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Revista Dr Plinio 178

Janeiro de 2013

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Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>178</strong> Janeiro de 2013<br />

As nações e a ordem<br />

do universo


Apresentação do Menino Jesus no<br />

Templo - Catedral de Manresa (Espanha)<br />

Sérgio Hollmann<br />

S<br />

obre a Circuncisão há uma coisa<br />

que maravilha todos os teólogos<br />

e que nos deixa ver um pouco os<br />

hábitos de Deus, ou o que se poderia<br />

chamar a psicologia de Deus: o<br />

Sangue vertido na Circuncisão teria<br />

sido suficiente para resgatar todo o<br />

gênero humano. Uma simples gota do<br />

Sangue preciosíssimo de Jesus Cristo<br />

tem valor infinito. Ora, Deus, por<br />

um desígnio misterioso e a respeito do<br />

qual os teólogos não chegam a ver o<br />

fundo, Ele não quis que a Redenção<br />

se desse nesse momento; Ele quis<br />

que o mérito desse Sangue como que<br />

ficasse suspenso, e que a Redenção<br />

só se operasse efetivamente depois do<br />

“dilúvio” de sangue vertido por Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo no alto da Cruz.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 1/1/1966)<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>178</strong> Janeiro de 2013<br />

Ano XVI - Nº <strong>178</strong> Janeiro de 2013<br />

As nações e a ordem<br />

do universo<br />

Na capa,<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em março de 1991.<br />

Foto: Mário Shinoda<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Editorial<br />

4 As nações e a ordem do universo<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 Janeiro de 1951<br />

A Cruzada do século XX<br />

Dona Lucilia<br />

6 A elevação de alma de Dona Lucilia<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

10 A grandeza da ordem do universo<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

Perspectiva pliniana da história<br />

16 O espírito das nações analisado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> - I<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

22 Harmonia entre a razão e o sentimento<br />

Calendário dos Santos<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 107,00<br />

Colaborador .......... R$ 150,00<br />

Propulsor ............. R$ 350,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 550,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 14,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

28 Santos de Janeiro<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

30 Os sacratíssimos nomes de Jesus e de Maria<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

34 Mares do Brasil<br />

3


Editorial<br />

As nações e a ordem<br />

do universo<br />

Um dos princípios de sabedoria mais admirados e aplicados por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> era o da unidade<br />

na variedade. Se analisarmos, ainda que de modo superficial, a matéria que nossa revista<br />

tem publicado ao longo dos anos, verificaremos como tal princípio se faz sempre presente,<br />

como um facho a iluminar, explícita ou implicitamente, suas reflexões. Trata-se, de fato, de um<br />

aspecto do unum, que na ordem dos transcendentais precede o verum, o bonum e o pulchrum e com<br />

eles está intimamente ligado.<br />

“Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31), diz a Escritura ao<br />

terminar a narração da criação do mundo. Altamente contemplativo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se deleitava em imaginar,<br />

pela perspectiva da unidade na variedade, o olhar de Deus pousando sobre sua obra e confirmando<br />

que cada criatura era boa, mas o conjunto delas, ainda melhor. Ou seja, o universo organizado<br />

segundo uma ordem sapiencial divina, em que cada ente tem seu papel insuperável e próprio, segundo<br />

sua natureza, e na qual está destinado a ocupar um lugar num conjunto. A soma de todos os<br />

conjuntos constitui a grandiosa ordem do universo.<br />

No centro desse magnífico arranjo encontra-se o homem, a quem é dado glorificar a Deus por toda<br />

essa grandeza. Como vemos destacado na seção “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> Comenta” da presente edição, “dir-<br />

-se-ia que Deus quis ordenar as coisas de tal maneira que o homem, no último ponto de seu olhar,<br />

sempre divisa o grandioso”. Conforme caminha na contemplação do universo “de surpresa em surpresa”,<br />

a alma reta reage com “o silêncio, o murmúrio e depois a exclamação”.<br />

Já temos comentado noutras ocasiões como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> era dotado de um carisma de discernimento<br />

tão rico e vasto que lhe era fácil perceber num só olhar a personalidade de um indivíduo, mas não<br />

só; também as particularidades de um grupo de indivíduos e até de nações inteiras. Conforme o princípio<br />

da unidade na variedade, ele via cada povo como uma pedra preciosa incrustada numa magnífica<br />

coroa, a ordem do universo. Eis o alicerce de suas análises sobre a História, as vocações, as luzes<br />

primordiais, as incorrespondências etc., das nações.<br />

Assim, na seção “Perspectiva Pliniana da História” deste número, vemos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> afirmar que<br />

“nada melhor para conhecer uma nação do que conhecer a psicologia dos indivíduos”, e vice-versa.<br />

Na análise dos povos e de sua história, “os pormenores interessam muito; cada um deles acaba constituindo<br />

como que uma história especial”. E esclarece: “Vê-se como a partir de um pequeno ponto as<br />

correlações se multiplicam e se avolumam”.<br />

É desse ponto de vista que ele, ao tratar de diversas nações, faz conjecturas sobre seu papel no futuro,<br />

especialmente tendo em vista o reinado de Maria, previsto por São Luís Maria Grignion de<br />

Montfort e prometido Nossa Senhora em Fátima.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Datas na vida de um cruzado<br />

Janeiro de 1951<br />

A Cruzada do século XX<br />

Em janeiro de 1951, teve início a publicação<br />

do mensário de cultura católica “Catolicismo”.<br />

No artigo de primeira página, intitulado “A<br />

Cruzada do século XX”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> explanou em<br />

linhas gerais os princípios e ideais por ele adotados<br />

e vividos.<br />

Vejamos, tão somente, o início deste artigo, no<br />

qual pode-se notar a Fé e o entranhado amor de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a Deus e à Santa Igreja:<br />

A Igreja Católica foi fundada por Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo para perpetuar entre os homens<br />

os benefícios da Redenção. Sua finalidade<br />

se identifica, pois, com a da própria Redenção:<br />

expiar os pecados dos homens pelos méritos<br />

infinitamente preciosos do Homem-Deus;<br />

restituir assim a Deus a glória extrínseca que o<br />

pecado Lhe havia roubado; e abrir aos homens<br />

as portas do Céu. Esta finalidade se realiza toda<br />

no plano sobrenatural, e com ordem à vida eterna.<br />

Ela transcende absolutamente tudo quanto<br />

é meramente natural, terreno, perecível. Foi o<br />

que Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou, quando<br />

disse a Pôncio Pilatos “meu Reino não é deste<br />

mundo” (Jo 18,36).<br />

A vida terrena se diferencia, assim, e profundamente,<br />

da vida eterna. Mas estas duas vidas<br />

não constituem dois planos absolutamente isolados<br />

um do outro. Há nos desígnios da Providência<br />

uma relação íntima entre a vida terrena<br />

e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida<br />

eterna é o fim. O Reino de Cristo não é deste<br />

mundo, mas é neste mundo que está o caminho<br />

pelo qual chegaremos até ele. (...)<br />

Temos uma alma imortal, criada à imagem<br />

e semelhança de Deus. Esta alma é criada com<br />

um tesouro de aptidões naturais para o bem, enriquecidas<br />

pelo Batismo com o dom inestimável<br />

da vida sobrenatural da graça. Cumpre-nos, durante<br />

a vida, desenvolver até a sua plenitude estas<br />

aptidões para o bem.<br />

Com isto, nossa semelhança com Deus, que<br />

era em algum sentido ainda incompleta e meramente<br />

potencial, torna-se plena e atual.<br />

A semelhança é a fonte do amor. Tornando-<br />

-nos plenamente semelhantes a Deus, somos capazes<br />

de O amar plenamente, e de atrair sobre<br />

nós a plenitude de seu amor.<br />

Ficamos, assim, preparados para a contemplação<br />

de Deus face a face, e para aquele eterno<br />

ato de amor, plenamente feliz, para o qual somos<br />

chamados no Céu.<br />

A vida terrena é, pois, um noviciado em que<br />

preparamos nossa alma para seu verdadeiro<br />

destino, que é ver a Deus face a face, e amá-Lo<br />

por toda a eternidade. (...)<br />

Deus deve ser adorado e servido sobretudo em<br />

espírito e em verdade (Jo 4,24). Assim, cumpre<br />

que sejamos puros, justos, fortes, bons, no mais<br />

íntimo de nossa alma. Mas se nossa alma é boa,<br />

todas as nossas ações o devem ser necessariamente,<br />

pois que a árvore boa não pode produzir senão<br />

bons frutos (Mt 7,17-18). Assim, é absolutamente<br />

necessário, para que conquistemos o Céu,<br />

não só que em nosso interior amemos o bem e<br />

detestemos o mal, mas que por nossas ações pratiquemos<br />

o bem e evitemos o mal. (...)<br />

O Reino de Deus se realiza na sua plenitude<br />

no outro mundo. Mas para todos nós ele começa<br />

a se realizar em estado germinativo já neste<br />

mundo. Tal como em um noviciado, já se pratica<br />

a vida religiosa, embora em estado preparatório;<br />

e em uma escola militar um jovem se prepara<br />

para o Exército... vivendo a própria vida militar.<br />

E a Santa Igreja Católica já é neste mundo<br />

uma imagem, e mais do que isto, uma verdadeira<br />

antecipação do Céu 1 .<br />

Que estas palavras de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sirvam para<br />

nos dar alento e direção no ano que ora se inicia!<br />

1) Catolicismo n° 1, janeiro de 1951.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia<br />

em 1892, aos<br />

16 anos de idade<br />

A elevação de alma<br />

de Dona Lucilia<br />

Analisando as fotografias de Dona Lucilia, percebe-se que ela possuía<br />

uma luz, pela qual estava continuamente voltada para a consideração<br />

de altos horizontes; e um de seus maiores sofrimentos era ver as<br />

devastações que a ausência dessa luz produzia nas almas.<br />

6


Dona Lucilia era uma pessoa que tinha uma<br />

confiança heroica na Providência, e com um<br />

matiz diferente da confiança que possuímos.<br />

Confiança de que certo lumen a<br />

acompanhará até o fim de seus dias<br />

A vocação nos pede que confiemos em que tal coisa se<br />

dará, ou tal outra não acontecerá. Com ela não era propriamente<br />

assim; suceda o que suceder, um certo lumen<br />

da vida dela a acompanhará até o fim. Ainda que esse lumen<br />

entre em ocaso, não desaparecerá de seu horizonte<br />

sem que ela tenha entrado no Céu. E por isso ela vivia<br />

nessa confiança. No fundo, não queria dizer que não<br />

acontecerá nada de ruim, mas, por pior que seja a situação,<br />

tudo se arranjará em função dessa confiança. Era essa<br />

a posição dela.<br />

E acredito que a ação dela nas almas produz certo reavivar<br />

disto e, se pedirmos bastante, pode chegar ao reacender<br />

da chama. Ou seja, ela torna mais leve a situação,<br />

mais agevole, mais praticável, encurta os caminhos<br />

pelo deserto etc. Não aludo a mim, não era eu esse lumen.<br />

Se eu morresse, ela continuaria a confiar na Providência.<br />

Uma coisa é o relacionamento dela comigo, outra<br />

são as relações minhas com meus discípulos. Não podemos<br />

confundir as duas coisas.<br />

Por exemplo, há fotografias dela nos tempos de moça,<br />

antes de se casar, nas quais se pode ver um olhar... Aquilo<br />

era o lumen dela. Era algo que mamãe via, procurava e<br />

que ela maturou ou que maturou nela… e para o qual ela<br />

olhou até o último instante de sua vida.<br />

É difícil definir o que era esse olhar, mas isso está presente<br />

em todas as fotografias dela; no fundo, está considerando<br />

esse lumen.<br />

No “Quadrinho 1 ”, ela não está olhando nada de concreto.<br />

Aliás, mamãe sofria de uma catarata avançada,<br />

por causa da idade, e creio que ela via muito pouco,<br />

mas nunca quis perguntar-lhe. Eu a levei ao médico,<br />

que me disse baixinho: “Isso se resolve apenas com uma<br />

operação”; mamãe não ouviu. Ela já estava numa idade<br />

em que uma intervenção cirúrgica poderia ser um trauma;<br />

por isso, não a fiz operar. Apesar disso, no “Quadrinho”<br />

mamãe olha para um ponto indefinido, e que acende<br />

uma luz nela.<br />

Uma graça que lhe fazia ver<br />

um horizonte pleno de sublimidade<br />

Mas o que era esse lumen?<br />

Evidentemente era algo de substância, de fundo religioso,<br />

mas como uma senhora o concebe, não, portanto,<br />

teologicamente expresso. Tratava-se de uma graça que<br />

produzia efeitos na fisionomia dela, fazendo-lhe ver um<br />

horizonte longínquo, cheio de sublimidade e, ao mesmo<br />

tempo, exigindo dor e dando afabilidade. E que lhe permitia<br />

relacionar muito as coisas, de maneira a achar bonitas,<br />

agradáveis, belas, quando eram criadas por Deus.<br />

Ela era muito pormenorizada em tudo. Por exemplo,<br />

ao comentar o franzido das pétalas de um cravo e como<br />

era diferente de outra, mostrando a bonita variedade<br />

que isso possuía. Eu não me lembro em concreto que<br />

ela tenha falado isso sobre os cravos, mas seus comentários<br />

eram nessa clave.<br />

Assim mamãe via todas as coisas da natureza. Ela era<br />

mais sensível à natureza do que eu, e menos sensível à arte<br />

do que eu. Isso se explica porque, no fundo, vejo na arte<br />

um fenômeno de opinião pública, e isso ela pegava de<br />

um modo muito vago, incompleto, como era vocação dela,<br />

tão ligada à minha, mas era outra. É compreensível, e<br />

até absolutamente natural.<br />

Tomem, por exemplo, uma fotografia dela tirada em<br />

Paris, à maneira daquele tempo, sentada num banco de<br />

madeira laqueado de branco, muito pouco bonito. Ela<br />

O Quadrinho<br />

7


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia<br />

em Paris, no<br />

ano de 1912<br />

8


sabia que estava sendo fotografada e tomou uma atitude<br />

conveniente, como se fazia naquela época.<br />

Percebe-se que ela está prestando atenção, mas seu olhar<br />

está noutra cogitação, que era continuamente a consideração<br />

de altos horizontes e uma interpretação da humanidade,<br />

da vida, portanto, dos próximos dela, em função de uma<br />

desilusão que vinha crescendo. De minha parte, fiz o possível<br />

para que não houvesse essa desilusão a meu respeito.<br />

Um de seus maiores sofrimentos era ver as devastações que<br />

a ausência desse lumen produzia nas almas.<br />

Modo como Dona Lucilia rezava<br />

No convívio com mamãe, eu recebi muito disso; e ela<br />

devia ver em mim, mas dava manifestações mínimas. Demonstrava<br />

muito carinho, mas palavras faladas, não.<br />

Não me consta que mamãe me tenha feito um elogio<br />

a ninguém. As cartas dela transbordam de afeto e de carinho<br />

altamente elogioso, de maneira implícita; dizem<br />

muito como ela me quer bem, mas não fundamenta a razão<br />

do querer bem.<br />

Quando ela afirmou “eu só tenho a você, mas você eu<br />

tenho inteiramente”, não era um elogio, mas uma mani-<br />

festação de afeto; e isso ocorria a toda hora, mas era diferente<br />

de um elogio.<br />

Presenciei muitas vezes mamãe rezar. Nunca a vi orar<br />

com fisionomia romântica, sonhadora, sorrindo para a<br />

imagem... Nada disso, absolutamente. Mas ela sempre<br />

estava muito recolhida, muito respeitosa. O afeto transbordava<br />

dela, especialmente quando estava de pé, rezando<br />

próximo à imagem do Sagrado Coração de Jesus, no<br />

salão azul.<br />

O olhar dela era de uma grande elevação, mas, por assim<br />

dizer, nunca paramos para nos olhar um ao outro, a<br />

não ser uma vez ou outra, quase mais por gracejo, instantaneamente,<br />

uma coisa muito fugaz.<br />

Mas eu peregrinei muito nesse olhar, como uma ave<br />

voa no céu!<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 2/5/1981)<br />

1) Modo como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> chamava o pequeno quadro que retratava<br />

Dona Lucilia, e que fora pintado por um de seus discípulos<br />

na década de 1970.<br />

O Salão Azul, tendo ao fundo a imagem do Sagrado Coração de Jesus, onde Dona Lucilia<br />

rezava por longos períodos. No detalhe a mesma imagem do Sacratíssimo Coração.<br />

9


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

A grandeza da<br />

ordem do universo<br />

Exemplificando com obras de arte de Velásquez e Van Dyck, e, no<br />

campo da História, com um detalhe de um fato ocorrido<br />

logo após a queda da Bastilha, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra que, de um pormenor,<br />

pode-se tirar conclusões que levam às mais altas cogitações<br />

a respeito da ordem do universo.<br />

Ouniverso é incomensurável! Como abarcá-lo? A<br />

ordem dele é ainda mais incomensurável do que<br />

ele. Porque se é verdade que o universo ocupa<br />

tão grande espaço, em cada ponto incidem nele e entram<br />

em harmonia milhares de elementos de ordem.<br />

Pormenores de alguns quadros artísticos...<br />

A ordem não é senão a disposição das coisas para o<br />

seu fim e de acordo com a natureza que têm. Mas para<br />

essa disposição entram em cada coisa tantos elementos,<br />

e todos eles precisando entrar em ordem, que se poderia<br />

dizer facilmente que há milhões de ordens para uma<br />

só ordem do universo. Nesse sentido poder-se-ia afirmar<br />

que há milhões de ordenações para um só ser.<br />

Por exemplo, considerem a mão humana: quanto se<br />

pode dizer a respeito da ordenação dos vários dedos com<br />

a mão, dos dedos entre si!<br />

Eu vi uma vez um álbum de pintura que reproduzia um<br />

quadro de Velásquez, de uma das Infantas, e retratava a<br />

princesa com uma saia-balão e todos os demais adornos.<br />

Mas o álbum estampava ao lado a fotografia só da parte<br />

do quadro, que representava a mão. E era uma mão alva,<br />

muito fina, que simplesmente fazia uma coisa: carregava<br />

um lenço, um longo lenço, espantosamente longo para os<br />

nossos hábitos de hoje, feito de uma espécie de tule de seda<br />

ligeiramente rosado. A mão da princesa se apoiava sobre<br />

a armação de sua própria saia-balão, e ali segurava o<br />

The Yorck Project<br />

10


lenço que pendia como que ao acaso. Velásquez,<br />

grandíssimo pintor, fez de um<br />

pormenor de sua obra um quadro.<br />

Portanto, interessei-me em ir<br />

decompondo assim vários quadros,<br />

analisando tal pormenor e<br />

tal outro. Se se emoldurasse só<br />

aquilo, que expressão daria?<br />

Vê-se que todo grande pintor<br />

em cada pormenor de suas pinturas<br />

faz um quadro. E que verdadeiramente<br />

um quadro de boa categoria<br />

é um mosaico de quadros.<br />

Uma das obras de arte que mais<br />

expressam isso é a gravura que representa<br />

o Rei Carlos I da Inglaterra,<br />

de Van Dyck. A posição de sua mão,<br />

apoiando-se ligeiramente sobre um castão,<br />

e o cotovelo do braço esquerdo… Eu<br />

já disse que é um arquicotovelo. Não conheço<br />

um cotovelo mais nobremente pontudo, mais altaneiro<br />

e mais leve do que aquele. É uma coisa maravilhosa!<br />

Um pintor soube tirar isto de um cotovelo a respeito<br />

do qual um médico, um anatomista, um fisiologista diria<br />

cem outras coisas. Por quê? Porque num elemento só do<br />

corpo de um homem — o qual é um elemento da humanidade,<br />

o qual é um elemento rex, o elemento rei de toda<br />

a ordem do universo —, só a respeito disso se poderia escrever<br />

uma biblioteca.<br />

...e também da História<br />

Têm-se também uma noção disso quando se analisam<br />

os pormenores da História. Estudamos a História nas suas<br />

linhas gerais e o significado dos fatos apresentados.<br />

Mas depois, quando começamos a analisar os grandes<br />

povos, os grandes acontecimentos históricos, percebemos<br />

que os pormenores interessam muito; cada um deles<br />

acaba constituindo como que uma história especial.<br />

Certas ondas, ao arrebentarem na praia, como que se<br />

voltam para trás e caem. Assim também são os acontecimentos<br />

históricos. Eles parecem nascer de quem os produziu,<br />

mas, aprofundando em seu estudo, vemos que foram<br />

causados por aqueles que eles vitimaram.<br />

Vê-se que todo<br />

grande pintor em cada<br />

pormenor de suas<br />

pinturas faz um quadro.<br />

E que verdadeiramente<br />

um quadro de boa<br />

categoria é um<br />

mosaico de quadros.<br />

commons.wikimedia.org<br />

À esquerda, retrato de Maria<br />

Teresa de Áustria - por Diego<br />

Velázquez. À direita, retrato<br />

do Rei Carlos I da Inglaterra,<br />

por Anthony van Dyck.<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

commons.wikimedia.org<br />

Tomada da Bastilha em 14 de julho de <strong>178</strong>9 - por Jean-Pierre Houël. No<br />

detalhe, o Rei Luis XVI de França - por Joseph-Siffred Duplessis<br />

De um pequeno pormenor, podem-se tirar conclusões<br />

que levam às mais altas cogitações da História, e<br />

que esclarecem mais um aspecto num universo de fatos<br />

como a queda da Bastilha, a qual é um ponto do universo<br />

de acontecimentos que é a Revolução Francesa; a<br />

qual, por sua vez, é um ponto desse universo de catástrofes<br />

que são as Três Revoluções 1 ; e delas pode-se subir<br />

até à Redenção do gênero humano, à obra da Salvação.<br />

Vê-se como a partir de um pequeno ponto as correlações<br />

se multiplicam e se avolumam. Às vezes, são detalhes<br />

ainda menores do que este que passo a narrar.<br />

Reação de Luís XVI face à notícia<br />

de que a Bastilha fora tomada<br />

Li em certa ocasião que, no dia da queda da Bastilha,<br />

o Palácio de Versailles passou as horas em completa<br />

tranquilidade. Ninguém mandou avisar o que estava<br />

acontecendo em Paris. Nota-se o relaxamento, o abandono<br />

do senso de conservação, do senso da autoridade. O<br />

Rei Luís XVI foi dormir na hora costumeira e, mais ou<br />

menos à meia-noite, chegaram os mensageiros a Versailles,<br />

procedentes de Paris, trazendo as notícias do que tinha<br />

sucedido durante o dia.<br />

Só então perceberam a gravidade do ocorrido, e os<br />

Ministros se perguntaram se era o caso de acordar o Rei.<br />

E esbarraram diante de um problema de protocolo, de<br />

etiqueta. Não havia precedentes de alguém acordar o<br />

monarca durante a noite. Afinal, o Duque de La Rochefoucauld<br />

entrou no quarto do Rei. Tudo isso eu já conhecia,<br />

mas existe um pormenor que até então me havia passado<br />

despercebido.<br />

Naquele tempo, determinadas pessoas dormiam em<br />

camas de aparato, as quais tinham quatro colunas e se<br />

corria uma cortina, que formava um pequeno quarto<br />

dentro do quarto de dormir.<br />

Ele abriu toda a cortina, acordou o Rei e comunicou:<br />

— Sire, estamos recebendo notícias de Paris, houve tal<br />

coisa assim etc.<br />

E Luís XVI, estremunhando de sono, disse:<br />

— C’est donc une révolte?<br />

— Non Sire, c’est une révolution 2 .<br />

Mas há um pormenor que eu ignorava dentro disso —<br />

porque a cena é conhecidíssima. O Duque abriu inteiramente<br />

as cortinas da cama do Rei, querendo dizer: “Eu<br />

12


Renée Janssen<br />

espero que vós vos levanteis e tomeis uma atitude!” E esta<br />

esperança manifestada por La Rochefoucauld exprime<br />

bem o ambiente, a carga psicológica de como foi dada<br />

a notícia, e também o grau de modorra de Luís XVI.<br />

E o característico da cena ganha com um pequeno pormenor.<br />

O homem vale mais que o universo material<br />

Sendo assim a História, com uma maior ou menor<br />

abertura de cortina, imagine-se como é todo o universo!<br />

Um grão de areia examinado no microscópio é um pequeno<br />

cosmo. E sobre ele se poderia fazer uma enciclopédia.<br />

Quanto mais o universo, o qual, entretanto, na<br />

presença de Deus não é senão um grão de areia!<br />

Observemos outro aspecto. A Terra é como um grão<br />

de areia em relação ao universo, e este também o seria<br />

para os espaços incriados que o devem cercar. Entretanto,<br />

neste grão de areia, ou seja, a<br />

Terra, Deus fez o trono do rei<br />

de tudo, que é o homem.<br />

Pôs aqui o Paraíso e começou a conviver com o homem<br />

amorosamente.<br />

Percebe-se, portanto, a reversibilidade tremenda. Como<br />

o universo é pequeno! Como a Terra é pequena! Como<br />

o homem é pequeno! Este é um pouco de lama que<br />

o Criador modelou e depois nele soprou o espírito. Mas<br />

como aquela lama é uma grande coisa para que Deus tenha<br />

Se servido dela para criar o homem. Ó lama histórica,<br />

bem-aventurada e feliz para que nela o Altíssimo se<br />

dignasse soprar incutindo o espírito! Como nesse instante<br />

essa lama ficou valendo mais do que o universo inteiro!<br />

Primeiro, porque este boneco foi modelado por Deus.<br />

Em segundo lugar, porque neste molde Ele insuflou um<br />

espírito. A lama que se faz carne e começa a andar; o homem<br />

que recebe um espírito e inicia a pensar!<br />

Eu me comprazo, às vezes, em pensar qual foi o primeiro<br />

instante de Adão. Deus manifestou-Se a ele no<br />

primeiro momento, ou só o fez mais tarde? Quando contemplou<br />

a Criação, que noção teve ele do Criador?<br />

Somos tão egoístas que, quando imaginamos Adão começando<br />

a viver, pensamos que ele, tendo conhecimen-<br />

Ricardo Hucke<br />

Paisagem de Cerro Torre (Chile)<br />

13


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

to de si e do que o cercava, se perguntava se era gostoso,<br />

agradável. Infelizmente, é o nosso primeiro movimento.<br />

Mas esses são os pensamentos do homem moderno.<br />

A verdadeira pergunta é esta: “Que reflexo de Deus ele<br />

captou no primeiro momento?” Mas... aconteceu tudo o<br />

que sabemos.<br />

Deus elevou tanto o homem, que o<br />

Verbo se encarnou e habitou entre nós<br />

No novo Paraíso de Deus, que é Nossa Senhora, o Divino<br />

Espírito Santo, da carne imaculada da Virgem, fez<br />

formar-se a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo. E no momento em que foi concebido, Ele começou<br />

a pensar.<br />

Qual foi o primeiro momento da humanidade santíssima<br />

de Jesus com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,<br />

unidas hipostaticamente? Como foram estas relações?<br />

Como foi a primeira adoração, o primeiro ato de<br />

amor? Como foi esta hora em que o Espírito Santo tornou-Se<br />

Esposo de Nossa Senhora e fez nascer Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo? Quem pode cogitar essas coisas, tudo<br />

o que se passou nesse grão de poeira que é a Terra?<br />

E o que se poderia perguntar quanto ao universo, se<br />

num grão de poeira cabe toda esta ordenação?<br />

Certa vez assisti a uma palestra — não sei se o que se<br />

afirmava é inteiramente verdade — durante a qual o palestrante<br />

dizia que qualquer parcela de matéria é como<br />

um planeta em torno do qual gravitam — separados por<br />

distâncias que não percebemos, mas que a Ciência pode<br />

calcular — moléculas que são como planetas e representam<br />

pequenos universos. Si non è vero, è bene trovato<br />

3 . Estaria na verossimilhança das coisas que elas fossem<br />

assim.<br />

Então, qual é esta ordem do universo, a inter-relação<br />

de todas as coisas? Consideremos que, na infinita sabedoria<br />

de Deus, cada grão de areia se identifica; Ele conhece<br />

a fundo o mundo, infinitamente mais do que nós podemos<br />

conhecer uns aos outros. De tal maneira que tudo está<br />

presente no Criador. Ele fez tudo, conhece tudo e governa<br />

tudo. Ora, esta ordem assim é Deus que conhece.<br />

O que se pode dizer a respeito disso? Vejamos algo<br />

que está nas excelências da obra feita por Deus. Ele eleva<br />

tanto esse grão de poeira, que o Verbo se encarnou e<br />

habitou entre nós, sofreu, morreu e salvou o gênero humano.<br />

Silêncio, murmúrio e exclamação<br />

Se se pudesse dizer — a expressão não é corrente —: na<br />

História de Deus, que acontecimento extraordinário passa-se<br />

na Terra, a qual é então nobilitada ao máximo, ela<br />

que, entretanto, não é senão um grão de poeira! E parece<br />

ver-se a soberana sabedoria do Criador, olhando para isso,<br />

Ele mesmo encantado e exclamando: “De um lado tão<br />

pequeno e de outro tão grande. Que obra Eu faço!”<br />

Qual foi o primeiro<br />

momento da humanidade<br />

santíssima de Jesus com<br />

a Segunda Pessoa da<br />

Santíssima Trindade,<br />

unidas hipostaticamente?<br />

Como foi esta hora em<br />

que o Espírito Santo<br />

tornou-Se Esposo<br />

de Nossa Senhora?<br />

Pablo Alberto Salguero Quiles<br />

Anunciação - por Fra<br />

Angélico, Museu do<br />

Prado, Madri (Espanha)<br />

14


No novo Paraíso de Deus,<br />

que é Nossa Senhora, o<br />

Divino Espírito Santo,<br />

da carne imaculada da<br />

Virgem, fez formar-se a<br />

humanidade santíssima<br />

de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo. E no momento<br />

em que foi concebido,<br />

Ele começou a pensar.<br />

Web Gallery of Art<br />

Detalhe da Madonna delle<br />

ombre - por Fra Angélico, Museu<br />

de São Marcos, Florença (Itália)<br />

Esta diferença abismática, desconcertante, nós a encontramos<br />

em quase tudo o que marca a ordem do universo.<br />

Enormemente grande e enormemente pequeno;<br />

enormemente bondoso, enormemente justiceiro; enormemente<br />

autoritário, como um rei; mas de outro lado<br />

dando aos homens uma completa liberdade.<br />

E assim são os contrastes da História. E nos extremos<br />

de todas as considerações encontramos o imenso. Na<br />

ponta de todas as “avenidas” está algo que, em linguagem<br />

humana, chamaríamos o monumental, mas que excede<br />

de fato imensamente o grandioso, o majestoso, o<br />

dominador, o ordenado e paira sobre tudo isso.<br />

Mas nossa alma talvez pudesse ver como um pouco esmagadoras<br />

as perspectivas dessas avenidas, que são todas<br />

elas monumentais. Deus semeou essas simetrias com<br />

imprevistos. E há tanta fantasia, tanto inesperado no<br />

meio da ordem da Criação, que nos perguntamos: “Mas<br />

como isto é assim?” E no entrelaçar ordenadíssimo — se<br />

bem que muitas vezes fortuito dela — aparecem coisas<br />

que não entendemos. Quanta variedade, mas que monumental<br />

unidade!<br />

Dir-se-ia que Deus quis ordenar as coisas de tal maneira<br />

que o homem, no último ponto de seu olhar, sempre<br />

divisa o grandioso. E se pelo sorriso do imprevisto,<br />

do leve, do gracioso, Deus o ajuda a andar rumo ao grandioso,<br />

Ele o convida, de surpresa em surpresa, a encontrar<br />

aquilo que deveria ter previsto, ou seja, o monumental,<br />

que arranca da alma humana exclamações.<br />

Diante deste final, o homem tem três atitudes possíveis:<br />

o silêncio, o murmúrio e depois a exclamação, que<br />

correspondem a três formas de magnificência, de esplendor,<br />

a respeito de cada uma das quais eu poderia depois<br />

falar indefinidamente, de tal maneira tudo é grande, vasto,<br />

imenso; tudo nos fala da grandeza de Deus.<br />

Se contemplarmos tudo isto com cuidado, encontraremos<br />

a ordem do universo.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 12/9/1981)<br />

1) O termo “Três Revoluções” é aqui empregado no sentido<br />

que lhe dá <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em sua obra “Revolução e Contra-Revolução”,<br />

escrita em abril de 1959.<br />

2) – Isso é uma revolta?<br />

– Não Majestade, é uma revolução!<br />

3) Do italiano: Se não é verdade, é bem achado.<br />

15


Perspectiva pliniana da história<br />

O espírito das nações ana<br />

Descortinando horizontes grandiosos, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> apresenta<br />

uma visão geral a respeito do conjunto das nações, mostrando o<br />

relacionamento delas com os indivíduos e os panoramas geográficos.<br />

Assim como o pavão arma um leque para que as pessoas admirem,<br />

a História mostra o conjunto das nações; cada uma delas se<br />

assemelha, de certa forma, a uma pena dessa ave.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, durante<br />

uma conferência<br />

em 1993<br />

Mário Shinoda<br />

16


lisado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> - I<br />

Apergunta feita há pouco 1 foi um longo e belo<br />

enumerado de nações, e entre elas fizeram referências<br />

a quase todos os países da Europa.<br />

Peço a Nossa Senhora, com todo o empenho de minha<br />

alma, que essas nações continuem numa glória ascendente<br />

no Reino de Maria a participar do futuro. Uma<br />

coisa é positiva: o mundo se alargou e acontecimentos de<br />

ordem muito diversa introduziram três tipos de nações,<br />

dentro do tecer da História.<br />

Nações situadas do lado<br />

ocidental da Europa...<br />

A América do Norte faz parte, hoje, do cortejo da Europa,<br />

não com tanta história, mas certamente com uma<br />

importância igual ou maior. Ela é uma das grandes tecelãs<br />

do século XX, e foi uma das grandes figurantes do século<br />

XIX.<br />

Como será o século XXI? Quais são as nações que estão<br />

nos bastidores, à espera de entrar na representação<br />

teatral, e querem um papel também para elas no futuro?<br />

Em que momento especialmente isso ocorrerá?<br />

Os descobrimentos — não me refiro à América do<br />

Norte — trouxeram a América Latina. Eles proporcionaram<br />

tanto bem, mas que se realizaram numa atmosfera<br />

religiosamente eclética, em que havia muito desejo de<br />

missões e de conquista para o reino de Cristo. Basta pensar<br />

nos quarenta mártires que vinham para o Brasil 2 , no<br />

Beato José de Anchieta, nos numerosos homens de escol<br />

que participaram dos descobrimentos e das primeiras<br />

evangelizações, para termos noção disso.<br />

Mas a sede e a fome do ouro, a vontade de reduzir<br />

e transformar tudo em moeda, em pedras preciosas, de<br />

“monetarizar” o Brasil ou o mundo, deu início àquela<br />

corrida atrás do dinheiro que haveria de chegar, no século<br />

XX, ao ponto que chegou. Também se desatou nessa<br />

ocasião a Renascença, da qual essa monetarização era<br />

filha.<br />

Então, um élan bom misturado a um ruim deram origem<br />

aos povos sul-americanos. E eles hoje estão prontos<br />

a dizer uma palavra no dia de amanhã, para entrar<br />

na História. Levaram mais de quatrocentos anos amadurecendo,<br />

o que significa, se esticarmos muito as coisas,<br />

quarenta anos para a vida de um homem. Isto é o que a<br />

Europa tem do lado do Ocidente.<br />

...e as do lado oriental<br />

E do lado do Oriente veio uma coisa horrível, que foi<br />

o comunismo, o qual também penetrou no Ocidente. Todos<br />

sabem que Lenine e seus comparsas eram agitadores<br />

comunistas, refugiados na Suíça. Antes do término<br />

da Primeira Guerra Mundial, por ordem do governo do<br />

Kaiser foram eles conduzidos em trem, como se este levasse<br />

bacilos, diretamente à fronteira russa. Entraram no<br />

território russo e fizeram a revolução comunista, para a<br />

qual tudo estava preparado.<br />

Explodiu o fenômeno comunista e a Rússia se tornou<br />

algoz da Europa Central, entrou para um píncaro e levou<br />

o mundo eslavo consigo.<br />

A “eslavidade” tinha tido uma intervenção importante<br />

na História, no tempo de Napoleão, mas não era uma<br />

força decisiva. Ela passou a se tornar uma força decisiva<br />

no desenrolar dos últimos acontecimentos.<br />

O mundo amarelo foi tocado dos dois lados.<br />

De um lado recebeu, com o Japão, toda a modernização<br />

tecnológica. E de outro lado recebeu através da China,<br />

toda a revolução cultural. Temos o mundo amarelo<br />

convulsionado, mas é mencionado como uma potência<br />

de primeira ordem do século XXI. Assim, o mundo latino<br />

americano, o mundo eslavo e o mundo amarelo são os<br />

colossos do dia de amanhã.<br />

Alguém poderá dizer: “Mas isso é arbitrário! Por que<br />

não será também o mundo hindu, o mundo persa, o mundo<br />

malgaxe?” Dormem! Não dão sinais de terem acordado.<br />

“Mas os árabes são reis do petróleo...”<br />

Uma coisa é ser rei do petróleo, e outra coisa é ser rei<br />

da História.<br />

Houve uma tentativa de galvanização do mundo árabe<br />

para uma insurreição geral. Ele se fragmentou e continuou<br />

a dormir. Salvo novidades muito surpreendentes,<br />

ele tem esse mérito de não se ter deixado galvanizar<br />

por esta forma de Revolução, mas está dormindo. Nem a<br />

graça o toca, nem o mundo consegue galvanizá-lo. Não<br />

17


Perspectiva pliniana da história<br />

Marcos Enoc<br />

A História às vezes faz<br />

com as nações o que o<br />

pavão efetua com sua<br />

roda: arma um leque e<br />

anda para os homens<br />

admirarem. E cada<br />

pena é uma nação.<br />

posso fazer presságios. A menos que o mundo árabe se<br />

levante, não posso dizer que ele está nos bastidores da<br />

História para entrar em cena. Talvez amanhã aconteça<br />

um fato em sentido contrário. De momento não vejo.<br />

Indivíduos e nações: duas realidades<br />

que se espelham uma na outra<br />

Esses são os três grandes blocos que estão em cena,<br />

em torno da Europa, a partir da Europa e da perspectiva<br />

europeia. Por que não perguntar alguma coisa também a<br />

respeito deles? Falarei sobre algumas nações que são importantes,<br />

as que foram e as que serão. Vamos tratar de<br />

tudo isso com a relativa rapidez que a conveniência pede.<br />

Para termos bem a noção disso, devemos tomar em<br />

consideração, como ponto de partida, um princípio que<br />

eu enunciaria da seguinte maneira: nada melhor para conhecer<br />

uma nação do que conhecer a psicologia dos indivíduos.<br />

Porque, debaixo de certo ponto de vista, toda nação<br />

é como um indivíduo visto numa lupa de aumento.<br />

Por outro lado, nada melhor para conhecer o indivíduo<br />

do que conhecer bem as nações.<br />

A fim de compreender o que vou falar das nações, tomemos<br />

em consideração o que se deve dizer dos indivíduos.<br />

Se eu tivesse que falar dos indivíduos, começaria,<br />

talvez, com uma palavra introdutória a respeito das nações.<br />

De tal maneira os dois conceitos, e mais do que os<br />

dois conceitos, as duas realidades, de algum modo se espelham<br />

uma na outra.<br />

Para entender bem o que é o indivíduo, desejo desenvolver<br />

um pouquinho uma noção já conhecida, mas<br />

à qual quero dar um realce num ponto especial, que é o<br />

seguinte: todo homem, porque tem uma alma espiritual,<br />

nunca acabará; não é eterno em relação ao passado, mas<br />

sim para o futuro. Sabendo estar ordenada para Deus,<br />

que é Supremo, e contemplá-Lo face a face, há um movimento<br />

qualquer de toda alma por onde, debaixo de certo<br />

ponto de vista, ela se sente e quer ser suprema.<br />

É exatamente esse anelo para uma espécie de supremacia<br />

pessoal que o igualitarismo quer apresentar como<br />

oposto à hierarquia, à estratificação, à graduação. E,<br />

por causa disso, tudo quanto se diz de hierarquia, parece<br />

abafar algo na alma humana que, entretanto, é reto; ao<br />

mesmo tempo em que comprime coisas muito ruins: a inveja,<br />

o orgulho e outras paixões.<br />

Cada homem, em determinado<br />

ponto, é supremo<br />

Que é essa pequena coisa reta na alma humana, essa<br />

tendência a uma própria e pessoal supremacia a luzir<br />

diante de Deus e olhá-Lo face a face?<br />

Cada um percorra as suas memórias e procure rever<br />

nelas qual é a pessoa mais desfavorecida, não digo moralmente,<br />

porém a menos dotada que conheceu. Eu, como<br />

conheci muita gente, teria uma longa comparação a<br />

fazer no triste cortejo dos menos favorecidos.<br />

Tomem o homem — não quero falar de virtudes, mas<br />

de dotes naturais — de menor inteligência, de capacidade<br />

de vontade mais encolhida e de sensibilidade mais irregular,<br />

pegando as coisas ora demais, ora de menos etc.<br />

Um “errado”!<br />

Suponhamos que na escala da gradação incontável, que<br />

só Deus conhece, de todos os homens que Ele criou desde<br />

18


Adão e criará até o fim do mundo, esse homem ocupe um lugar<br />

muito modesto. Digamos que seja o último dos homens.<br />

Há, entretanto, alguma coisa por onde ele é ele e se diferencia<br />

de todos os outros, talvez ele mesmo nem saiba o que é,<br />

mas Deus conhece. Por pequeno que seja esse ponto de superioridade,<br />

ele é único e ninguém será como ele.<br />

De maneira que embora seja o último dos homens,<br />

existe um ponto qualquer por onde, tomado de algum lado,<br />

ele é supremo. Se ele compreendesse isso e tratasse<br />

de amar a Deus com todo o seu entendimento, toda a sua<br />

vontade, toda a sua alma, como que automaticamente, e<br />

sem ele saber o que é, esse ponto viria à tona e se colocaria<br />

em ordem. E brilharia com seu minúsculo brilho, que<br />

seu anjo da guarda conhece, Nossa Senhora conhece e<br />

abençoa, e que Deus criou e quer ver no Céu.<br />

Assim, em cada um, a par da comparação por onde os<br />

homens são desiguais, há um lado por onde ele é supremo,<br />

que corresponde a um certo anseio da alma humana. Trato<br />

desse pormenor porque provavelmente não ouviram dizer<br />

isso, e é muito importante para que sejam bem balizadas<br />

todas as ideias de hierarquia. Devemos nos encantar<br />

com aqueles que estão acima de nós, e precisamos ter<br />

comprazimento com os que estão abaixo. Mas pensar com<br />

enlevo: há um ponto em que Deus olhará para cada um de<br />

nós e dirá: “Este é o filho único e amado, que entre os homens<br />

Eu criei, para refletir-Me em determinado ponto.”<br />

Isso dá uma alegria e um bem-estar especiais.<br />

E também cada nação<br />

O grande erro quando se fala de nações rutilantes como<br />

as europeias, é fazer uma comparação por onde se<br />

procura saber qual é a primeira. E, mais cedo ou mais tarde,<br />

a discussão cai no seguinte: para o universo, quem é<br />

maior, a França ou a Alemanha? Ou então a bela Itália, a<br />

heroica Espanha, o glorioso Portugal? E assim por diante:<br />

Bélgica, Dinamarca, Suécia, Noruega... Cada uma dessas<br />

nações, e outras mais, tem um título. Qual é o supremo?<br />

No momento em que se trata de falar um pouquinho<br />

sobre todas elas, o principal de nossa atenção não deve<br />

consistir em saber qual é a primeira. Mesmo porque absolutamente<br />

falando elas refulgem tanto, que acho que<br />

no fundo só Deus conhece.<br />

Portanto, não é por aí que corre a atenção. Mas saber<br />

no que uma nação, no seu gênero, deu ao mundo o belo<br />

exemplo de chegar quase até a ponta de si mesma. Eu digo<br />

quase, porque ocorreu a Revolução e as nações decaíram.<br />

Se tivessem continuado nesse élan, ninguém sabe<br />

até onde elas teriam chegado.<br />

Então, se considerarmos esse lado supremo que cada<br />

nação possui e que olha para Deus, teríamos a análise<br />

bem feita de alguma coisa do conjunto do Continente<br />

europeu, com vistas a passar depois, rapidamente, pelos<br />

povos eslavos, pelos povos amarelos, pelos povos sul-<br />

-americanos e ter, assim, uma ideia do que será o colorido<br />

do Reino de Maria.<br />

Usando uma metáfora, a História às vezes faz com as<br />

nações o que o pavão efetua com sua roda: arma um leque<br />

e anda para os homens admirarem. E cada pena é<br />

uma nação. Já me aconteceu várias vezes olhar pavões<br />

e fazer uma comparação entre a dignidade majestosa da<br />

roda e o pescoço todo azul ou verde, magnífico, que se<br />

ergue com uma distinção e uma categoria extraordinárias.<br />

E me perguntar a mim mesmo o que o pavão tem de<br />

mais bonito, se é a roda ou a penugem do pescoço; e ficar<br />

em dúvida.<br />

Assim, o que é mais belo: o conjunto das nações ou a<br />

História que nos apresenta esse conjunto de nações? Fica-se<br />

na dúvida. A História vista assim é uma maravilha. É<br />

o desfile pelos séculos, primeiro do povo eleito; depois, da<br />

Santa Igreja Católica. E posteriormente, como roda ou o<br />

pescoço em torno, a atitude das várias nações face à Esposa<br />

de Cristo; e o refulgir das várias nações quando se deixam<br />

penetrar pelo espírito da Igreja. E a Igreja tem alegria<br />

com as várias nações que ela penetrou com seu espírito,<br />

mais ou menos como o pavão com suas penas.<br />

Isto posto, poderíamos nos voltar para as várias nações<br />

europeias e nos perguntar qual a forma, qual o tipo<br />

de grandeza, qual a maravilha que nelas há; e como é<br />

que brilharam, e o que elas teriam sido. Há aqui o que<br />

São Luís Grignion de Montfort chama segredos da natureza<br />

e da graça, os quais são tão profundos que não chegamos<br />

a nos dar inteiramente conta disso.<br />

Afinidades entre o panorama<br />

e a alma de uma nação<br />

Vamos dividir a Europa em três blocos: os latinos, os<br />

germânicos e anglo-saxões, e os eslavos.<br />

Consideremos, por exemplo, os latinos e remontemos<br />

até os romanos.<br />

Como se fez essa vinculação, por onde em determinado<br />

momento nasceram os latinos? O que aconteceu<br />

quando os romanos passaram a dar origem aos latinos,<br />

que já não são os romanos? E qual é a diferença entre<br />

um romano e um latino? O que é o espírito latino?<br />

Análoga pergunta poderia ser feita quanto ao espírito<br />

germânico-anglo-saxão. E também em relação ao espírito<br />

eslavo, que já está um pouquinho fora do limite europeu;<br />

portanto poderia ficar para os povos que vão entrar<br />

na História. Sem saber que eu iria tratar hoje desse tema,<br />

tenho ultimamente pensado nesse assunto.<br />

Tomem determinado país, considerem o panorama e<br />

notarão que este tem uma espécie de afinidade com a al-<br />

19


Perspectiva pliniana da história<br />

David Domingues<br />

O panorama de cada<br />

país tem uma afinidade<br />

com a alma do país. De<br />

tal maneira que se fica<br />

com a impressão de<br />

que aquelas paisagens<br />

o modelaram.<br />

Baía de<br />

Guanabara, Rio<br />

de Janeiro (Brasil)<br />

ma do país. De tal maneira que se fica com a impressão<br />

de que aquelas montanhas, aqueles rios e aqueles ambientes<br />

o modelaram.<br />

Ora, o homem é o rei da natureza. Sua alma não se<br />

deixa modelar de tal maneira pela matéria, nem seu corpo<br />

pelo ambiente. O homem é feito, até, para marcar o<br />

ambiente. Ele recebe do ambiente uma certa influência,<br />

mas ele cria em larga medida o ambiente. Não podemos<br />

admitir que o homem seja filho da geografia. Ele é filho<br />

da vida das almas, da atitude das almas perante Deus.<br />

Sobretudo da graça que intervém, aconselha. Disso tudo<br />

é forjada a alma humana.<br />

Como acontece que há tais semelhanças entre os ambientes<br />

e os panoramas, de um lado, e as almas dos povos,<br />

de outro lado, que quando se vê, por exemplo, as<br />

montanhas do Rio de Janeiro nota-se que o modo pelo<br />

qual elas se encaixam umas nas outras é brasileiramente<br />

amigo e irmão. Elas parecem derreter-se umas nas outras;<br />

enquanto que, observando as montanhas da Espanha,<br />

tem-se a impressão que um gigante andou por lá<br />

quebrando-as. Elas apresentam uns píncaros grandiosos<br />

e isolados, meio trágicos no ar e meio incoerentes, cada<br />

um a cantar a sua própria personalidade.<br />

As belas montanhas dos Alpes, que deitam vertentes<br />

para o mundo latino como para o mundo germânico,<br />

são diferentes. A tendência delas — não é sempre assim,<br />

porque esta Terra não é um paraíso — é estarem organizadas<br />

quase como cadências harmônicas. Um grande<br />

monte, outros e outros… Prestando a atenção, percebe-<br />

-se que tudo se reduz a harmonias efetivas ou esboçadas,<br />

e que estaríamos na presença de uma espécie de grande<br />

parada ordenada da geografia. Ora, o alemão é assim,<br />

organizado! O latino, nem tanto… O espanhol é afirmativo,<br />

épico, heroico!<br />

As montanhas da Itália correm! Eu diria que elas<br />

brincam, gracejam um pouco, e a própria forma geográfica<br />

do país é um pouco uma brincadeira. Tem-se a<br />

impressão que a Itália dá um pacífico pontapé na ilha<br />

da Sicília, a qual não o toma a sério e continua tranquila.<br />

Fui levado a pensar especialmente nisso porque, numa<br />

noite, caiu em minhas mãos uma vida de São Vicente,<br />

mártir do tempo dos romanos, quando não havia ainda<br />

a Espanha. O martírio de São Vicente é antes de tudo<br />

um martírio de um herói que está penetrado pela Fé,<br />

e que ama a Fé católica como um grande santo, na hora<br />

em que a graça incide nele perpendicularmente e tira da<br />

sua alma os melhores acordes.<br />

É uma magnificência a vida de São Vicente, mas, sobretudo,<br />

a sua morte. A Espanha de hoje está para a Espanha<br />

de São Vicente, na melhor das hipóteses, como estão<br />

o ovo, o trigo, o leite e o fermento antes de existir a<br />

massa do pão. Vão ser misturados para formar pão. Havia,<br />

na melhor das hipóteses, os elementos de que nasceu<br />

a Espanha de nossos dias. O modo de São Vicente desafiar<br />

os seus verdugos era à la espanhola. Vê-se que ele tinha<br />

uma grandeza, de dar taponas naqueles montes e tocar<br />

para frente.<br />

Notem que depois disso a Espanha passou por quedas<br />

horríveis. A invasão dos visigodos e a decadência deles, a<br />

ponto de os árabes invadirem a Espanha como o fizeram.<br />

Entretanto, havia germens e luzes de hispanidade indiscutíveis<br />

no martírio de São Vicente. O que é o papel da<br />

natureza, o papel da graça, o que já era a Espanha dentro<br />

disso? Era uma vocação que luzia pela primeira vez,<br />

para depois passar por um ocaso e renascer para os séculos?<br />

Não sei também. Há um mistério que não se sabe<br />

como explicar: é o mistério das nações.<br />

Dirk Beyer<br />

20


O romano e o latino<br />

Há um mistério das almas humanas, assim como um<br />

mistério sobre as nações. Eu mais estou enunciando esses<br />

belos mistérios do que propriamente resolvendo-os.<br />

O romano e o latino...<br />

O espanhol, o italiano, o português são latinos; o francês<br />

é 80% latino. O que distingue o espírito romano do<br />

espírito latino? O espírito romano é imponente, grandioso,<br />

sério, monumental; é um espírito monumental por<br />

excelência. O espírito latino é assim? Entrou qualquer<br />

fator que não sei qual é, mas que certamente não foram<br />

as invasões germânicas nos territórios europeus, por onde<br />

o latino é muito mais leve do que o romano; e quando<br />

o romano construiu uma torre, o latino já voou por cima<br />

de um espaço que essa torre não vai alcançar.<br />

É ágil, pega as coisas depressa. Sabe girar, manobrar,<br />

fazer, mover-se, tem uma força e uma destreza de espírito<br />

que não conheço outro povo do mundo que tenha todas<br />

essas qualidades.<br />

De onde nasceu isso? Nós latinos temos algo do monumental<br />

romano, mas aligeirado, tornado ágil e pouco<br />

próprio a arrancar bocejos, enquanto que o romano faz<br />

a pessoa bocejar um pouco dentro daquele eterno monumental.<br />

Não se saberia bem dizer, porém um fator novo<br />

entrou, e um dos seus elementos mais característico de<br />

rapidez, de inteligência e de agilidade é o espírito brasileiro,<br />

que, entretanto, puramente latino não é! Todos sabem<br />

que houve outras composições étnicas em nosso país,<br />

muito frequentes, senão em cada caso, pelo menos como<br />

uma regra quase geral. Aquilo que se chama espírito<br />

brasileiro é um dos luzimentos do espírito latino.<br />

Então vamos analisar muito rapidamente o espírito latino,<br />

nos vários povos latinos, e tentar fazer com isso um<br />

leque; depois comparar com o espírito germânico. Assim<br />

teremos dado alguma coisa do tema proposto, o qual se<br />

revela um pouco mais vasto do que os limites naturais de<br />

uma conferência, porque o tempo é feito pelo auditório,<br />

pelas necessidades da expressão; daí vem também o mais<br />

longo ou menos longo na exposição.<br />

v<br />

Continua no próximo artigo.<br />

(Extraído de conferência de 21/2/1981)<br />

1) Jovens membros do Movimento fundado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> perguntam-lhe<br />

como devem ser entendidas as diversas nações.<br />

2) Beato Inácio de Azevedo e seus companheiros mártires<br />

(†1570), todos pertencentes à Companhia de Jesus. A nau<br />

que os levava para o Brasil foi interceptada por cinco navios<br />

de inimigos da fé católica.<br />

Jon Shave<br />

Javier Habladorcito<br />

No alto, à esquerda: montanhas dos Alpes<br />

Suíços; À esquerda: paisagem do norte da Itália;<br />

Acima: El Embudo, Cantábria (Espanha)<br />

21


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Harmonia entre a<br />

razão e o sentimento<br />

Desde menino, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> notou haver dois tipos de pessoas. Umas<br />

eram lógicas a ponto de parecer não ter sentimentos. Outras, levadas<br />

pelos sentimentos, pareciam não possuir lógica. Quando entrou no<br />

Movimento Católico, em 1928, ele estudou a Doutrina da Igreja e pôde<br />

comprovar a perfeita harmonia existente entre lógica e sentimento.<br />

Lembro-me do que se passou em minha alma, quando<br />

eu estava entre os vinte e os trinta anos de idade.<br />

Dentro dos seus calendários internos, toda alma<br />

procura andar, mas tem etapas de reflexão, de detenção,<br />

para a conquista de verdades novas; depois a<br />

alma caminha mais depressa.<br />

Duas asas simétricas,<br />

mas indicando direções opostas<br />

Marcos Enoc<br />

Eu estava numa dessas fases, mais de detenção do<br />

que de reflexão, mas não se sabe bem quando a alma<br />

se detém de fato, ou se ela para apenas a fim de pegar<br />

aquilo que viu no caminho para examinar melhor e degustar.<br />

Para uma alma, o que é deter-se? Já aí aparece um<br />

problema. Mas eu estava numa fase provavelmente assim,<br />

quando se colocou para mim, bem de frente, uma<br />

questão que, a partir de certa idade de minha infância,<br />

tinha começado a se pôr.<br />

O problema se enunciava para mim da seguinte maneira:<br />

De um lado existe a enorme gama daquilo que o homem<br />

sente, percebe e conhece. E de outro lado a gama<br />

das coisas a respeito das quais ele raciocina. Ambas são<br />

tão grandes que o homem procurando abarcá-las, ainda<br />

que tivesse asas de condor ou de águia, não conseguiria,<br />

pois elas vão além de qualquer horizonte.<br />

E esses horizontes parecem, curiosamente, estranhos<br />

um ao outro.<br />

De um lado, o mundo daquilo que a arte representa,<br />

por exemplo, a música, a qual procura exprimir a realidade<br />

da vida. Outra coisa é a razão que conceitua, define,<br />

estabelece, conclui, progride, avança. São, por assim dizer,<br />

e para voltar à metáfora de há pouco, duas asas que<br />

se desenvolvem simétricas, mas com as pontas indicando<br />

direções opostas do horizonte.<br />

Como se coordenam essas duas coisas?<br />

22


De um lado existe a enorme<br />

gama daquilo que o homem<br />

sente, percebe e conhece. E de<br />

outro lado a gama das coisas a<br />

respeito das quais ele raciocina.<br />

Ambas são tão grandes que<br />

o homem procurando abarcálas,<br />

ainda que tivesse asas<br />

de condor ou de águia, não<br />

conseguiria, pois elas vão<br />

além de qualquer horizonte.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> quando<br />

exercia seu mandato<br />

de deputado, no<br />

ano de 1932<br />

Mentalidades truncadas<br />

Essa coordenação é tão natural mais ou menos quanto<br />

a do olho esquerdo com o direito, ou, quando a pessoa<br />

caminha, a do braço esquerdo com a perna direita etc. O<br />

homem é feito de simetrias tais que, segundo me disseram,<br />

cortando ao meio uma fotografia de seu rosto e repetindo<br />

o mesmo lado da face, por exemplo, o lado direito,<br />

não se tem a fisionomia exata da pessoa. O rosto dá<br />

a impressão de ter sido planejado com o intuito de simetria,<br />

mas de fato um lado nunca é inteiramente simétrico<br />

ao outro. E se o fosse fracassava, porque daria uma face<br />

esquisitíssima. Então, a perfeição do rosto está nessa<br />

tentativa de conseguir a simetria; e algo de delicado, de<br />

subtil, se esgueira em uma coisa e outra e estabelece uma<br />

assimetria, concorrendo para dar à face algo de indispensável<br />

para sua expressão. Se não fosse essa diferença entre<br />

as duas partes do rosto teríamos, portanto, algo desfigurado.<br />

Fomos feitos assim.<br />

Se alguém se puser a pensar como vai fazer para mover<br />

o maxilar a fim de falar, acaba gaguejando. Há coisas<br />

que estão na primeira natureza do homem, as quais,<br />

estudadas, tomam certo falseamento. O próprio estudar<br />

tem de ser feito com muito cuidado porque do contrário<br />

falseia, e o homem que começou se pondo o problema de<br />

como deve acionar os olhos, acaba vesgo. É melhor não<br />

pensar e olhar.<br />

Isto nunca me teria ocorrido se não fosse o fato de<br />

eu perceber, entre os mais velhos — num artigo de jornal,<br />

num livreco qualquer ou coisas semelhantes — que<br />

o problema existia. E depois notar, sobretudo nas pessoas<br />

com quem eu tratava, que havia uma bipartição. Umas<br />

eram lógicas a ponto de parecer não ter sentimentos.<br />

Outras, levadas pelos sentimentos, na significação ampla<br />

do termo — não é, portanto, apenas o sentimento afeto,<br />

mas é o sentir através dos cinco sentidos — pareciam não<br />

ter lógica. E quando eu falava com uns, tinha que parar<br />

uma parte de meu ser e fazer funcionar a outra. Depois,<br />

quando conversava com outros, precisava fazer o contrário.<br />

E o resultado é que, de muitos deles, eu ficava com<br />

a impressão de que eram fotografias tiradas pelo revés;<br />

por causa desse unilateralismo, me parecia terem uma<br />

mentalidade truncada, que não abrangia a realidade inteira<br />

na sua harmonia. A realidade era mais do que aquela<br />

meia cara que eu via de um lado, ou aquela meia cara<br />

que eu via de outro lado. Havia uma fisionomia total da<br />

realidade, feita dessa harmonia que eu sentia existir em<br />

mim, e também existia neles, mas tinham sido mal ensi-<br />

23


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

nados e se defendiam mal contra o mau ensino que haviam<br />

recebido, donde, então, serem tortos. Às vezes era<br />

por culpa própria, e eu notava que eles não apanhavam<br />

os matizes, debaixo de certo ponto de vista, supremos da<br />

realidade onde essas duas vertentes perceptíveis para o<br />

homem se encostam.<br />

Equilíbrio entre razão e sentimento<br />

A todo momento — é um psy momento — essa harmonia<br />

da razão e do sentimento vai se construindo, ao<br />

longo do pensar e do sentir. Tudo se encaixa, e nem percebemos<br />

o que estamos fazendo.<br />

Como, por exemplo, enquanto conversamos, pela graça<br />

de Deus, pelos rogos de Maria, não deixamos uma só<br />

vez de pulsar os corações, respirar os pulmões e movimentar<br />

as pálpebras. Estamos fazendo isso a todo momento,<br />

mas nem percebemos. Pelo jogo da natureza reta,<br />

isso vai se fazendo e seria um pesadelo pensar: chegou a<br />

hora de respirar, de abrir a pálpebra... Assim não se vive.<br />

Então, à medida que ia me dando conta, confusamente,<br />

do problema, eu me sentia agredido, arranhado por<br />

ele, e tendia a defender-me. Isso quando eu era menino<br />

e, até começarem as reflexões nessa idade, tinha reações<br />

mais ou menos lógicas e mais ou menos instintivas: Virá<br />

um dia em que sentirei maturidade para tratar dessa<br />

questão. Mas como ela me devora, não vou tratá-la antes<br />

de chegar o momento. Deixo de lado com essas impressões<br />

e com essas reflexões que comecei a fazer. Guardo<br />

na memória e, quando houver o momento, tomo esse<br />

conjunto de coisas e analiso. Virá sua hora; agora, não!<br />

Empurrar o problema, mas sem jogá-lo fora. Para cada<br />

nova faceta que ele apresentava, eu dava um olhar e o<br />

colocava de lado, mas o olhar ficava guardado. Um grande<br />

número de aspectos, impressões, ideias ia se acumulando<br />

para quando chegasse a hora.<br />

O palácio e a floresta<br />

Em determinado momento, pela ajuda de Nossa Senhora,<br />

chegou. Foi quando entrei para o Movimento Católico,<br />

as Congregações Marianas, e comecei a estudar<br />

mais intensamente a Doutrina Católica. Eu tinha até então<br />

estudado muito História, a qual apresenta muitas<br />

ocasiões em que esse problema se põe. Houve um tempo,<br />

por exemplo, em que estudei com muito empenho a<br />

História da Rússia e a queda do czarismo; tinha paixão<br />

por esses temas. Antes disso havia estudado a Revolução<br />

Francesa.<br />

Nessas ocasiões se apresentavam ao meu espírito impressões<br />

e raciocínios. E quando comecei a estudar a<br />

Doutrina Católica, queria pôr em ordem uma porção de<br />

impressões retas, vindas do bafejo materno e principalmente<br />

da graça da Santa Igreja Católica.<br />

No momento de ordenar essas impressões, cheguei à<br />

seguinte conclusão: Há algo aqui de puramente doutri-<br />

A todo momento<br />

essa harmonia<br />

da razão e do<br />

sentimento vai se<br />

construindo, ao<br />

longo do pensar<br />

e do sentir. Tudo<br />

se encaixa, e nem<br />

percebemos o que<br />

estamos fazendo.<br />

Victor Domingues<br />

Castelo de Almourol<br />

(Portugal)<br />

24


Sérgio Hollmann<br />

Ele raciocina para todos<br />

os tempos e lugares.<br />

A Suma Teológica,<br />

naquela placidez, é uma<br />

corrida carolíngia atrás<br />

de todos os erros que<br />

tinha propósito pôr em<br />

elenco, feita de maneira<br />

a atingir, no cerne, todos<br />

os que errassem.<br />

São Tomás de Aquino -<br />

Catedral de Notre Dame,<br />

Paris (França)<br />

nário, que é semelhante a um palácio cuja porta eu agora<br />

encontro, mas dentro do qual deverei entrar mais tarde.<br />

Também existe alguma coisa de meramente cultural,<br />

não doutrinário, que é não como um palácio com as salas<br />

e os móveis em ordem, tudo bem pensado, mas uma floresta<br />

magnífica, a floresta das impressões, dos sentimentos,<br />

sempre no significado amplo da palavra sentir. Nesta<br />

orla estou entrando e percebo que, sem me dar conta,<br />

já andei muito por esta floresta adentro e conheço muitas<br />

coisas dela.<br />

Basta eu tomar as fotografias que bati dessa floresta, e<br />

tenho uma coleção colossal para examinar, além do que<br />

for vendo. Mas o demônio está sentado sobre os confins<br />

entre a floresta e o palácio, e ele procura baralhar as coisas.<br />

Assim, muita coisa que parece apenas impressão, bem<br />

estudada e analisada, se transpõe para a pura doutrina. E<br />

muita coisa, que é doutrina, encontra sua transposição inteiramente<br />

adequada para o terreno dos exemplos.<br />

Há a falta de algo chamado explicitação.<br />

Existem muitas coisas que se observam e sobre as<br />

quais não se raciocina; aquela observação seria dizível<br />

numa palavra, mas as pessoas, por preguiça, por não terem<br />

o vocabulário adequado etc., não sabem dizer aquilo<br />

que seria dizível e a respeito do qual depois poderiam<br />

raciocinar. Porque todo o dizível é matéria-prima para<br />

o raciocínio. E, portanto, explicitar é uma joia que abre<br />

os tesouros da floresta a fim de oferecer ouro, pedrarias,<br />

madeiras odoríferas para o palácio.<br />

Não se pode permitir que o palácio não seja adornado<br />

pelo parquet feito das madeiras magníficas, pelo ouro e<br />

as pedrarias tirados da floresta. Esta é a explicitação, ou<br />

seja, sentir uma determinada coisa e encontrar os termos<br />

necessários para formar frases e, a partir dessas frases,<br />

elaborar raciocínios. É a extração dos tesouros da floresta<br />

para ornar o palácio.<br />

São Tomás: um Carlos Magno<br />

do pensamento<br />

De outro lado, há uma outra tarefa que é o raciocínio;<br />

ele mesmo pode ser contemplado pelo sentimento humano,<br />

de tal maneira que se pareça com realidades sensíveis,<br />

e é preciso saber sentir o raciocínio. Sem isto não<br />

se adquire amor ao raciocinar.<br />

25


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O raciocínio pode, por exemplo, ser comparado a um<br />

jogo de esgrima. Assim como todos aqueles passos de esgrima<br />

são altamente lógicos e práticos, mas têm um dinamismo<br />

próprio a cada passo e um pulchrum próprio a cada<br />

lance, e assim como o voo de um pássaro possui uma<br />

beleza que é própria a cada espécie, assim também toda<br />

forma de raciocínio que se empregue tem uma pulcritude<br />

própria. E o nosso sentimento tem que ser sensível,<br />

precisa perceber isto.<br />

Não sei se estou me exprimindo com clareza, mas pode-se<br />

acompanhar um raciocínio como coisa viva e, por<br />

detrás do raciocínio, observar a alma na sua realidade espiritual,<br />

inacessível aos nossos sentidos, agindo. Entretanto,<br />

olhando a pessoa vê-se a alma e, vendo a alma, vê-<br />

-se algo de entendido, que não é o raciocínio puro.<br />

Uma coisa é a tese que estou sustentando e à qual vou<br />

chegar daqui a pouco; outra coisa é minha alma, enquanto<br />

desdobrando esses raciocínios, agindo sobre meu corpo,<br />

não só para falar, gesticular, mas à medida que ela<br />

faz esforços para chegar ao termo final, vai comunicando<br />

graus de vitalidade diferentes ao meu corpo e fazendo<br />

aparecer formas de estilo de vitalidade peculiares ao tema<br />

e peculiares a mim.<br />

Quem lê, por exemplo, São Tomás, custa a perceber,<br />

ou não percebe, toda a movimentação da vitalidade desse<br />

santo, naquela impassibilidade celeste, angélica, virginal<br />

dele. “Se tal coisa é assim etc.”; todos nós conhecemos<br />

o ritmo de São Tomás.<br />

Dir-se-ia, numa primeira impressão, que o homem não<br />

está ali presente, mas só o raciocínio puro; e que, para fazer<br />

filosofia, é preciso fazer raciocínio puro. Eu digo: há algo<br />

de verdade nisso, porque o trabalho do raciocínio em si é<br />

tomar o problema e estudá-lo. Mas isto faz, por assim dizer,<br />

uma parte do homem, quando considera uma parte da realidade.<br />

A pessoa não deve sair daí com a ilusão de que operou,<br />

ela inteira, e que conheceu a realidade inteira.<br />

Eu considero São Tomás como um Carlos Magno do<br />

pensamento. Ele foi carolingiamente pensador!<br />

A secura dos argumentos do Doutor Angélico vinha do<br />

desejo de ser breve e de tirar o pretexto para que não lessem.<br />

Toda a intenção dele é de deixar o erro liquidado, e quem<br />

errou sem pretexto lógico ou psicológico nenhum para ter<br />

errado. Mais ainda: ele parece ter tido uma noção sacral e<br />

virginalmente despretensiosa de sua própria grandeza, compreendendo<br />

que era um sol posto para até o fim do mundo.<br />

Ele raciocina para todos os tempos e lugares. A Suma<br />

Teológica, naquela placidez, é uma corrida carolíngia<br />

atrás de todos os erros que tinha propósito pôr em<br />

elenco, feita de maneira a atingir, no cerne, todos os que<br />

errassem, a amparar na verdade, no fundo da alma, todos<br />

os que acertassem, a converter todos os que quisessem se<br />

converter, a preservar todos os que desejassem salvar-se<br />

pelos séculos afora, de maneira que, pensava ele, muito<br />

depois de seu cadáver estar desfeito em pó, e também de<br />

o nome dele já não ter lugar na memória dos homens, a<br />

Suma Teológica estivesse presente na História.<br />

Esse é São Tomás!<br />

Critério de observação<br />

empregado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O efeito grandioso não pode resultar da apatia, da moleza.<br />

Não se pode imaginar que um homem levantasse um<br />

obelisco sem fazer força, nem que uma alma tenha concebido<br />

a ideia de construir uma pirâmide, sem que fizesse<br />

uma força interior. Os moles de alma não fazem nada!<br />

E para um indivíduo, quando ele não é mole de alma,<br />

o sentimento tem que ser possante.<br />

O efeito grandioso<br />

não pode resultar<br />

da apatia, da<br />

moleza. Os moles<br />

de alma não<br />

fazem nada!<br />

Ricardo Liberato<br />

As Pirâmides de<br />

Gizé (Egito)<br />

26


A partir do momento em que me dei conta<br />

dessa reversibilidade entre o sentimento<br />

e a razão, o problema se destilou<br />

para o meu espírito. E passei anos e<br />

anos voltando à questão, perfurando<br />

mais algo do problema. Para encontrar<br />

essa reversibilidade entre<br />

o sentimento e a razão, era indispensável<br />

ter um critério de observação<br />

especial, porque era uma<br />

observação feita em mim.<br />

Eu raciocinava sobre uma coisa<br />

e depois analisava a impressão que<br />

a mesma me tinha causado. Ou o<br />

contrário, recebia uma impressão e<br />

raciocinava sobre ela. Mas procurava,<br />

num cone de mim mesmo, o ponto<br />

de encontro das duas coisas.<br />

Encontrando, percebendo a semelhança,<br />

eu procurava, então, as palavras<br />

que serviriam para uma e para outra<br />

coisa, para a razão e para a impressão.<br />

E assim explicitava a impressão.<br />

Dom Duarte Leopoldo e Silva<br />

Um personagem de que já falei largamente em nossas<br />

exposições foi o velho Dom Duarte Leopoldo e Silva,<br />

que era Arcebispo de São Paulo. Entrei para o Movimento<br />

Católico em 1928, e ele morreu, se minha memória<br />

não me trai, lá por 1938 1 .<br />

Eu ainda era menino e ele já era Arcebispo de São<br />

Paulo, e eu tinha ideia de como era sua fisionomia, suas<br />

atitudes etc. Dom Duarte tinha muito o que os franceses<br />

chamam, numa linguagem aliás ultraintelectiva e cheia<br />

de significados, le physique du rôle, físico do papel. Quer<br />

dizer, ele representava muito bem o papel do verdadeiro<br />

Arcebispo.<br />

Percebia-se que ele, no fundo, era muito vibrátil, mas<br />

tinha aprendido a se dominar completamente. E, dominando-se,<br />

dominava os outros por força do princípio que<br />

ele representava, do carisma que possuía como Arcebispo;<br />

mas dominava também — não constitui uma coisa<br />

diversa disso — porque complementarmente era dotado<br />

do poder de sanções. E Dom Duarte facilmente sabia<br />

castigar e colocar mal à vontade quem se erguesse contra<br />

ele.<br />

Como duelar com um Arcebispo é uma coisa quase<br />

impossível, não temos dificuldade em compreender que<br />

ele levava de roldão a situação. E as invectivas dele mais<br />

ameaçadoras, mais nobres eram feitas quando sua voz<br />

dava para o fino.<br />

Dom Duarte<br />

Leopoldo e Silva<br />

Este homem os meus sentidos viram. Agora<br />

a doutrina: Ele morreu na ancianidade, e a<br />

doutrina ensina, não preciso desenvolver<br />

a tese, que a ancianidade é intrinsecamente<br />

respeitável. Ele conduzia consigo<br />

a venerabilidade da ancianidade.<br />

Muito mais do que isso, era um<br />

homem de personalidade. E, mérito<br />

maior, não era uma personalidade<br />

toda ela nativa, mas uma personalidade<br />

semiconquistada. E eu só<br />

acredito nessa! Depois do pecado<br />

original, não houve personalidade<br />

nativa. Ele, portanto, era semirrecomposto<br />

por vários aspectos. E isso<br />

o tornava mais venerável.<br />

Por cima disso há a condição de sacerdote<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

mas em sua plenitude. Ou seja, não<br />

só com a missão e os poderes do sacerdote<br />

que consagra e renova o Sacrifício<br />

da Cruz na Missa, mas, como ele<br />

era sacerdote na plenitude, tinha o poder<br />

de ordenar presbíteros e de sagrar<br />

bispos. E incumbido, como príncipe espiritual, da direção<br />

de uma parte do povo de Deus e, por isso, usando o cajado<br />

de pastor para mandar naquilo que os homens têm<br />

de mais nobre, e ao mesmo tempo mais difícil de governar:<br />

as almas. Lá estava ele de pé, com o physique du rôle,<br />

correspondendo ao que a doutrina ensinava a respeito de<br />

qual deve ser o rôle. Tudo quanto se lê em Teologia sobre<br />

um Bispo, não lucra em ver um homem assim?<br />

Mas, se se tratasse de conhecer só o homem, sem saber<br />

o que é um Bispo, um índio saindo da taba e vendo<br />

Dom Duarte poderia até se impressionar com a sua figura,<br />

mas o que ele poderá concluir se não conhece a doutrina<br />

a respeito do que é esse homem? Compreendemos,<br />

então, ser necessário conhecer a doutrina e a realidade<br />

que se ilustram reciprocamente.<br />

Esse trabalho não chegou a exprimir-se, ou exprimiu-se<br />

de um modo talvez insuficiente nas colunas do “Legionário”.<br />

Quando “Catolicismo” se fundou 2 , seu primeiro número<br />

teve a gota inicial dessa resina que foi “Ambientes,<br />

Costumes e Civilizações”, a qual nada mais é que uma<br />

tentativa de dar doutrina e impressão juntas. v<br />

(Extraído de conferência de 28/3/1981)<br />

1) Dom Duarte Leopoldo e Silva (Taubaté, 4 de abril de 1867<br />

– São Paulo, 13 de novembro de 1938).<br />

2) Em janeiro de 1951.<br />

27


C<br />

alendário<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.<br />

2. São Basílio Magno (†379) e São Gregório<br />

Nazianzeno(†c. 389), bispos e doutores da Igreja. Nascido<br />

de uma família cristã, em Cesareia da Capadócia, em 330,<br />

São Basílio possuía grande virtude e muita cultura. Após<br />

anos de vida retirada, em 370 foi eleito bispo de sua cidade<br />

natal. Combateu a heresia ariana, escreveu livros e regras<br />

monásticas. São Gregório, nascido no mesmo ano de<br />

330, empreendeu muitas viagens com o intuito de adquirir<br />

ciência. Levou também vida solitária. Em 381, foi designado<br />

Bispo de Constantinopla e depois de Nazianzo, sua cidade<br />

natal, onde entregou sua alma a Deus.<br />

3. Santo Nome de Jesus. (ver pág. 30).<br />

Santa Genoveva, virgem (†França, c. 500). Aos quinze<br />

anos, aconselhada pelo bispo São Germano de Auxerre,<br />

tomou o véu das virgens. No período das incursões dos<br />

hunos, encorajou os habitantes de Paris a resistirem e ajudou-os<br />

na escassez de alimentos.<br />

4. Beata Ângela, viúva (†Itália,<br />

1309). Depois da morte de seu esposo e<br />

de seus filhos, seguiu as pegadas de São<br />

Francisco, entregando-se totalmente a<br />

Deus, e escreveu um livro onde narra as<br />

experiências de sua vida mística.<br />

5. Santo Eduardo, confessor<br />

(†1066). Rei dos ingleses, foi muito<br />

amado por sua exímia caridade e trabalhou<br />

incansavelmente por manter<br />

a paz em seus estados e a comunhão<br />

com a Santa Sé.<br />

São João Nepomuceno Neumann,<br />

bispo (†Estados Unidos da América,<br />

1860).<br />

São Simeão Estilita, confessor<br />

(†Síria, 459).<br />

6. Domingo. Solenidade da Epifania<br />

do Senhor.<br />

São João de Ribera, bispo (†Espanha,<br />

1611). Na cidade de Valência,<br />

São João exerceu também as funções<br />

de vice-rei. Foi muito devoto da Santíssima<br />

Eucaristia, defendeu a verdade<br />

católica e educou o povo com suas<br />

insistentes instruções.<br />

Santo Eduardo - vitral da Igreja de<br />

Santo André de Bayona (França)<br />

7. São Raimundo de Penyafort, presbítero (†Espanha,<br />

1275).<br />

8. Beato Eduardo Waterson, presbítero e mártir (†Inglaterra,<br />

1593). Foi condenado à morte por haver entrado<br />

no país como sacerdote, sendo enforcado no tempo da<br />

Rainha Isabel I.<br />

9. Santo Adriano, abade (†710).<br />

Beatos José Pawlowski e Casimiro Grelewski, presbíteros<br />

e mártires (†1942). No campo de concentração em Dachau,<br />

próximo de Munique (Alemanha), esses sacerdotes<br />

poloneses, por professarem a Fé, consumaram sua fidelidade<br />

ao Senhor subindo ao cadafalso da forca.<br />

10. São Agatão, papa (†Roma, 681).<br />

Beato Gonçalo de Amarante, presbítero (†Portugal, c.<br />

1259). Após uma longa peregrinação pela Terra Santa, ingressou<br />

na Ordem dos Pregadores e mais tarde se retirou<br />

a uma ermida, ajudando a construir<br />

uma ponte e trabalhando no bem dos<br />

habitantes do lugar com sua oração e<br />

pregação.<br />

11. São Teodósio, cenobita (†259).<br />

São Paulino de Aquileia, bispo<br />

(†Itália, 802). Esforçou-se em promover<br />

a conversão dos ávaros e dos<br />

eslovenos, e apresentou ao Rei Carlos<br />

Magno um poema insigne sobre a<br />

Regra da Fé.<br />

12. São Ferreol, bispo e mártir<br />

(†França, 659). Foi mortalmente ferido<br />

por um sicário enquanto exortava<br />

a multidão à pratica da virtude.<br />

Santa Margarida Bourgeoys, virgem<br />

(†Canadá, 1700).<br />

13. Domingo. Solenidade do Batismo<br />

do Senhor.<br />

Santo Hilário, bispo e doutor da<br />

Igreja (†França, 367).<br />

São Remígio de Reims, bispo<br />

(†França, c. 530). Após conduzir o<br />

Rei Clóvis à fonte batismal, converteu<br />

a Cristo todo o povo franco e, depois<br />

de mais de sessenta anos no episcopado,<br />

faleceu célebre por sua vida e santidade.<br />

28


––––––––––––––––– * Janeiro * ––––<br />

14. São Fulgêncio, bispo (†Espanha, c.<br />

632). Irmão dos Santos Leandro, Isidoro e<br />

Florentina.<br />

São Fermín de Gevaudan, bispo<br />

(†França, séc. V).<br />

15. São Francisco Fernandez<br />

de Capillas, presbítero e mártir<br />

(†1648). Pertencente à Ordem dos<br />

Pregadores, anunciou o nome de<br />

Cristo nas Ilhas Filipinas e depois<br />

em Fujian, na China, onde durante a<br />

perseguição dos tártaros foi encarcerado,<br />

e ali sofreu o martírio.<br />

16. São Marcelo I, papa (†Roma, 309).<br />

17. Santo Antão, abade (†356). Este<br />

insigne pai do monaquismo nasceu<br />

no Egito por volta do ano 250. Depois<br />

da morte dos pais, distribuiu seus bens<br />

aos pobres e retirou-se para o deserto. Teve numerosos<br />

discípulos e trabalhou em defesa da Igreja, estimulando os<br />

confessores da Fé durante a perseguição de Diocleciano e<br />

apoiando Santo Atanásio na luta contra os arianos.<br />

santiebeati.it<br />

Beata Laura Vicunha<br />

após ser espancada por defender sua pureza<br />

e ofereceu sua vida pela conversão de<br />

sua mãe.<br />

23. Santos Severiano e Áquila, mártires<br />

(† séc III). Em Cesareia de Mauritânia<br />

(Argélia), esses santos esposos,<br />

por professarem a Fé em Cristo,<br />

foram condenados à morte na fogueira.<br />

Santo Ildefonso, bispo (†Espanha,<br />

667).<br />

24. São Francisco de Sales, bispo e<br />

doutor da Igreja (†França, 1622).<br />

25. Conversão de São Paulo Apóstolo.<br />

26. São Timóteo e São Tito, bispos<br />

(séc. I). Discípulos e colaboradores do<br />

Apóstolo Paulo, governaram as Igrejas<br />

de Éfeso e de Creta, respectivamente. A eles é que foram<br />

dirigidas as Cartas chamadas “pastorais”, em que se encontram<br />

excelentes recomendações para a formação dos<br />

pastores e dos fiéis.<br />

18. Santa Margarida da Hungria, virgem (†1270). Filha<br />

do Rei Bela IV, foi dedicada a Deus por seus pais, a fim<br />

de obter a libertação dos tártaros e, ainda menina, entrou<br />

no mosteiro das monjas da Ordem dos Pregadores e fez<br />

profissão aos doze anos, entregando-se totalmente a Deus.<br />

19. São Macário, o Grande, presbítero (†c. 390). Abade<br />

do mosteiro de Scete, no Egito, considerava-se morto para<br />

o mundo e vivia só para Deus, ensinando esse modo de<br />

proceder aos seus monges.<br />

20. II Domingo do Tempo Comum.<br />

São Fabiano, papa e mártir (†Roma, 250).<br />

São Sebastião, mártir (†c. 288). Morreu mártir em Roma<br />

no começo da perseguição de Diocleciano. Seu sepulcro,<br />

na Via Ápia, já era venerado pelos fiéis desde a mais<br />

remota antiguidade.<br />

21. Santa Inês, virgem e mártir (†c. séc. III/IV).<br />

22. São Vicente, diácono e mártir (†Espanha, 304).<br />

Beata Laura Vicunha, virgem († 1904). Nascida no<br />

Chile, teve de se mudar para a Argentina, onde morreu<br />

27. III Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Ângela Meríci, virgem (†Itália, 1540).<br />

28. São Tomás de Aquino, presbítero e doutor da Igreja<br />

(†1274).<br />

29. São Afraates, anacoreta (†c. 378). Nascido e formado<br />

entre os persas, converteu-se ao Senhor em Belém e se<br />

retirou a Edessa. Mais tarde, com sua pregação e seus escritos<br />

defendeu a Fé católica contra os arianos.<br />

30. Santa Batilde de Chelle, viúva (†França, 680). Sendo<br />

rainha, erigiu um mosteiro sob a regra de São Bento.<br />

Após a morte de seu marido, Clodoveo II, governou o reino<br />

dos francos até seu filho assumir o poder. Retirou-se,<br />

então, ao mosteiro que fundara, vivendo até o fim de seus<br />

dias em oração e recolhimento.<br />

31. São João Bosco, presbítero e fundador (†Itália,<br />

1888). Nasceu perto de Castelnuovo, na Diocese de Turim,<br />

em 1815. Ordenado sacerdote, consagrou todas as suas<br />

energias à educação da juventude, para formá-la na prática<br />

da vida cristã e no exercício de uma profissão.<br />

29


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Sagrado Coração de Jesus -<br />

Catedral e Basílica Primacial<br />

de São Salvador (Bahia)<br />

Os sacratíssimos Nomes<br />

de Jesus e de Maria<br />

O Nome de Jesus é um símbolo sacratíssimo que tem o poder de<br />

atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror nos demônios.<br />

Intimamente relacionado com ele está o Nome de Maria.<br />

Marcos Enoc<br />

30


AIgreja comemora em janeiro o Santíssimo Nome<br />

de Jesus, a respeito do qual diz a Sagrada<br />

Escritura: “Que ao Nome de Jesus se dobre todo<br />

joelho no Céu, na Terra e no Inferno.” (Fil 2,10)<br />

O nome de algo deve designar sua natureza<br />

Qual a razão pela qual se festeja o Santíssimo Nome<br />

de Jesus? Naturalmente, tudo quanto se refere a Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo merece nossas homenagens, nossa<br />

veneração e, portanto, deve ser comemorado.<br />

Mas por que essa insistência especial no que diz respeito<br />

ao Nome de Jesus? Por que grandes santos da Igreja<br />

afugentavam os demônios com o Nome de Jesus? O<br />

que é o nome aqui? Não dizemos também “em nome do<br />

Pai, do Filho e do Espírito Santo”? Quando fazemos algo<br />

de muito importante, por exemplo, no início da Missa o<br />

padre se persigna; na redação de um testamento, diz-se:<br />

“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito<br />

Santo, eu, Fulano de tal, faço meu testamento.”<br />

De acordo com a ordem profunda das coisas, que<br />

foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana<br />

era capaz de exprimir adequadamente os seres, dando-<br />

-lhes um nome. E esse nome era uma palavra que definia<br />

aquilo que havia de mais interno, mais substancial, mais<br />

característico no ser para o qual ele era aplicado.<br />

O nome de uma coisa deve designar sua natureza mais<br />

íntima, e os orientais têm uma certa ideia disso — quando<br />

não dão às pessoas nomes como os nossos; por exemplo,<br />

alguém pode chamar-se <strong>Plinio</strong>, que para ele não quer<br />

dizer nada. Mas os orientais dão nomes com um sentido<br />

próprio. Como por exemplo, lembro de ter tomado conhecimento<br />

de que um nome oriental, do qual não me recordo,<br />

significava “Chuva de Primavera”. São nomes poéticos<br />

para indicar algo da nota dominante daquela alma. Depois<br />

do pecado original e da torre de Babel essas coisas se<br />

perderam e a linguagem humana não tem mais essa precisão.<br />

Entretanto, ficou-nos essa vaga ideia de que entre o<br />

nome e a natureza da coisa há uma relação.<br />

Conta o Gênesis que quando os animais passaram<br />

diante de Adão, ele foi dando um nome a cada um. Ou<br />

seja, dava uma definição para, por meio de uma palavra,<br />

exprimir adequadamente — por uma relação natural entre<br />

o vocábulo e a coisa, e não apenas algo convencional<br />

— aquilo que era o ser 1 .<br />

Tomemos, por exemplo, a águia. Nós a chamamos<br />

com esse nome, mas não há uma relação necessária entre<br />

a palavra “águia” e o conteúdo dessa ave, aquilo que é o<br />

típico dela. É uma coisa convencional. Mas na linguagem<br />

usada por Adão, não. Entre os sons, a música, a estrutura<br />

da palavra “águia” e a realidade da águia, havia uma relação<br />

verdadeira e profunda.<br />

A Igreja quer uma ordem<br />

sacral e hierárquica<br />

Então o Santíssimo Nome de Jesus é, de um modo<br />

misterioso, a própria definição daquilo que na Pessoa<br />

São Pedro operava<br />

seus milagres<br />

pronunciando<br />

o nome de<br />

Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo.<br />

Timothy Ring<br />

São Pedro cura o paralítico -<br />

afresco da Abadia Beneditina<br />

de Subiaco (Itália)<br />

31


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo existe de mais definitivo,<br />

de mais capaz de mencionar aquilo que Ele é. E,<br />

relacionado a Ele, o Nome imaculado de Nossa Senhora.<br />

Ambos trazem consigo bênçãos, graças especiais, porque<br />

são o símbolo, a expressão misteriosa e inefável da realidade<br />

santíssima que n’Eles existe. Então podemos compreender<br />

por que Deus concede tantas graças aos que<br />

usam com frequência os Nomes de Jesus e Maria.<br />

E, nesse sentido, o nome é uma imagem, um símbolo<br />

da pessoa, e o Nome de Jesus — do qual, aliás, o Evangelho<br />

fala com muito cuidado — é um símbolo sacratíssimo<br />

que, enquanto símbolo, tem o poder de atrair sobre<br />

nós todas as graças e de causar o terror dos demônios. E<br />

o Nome de Jesus se resume naquelas três iniciais IHS —<br />

Iesus, hominum Salvator, Jesus, Salvador dos homens —<br />

que se coloca abaixo da cruz, nos documentos e em certos<br />

papéis. A cruz e o Nome de Jesus são os dois símbolos<br />

perfeitos.<br />

Um estandarte com esses Nomes — por exemplo, o<br />

de Santa Joana D’Arc — é um meio de afugentar os demônios,<br />

de atrair as graças de Deus, de conquistar a boa<br />

vontade dos anjos.<br />

Isto tem alguma relação especial conosco? Tem, naturalmente.<br />

O Nome de Jesus, sendo a palavra que indica<br />

sua glória, é a manifestação desta. E nós queremos a glorificação<br />

dos Nomes de Jesus e de Maria. Um dos estandartes<br />

que serão lançados na alvorada do Reino de Maria,<br />

com certeza vai ser gloriosamente pintado com o Nome<br />

de Jesus, e outro com o Nome de Maria.<br />

O que deseja a Igreja quando glorifica o Nome de Jesus?<br />

Ela quer que se dê honra a Jesus, que o Nome de<br />

Jesus esteja por cima de todas as coisas e que tudo Lhe<br />

esteja sujeito; quer uma ordem sacral baseada na única<br />

Fé verdadeira, que é a Católica, Apostólica e Romana;<br />

uma ordem que nada tenha de laicista nem de igualitário.<br />

E a festa do Nome de Jesus é uma das numerosas<br />

solenidades da sacralidade, da hierarquia e da civilização<br />

cristã.<br />

A saudação ”Salve Maria!”<br />

Sérgio Hollmann<br />

Nós temos essa prática de nos saudar, dizendo “Salve<br />

Maria!” É uma saudação na qual se repete, a todo o<br />

momento, o Nome de Nossa Senhora. Ao invés de dizermos<br />

ao outro “Bom dia”, afirmamos: “Que a Santíssima<br />

Virgem seja glorificada!” O “Salve Maria!” é uma<br />

honra, uma glorificação, um ato de amor a Nossa Senhora.<br />

Ao conscientizar o valor dessa saudação, podemos<br />

adquirir mais méritos. O “Salve Maria!” não deve<br />

ser pronunciado às pressas, nem de forma atrapalhada,<br />

mas como uma oração que lucraria em ser dita com<br />

mais piedade, mais unção, mais propósito, porque, às<br />

vezes, nos esquecemos de Nossa Senhora e o transformamos<br />

num “Bom dia”.<br />

O “Salve Maria!” tem um alto valor próprio, que devemos<br />

ter em mente. Daí minha insistência para um máximo<br />

de piedade ao pronunciar essa saudação, em vista<br />

do valor do Nome de Nossa Senhora ou do valor infinitamente<br />

maior do Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Esses são os pensamentos que nos devem animar e é<br />

adequado pedirmos que o Nome de Jesus seja cercado<br />

de toda a glória. Que Jesus seja conhecido e adorado por<br />

todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são<br />

conformes a Ele. Que a Revolução seja derrotada e que<br />

a Contra-Revolução vença, porque esta é a própria vitória<br />

do Nome de Jesus.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 1/1/1965 e 1/1/1966)<br />

Santa Joana D’Arc - Catedral de Reims (França)<br />

1) Cfr. Gn 2,20.<br />

32


Rodrigo Solera<br />

Nossa Senhora de Fátima -<br />

São Paulo (Brasil)<br />

33


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, apóstolo do pulchrum<br />

Mares do Brasil<br />

Através da contemplação de um dos elementos mais belos da<br />

natureza, o mar, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos convida a saber analisar o que se passa<br />

interiormente em algo muito mais vasto que os panoramas marítimos.<br />

Como há mar e mar! Não há nada<br />

mais parecido com o mar<br />

do que outro mar. Não há nada<br />

mais diferente de um mar do que<br />

outro mar.<br />

Viajando, simplesmente, pelo litoral<br />

brasileiro, nota-se como os mares<br />

são diferentes. Por exemplo, o<br />

mar de Cabo Frio é diferente do mar<br />

de Santos; e o mar do Rio é diferente<br />

do mar de Guarujá. Mas como todos<br />

esses são diferentes do mar da<br />

Bahia ou do mar de Fortaleza! Todos<br />

são diferentes, e que efeitos diferentes<br />

causam!<br />

José Menino e Guarujá<br />

Para mim, é sempre um privilégio<br />

contemplar um panorama marítimo.<br />

As minhas circunstâncias de vida<br />

não me dão tempo de olhar o mar,<br />

mas eu o contemplei muito e o carrego<br />

dentro da alma.<br />

Penso nele e o tenho em mente.<br />

Analisei detidamente, em várias situações<br />

e em vários aspectos, o mar da<br />

minha — quase diria — nativa praia<br />

do José Menino, em Santos.<br />

Quem foi esse José Menino? Não<br />

sei. No recôncavo, as ondas entram<br />

ordenadas e fazem dentro do seu curso,<br />

em ponto pequeno, uma bataille<br />

rangée, e também um pouco de bataille<br />

mêllée 1 sobre si mesmas para se<br />

divertirem. Elas espumam um pouco,<br />

vão para frente, para trás, quando<br />

chegam à praia ficam enormes e se estendem<br />

sobre a areia; depois começa<br />

o refluxo e elas voltam para recomeçar;<br />

tudo feito numa serenidade, numa<br />

dignidade encantadora.<br />

Na praia de Guarujá, em que o<br />

mar é mais claro, tem-se a impressão<br />

de que a luz do Sol é mais reluzente<br />

também; a água é glauca, entre azul e<br />

verde, e aquilo já é dado para mar alto.<br />

As ondas sobem e espumam! São<br />

eloquentes, fazem oratórias! Agitam<br />

cabeças, meneiam braços, assinalam<br />

distâncias por rumores. A onda quebra<br />

longe, provoca aquele rumor, o<br />

qual vai se aproximando.<br />

Copacabana, Cabo<br />

Frio e Fortaleza<br />

E a sensação magnífica de quem<br />

está em alto mar em Copacabana,<br />

no Rio de Janeiro! Colosso! Vastidão<br />

de mar, em que cada gota é uma<br />

pedra preciosa, formam-se espumas<br />

com as ondas que se quebram. E<br />

nunca raivoso nem indignado! Sempre<br />

com aquele bom humor, próprio<br />

ao Rio de Janeiro. Mas dentro desse<br />

bom humor amável há uma variedade,<br />

uma força que dá um encanto<br />

próprio a cada movimento das águas.<br />

Não posso me esquecer das águas<br />

de Fortaleza, no Ceará, muito parecidas<br />

com as de Cabo Frio, no Estado<br />

do Rio de Janeiro. Não sei se no litoral<br />

brasileiro há águas mais bonitas.<br />

São propriamente águas-marinhas colossais<br />

que se movem sem forma definida.<br />

Olhando o mar, vê-se o fundo.<br />

Claro! Magnífico! Tem-se a impressão<br />

de que é uma água-marinha em<br />

lente de aumento. Estupenda!<br />

O mar interno de nossa<br />

alma e o mar externo<br />

Quando vemos esses vários movimentos<br />

da natureza marítima, nós nos<br />

regalamos e entretemos. Mas uma coisa<br />

é o entusiasmo; outra é a mania, que<br />

pode dar em qualquer desequilíbrio,<br />

pequeno ou grande. Na posição adequada<br />

do espírito, a pessoa vê, gosta e<br />

em certo momento, como que empurrando<br />

as sensações com a mão, diz:<br />

“Sensações, calai-vos! Eu quero que<br />

vós não entreis. As que entraram não<br />

sairão, as que estão fora não entrarão.<br />

Sensações que entrastes, desfilai! Essa,<br />

aquela, aquela outra, como é cada<br />

uma? Que relações elas têm entre si?”<br />

E faz a grande pergunta: “O que significam?<br />

O que em mim vibra vendo<br />

aquilo? Qual é a verdade, a retidão, a<br />

virtude que consona com aquilo? Qual<br />

é, por outro lado, o defeito que tende a<br />

aborrecer-se com aquilo? Pelo desígnio<br />

de Deus, aquilo significa o que há<br />

de reto, de bom, de semelhante a Ele.<br />

<strong>Plinio</strong>, analisa-te! Em função de outro<br />

mar, que é o vai-e-vem de tua alma, tu<br />

conferirás mar com mar, julgarás o teu<br />

mar interno à vista do mar externo, e<br />

julgarás o mar externo à vista do teu<br />

mar interno.”<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

8/11/1980 e 2/2/1983)<br />

1) Bataille rangée, batalha em fileiras; bataille<br />

mêllée, batalha sem qualquer ordenação.<br />

34


Ilha dos Coqueiros -<br />

Angra dos Reis, Rio<br />

de Janeiro (Brasil)<br />

João P. Sampaio<br />

35


Nossa Senhora com o Menino<br />

Jesus - Igreja de Santa Maria de<br />

Turers, Banyoles (Espanha)<br />

Francisco Lecaros<br />

A<br />

importância da maternidade divina de Nossa Senhora<br />

para a piedade católica, é que todas as graças<br />

extraordinárias que Ela recebeu e que fizeram d’Ela uma<br />

criatura única em todo o universo e na economia da salvação,<br />

têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser<br />

Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, envolvida nesse<br />

fato, a afirmação da Igreja de que Ela é Mãe de Deus!<br />

(Extraído de conferência de 20/11/1965)

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