Se<br />

nos pés, mas os cravos neles fincados<br />

faziam aumentar a dor... E sua sede<br />

ia progredindo, em razão da quantidade<br />

de Sangue que tinha perdido.<br />

As torturas, as sombras da morte<br />

começaram a invadi-Lo, até o momento<br />

em que Ele bradou: “Meu<br />

Pai, Meu Pai, por que me abandonastes?”<br />

Até o último instante cuidando<br />

dos outros, com uma lucidez divina<br />

ordenando todas as coisas. Para<br />

São João: “Filho, eis aí a tua Mãe”;<br />

a Nossa Senhora: “Mãe, eis aí teu<br />

filho.” Para o bom ladrão, São Dimas:<br />

“Hoje estarás comigo no Paraíso.”<br />

Foi a primeira canonização, feita<br />

pessoalmente por Nosso Senhor;<br />

que glória, que alegria!<br />

E, pensando o tempo inteiro no<br />

gênero humano que Ele redimiria<br />

quando completasse a Paixão, Jesus<br />

disse Consummatum est. Nesse<br />

momento, Ele salvou o gênero humano.<br />

Nosso Senhor pensou<br />

em cada um de nós<br />

Pensou em nós. Esta triste coleção<br />

dos homens passou diante de<br />

Nosso Senhor. Ele sofreu por este,<br />

por aquele, por aquele outro;<br />

por cada um dos que se encontram<br />

neste auditório, a fim de alcançar<br />

as graças pelas quais estamos<br />

aqui.<br />

Quando cada um fizer o histórico<br />

de sua vocação — como foi chamado,<br />

de que modo correspondeu,<br />

se cambaleou, como se pôs de<br />

pé e continuou o caminho —, lembre-se<br />

que Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

pensou em tudo isto no momento<br />

da flagelação!<br />

Talvez, quando um pedaço de<br />

sua carne divina caía ao chão, em<br />

meio à dor, Ele tenha pensado: “É<br />

por aquele filho que há de viver no<br />

século XX, o qual amo especialmente<br />

e quero que traga outros a<br />

Mim. É terrível, mas está bem sofrido!”<br />

E se algum de nós peca contra<br />

Ele, máxime em matéria grave, é a<br />

mesma coisa do que tomar o pedaço<br />

da carne que Jesus deixou cair ao solo<br />

por amor de nós, e Lhe atirar no<br />

rosto.<br />

O que se pensaria de um flagelador<br />

tão cruel, ao qual Nosso Senhor<br />

dissesse: “Meu filho, por você caiu-<br />

-Me esse pedaço de carne no chão”;<br />

e o flagelador respondesse: “Ah! é?<br />

Toma aqui”, e o lança na face? Seria<br />

pior do que qualquer açoite. Os católicos,<br />

sobretudo os especialmente<br />

chamados, fazem isso quando não<br />

são fiéis a Ele.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 7/4/1984)<br />

19


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Conduzindo o rebanho<br />

Na série de exposições a respeito de seu<br />

livro “Nobreza e elites tradicionais análogas<br />

nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e<br />

à Nobreza romana”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> teceu os<br />

seguintes comentários.<br />

Pio XII possuía um hábito<br />

que se perpetuou através<br />

das suas várias alocuções:<br />

nunca começá-las sem dizer palavras<br />

de gentileza, marcadas por uma preocupação<br />

literária especial. Essa característica<br />

transparece nas primeiras<br />

palavras de sua alocução ao Patriciado<br />

e à Nobreza romana 1 de 9<br />

de janeiro de 1958:<br />

Com vivo agrado, diletos filhos e filhas,<br />

vindos para reafirmar a devota<br />

fidelidade a esta Sé Apostólica, acolhemo-vos<br />

na Nossa casa, ainda penetrada<br />

dos santos eflúvios das festividades<br />

natalinas.<br />

Por ocasião das festas de Natal,<br />

a Nobreza costumava visitá-lo, para<br />

apresentar votos de felicidade como<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência.<br />

ocorre entre católicos, máxime entre<br />

o Pai de todos os católicos, que é o<br />

Papa, e aqueles católicos exímios, de<br />

alta condição, como eram os membros<br />

do Patriciado e da Nobreza romana.<br />

Como Pai supremo de todos os<br />

católicos do universo, como Bispo da<br />

Arquidiocese de Roma, de um modo<br />

especial ele se desvela por aqueles<br />

que representam a longa tradição<br />

do Patriciado e da Nobreza romana.<br />

Recebendo manifestações de fidelidade<br />

e de devotamento, por ocasião<br />

da passagem do Natal, é natural que,<br />

como bom Pai, ele responda com palavras<br />

de afeto, de esperança e indicando<br />

diretrizes.<br />

Todo mundo que se acerca de um<br />

Papa quer receber dele uma diretriz,<br />

uma palavra de orientação; é o presente<br />

específico que se pede a um<br />

Soberano Pontífice. É claro que ele<br />

o dá com especial abundância a essa<br />

Nobreza tão considerada.<br />

A amabilidade<br />

no trato de outrora<br />

No tempo em que eu era jovem e<br />

formei meu espírito, parecia tão evidente<br />

que o trato de uns com os outros<br />

deveria ser assim, que nem me<br />

passou pela cabeça fazer maiores<br />

explicações sobre essa praxe, dando-lhes<br />

oportunidade de saborearem<br />

melhor o estilo oratório daquela<br />

época, que já não é de hoje, mas<br />

que conserva para nós lições nesta<br />

ordem de coisas.<br />

Entretanto, para algumas pessoas<br />

essa introdução não quer dizer<br />

nada. Uma coisa con la quale o senza<br />

la quale il mondo va tale e quale —<br />

uma coisa com a qual ou sem a qual<br />

o mundo anda tal e qual. Isso não é<br />

verdade.<br />

As puras fórmulas de gentileza,<br />

de amabilidade e de afeto na vida social<br />

têm grande importância. Na medida<br />

em que a Revolução vai avançando,<br />

essas fórmulas — que no passado<br />

foram tão mais ricas e bonitas<br />

do que as usadas por Pio XII — foram<br />

desaparecendo. Pio XII era o<br />

continuador de um passado muito<br />

mais florido do que os dias dele, do<br />

que os meus dias.<br />

Alguém dirá: “Mas afinal de contas<br />

vê-se que isso não é senão gentileza.”<br />

Pode ser apenas gentileza, mas o<br />

fato de uma pessoa fazer uma gentileza<br />

para outra, indica, de qualquer<br />

maneira, uma disposição de alma<br />

melhor do que se não a fizesse.<br />

Assim, a secura de um “como vai?”<br />

não substitui, nem um pouco, uma<br />

À esquerda, Pio XII<br />

à direita, fieis<br />

20


Continua o Santo Padre:<br />

Com ânimo de pai, ansioso de cercar-se<br />

do afeto dos filhos, condescendemos<br />

de bom grado ao vosso desejo<br />

de ouvir uma vez mais algumas paladurante<br />

a proclamação do Dogma da Assunção de Maria;<br />

pervadem a Praça de São Pedro na mesma ocasião.<br />

fórmula mais elaborada. As fórmulas<br />

de tratamento têm grande importância<br />

na vida.<br />

Estou com um amigo, aproxima-<br />

-se outro amigo que não conhece<br />

o primeiro. O amigo que chega me<br />

cumprimenta e fica esquisito não<br />

saudar aquele que está comigo. Eu<br />

então os apresento, dizendo seus nomes:<br />

“Fulano de Tal e Sicrano”. Os<br />

dois apertam suas mãos e um deles<br />

diz: “Prazer em conhecê-lo”; o outro<br />

responde “Igualmente”, ou alguma<br />

outra fórmula semelhante.<br />

Isso não quer dizer que o indivíduo<br />

ao qual se apresenta o outro —<br />

chamado, digamos, Fulano dos Anzóis<br />

Carapuça — queira afirmar:<br />

“Que coisa extraordinária! Estou conhecendo<br />

o Fulano dos Anzóis Carapuça!”<br />

“Muito prazer em conhecê-lo”<br />

quer dizer: eu sorrio, introduzindo-<br />

-o nesse momento na roda dos meus<br />

conhecidos, sinto gosto em, por minha<br />

vez, entrar no circuito dos seus<br />

conhecidos; vamos travar relações<br />

cordiais.<br />

No tempo em que eu era moço, o<br />

“prazer em conhecê-lo” entre dois<br />

Imaginemos a pompa<br />

pontifícia no tempo de<br />

Pio XII: o Papa vem<br />

na sedia gestatória,<br />

senta-se numa<br />

poltrona<br />

em estilo elevado,<br />

toda dourada,<br />

sobre um estrado, e<br />

começa a falar.<br />

muito jovens que se apresentassem<br />

um ao outro, pronunciava-se mecanicamente.<br />

Hoje, quanto mais nova<br />

a geração, mais raros são os que<br />

usam essa fórmula.<br />

A beleza de formas e de<br />

palavras suaviza a vida<br />

Devemos imaginar como era a<br />

pompa pontifícia no tempo de Pio<br />

XII: o Papa vem na sedia gestatória,<br />

senta-se numa poltrona em estilo<br />

elevado, toda dourada, sobre um estrado,<br />

e começa a falar. Antes ele foi<br />

saudado pelo representante dos nobres<br />

ali presentes; depois responde a<br />

essa saudação.<br />

O primeiro pensamento contido<br />

na frase inicial é este: “Vós estais<br />

aqui no Palácio Vaticano, que é a casa<br />

do Papa. Eu tomo conhecimento<br />

da finalidade de vossa visita.”<br />

Essa expressão “tomo conhecimento<br />

da finalidade de vossa visita”,<br />

tão rasa, quase como um carimbo,<br />

não orna a vida social. Para dizer isso,<br />

ele usa a fórmula “com vivo agrado,<br />

diletos filhos e filhas”.<br />

Se ele dissesse apenas “agrado”<br />

seria um pouco vazio. “Vivo agrado”<br />

significa um agrado que tem vitalidade.<br />

Quer dizer, ele começa a alocução<br />

por um ato de amor, de afeto para<br />

com aqueles nobres. Isso vai pondo<br />

à vontade as pessoas que estão sendo<br />

recebidas.<br />

A finalidade da visita foi reafirmar<br />

a fidelidade à Sé Apostólica.<br />

Mas Pio XII acrescenta “devota fidelidade”,<br />

para dar a entender que<br />

não é uma fidelidade qualquer, comum,<br />

mecânica, mas feita com o coração.<br />

Poder-se-ia perguntar: “Para quê<br />

entrar em todos esses detalhes?”<br />

A fim de se compreender bem<br />

quanto pensamento tem que ser mobilizado<br />

para fazer uma saudação,<br />

que parece um lero-lero, mas não é.<br />

Para a correspondência de uma oficina<br />

mecânica basta dizer: “Senhor,<br />

a sua conta desse mês é tanto”; mas<br />

para o trato social de alta qualidade<br />

do Sumo Pontífice com a Nobreza<br />

de sua diocese convém essa beleza<br />

de formas, de palavras. Isto suaviza<br />

a vida.<br />

As belas maneiras fazem<br />

parte da civilização<br />

21


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

vras de exortação, em resposta aos votos<br />

há pouco a Nós dirigidos pelo vosso<br />

exímio e eloquente intérprete.<br />

Tenho impressão de que se fizermos<br />

hoje uma testagem com homens<br />

entre cinquenta e sessenta anos de<br />

idade, pelo menos cinquenta por<br />

cento — não sei se haverá pessimismo<br />

no meu cálculo — não saberão<br />

interpretar esse trecho.<br />

O intérprete era, em geral, um<br />

príncipe da Nobreza romana o qual<br />

dizia ao Papa, num discurso reverente,<br />

o que lhe ocorria pelas circunstâncias.<br />

Ao responder, o Papa nunca<br />

deixava de mencionar, com destaque<br />

especial, o intérprete, dizendo<br />

tratar-se de um personagem eminente,<br />

que desempenhou nobremente<br />

sua tarefa.<br />

Seria realmente bruto receber<br />

uma saudação de alguém que deitou<br />

seu empenho, declarou seu nome,<br />

e o saudado agradece, mas não<br />

fala de quem o saudou. Então o Papa<br />

diz uma palavra amável para o intérprete,<br />

usando a expressão “exímio<br />

e eloquente intérprete”.<br />

O intérprete foi exímio, ou seja,<br />

falou bem, de maneira a dar entusiasmo<br />

ao auditório. Eloquente é<br />

algo que se acrescenta ao exímio:<br />

teve aquele dom de palavra que<br />

empolga e arrasta os outros. Equivale<br />

a dizer que a saudação foi perfeita.<br />

Dois adjetivos só: exímio e eloquente.<br />

Passaram como se uma bênção<br />

do Papa pairasse sobre o intérprete.<br />

O agrado estava feito.<br />

O homem de hoje, de um modo<br />

geral, não entende, entende mal<br />

e mal, não gosta, não compreende a<br />

necessidade de tudo isto.<br />

É a civilização que se vai apagando.<br />

As belas maneiras fazem parte<br />

da civilização, dão sabor à vida.<br />

A preocupação constante<br />

do homem civilizado<br />

A alocução prossegue:<br />

A presente audiência desperta<br />

no Nosso ânimo a recordação<br />

da primeira visita<br />

que Nos fizestes no longínquo<br />

1940. Quantos dolorosos<br />

desfalques, desde então,<br />

nas vossas eleitas fileiras;<br />

mas, também, quantas novas<br />

e formosas flores desabrochadas<br />

no mesmo canteiro!<br />

Ou seja, quantos morreram!<br />

É claro que tinham<br />

de morrer, passado tanto<br />

tempo. Morre gente e nasce<br />

também.<br />

Vejam como ele floriu<br />

suas palavras. Compara a<br />

vida a um canteiro no qual<br />

murcham e morrem plantas,<br />

nascem e desabrocham<br />

flores. É uma bonita comparação.<br />

Faire beau, fazer bonito<br />

deve ser a preocupação<br />

constante do homem civilizado.<br />

O homem puramente<br />

feito para a prática já está<br />

caminhando para fora<br />

da civilização.<br />

Que impressão teríamos<br />

se ele, em vez de dizer<br />

isso, afirmasse: “Caramba!<br />

Quanta gente morreu!<br />

Também, em compensação,<br />

nasceu gente.” Uma frase tão<br />

seca, sem propósito; seria melhor ficar<br />

quieto.<br />

Sábios conselhos de um<br />

zeloso pai<br />

Depois da saudação, o Papa entra<br />

no tema:<br />

A lembrança comovida de uns e a<br />

risonha presença de outros parecem<br />

encerrar numa ampla moldura todo<br />

um quadro de vida que, embora transcorrida,<br />

não deixa de proporcionar salutares<br />

ensinamentos e de irradiar luzes<br />

de esperança no vosso presente e<br />

futuro.<br />

Enquanto aqueles de “fronte emoldurada<br />

de neve e de prata” — assim<br />

nos exprimíamos então — passaram<br />

à paz dos justos, ornados dos “muitos<br />

méritos adquiridos no longo cumprimento<br />

do dever”; outros, “animados<br />

pela flor da juventude ou pelo esplendor<br />

da maturidade”, ocuparam<br />

ou ocupam o seu posto impelidos pela<br />

incontenível mão do tempo, por sua<br />

vez guiado pela próvida sabedoria do<br />

Criador.<br />

(...)<br />

Pois bem, àqueles pequeninos de<br />

então, no presente jovens ardorosos<br />

ou homens maduros, desejamos dirigir,<br />

antes de tudo, uma palavra, como<br />

Cerimônias Pontifícias no<br />

22


tempo de Pio XII.<br />

Quem se acerca<br />

de um Papa quer<br />

receber dele uma<br />

diretriz, uma palavra<br />

de orientação; é o<br />

presente específico que<br />

se pede a um Soberano<br />

Pontífice.<br />

a abrir uma fresta no íntimo do Nosso<br />

coração.<br />

(...)<br />

Estamos certos que vós, mesmo<br />

quando as vossas frontes estiverem<br />

emolduradas de neve e de prata, sereis<br />

testemunhas não só da Nossa estima e<br />

do Nosso afeto, mas também da verdade,<br />

fundamento e oportunidade das<br />

Nossas recomendações, como dos frutos<br />

que delas queremos esperar para<br />

vós mesmos e para a sociedade.<br />

Recordareis particularmente aos<br />

vossos filhos e netos como o Papa da<br />

vossa infância e juventude não se omitiu<br />

de indicar-vos os novos encargos<br />

impostos à Nobreza pelas novas condições<br />

dos tempos; que, ao contrário,<br />

muitas vezes vos explicou como a operosidade<br />

teria sido o título mais sólido<br />

e digno para assegurar-vos a permanência<br />

entre os dirigentes da sociedade;<br />

que as desigualdades sociais, ao<br />

mesmo tempo que vos davam realce,<br />

prescreviam-vos deveres específicos ao<br />

serviço do bem comum; que das classes<br />

mais elevadas podiam descer para<br />

o povo grandes vantagens ou graves<br />

danos; que as transformações nas<br />

formas de vida podem, onde quer que<br />

seja, harmonizar-se com as tradições,<br />

das quais as famílias do Patriciado<br />

são depositárias.<br />

Esse já é o tema.<br />

Isso tudo para dizer o seguinte:<br />

“Vós deixareis — nas vossas memórias,<br />

que contareis e escrevereis —<br />

recordações das audiências anuais<br />

que vos dou. Nessas recordações ficará<br />

claro, para o futuro, que o Papa<br />

atual cumpriu seu dever, proporcionando<br />

cada novo ano a palavra<br />

de ordem que a Nobreza procurava.”<br />

As convulsões decorrentes da IIª<br />

Guerra Mundial produziam muitos<br />

desconsertos: abalos de situações,<br />

gente rica que ficava pobre, gente<br />

pobre que ficava rica etc. Para a<br />

Nobreza isso trazia dificuldades especiais,<br />

porque muitos nobres empobreceram;<br />

mas também possibilidades<br />

neste ponto: ainda que ficasse<br />

pobre, se fosse trabalhador digno,<br />

operoso, e não vivesse no ócio, o nobre<br />

garantiria para a sua classe uma<br />

continuação do passado.<br />

Quer dizer, o fato de se ver que<br />

toda a Nobreza, às vezes em condições<br />

modestas, trabalhava perfeitamente,<br />

era um meio de mantê-la respeitável.<br />

O fundo desse pensamento poderia<br />

ser assim formulado:<br />

Consideremos uma classe de trabalhador<br />

manual, a dos ascensoristas,<br />

cuja função não parece especialmente<br />

difícil: estar de pé dentro de<br />

um elevador, apertando aqueles botões<br />

para fazê-lo subir e descer.<br />

Trata-se de uma profissão humilde,<br />

cujo trabalho é manual; a parte<br />

intelectual do trabalho do ascensorista<br />

é tão pequena que a bem dizer<br />

não existe.<br />

Até mesmo um homem de alta<br />

condição social que, pelo infortúnio<br />

das circunstanciais econômicas<br />

favorecidas por fatores adversos,<br />

ficava arruinado, caso exercesse<br />

essa função com dignidade, sem<br />

espalhafato, não se preocupando<br />

em insinuar ser nobre, mas tendo<br />

a noção de que o era, acabaria fazendo-se<br />

respeitar por todos aqueles<br />

que o vissem. E se soubessem<br />

que ele era o Príncipe Tal ou Duque<br />

Tal, os próprios passageiros diriam<br />

entre si: “Psit! Príncipe Tal, Duque<br />

Tal.” Vendo a dignidade dele, todos<br />

o tratariam com respeito.<br />

As tradições aristocráticas podem<br />

harmonizar-se com uma profissão<br />

mesmo humilde, desde que o nobre<br />

tenha consciência disso.<br />

Quer dizer, o Papa indicava à Nobreza<br />

como reagir diante dos extremos<br />

da pobreza, continuando a ser<br />

uma classe respeitada. Esse é o pensamento.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

27/1/1995)<br />

1) Publicado em Portugal no ano de<br />

1993; foi também editado em espanhol,<br />

francês, italiano.<br />

23


Perspectiva Pliniana da história<br />

Louis-Felix Amiel<br />

O poder judiciário<br />

Comentando um pequeno e pitoresco fato<br />

extraído do livro “Ce qu’était un Roi de<br />

France”, da autoria de Funk-Brentano, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> nos transmite valiosos ensinamentos.<br />

Um bailio de Filipe Augusto,<br />

rei de França, cobiçava a<br />

terra deixada por um cavaleiro<br />

morto. Em presença de dois carregadores<br />

pagos por ele, fez uma noite<br />

com que o morto fosse desenterrado;<br />

perguntou se queria vender a sua terra<br />

e propôs-lhe um preço. O defunto nem<br />

se mexeu. “Quem cala consente”, declarou<br />

o comprador.<br />

Algumas moedas foram postas em<br />

suas mãos, após o que, foi recolocado<br />

em seu caixão.<br />

Com grande espanto por ver seus<br />

domínios usurpados, a viúva se dirigiu<br />

ao Rei. O bailio compareceu, então,<br />

ladeado por suas duas testemunhas,<br />

as quais atestaram a realidade da<br />

venda.<br />

Filipe Augusto percebeu tratarse<br />

de uma trapaça, e levou para um<br />

canto do salão um dos carregadores,<br />

e lhe disse em voz baixa: “Recita-me,<br />

no ouvido, o Padre-nosso.” Depois<br />

exclamou em alta voz: “Muito bem.”<br />

O segundo carregador, convencido<br />

de que seu companheiro denunciara<br />

a tramóia, apressou-se em dizer o que<br />

sabia e o bailio foi condenado.<br />

Neste fato encontramos vários aspectos:<br />

os resquícios da honestidade<br />

que havia no ladrão medieval; a viúva<br />

indignada que encontra no rei o<br />

seu apoio; a figura grandiosa de um<br />

rei que nos traz uma noção nova do<br />

poder judiciário.<br />

De cada um deles podemos tirar<br />

diversos ensinamentos.<br />

A função judiciária dos<br />

reis na Idade Média<br />

Havia na Idade Média uma concepção<br />

do poder real, que considerava<br />

como principal função do rei a judiciária.<br />

Esta função quase não é mais<br />

exercida pelos chefes de estado em<br />

nossos dias; dela apenas conservam<br />

a faculdade de indultar os presos.<br />

Nos dias atuais, toda a matéria judiciária<br />

passou às mãos de especialistas<br />

e técnicos, os quais compõem o<br />

poder judiciário.<br />

Porém, na Idade Média havia<br />

uma noção de liberdade e do poder<br />

régio profundamente diferente da<br />

hodierna. O medieval possuía a ideia<br />

de que não era a promoção da economia<br />

a mais alta finalidade do Estado,<br />

mas sim a manutenção da justiça.<br />

E, portanto, o supremo titular do<br />

poder público deveria ser ao mesmo<br />

tempo o supremo juiz.<br />

Na concepção medieval do poder<br />

judiciário o rei era chamado tanto a<br />

manter o justo equilíbrio entre os vários<br />

órgãos que compunham a sociedade,<br />

feudos, conventos, corporações,<br />

universidades, bem como a julgar<br />

casos individuais. Por isso, nessa<br />

historieta, Filipe Augusto — um<br />

dos mais poderosos reis de França<br />

medieval, grande guerreiro, vencedor<br />

da famosa batalha de Bouvines<br />

— aparece mantendo o equilíbrio e<br />

a harmonia do Estado e da sociedade<br />

em nível judiciário, de um lado, e<br />

de outro, julgando até mesmo os casos<br />

particulares.<br />

Protetor dos mais fracos<br />

Para algumas pessoas, este fato<br />

pode parecer perplexitante, pois, como<br />

pode um tão grande rei usar de<br />

um subterfúgio mais próprio a um<br />

simples delegado de polícia para obter<br />

que alguém confesse um crime?<br />

Mais, alguém poderia indagar: “Por<br />

que um caso como esse foi parar nas<br />

mãos do rei? Não havia juízes na<br />

Idade Média?” A resposta para tais<br />

questões evoca outra linda concepção<br />

medieval: o poder judiciário funcionava<br />

comumente, de indivíduo a<br />

indivíduo, quando se tratava de homens<br />

comuns; porém, no que tocava<br />

a viúvas e órfãos, o rei poderia ser<br />

chamado a fazer justiça, pois ele é o<br />

protetor dos mais fracos.<br />

Como isto é diferente da imagem<br />

do rei que fazem os revolucionários!<br />

Estes afirmam ser o rei o protetor<br />

dos nobres, em detrimento dos plebeus.<br />

Mas, o que aqui se vê é exatamente<br />

o contrário: ele de tal forma<br />

protegia os mais fracos, que uma viúva<br />

em muitos casos tinha a possibilidade<br />

de apelar diretamente para a<br />

24


de um rei na Idade Média<br />

PHGCOM, Horace Vernet<br />

Acima, Batalha de Bouvines. Na página da esquerda, em destaque, Felipe Augusto.<br />

justiça real, a qual julgava o caso de<br />

modo decisivo.<br />

Pela história vê-se tratar da viúva<br />

de um cavaleiro, que viu as terras<br />

que seu marido falecido lhe deixara,<br />

serem usurpadas, e acaba por apelar<br />

à justiça real. O rei com esta pequena<br />

“trapaça” desmascara inteiramente<br />

a farsa.<br />

Resquícios<br />

de honestidade<br />

O medieval possuía<br />

a ideia de que não<br />

era a promoção da<br />

economia a mais<br />

alta finalidade do<br />

Estado, mas sim<br />

a manutenção da<br />

justiça.<br />

ma barato, que de algum modo acalmasse<br />

um pouco a sua consciência e<br />

a das outras testemunhas.<br />

Caso hoje em dia um homem quisesse<br />

apropriar-se das terras de um<br />

falecido, pagaria dois capangas, e<br />

lhes diria: “Essa terra vale tanto; vocês<br />

vão assinar um documento ates-<br />

Esta narração apresenta ainda<br />

uma última nota muito curiosa. Trata-se<br />

da diferença entre a maldade na<br />

Idade Média e no mundo hodierno.<br />

Apesar da rusticidade semibárbara<br />

do bailio de Filipe Augusto, ele<br />

não quis violar completamente a verdade,<br />

procurando por isso um sofistando<br />

que viram fulano me vendê-la<br />

antes de morrer. Caso o rei me venha<br />

inquerir, eu mostro o papel atestando<br />

tê-la comprado.”<br />

No entanto, ele recorreu a um artifício<br />

diferente. Ao invés de fazer<br />

assinar um documento falso, ele preferiu<br />

realizar uma espécie de negócio<br />

falso — aliás, um negócio muito<br />

repugnante, pois esse cadáver devia<br />

presumivelmente estar em estado de<br />

decomposição —, julgando pelo silêncio<br />

do defunto que este consentia<br />

na venda. E, por fim, deixou algumas<br />

moedas dentro do caixão. De um ladrão<br />

moderno, não se poderia sequer<br />

imaginar o pagamento de algumas<br />

moedas para um morto! v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 18/6/1973)<br />

25


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Confiança nos<br />

impossíveis<br />

Um lema fixado por jovens revolucionários<br />

na Universidade de Sorbonne dá ocasião para<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tecer preciosos comentários...<br />

Alguém me pediu para comentar<br />

o seguinte lema afixado na<br />

Universidade de Sorbonne<br />

durante seus dias de agitação:<br />

“Seja realista, exija o impossível.”<br />

Mesmo defendendo a pior das<br />

causas, há nesta frase o inegável talento<br />

francês.<br />

Em primeiro lugar, devemos nos<br />

perguntar: esse lema é correto ou não?<br />

Em face dele, dividem-se duas famílias<br />

de almas: uma constituída pelo<br />

espírito geométrico, e outra, pelo<br />

espírito de finesse.<br />

O espírito geométrico é contra<br />

uma afirmação dessas. Para ele, é próprio<br />

da utopia exigir o impossível. Logo,<br />

é um absurdo dizer: “seja realista,<br />

exija o impossível”. Pelo contrário, diria<br />

alguém desta corrente, “seja realista,<br />

exija o possível”; ou então, “seja<br />

realista, e não exija o impossível”.<br />

Porém, as pessoas que têm o espírito<br />

de finesse compreendem o significado<br />

desta afirmação. Ou seja, esta<br />

espécie de contradição berrante, que<br />

é exigir o impossível, aqui quer dizer<br />

o seguinte: esse impossível vem psicologicamente<br />

entre aspas.<br />

Impossível para o<br />

medíocre... Possível<br />

para o fogoso!<br />

Há coisas impossíveis para os indivíduos<br />

“pocas” 1 , cujos horizontes são<br />

limitados e circunscritos, e que por isso<br />

facilmente desanimam diante de<br />

lances qualificados de impraticáveis,<br />

mas que na verdade não o são.<br />

Porém, há homens com inteira<br />

noção da realidade, os quais pensam:<br />

“Vocês, moles, pensam ver a realidade,<br />

mas na verdade estão apenas<br />

na superfície dela. A profundidade<br />

da realidade, bem analisada, mostraria<br />

haver mil coisas aparentemente<br />

impossíveis para os espíritos sem<br />

‘chama’; mas, para os que têm ‘chama’,<br />

são possíveis. A ‘chama’ torna<br />

possíveis coisas aparentemente impossíveis.”<br />

A História está cheia de exemplos<br />

dessa natureza.<br />

Quem vai a Barcelona e visita fac-<br />

-símiles das naus de Cristóvão Colombo<br />

tem um exemplo disso: verdadeiras<br />

cascas de noz, com as quais<br />

se teria medo de atravessar a represa<br />

de Santo Amaro...<br />

Entretanto, eles vieram até a<br />

América. E, exatamente no momento<br />

em que se planejava uma revolta<br />

a bordo — Cristóvão Colombo estava<br />

diante de uma revolta dos “pocas”<br />

que julgavam impossível atingir<br />

o objetivo, porque afinal de contas,<br />

nunca se chegava — alguém gritou:<br />

“Terra à vista!”<br />

Quer dizer, estava‐se chegando<br />

precisamente no momento em que<br />

26


o “impossível” para os medíocres tinha<br />

se tornado possível.<br />

Contudo, este é um fato natural.<br />

Impossível até na<br />

ordem natural...<br />

Do lado sobrenatural isto é muito<br />

mais bonito, muito mais rico. E<br />

a riqueza está no seguinte: quan-<br />

À esquerda,<br />

Nossa Senhora<br />

da Confiança<br />

(Roma, Itália);<br />

abaixo, estátua<br />

de Cristovão<br />

Colombo.<br />

T. Ring<br />

27


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

L. Maria<br />

Todos passarão por<br />

circunstâncias onde<br />

a voz da Confiança<br />

parecerá ter mentido.<br />

Não acreditemos, pois<br />

ela nunca mente,<br />

e sempre acaba<br />

realizando o que<br />

prometeu.<br />

O Livro da Confiança 2 começa<br />

com as magníficas palavras: “Voz<br />

de Cristo, voz misteriosa da graça,<br />

vós murmurais no fundo de nossas<br />

consciências palavras de doçura e de<br />

paz.”<br />

Realmente, nós temos uma voz<br />

interior que não fala, não usa palavras,<br />

mas se comunica conosco pelo<br />

movimento dos pressentimentos, das<br />

virtudes, das consolações da alma, e<br />

nos indica o que Nossa Senhora quer<br />

de nós.<br />

Muitas vezes esta voz quer de nós<br />

algo impossível, mas devemos crer<br />

no incrível, abordar o inabordável,<br />

meter-nos a transpor o intransponível,<br />

porque do outro lado está Nossa<br />

Senhora.<br />

Nossa Senhora das Graças - São Paulo, Brasil<br />

do Nossa Senhora quer algo, Ela o<br />

realiza contra todas as esperanças<br />

e aparências; mesmo o impossível<br />

para os grandes homens é possível<br />

para Nossa Senhora, porque a oração<br />

d’Ela é onipotente, Ela obtém<br />

de Deus absolutamente tudo quanto<br />

Ela quer.<br />

De maneira que, muitas vezes,<br />

nós devemos tentar coisas não só impossíveis<br />

para os “pocas”, mas impossíveis<br />

também na ordem natural<br />

das coisas. Devemos exigir o impossível<br />

de nós mesmos, porque Nossa<br />

Senhora nos dará.<br />

Mas, como podemos ter certeza<br />

se Nossa Senhora dará ou não?<br />

“Nunca em minha vida<br />

eu fui decepcionado nesta<br />

posição interior de alma”<br />

Como podemos diferenciar o sinal<br />

interior dado por Nossa Senhora<br />

de uma simples fantasia?<br />

É muito fácil: se um determinado<br />

movimento de alma nos leva à virtude;<br />

se esse pressentimento de alma<br />

não satisfaz o nosso amor-próprio,<br />

certamente vem de Nossa Senhora.<br />

Ele pode não se realizar como<br />

imaginamos, mas seguramente ele<br />

acaba se realizando. E é este o modo<br />

pelo qual nós podemos ouvir esta<br />

voz de Cristo, voz misteriosa da graça,<br />

dizendo a nossas almas palavras<br />

de doçura e de paz.<br />

Poderá haver ocasiões em que sobrevenham<br />

movimentos de desânimo<br />

por estarmos numa situação<br />

sem saída. Apesar disso, teremos um<br />

pressentimento interno de que Nossa<br />

Senhora resolverá a situação.<br />

Nunca em minha vida eu fui decepcionado<br />

nesta posição interior<br />

de alma. E eu já estou com cinquenta<br />

e nove anos e meio. Nunca eu dei<br />

crédito a esse movimento interior da<br />

alma, e depois tive uma decepção.<br />

Nunca, nunca, nunca!<br />

Isto não quer dizer que muitas<br />

coisas não tenham demorado além<br />

do imaginado por mim; não quer<br />

28


dizer que as circunstâncias não tenham<br />

sido diversas das esperadas<br />

por mim, mas a substância nunca me<br />

decepcionou, e, em geral, foi além<br />

de minha expectativa.<br />

Como filhos de Nossa Senhora,<br />

nós temos o direito de esperar o<br />

impossível, e nós temos o direito de<br />

exigir que da nossa ação brote o impossível.<br />

Devemos agir imperativamente,<br />

sabendo que aquilo vai dar certo.<br />

Uma provação na<br />

linha do desânimo:<br />

uma cisão na Ação<br />

Universitária Católica<br />

Lembro-me da primeira provação<br />

séria que eu tive a esse respeito,<br />

a qual me causou uma perturbação<br />

tremenda.<br />

Eu tinha uns vinte anos quando<br />

consegui aglutinar alguns companheiros<br />

de faculdade, para fundar<br />

o primeiro núcleo de católicos<br />

na Faculdade de Direito. Isto parecia<br />

uma coisa completamente impossível.<br />

Eu não sabia como, no interior<br />

de minha alma, dar graças<br />

a Nossa Senhora<br />

pelo que estava acontecendo, sobretudo<br />

por prever ser este o primeiro<br />

movimento de “chama” em torno do<br />

enorme “pavio” que se acenderia.<br />

Pois bem, pode-se imaginar o<br />

meu estado de espírito quando<br />

nesse embrião da Ação Universitária<br />

Católica, contra toda a minha<br />

expectativa, arrebentou uma cisão<br />

interna, promovida por um indivíduo<br />

que queria uma forma de<br />

apostolado completamente heresia‐branca<br />

3 .<br />

Eu pensei: “Como? Uma cisão<br />

entre católicos? Mas que monstruosidade<br />

é esta?”<br />

Certo dia, indo para uma reunião,<br />

onde esta cisão deveria liquidar‐se,<br />

eu estava andando de bonde no Viaduto<br />

do Chá, quase só, e ruminando<br />

aquela história, com uma pavorosa<br />

tentação de desânimo...<br />

Mas, eu senti em mim o que Abbé<br />

Saint Laurent chama no Livro<br />

da Confiança a voz sobrenatural de<br />

Cristo, voz sobrenatural da graça,<br />

que murmurava em minha alma palavras<br />

de doçura e de paz. Eu pensei<br />

então:<br />

“Eu não vou prestar atenção nisto<br />

e vou caminhar de olhos fechados<br />

em cima desta coisa! Aconteça o que<br />

acontecer, eu vou andar para a frente!”<br />

Foi a primeira prova, muitas assim<br />

vieram depois.<br />

Todos passarão por circunstâncias<br />

onde a voz da Confiança parecerá<br />

ter mentido. Não acreditemos, pois<br />

ela nunca mente, e sempre acaba realizando<br />

o que prometeu. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 3/8/1968)<br />

1) Palavra criada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para exprimir<br />

algo medíocre, mesquinho.<br />

2) Cfr. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nº 129, p.25.<br />

3) Expressão metafórica criada por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />

sentimental que se manifesta na piedade,<br />

na cultura, na arte, etc. As pessoas<br />

por ela afetadas se tornam moles,<br />

medíocres, pouco propensas à<br />

fortaleza, assim como a tudo que signifique<br />

esplendor.<br />

S. Miyazaki<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

O inimaginável e<br />

A. Patrick<br />

A prática da Religião assídua, séria,<br />

reta, durante séculos, levou as almas<br />

a desejarem o estilo gótico. Em certo<br />

momento, quando surgiram seus<br />

primeiros esboços, todos disseram:<br />

“É isso mesmo que almejamos!” E<br />

o gótico se espalhou pelo mundo<br />

inteiro.<br />

Catedral de Colônia - Alemanha<br />

30


o sonhado se encontram<br />

Q<br />

uando há uma sociedade —<br />

ou seja, o corpo social inteiro<br />

— que vive em uníssono,<br />

deseja muito uma mesma coisa, aparecem<br />

os artistas que, imbuídos do<br />

mesmo desejo, fazem o que a sociedade<br />

quer. E a obra de arte é uma<br />

consonância de um ou de alguns homens,<br />

dotados de talentos especiais<br />

para isso, com o que a sociedade deseja.<br />

O encontro entre<br />

o inimaginável e<br />

o sonhado<br />

Sempre que vejo esses monumentos<br />

góticos, e Colônia de<br />

um modo especial, fico tomado<br />

pelo encontro, no mais fundo<br />

de minha alma, de duas impressões<br />

contraditórias.<br />

Sempre que vejo<br />

esses monumentos<br />

góticos, e Colônia de<br />

um modo especial,<br />

fico impressionado<br />

pelo encontro, no mais<br />

fundo de minha alma,<br />

de duas impressões<br />

contraditórias...<br />

De um lado, trata-se de uma coisa<br />

tão bela que, se eu não conhecesse,<br />

não seria capaz de sonhá-la. Ela,<br />

portanto, supera qualquer sonho<br />

que eu pudesse ter. Mas de outro lado,<br />

olhando para aquilo, algo diz no<br />

fundo de mim: “Isso deveria existir!<br />

E essa fachada inimaginável me é,<br />

ao mesmo tempo e paradoxalmente,<br />

uma velha conhecida, como se eu toda<br />

a vida tivesse sonhado com ela!”<br />

O inimaginável e o sonhado se<br />

encontram numa aparente contradição,<br />

e há qualquer coisa nesse encontro<br />

que satisfaz a minha alma<br />

profundamente. Tenho uma impressão<br />

interna de ordenação, elevação,<br />

apaziguamento e força, um convite<br />

— acabo de falar em apaziguamento<br />

— à combatividade, que me faz<br />

bem, até mesmo na idade em que<br />

estou 1 .<br />

Quer dizer, em última análise, há<br />

qualquer coisa em nós que deseja algo,<br />

que não somos capazes de imaginar.<br />

Mas, este fundo, que é feito para<br />

certas coisas, deseja-as e conhece-<br />

-as tão bem que, quando as vê, tem a<br />

impressão de encontrar um velho conhecido.<br />

E, de outro lado, tem uma<br />

surpresa porque encontra o inimaginável.<br />

Então, há no mais profundo<br />

de nós mesmos algo que, sem percebermos,<br />

delineia uma figura de maravilhas,<br />

a qual eu não diria sonhada,<br />

mas é anelada, esboçada, que nasce<br />

das necessidades da nossa alma.<br />

Quando encontramos essa maravilha,<br />

dizemos para nós mesmos:<br />

“Ah! Aqui está a fachada esperada!<br />

Eu não podia morrer sem tê-la<br />

visto. A minha vida não seria completa;<br />

não seria inteiramente eu<br />

mesmo se não a tivesse contemplado.<br />

Ó fachada bendita, ó estilo bendito,<br />

que faz vir à tona algo de profundo<br />

de minha alma e, de certo modo,<br />

faz com que me conheça a mim<br />

mesmo, compreendendo aquilo para<br />

o qual fui criado.<br />

“É algo de misterioso que pede<br />

toda a minha dedicação, todo o<br />

meu entusiasmo, e que minha alma<br />

seja inteiramente assim. Uma escola<br />

de pensamento, de sensibilidade,<br />

um estilo de vontade, um modo de<br />

ser dali se eleva e para o qual sinto<br />

que nasci. Algo muito maior do que<br />

eu. Esses homens que me antecederam<br />

tinham também no fundo de<br />

suas almas este desejo. E até conceberam<br />

o que não concebi e fizeram<br />

o que não fiz. Tinham eles um desejo<br />

tão alto, tão universal, correspondendo<br />

aos anelos profundos de tantos<br />

homens, que o monumento ficou<br />

para todo o sempre: a Catedral<br />

de Colônia!”<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

O lumen de nossas<br />

almas: mais belo<br />

que os vitrais<br />

Há um conceito de luz que nasce<br />

em meu espírito, a qual não é, bem<br />

entendido, a luz elétrica, nem sequer<br />

uma linda luz passando pelos vitrais.<br />

Mas é muito mais do que isso: uma<br />

luz que está dentro da alma humana,<br />

à procura do que é luminoso fora,<br />

para a festa do encontro e da participação.<br />

A luz de dentro encontra<br />

a luz de fora. Mais belo do que todos<br />

os vitrais da Catedral de Colônia<br />

é o lumen que há no fundo de nossas<br />

almas, por onde nos extasiamos<br />

quando vemos essa Catedral. É uma<br />

claridade existente em nós, um movimento<br />

de alma, um desejo, o qual<br />

é mais pulcro do que aquilo que desejamos.<br />

Imaginemos que alguém fosse<br />

oferecer a Nossa Senhora uma flor.<br />

Ela olharia a rosa e daria um sorriso<br />

encantador. O que havia no fundo<br />

d’Ela, encontrando a rosa, brilhou.<br />

Mas... quanto o sorriso de Nossa<br />

Senhora é mais belo do que a rosa!<br />

Portanto, aquilo que há no fundo<br />

da alma d’Ela vale mais do que algo<br />

que A fez sorrir!<br />

Podemos dizer algo semelhante<br />

das almas que amam a Catedral<br />

de Colônia. Cada vez que uma pessoa<br />

passa por lá, e em espírito de Fé<br />

olha aquilo e se entusiasma — admira<br />

um vitral, uma ogiva, uma escultura,<br />

as torres, aquela pequena<br />

agulha existente entre as duas torres<br />

—, a catedral que ela tem no<br />

fundo da alma, as maravilhas que<br />

possui em germe sorriem. E isto<br />

agrada mais a Nosso Senhor no sacrário<br />

e a Nossa Senhora no Céu do<br />

que a própria Catedral.<br />

E quando vemos os esplendores<br />

da Catedral de pedra, o povo que<br />

entra e sai, dizemos: “Como os homens<br />

gostam disso!” Podemos afirmar<br />

também: “Deus, no mais alto do<br />

Céu, como gosta disso!”<br />

Mais do que isso,<br />

Deus no mais alto do<br />

Céu e Nossa Senhora<br />

gostaram do nosso encanto<br />

por aquela Catedral.<br />

Mais belo do que a<br />

Catedral é o amor que o<br />

homem tem por ela. Porque<br />

o homem é a obra-prima<br />

de Deus nesse universo<br />

visível. E todos os movimentos<br />

de alma existentes<br />

em nós, que nos levam<br />

a amar aquilo que Deus fez,<br />

ou que o Espírito Santo sugeriu<br />

para a glória de Deus,<br />

são mais belos do que as coisas<br />

materiais realizadas pelo<br />

homem.<br />

Nós sorrimos para a Catedral;<br />

o Criador e Maria Santíssima<br />

sorriem para nós. Exatamente<br />

como no caso da rosa. O ofertante<br />

dessa flor sorriria, vendo Nos-<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma de suas<br />

conferências, nos anos 90.<br />

32


Catedral de Colônia em seu interior.<br />

Em destaque, vitrais laterais.<br />

Fotos: P. Mikio / S. Hollmann<br />

Às vezes os grandes<br />

encontros de nossa<br />

vida são das coisas que<br />

procurávamos sem saber,<br />

porque são inefáveis.<br />

sa Senhora sorrir para a rosa. E diria:<br />

“Esse sorriso é mais belo do que<br />

a rosa. A alma que viu a rosa é mais<br />

pulcra do que a rosa vista por ela.”<br />

Assim é o pulchrum que há no<br />

fundo da alma do inocente. Trata-<br />

-se de uma forma de luz, que consiste<br />

no anseio, no desejo, na vontade<br />

de encontrarmos uma coisa que não<br />

sabemos o que é, mas quando a encontramos<br />

percebemos que a procurávamos.<br />

E isso é o enigmático.<br />

Às vezes encontramos<br />

coisas inesperadas<br />

Há um dito francês muito verdadeiro,<br />

que vez por outra repito nestas<br />

exposições: “Quem não sabe o<br />

que procura, não sabe o que encontra.”<br />

Porém, tem ele a sua limitação.<br />

Às vezes os grandes encontros<br />

de nossa vida são das coisas que procurávamos<br />

sem saber, porque<br />

são inefáveis. Quer dizer,<br />

não há palavras<br />

capazes de exprimi-las<br />

adequadamente. O melhor<br />

de nossa alma está<br />

no que procuramos, mas<br />

não temos palavras para<br />

exprimir. E quando encontramos,<br />

não temos palavras<br />

para suficientemente louvar.<br />

E nesse encontro do inexprimível<br />

com o que está acima<br />

de qualquer louvor se forma<br />

um arco, que dá alegria para<br />

nossa alma. Aí está o sentido<br />

de nossa vida. Um homem que ao<br />

longo de sua vida encontrou o que<br />

deveria procurar pode dizer: “Eu<br />

vivi!” Se não encontrou, na hora de<br />

sua morte ele pode afirmar: “Eu andei<br />

pela vida como um cão sem dono.<br />

Comi nas latas de lixo, bebi nas<br />

sarjetas, descansei na garoa, na lama,<br />

na chuva ou no sol, mas não vivi.<br />

Porque não encontrei a mão amiga<br />

que me agradasse, o dono bom que<br />

me afagasse. Fui feito para a fidelidade,<br />

para servir, mas não encontrei<br />

a quem servir. Passei uma vida vazia<br />

e morro de qualquer jeito.”<br />

Assim poderia dizer um de nós<br />

que não encontrasse aquilo que deveria<br />

procurar.<br />

Quando o menino vai se fazendo<br />

moço, depois varão, e daí para<br />

a frente, essa procura vai sendo satisfeita<br />

pelas circunstâncias da vida,<br />

porque ele encontra, logo nos primeiros<br />

vislumbres — se de fato procura<br />

—, a sabedoria.<br />

Diz a Escritura que a sabedoria é<br />

como uma mendiga, à porta de nossas<br />

almas desde a madrugada, à espera<br />

que abramos para a recebermos.<br />

Na realidade, ela tem o esplendor<br />

de rainha, que com as suas carícias<br />

de mãe, suas iluminações incomparáveis,<br />

vai convidando a inocência<br />

para segui-la. E a inocência que trilha<br />

o caminho da sabedoria é o pedúnculo,<br />

a raiz da santidade.<br />

Então, esta inocência, que se deixa<br />

guiar pela sabedoria, faz com que<br />

o homem encontre bem cedo a Santa<br />

Igreja Católica, Apostólica, Romana<br />

e diga: “Aqui há mistério. Esta<br />

é a maravilha das maravilhas! A ela<br />

eu me dou e já de uma vez! E, através<br />

da Igreja, quantas outras maravilhas<br />

para ver! Na Civilização Cristã,<br />

quanta coisa no passado, isto, aquilo,<br />

aquilo outro!”<br />

De todo verdadeiro<br />

contrarrevolucionário<br />

católico se pode<br />

dizer: ele é luz<br />

E cada um de nós vai fazendo<br />

uma espécie de museu interior mais<br />

belo do que qualquer sala adorna-<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

da, onde tenhamos recolhido os objetos<br />

que possuímos. São as lembranças<br />

das coisas que nos tocaram<br />

a alma, desses momentos nos quais<br />

tivemos tal entusiasmo, satisfação<br />

e equilíbrio, que ficamos de certo<br />

modo sem respiração e sem saber o<br />

que dizer.<br />

Ao longo dos tempos colecionamos<br />

coisas que vimos, impressões<br />

que tivemos, raciocínios que fizemos,<br />

deliberações que tomamos,<br />

gestos que presenciamos, em relação<br />

ao verdadeiro, ao bom e ao belo;<br />

mas também ao mentiroso, ao ruim<br />

e ao feio, que constitui o horror simétrico<br />

com o belo e o realça.<br />

E vamos ordenando tudo isso, explicitando<br />

nossa própria alma com<br />

essas coisas que selecionamos; ao<br />

explicitar, progredimos no conhecimento<br />

de nós mesmos. E a bem dizer,<br />

esta luz existente em nosso interior<br />

vai se definindo. Vamos nos tornando<br />

ela, e ela vai se tornando nós.<br />

Olhando-a, ficamos cada vez mais<br />

ela. Por outro lado, olhando-nos, ela<br />

fica cada vez mais nós.<br />

Há uma reversibilidade. A luz entra<br />

em nós, e parece ser criada só para<br />

ser nós. Exatamente como num<br />

belo vitral onde incide um raio de<br />

sol: atravessa-o tão bem e transmite<br />

uma luz tão bonita, que se diria que<br />

o Sol existe para incidir aquele raio<br />

naquele vitral. Durante todo o dia,<br />

ele torrou o vitral, espelhando-se e<br />

colocando no chão rubis, esmeraldas,<br />

safiras ou topázios, e depois vai<br />

se deitar porque cumpriu sua tarefa.<br />

Começa a anoitecer.<br />

Tem-se a impressão de que o Sol<br />

vive para aquela joia projetada no<br />

chão, a qual anda enquanto ele se<br />

move; o astro rei vai transformando<br />

cada centímetro do granito, sucessivamente,<br />

em joia. Até que, cumprida<br />

a tarefa, a joia vai desbotando e<br />

o Sol se escondendo. Já não se vê<br />

seu reflexo no chão, mas apenas no<br />

vitral. E até os últimos lampejos do<br />

dia, olha-se aquele pedaço de vitral<br />

que nos encantou: verde, vermelho,<br />

azul, amarelo. Quando o Sol se põe<br />

completamente, tem-se vontade de<br />

dizer: “Eu também vou dormir, porque<br />

tive o meu dia cheio. Vi a joia<br />

passar pelo granito da Catedral!”<br />

Esses encontros de alma, que definem<br />

a vida do inocente, exprimem<br />

algo que nos diria mais ou menos o<br />

seguinte: “Você foi feito para aquilo;<br />

aquilo foi feito para você. E de<br />

tal maneira você o ama, que se diria<br />

que aquilo existe para você, que isto<br />

é você, ou você é aquilo. E quando<br />

você fala daquilo, mesmo que aquilo<br />

não esteja presente, tem-se a impressão<br />

de vê-lo, pois está na sua alma.<br />

E, presente na sua alma, talvez<br />

seja visto de modo mais belo do que<br />

em sua realidade policromada e material.”<br />

Admirando as<br />

maravilhas da Criação,<br />

pratica-se o amor a Deus<br />

Todos percebem que tudo isto é<br />

um modo de afirmar: Credo in unum<br />

Deum, Patrem omnipotentem, Creatorem<br />

caeli et terrae, visibilium omnium<br />

et invisibilium — Eu creio em<br />

um só Deus, Pai onipotente, Criador<br />

do céu e da terra, e de todas as coisas<br />

visíveis e invisíveis.<br />

Detalhes da fachada e do interior<br />

da Catedral de Colônia.<br />

Fotos: A. Patrick.<br />

34


Por que Deus?<br />

Porque o homem sabe, perfeitamente,<br />

que um caco de vidro é um<br />

caco de vidro, e o Sol não é senão<br />

o Sol. E que tudo aquilo seria uma<br />

ilusão se não fosse a expressão de<br />

um Ser infinitamente maior, que se<br />

oculta aos nossos sentidos, mas se<br />

mostra através desses símbolos. Que<br />

toda essa feeria seria absurda se esse<br />

Ser não existisse.<br />

Ora, como não é possível que<br />

tanta ordem e tanta beleza sejam absurdas,<br />

a conclusão é que aquilo é! E<br />

no fundo, sem percebermos, amando<br />

aquele rubi, aquele jogo de luz,<br />

aquele vitral, amando a alma que<br />

ama aquele vitral, nós amamos ainda<br />

mais o puríssimo Espírito, eterno<br />

e invisível, que criou tudo aquilo, para<br />

nos dizer:<br />

“Meu filho, Eu existo. Ama-Me<br />

e compreende: isto é semelhante a<br />

Mim. Mas, sobretudo, por mais belo<br />

que isto seja, Eu sou infinitamente<br />

dessemelhante disto, por uma<br />

forma de beleza tão quintessenciada<br />

e superior, que só quando Me vires<br />

verdadeiramente te darás conta<br />

do que Eu sou. Vem, meu filho, que<br />

Eu te espero! Luta por mais algum<br />

tempo, que Eu te mostrarei no Céu<br />

belezas ainda maiores, na proporção<br />

em que for grande e dura a tua<br />

luta. Quando estiveres pronto para<br />

veres aquilo que Eu tinha intenção<br />

de que visses quando te criei, Eu te<br />

chamarei.<br />

“Meu filho, sou Eu a tua Catedral!<br />

A Catedral demasiadamente<br />

grande! A Catedral demasiadamente<br />

bela! A Catedral que fez florescer<br />

nos lábios da Virgem um sorriso<br />

como nenhuma joia, nenhuma rosa,<br />

nenhuma das meras criaturas que<br />

Ela conheceu, fez florescer.”<br />

Esta Catedral é Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo. É o Coração de Jesus,<br />

que colocou no Coração de Maria<br />

harmonias inefáveis. Ali nós O conheceremos.<br />

Quando vemos monumentos como<br />

esse, temos certa sensação do demasiadamente<br />

grande, de um demasiado<br />

delicioso, que não tem proporção<br />

conosco, mas para o qual voamos;<br />

é a esperança do Céu. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 13/10/1979)<br />

1) Quando proferiu esta conferência,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tinha 70 anos de idade.<br />

35


Com o cetro<br />

de Deus<br />

nas mãos...<br />

M<br />

aria Santíssima é nossa<br />

soberana. Ela está<br />

incalculavelmente acima de<br />

todas as criaturas e, enquanto<br />

Mãe de Deus, sua súplica é<br />

governativa por vontade de<br />

Deus.<br />

Por assim dizer, Ela tem o<br />

cetro de Deus nas mãos, como<br />

indica claramente, por exemplo,<br />

a imagem de Nossa Senhora<br />

Auxiliadora: na mão esquerda<br />

segura o Menino Jesus e na<br />

direita o cetro. Este significa<br />

que Ela tem o governo de toda<br />

a criação, pela Sua santidade<br />

incomparável e união com Deus,<br />

bem como pela Maternidade<br />

Divina e pelo fato de ser Esposa<br />

do Espírito Santo.<br />

(Extraído de conferência de<br />

13/3/1992)<br />

Nossa Senhora Auxiliadora -<br />

Igreja do Sagrado Coração de<br />

Jesus ( São Paulo, Brasil).

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