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Revista Dr Plinio 194

Maio de 2014

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Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />

Reino de Maria<br />

nos corações


Olhar de fogo, grandeza e seriedade<br />

S<br />

ão Bernardino de Siena foi quem<br />

popularizou a devoção ao Santíssimo<br />

Nome de Jesus. Não foi tanto um<br />

homem de estudos quanto um pregador,<br />

que reunia em torno de si multidões<br />

imensas, em praças muito grandes.<br />

Quando ele falava, a multidão ia<br />

se deslocando conforme o vento, para<br />

ouvir suas palavras. Notem seu rosto<br />

sério, do homem que se sente revestido<br />

de uma missão divina, chamado a<br />

dizer verdades duríssimas aos seus contemporâneos,<br />

e que as disse de fato.<br />

Ele está cumprindo sua missão; e as<br />

brasas estarão acumuladas sobre a cabeça<br />

de quem não o ouvir. É uma alma povoada<br />

de ideias, de convicções a respeito<br />

da transcendência e da perfeição infinita<br />

de Deus, e do alto destino eterno.<br />

Vejam como tudo está bem apanhado<br />

neste olhar de fogo. Não há clima para<br />

conversar com ele sobre bagatelas.<br />

Quanta grandeza e seriedade!<br />

Amadalvarez<br />

(Extraído de conferência de 1965)<br />

São Bernardino de Siena<br />

Museu da Catedral, Barcelona (Espanha)<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />

Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />

Reino de Maria<br />

nos corações<br />

Na capa, imagem de<br />

Nossa Senhora de<br />

Fátima na “Sala do<br />

Reino de Maria”.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 122,00<br />

Colaborador .......... R$ 170,00<br />

Propulsor ............. R$ 395,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 620,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 17,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Editorial<br />

4 Reino de Maria nos corações<br />

Dona Lucilia<br />

6 Amiga da Cruz<br />

As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

9 A rainha dor e a irmã alegria<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

10 Os Anjos, o natural e o sobrenatural<br />

Reflexões teológicas<br />

16 A felicidade celeste - I<br />

De Maria nunquam satis<br />

22 Poderoso auxílio em todas as dificuldades<br />

Calendário dos Santos<br />

28 Santos de Maio<br />

Hagiografia<br />

30 São Simão Stock recebe a libré<br />

de Nossa Senhora<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Um palácio digno e nobre<br />

Última página<br />

36 Rainha dos Apóstolos<br />

3


Editorial<br />

Reino de Maria<br />

nos corações<br />

N<br />

uma época tão marcada pela incerteza a respeito do futuro da humanidade, o mês dedicado a Maria<br />

nos coloca novamente diante da necessidade do reinado desta misericordiosa Mãe, na Terra.<br />

O que falta para que este Reino de Maria seja instaurado?<br />

Como afirmava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 1 , a resposta a esta crucial indagação encontra-se no coração humano, e dependerá<br />

sempre do auxílio de Nossa Senhora.<br />

A Civilização Cristã é possível ou não?<br />

O reinado de Nossa Senhora pelo qual, gota a gota, estamos dando a nossa vida, é realizável e vem<br />

ao nosso encontro como nós caminhamos ao encontro dele? Existirá alguma vez na Terra isto que,<br />

no momento, se nos afigura como uma miragem maravilhosa chamada Reino de Maria? Ou é preciso<br />

reconhecer que o mundo é do demônio?<br />

Primeiramente, consideremos o que se entende por Reino de Maria.<br />

Ele será o conjunto de homens, de coisas que se conformarão com a Lei de Deus, porque Maria só<br />

é Rainha onde Deus é Rei. O Reino de Cristo é, evidentemente, o Reino de Deus; o Reino de Maria<br />

é o Reino de Cristo.<br />

Ora, o Reino de Maria, o Reino de Deus, o que são?<br />

Essas expressões tão bonitas só têm sentido se as considerarmos como uma era futura, de luz e de<br />

glória, na qual, não digo cada homem individualmente, mas a generalidade dos homens viverá em estado<br />

de graça, cumprindo a Lei de Deus.<br />

E, portanto, o Reino de Maria se compõe de dois elementos essenciais. Um interno: se amará a Deus e<br />

se cumprirão os Dez Mandamentos; e outro, externo: como consequência, as famílias, as associações, as<br />

instituições, as áreas de civilização, tudo isso se organizará de acordo com o pensamento da Santa Igreja.<br />

Põe-se, então, o problema-chave: a Lei de Deus é admiravelmente bela, os Dez Mandamentos<br />

são lindos, mas dificílimos de serem cumpridos duravelmente na sua integridade. Porque são muito<br />

grandes a atração do pecado e a preguiça do homem em realizar os esforços necessários para evitar<br />

as ocasiões de pecar. Habitualmente, quando uma circunstância concreta tenta alguém, o demônio<br />

acrescenta a essa ação natural uma tentação dele.<br />

Como se pode evitar uma queda? Se ela não for evitável, a Civilização Cristã é uma quimera!<br />

De fato, se Deus enviar sua graça e os homens quiserem corresponder a ela, não pecarão e permanecerão<br />

na amizade d’Ele.<br />

Trava-se em nós, portanto, uma batalha constante entre o demônio — que exerce sobre nós uma<br />

ação preternatural para nos levar ao estado de criatura coberta de pecados — e Deus, que quer nos<br />

levar para o Céu, e para isso nos eleva à ordem sobrenatural, nos protege e ajuda.<br />

Assim, o pêndulo de nossa vontade está continuamente convidado por Deus para subir e pelo demônio<br />

para descer.<br />

A Civilização Cristã fica dependendo, em última análise, da correspondência que o homem dê à graça<br />

de Deus.<br />

4


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma palestra em 1994.<br />

À sua frente, sobre uma banqueta,<br />

uma coroa simbolizando<br />

a realeza de Nossa Senhora<br />

Então, a grande luta de nossa vida é, como leões,<br />

contra o demônio e contra aqueles que querem perder<br />

as pessoas. Devemos, pois, fazer todo o possível para<br />

que não pequemos e as outras almas sejam salvas.<br />

O homem que se preocupe somente com sua alma<br />

e não com a salvação das outras, está fora da Lei de<br />

Deus, porque o homem deve amar o seu próximo como<br />

a si mesmo por amor a Deus. Portanto, ele tem a<br />

obrigação de salvar os outros, e não pode ser indiferente<br />

a que alguém se perca.<br />

Se eu pedir, não só para mim, mas para os próximos<br />

a mim, para todo o gênero humano que se levantem<br />

como um só homem e passem a servir Maria,<br />

então terei lutado valentemente pela instauração do<br />

Reino de Maria.<br />

De posse dessas considerações, devemos pedir a<br />

Nossa Senhora que faça de nós almas de oração, de<br />

fogo, que “incendeiem” o mundo.<br />

Teremos, assim, a possibilidade — cada um dentro<br />

de si mesmo — de proclamar o Reino de Maria, e dizer:<br />

“Em mim, ó minha Mãe, Vós sois a Rainha, eu<br />

reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas<br />

ordens. Dai-me luz de inteligência, força de vontade,<br />

espírito de renúncia para que as vossas ordens<br />

sejam efetivamente obedecidas. Ainda que o mundo<br />

inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço.”<br />

E no mundo, nessa torrente de desordem, de pecado,<br />

há um brilhante puro, um brilhante adamantino.<br />

Esse brilhante é a alma daqueles que podem afirmar:<br />

“Em mim Nossa Senhora manda.”<br />

A Santíssima Virgem continua a ter, assim, uns<br />

enclaves no mundo: aqueles que, pela consagração, se fazem seus escravos e, reconhecendo todo o<br />

poder d’Ela sobre eles, declaram: “Esteja o mundo revoltado como estiver, eu me levanto e começo<br />

a Contra-Revolução, para que Ela reine sobre os outros também.”<br />

É o reinado de Nossa Senhora vista enquanto mandando em mim e fazendo de mim um soldado<br />

da Contra-Revolução, que luta para tornar efetiva a realeza de Maria na Terra.<br />

1) Cf. conferências de 31/5/1975 e 11/5/1994.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Amiga da Cruz<br />

Quanto mais alguém tenta fugir da cruz, mais esta se<br />

torna pesada. A exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

Dona Lucilia amou a cruz de tal modo que o traço<br />

dominante de sua alma foi o de sofredora, e ajudava<br />

muitíssimo os outros a levarem suas cruzes.<br />

Pelas ingratidões e por várias coisas que Dona Lucilia<br />

sofreu, ia entrando no espírito dela a ideia de que a vida<br />

tomada a sério não era senão um grande carregar da<br />

cruz.<br />

Em nenhum momento das suas recordações — do que<br />

ela me contava de seu passado, ou que as fotografias indicam,<br />

ou que eu sei do passado da família —, ela teve a<br />

menor recusa da cruz. Mas a cruz ia se manifestando ca-<br />

Ao vermos as sucessivas fotografias que ficaram<br />

de Dona Lucilia, através das diversas idades,<br />

notamos que ela está com a fisionomia muito<br />

elevada, muito religiosa, mas sem sofrimento nem cruzes<br />

até uma certa época do início da juventude. Depois percebemos,<br />

de repente, haver uma mudança, e a fisionomia<br />

começa a se apresentar cada vez mais preocupada, marcada<br />

pela presença de um sofrimento que ela levou a vida<br />

inteira, uma cruz que a acompanhou até o fim.<br />

Nunca teve a menor recusa da cruz<br />

Dona Lucilia, em 1892 1906<br />

1912<br />

6


da vez maior do que ela imaginava. E nisso entrava uma<br />

certa surpresa, que ia cada vez mais fundo, mais fundo,<br />

mais fundo!<br />

Naturalmente, não posso contar muitas coisas, por estarem<br />

ligadas à história particular, privada, de uma família,<br />

da qual muitos vivem, outros morreram, mas é justo<br />

que eu proteja a memória deles. Tenho, portanto, que ficar<br />

em generalidades.<br />

Mas, em certo momento, vê-se que mamãe ficou pasma<br />

de ver quanto a cruz estava em sua vida. Ao mesmo<br />

tempo, ela era muito confortada pela ideia de que<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sofrido incomparavelmente<br />

mais, e com paciência e amor. E isso fazia muito<br />

bem a ela, e modelava o seu coração para sofrer dessa<br />

maneira.<br />

Assim, não só foi se delineando no perfil moral dela<br />

o traço dominante da sofredora, mas uma coisa paradoxal<br />

e muito bonita: por ser sofredora e compreendendo o<br />

sofrimento, tornou-se muitíssimo capaz de ajudar os outros<br />

a sofrerem. Então, tendo uma paciência com as situações,<br />

com as pessoas, uma coisa incalculável! Nunca<br />

resmungando, nunca protestando! Mas, com a resignação<br />

já feita até o fim de sofrer até o limite de arrebentar,<br />

e de compreender que o sentido da vida era a cruz.<br />

O sentido católico da vida<br />

Este é o sentido católico da vida. Por essa razão, em<br />

todas as nossas sedes eu gosto de pôr a cruz preta, seca,<br />

onde não está nem sequer o Crucificado, mas é a<br />

cruz pela cruz, com os instrumentos da Paixão nela pregados,<br />

para nos convencer de que devemos tomar a vida<br />

assim. E por mais desagradáveis, penosas — e às vezes<br />

dramáticas — que sejam as coisas que nos aconteçam,<br />

devemos ter paciência e prosseguir energicamente,<br />

sem nenhuma dúvida, sem nenhum espanto, porque<br />

é o sentido da vida.<br />

E as pessoas que, com ar muito alegre, querem nos<br />

iludir dizendo que a vida delas não é assim, mentem.<br />

Porque todo mundo tem que sofrer muito nesta vida.<br />

A vida é um vale de lágrimas, e a expressão diz muito:<br />

um vale. Para o vale confluem todos os cursos de<br />

água dos montes. E, portanto, todos os montes que cercam<br />

o vale da vida, são montes dos quais descem lágrimas,<br />

ou seja, a dor. A expressão é de São Bernardo:<br />

“vale de lágrimas”. Está na “Salve Rainha”, cujo autor<br />

foi ele.<br />

Devemos compreender que isso é assim, e que quanto<br />

mais quisermos fugir da cruz, mais nós vamos carregando<br />

uma cruz pesada. E que o único jeito de levarmos<br />

bem a vida é termos a resignação com a nossa cruz. Custe<br />

o que custar, seja o que for, é preciso aceitar o que veio,<br />

e tocar para a frente! Nossa Senhora nos dará forças, e se<br />

for de seu desejo Ela resolve o caso.<br />

E nesse sentido, é bom até nem gemer muito para os<br />

outros ouvirem. Mas suportar a cruz com uma naturalidade<br />

tal, que os outros nem suspeitem que a cruz esteja<br />

presente. Mas carregar a cruz é a nossa obrigação.<br />

1926<br />

1962 ou 1964<br />

1968<br />

7


Dona Lucilia<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na Argentina, em 1959<br />

Gravíssimo ataque do coração<br />

Isso Dona Lucilia cumpriu até o fim, passando por toda<br />

espécie de circunstâncias verdadeiramente penosas.<br />

Por exemplo, uma coisa de que me lembro: uns sete<br />

anos antes de mamãe morrer, eu estava em Buenos Aires,<br />

onde tinha ido fazer uma série de conferências. Por<br />

diversas razões, essa minha estadia em Buenos Aires tinha<br />

sido muito penosa.<br />

Afinal, chegou o último dia e eu disse para os meus<br />

companheiros: “Agora vamos jantar num bom restaurante<br />

francês que há em Buenos Aires, dando assim um fecho<br />

à viagem e podermos respirar, antes de voltarmos<br />

para o Brasil.” E assim fizemos.<br />

Quando voltei ao hotel, me diz o porteiro: “Há um telegrama<br />

para o senhor, de São Paulo.” Abro a correspondência,<br />

é um telegrama de minha irmã: “Mamãe mal à<br />

morte, com ataque de coração violentíssimo! Procuramos<br />

de todas as maneiras telefonar a você, mas os telefones<br />

de São Paulo a Buenos Aires, depois de tantas horas,<br />

estão interrompidos. Venha logo para pegá-la ainda<br />

com vida!”<br />

Podem imaginar minha aflição! Passei a noite em claro,<br />

tentei telefonar através do telefone do Exército argentino,<br />

para ver se conseguia ligação com o Exército<br />

brasileiro, mas não foi possível. Não havia aviões que<br />

partissem bem cedo de Buenos Aires para São Paulo.<br />

Então consegui um avião pequeno, particular, que às cinco<br />

horas da manhã levantava voo até Montevidéu, onde<br />

eu tomaria um avião muito mais rápido que me levasse<br />

diretamente a São Paulo. Foi o que eu fiz, em meio a<br />

uma pressão de alma tremenda, e com o pavor da chegada<br />

a São Paulo.<br />

Pouco depois de pousar o avião, vejo um de meus amigos<br />

que me faz um sinal com o braço, indicando estar tudo bem.<br />

Ao desembarcar, minha primeira pergunta foi: “Como vai<br />

mamãe?” Ele me disse: “Ela teve um ataque muito forte do<br />

coração, mas já melhorou, está passando bem, conversando<br />

normalmente. Os médicos estão pasmos do que houve com<br />

ela. Mas o senhor não se assuste, porque exatamente na hora<br />

do senhor chegar a seu apartamento, da casa do vizinho<br />

estará partindo um enterro. E nós temíamos que o senhor,<br />

chegando, pensasse ser o enterro dela. O senhor não se assuste,<br />

pois vai encontrá-la bem!”<br />

Agora vem o que interessa, pois se refere a ela. Um ataque<br />

gravíssimo do coração não passa assim rapidamente.<br />

Cheguei, encontrei-a na cama, conversando com minha irmã,<br />

minha sobrinha, pessoas da família. Não a beijei porque<br />

eu estava resfriadíssimo, mas enfim troquei toda espécie<br />

de carícias com ela. E fiquei sentado ali, continuando a<br />

conversa. Anoiteceu, e ela dormiu bem à noite.<br />

Mamãe melhorou tão rapidamente, que algum tempo<br />

depois eu vi o médico dela chegar para fazer um exame;<br />

auscultou seu coração e afirmou: “Mas não é possível!<br />

O coração dela está tão bom, que eu diria ser outra<br />

pessoa!” Percebia-se, pela serenidade dela, a resignação<br />

diante da morte. Ela viu bem que estava para morrer,<br />

mas concebeu a morte com total resignação. Era essa<br />

a posição dela perante a morte.<br />

Por estar habituada a ver o pior e a enfrentar o sofrimento<br />

com doçura, porque Deus assim queria, ela levou<br />

uma vida mais longa do que muitas outras pessoas. E levou-a<br />

com uma doçura e uma bondade de quem era realmente<br />

amiga da cruz!<br />

E devo dizer que isso me ajudou enormemente a<br />

aprender a sofrer.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 11/2/1990)<br />

8


As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

A rainha dor e a irmã alegria<br />

N<br />

as décadas de 20 e 30, eu percebia que havia duas linhas na Moral.<br />

Uma afirmava, no fundo, o seguinte: todo sofrimento é um<br />

mal, e tudo que se faz para eliminar a dor é um bem. Portanto,<br />

a virtude é uma batalha contínua contra toda espécie de sofrimentos.<br />

Outra linha dizia: toda regra posta por Deus é um bem, e tudo quanto<br />

é violação dessa regra é um mal. A virtude é a observância da Lei de<br />

Deus custe o que custar, tanto no impulso e na alegria da alma, como na<br />

dificuldade, na luta, na batalha. O que é mais belo: o homem virtuoso que,<br />

tomado por uma espécie de ventania onde sopra o que há de mais nobre nele,<br />

voa sem obstáculos interiores para a prática da virtude; ou o homem que, pelo<br />

contrário, sentindo as hienas e as cobras da oposição à Lei de Deus, freia, pisa e<br />

diz: “Eu cumprirei a lei divina!”? Ambas as coisas têm o apoio da Igreja.<br />

Mas não é aprovado pela Moral católica o pensamento de que todo bem<br />

consiste em evitar o sofrimento.<br />

Há ocasiões jubilosas da vida. Ocasiões em que a alma inteira voa para a<br />

virtude. Há ocasiões difíceis, em que o homem inteiro parece fugir da virtude<br />

e tem que se segurar a si mesmo pelo pescoço e dizer: “É assim! Custe o<br />

que custar e não tem conversa. Tem que ser assim!” E há uma conjugação<br />

harmoniosa de ambas as coisas, segundo os desígnios de Deus para cada<br />

alma. Às vezes, Deus envia o sofrimento do modo mais inesperado possível.<br />

Quando, nas ocasiões mais inesperadas, a dor bate à nossa porta, como devemos<br />

fazer? Ir solícitos de encontro a ela! Recebê-la como uma rainha, abrir largas as<br />

portas para ela e colocá-la num trono. Para quem tem Fé, ela não se chama<br />

“dor”, mas sim a “Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.<br />

Em sentido oposto, se a alegria irrompe, também devemos abrir-<br />

-lhe as portas. Mas se recebemos a dor como rainha, a alegria deve ser<br />

recebida como uma irmã: de maneira amável, agradável, prazenteira,<br />

dando graças a Nossa Senhora por receber a visita dessa irmã.<br />

Recebe-se a dor com coragem, e a alegria com este receio:<br />

Qual será minha atitude quando esta minha irmã me disser<br />

“adeus!”, desaparecer, e eu perceber, de repente, que houve<br />

uma mudança, e a dor está no lugar dela?<br />

A dor é ciumenta. Ela quer que eu pense nela até no<br />

momento de receber a visita da alegria.<br />

Não sei se a linguagem está muito metafórica, mas é assim:<br />

na hora da alegria eu tenho que me preparar para não<br />

fechar a porta para a dor. Na hora da dor eu não preciso me<br />

preparar para não fechar a porta para a alegria. A alegria<br />

eu sempre receberei bem. Eu não tenho que me preocupar.<br />

A questão é receber a dor .<br />

v<br />

Gustavo Kralj<br />

(Extraído de conferência de 26/2/1983)<br />

Cruz que encima o obelisco diante da<br />

Basílica de São Bartolomeu, Roma (Itália)<br />

9


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Os Anjos,<br />

o natural e o sobrenatural<br />

No homem, na História, na cultura dos povos, na arte e até<br />

mesmo nos panoramas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discernia a ação angélica, como<br />

se comprova nesta conferência. Fazendo explicitações luminosas<br />

sobre os Anjos, ele apresenta exemplos concretos que nos<br />

ajudam a compreender esse tema fundamental, bem como seu<br />

relacionamento com a Revolução e a Contra-Revolução.<br />

Ao criar os Anjos, Deus os dotou de uma capacidade<br />

de ação própria à natureza angélica, distinta<br />

da capacidade de ação sobrenatural, correspondente<br />

aos dons sobrenaturais que Ele haveria de lhes<br />

dar, como um acréscimo que teriam futuramente, num<br />

outro plano.<br />

Relacionamento entre seres congêneres<br />

O homem é tocável por<br />

essa ação natural dos Anjos,<br />

portanto tem um espírito<br />

sensível para entrar<br />

em comércio com eles<br />

dessa maneira. E precisaria<br />

ter isso porque, uma<br />

vez que Deus estabeleceu<br />

o universo, todos os seres<br />

mais ou menos congêneres,<br />

por causa da perfeição<br />

do universo, têm necessidade<br />

de poderem relacionar-se<br />

uns com os outros.<br />

Então, seria preciso<br />

que, independente de<br />

qualquer plano sobrenatural,<br />

houvesse toda uma<br />

ordem de relacionamento<br />

Mehlauge<br />

Coroação de Guilherme I, Rei da Prússia<br />

natural possível entre Anjos e homens, muito elevada, e<br />

atendendo a certas apetências naturais do homem, que<br />

não são iguais às apetências que ele tem do sobrenatural.<br />

Em consequência, este mundo angélico natural teria<br />

que ser sensível ao homem. E o homem, com um certo<br />

discernimento dos espíritos, poderia até perceber quando<br />

está entrando uma ação de caráter angélico natural,<br />

e uma ação de caráter angélico sobrenatural. E tornar-<br />

-se-ia capaz, em tese, com<br />

certo esforço, de imaginar<br />

como seria um mundo<br />

em que houvesse homens<br />

e Anjos, e não tivesse<br />

sido criado o sobrenatural.<br />

E distinguir isso de<br />

um mundo onde haja o<br />

sobrenatural, para efeito<br />

de ele compreender melhor<br />

tudo que o sobrenatural<br />

acrescentou à ordem<br />

natural.<br />

Por isso, todas essas<br />

distinções e o estudo dessas<br />

correlações, embora<br />

possam parecer muito árduos<br />

e quase impossíveis<br />

de se fazer em tese, são<br />

necessários.<br />

10


Mariordo<br />

Cataratas de Foz do Iguaçu<br />

Notas angélicas nas culturas da<br />

Alemanha e da Áustria<br />

Em certas obras de cultura europeias, sobretudo alemãs<br />

e francesas — naturalmente de modos diferentes na<br />

Alemanha e na França —, existe uma espécie de necessidade<br />

de, às vezes, apresentar um universo com uma perfeição<br />

angélica natural, e outras vezes com uma perfeição<br />

angélica, que eles podem dizer ou não dizer, mas é<br />

sobrenatural. E negar essa possibilidade de apresentar<br />

esse aspecto natural, é tapar a alma humana numa das<br />

suas manifestações.<br />

Por exemplo, estou lendo o livro no qual uma professora<br />

inglesa, governanta da única filha do Kaiser Guilherme II,<br />

conta suas memórias da corte da Alemanha, reconhecendo<br />

muita coisa bonita, louvável. Percebe-se que, em todo o<br />

aparato da corte alemã, havia uma tendência a apresentar o<br />

universo com uma beleza grande, verdadeira, apetecível ao<br />

homem, mas com uma nota angélica natural na ponta; enquanto<br />

que na Áustria, uma nota sobrenatural.<br />

E embora a res austriaca me pareça muito superior à<br />

res germanica 1 , esta última tem sua razão de ser, e o meu<br />

espírito se alegra em poder contemplar uma coisa distinta<br />

da outra. Porque faz parte da perfeição de Deus, enquanto<br />

Criador, ter criado as duas coisas distintas.<br />

Acho que era desígnio da Providência que certas partes<br />

da Alemanha, na linha da graça, fizessem sentir em<br />

harmonia com o sobrenatural um certo tonus natural. E<br />

que, no mundo germânico, o dom de fazer sentir o tonus<br />

sobrenatural fosse principalmente da Áustria. Donde as<br />

minhas mil predileções enlevadas pela Áustria. Mas um<br />

muito grande gosto da res prussiana.<br />

As cataratas de Foz do Iguaçu<br />

Riggwelter<br />

humano quase até a ponta de si mesmo. Não são coisas<br />

propriamente sobrenaturais, mas que estão em harmonia<br />

com o sobrenatural.<br />

É preciso ver bem o que se entende por sobrenatural<br />

aqui. As cataratas de Foz do Iguaçu, por exemplo, têm<br />

uma beleza natural própria. Mas nunca vi que alguém<br />

notasse ali algo de uma beleza que levasse o homem a<br />

dizer: “A graça de Deus está aqui!” A pessoa pode afirmar:<br />

“Deus está aqui”, mas “a graça de Deus está aqui”<br />

não pode dizer.<br />

Deus está ali enquanto Criador, e um Anjo d’Ele pode<br />

estar presidindo aquilo, para manter a coisa em ordem, e<br />

Andando por panoramas naturais, chega-se, às vezes,<br />

a lugares onde se tem a impressão de que aquilo tem<br />

uma perfeição muito grande, na ordem própria, evocando<br />

certos padrões de sublimidade, que levam o espírito<br />

Sainte-Chapelle - Paris, França<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Kurt Muehmel<br />

deixar sentida a sua presença. Inclusive tenho impressão<br />

de que deve existir um Anjo que, por sua natureza espiritual,<br />

seja semelhante ao que as cataratas de Foz do Iguaçu<br />

são na ordem natural. De onde existe uma ação de<br />

presença dele particularmente intensa ali, por causa dessa<br />

semelhança. Chega-se lá, sente-se qualquer coisa assim<br />

de uma presença angélica, mas que ainda não é uma<br />

presença sobrenatural.<br />

Esta eu a sinto muito mais nas coisas da arte do que<br />

nas da natureza. Então, por exemplo, na Sainte-Chapelle,<br />

Notre-Dame, ou, de um modo bem diverso, Genazzano;<br />

é uma presença diferente. Sente-se que alguma coisa,<br />

não na última linha do que podemos ver, mas superior a<br />

nós, rompe uma distância intransponível e se comunica<br />

conosco, elevando-nos ao que nunca poderíamos imaginar.<br />

Ali está o sobrenatural.<br />

Muita gente confunde as coisas, e não seria capaz de estar<br />

em Foz do Iguaçu olhando o que a Providência quis que<br />

se visse, e adorando a Deus nessa perspectiva. Mas pensaria<br />

logo: “Renuncie às coisas desta Terra, feche os olhos para<br />

essa maravilha de Deus, porque o Céu é muito maior…”<br />

O Céu é muito maior, e fechar os olhos para as cataratas do<br />

Iguaçu pode ser a via espiritual para alguém. Mas a realidade<br />

é esta: um Anjo invisível está ali, e nos fala por sua natureza,<br />

não pelo sobrenatural que habita nele.<br />

O Pampa e o panorama do Rio de Janeiro<br />

Irargerich<br />

De cima para baixo: Catedral de Notre-Dame - Paris,<br />

França; Mãe do Bom Conselho - Genazzano, Itália;<br />

Pampa argentino; vista panorâmica do Rio de Janeiro<br />

Eu já notei, da parte de alguns argentinos, uma tentação<br />

de menosprezar o Pampa como meio monótono, raso,<br />

insípido, porque não acaba mais. Mas não é verdade.<br />

Isso significa não ter apanhado aquilo no ponto de vista<br />

em que deve ser considerado.<br />

Certa vez, descendo de um avião num aeroportinho<br />

feito de terra, de repente encontrei o Pampa, e tive uma<br />

impressão de respeito religioso. Aquilo estava plantado,<br />

não de trigo, mas de vegetais altos, não sei o que eram,<br />

e em quantidade! Planície, planície, planície… com toda<br />

aquela vegetação da mesma altura, tudo igual, uma paz,<br />

uma tranquilidade! Não tem nenhuma montanha, tudo<br />

normal, direito.<br />

Tive vontade de dizer, como São Pedro: “Façamos<br />

três tendas, uma para Ti, outra para Moisés e outra para<br />

Elias...” 2 . Desejei ficar sozinho olhando aquilo.<br />

O panorama do Rio tem muito disso. Mas são desígnios<br />

da Providência: no meu modo de sentir, há uns reluzimentos<br />

sobrenaturais no píncaro do bonito, do natural.<br />

É um natural tão, tão bonito, que extravasa da linha do<br />

natural. Percebe-se, de vez em quando, uns reluzimentos<br />

divinos.<br />

Chronus<br />

12


Meta a ser atingida pela arte<br />

Uma meta a ser atingida pela arte seria de fazer com<br />

que, na coisa natural, aparecesse tanto quanto possível<br />

a presença do espírito humano. Depois, num segundo<br />

grau, surgisse, tanto quanto possível o que há de angélico<br />

natural naquilo, e posteriormente o sobrenatural angélico.<br />

Esses vários graus de intensidade da natureza, do<br />

universo que Deus criou, seriam sucessivos degraus que<br />

a arte deveria saber apresentar.<br />

Creio mesmo que na Idade Média quase todas as instituições<br />

eram dotadas de uma certa presença angélica,<br />

ora natural, ora sobrenatural, que foi se deteriorando no<br />

decurso dos tempos modernos. E que a Revolução Francesa<br />

quis expulsar completamente, e em parte conseguiu;<br />

foi a revolta contra um ambiente todo ele carregado de<br />

conotações místicas, ora naturais, ora sobrenaturais, que<br />

ajudavam muito a ver a realidade natural e a compreender<br />

seu último sentido.<br />

Quando eu vejo uma flor, e sou levado a imaginar o<br />

arquétipo dela, não é propriamente um desejo que tenho<br />

de conhecê-la melhor, mas sim conhecer, na ordem do<br />

possível, uma coisa que seja essa flor na sua perfeição.<br />

Ou seja, algo que é meio parecido com a ordem paradisíaca<br />

que o homem perdeu, e que, entretanto, o seu senso<br />

do ser pede e ele procura quando olha as coisas desta<br />

Terra. Esse é, a meu ver, o elemento motor primeiro<br />

da arte.<br />

A procura de arquétipos<br />

A procura dessa perfeição leva também o homem a<br />

querer conhecer o santo. Porque este é na ordem moral<br />

— a que mais importa — o arquétipo do homem. Mas leva<br />

a desejar conhecer também um grande homem.<br />

Vou dar um exemplo. Li uma descrição da viagem que<br />

o zepelim fez, conduzindo seu inventor, o velho Conde<br />

Ferdinand von Zeppelin, para se encontrar com o Kaiser.<br />

Eu tinha muita curiosidade de ver como o autor dessas<br />

memórias descrevia pormenorizadamente o encontro<br />

do Kaiser com o Zeppelin.<br />

Não sei se percebem que se trata de um patamar de<br />

relacionamento que não existe mais hoje. É um estilo<br />

de vida, uma corte, um balão zepelim que voa, cujo inventor,<br />

um grande cientista, vai encontrar-se com o Kaiser.<br />

O zepelim pousa, de dentro desce um velhinho prussiano,<br />

todo teso, que cumprimenta o Kaiser, os dois se<br />

olham nos olhos, sorriem. Depois o Kaiser faz uma saudação<br />

militar, ambos se retiram, e o povo todo dando vivas,<br />

agitando bandeirolas, etc. Uma espécie de apoteose<br />

da Ciência, do êxito do homem que conseguiu voar. E o<br />

povo presta homenagem ao Kaiser, referendando o soberano<br />

supremo de um grande poder militar.<br />

São valores supremos, quase arquétipos, que se encontram<br />

e como que se osculam, num ambiente quase<br />

paradisíaco para quem está habituado à vida de hoje. É<br />

uma procura de arquétipos que está atrás disso, uma coisa<br />

ligada ao senso do ser.<br />

O homem tem saudades<br />

do Paraíso que não conheceu<br />

Tenho a impressão de que se a sociedade fosse bem<br />

constituída, uma pessoa educada como deve ser — não<br />

digo educação no sentido de boas maneiras, mas formação<br />

total do ser — desenvolveria uma certa tendência<br />

que existe no homem para uma vida terrena de um nível<br />

muito superior ao que ele conhece, mas que não é para<br />

ele viver dentro dela por vaidade, mas pelo senso do ser<br />

que o leva a desejar conhecer até que ponto a vida humana<br />

é extensível.<br />

Assim, sem deixar de ser o homem comum, ele tem uma<br />

certa participação nessas elevações. E o desejo contínuo de<br />

grandes elevações em toda<br />

a vida da sociedade,<br />

leva-o a querer coisas assim<br />

e a sonhar com flores,<br />

aves, céus extraordinários<br />

etc., porque ele foi<br />

criado para o Paraíso, e<br />

está exilado. E, sem saber,<br />

o homem tem saudades<br />

daquele Paraíso que<br />

De cima para baixo: encontro do Conde Zeppelin<br />

com o Kaiser Guilerme II, em 1909; zepelim<br />

sobrevoa um jardim de verão em 1930<br />

Vitold Muratov<br />

13


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

ele não conheceu, mas que está proporcionado à sua natureza.<br />

Essa sensação do exilado que tem vontade de voltar<br />

para o lugar que ele não chegou a conhecer, e, portanto,<br />

uma espécie de procura do paradisíaco a ser fabricado na<br />

Terra — para tanto quanto possível substituir o palácio<br />

de que ele foi expulso potencialmente na pessoa dos seus<br />

pais — faz dele um ente especial, cujo senso do ser não<br />

o leva a procurar apenas a perfeição no Céu e nas coisas<br />

sobrenaturais, mas uma perfeição de uma ordem natural,<br />

que não o cerca, mas da qual ele tem saudades. E<br />

que o homem procura realizar do melhor modo possível<br />

na Terra, como meio para chegar mais alto, à experiência<br />

mística e ao Céu.<br />

Nesta época de Revolução, é absolutamente necessário<br />

para nossa formação proporcionar às pessoas cenas<br />

maravilhosas da História, apoiadas por uma ação angélica,<br />

de maneira a dar-lhes o desejo do mais alto, que as<br />

torna propriamente contrarrevolucionárias.<br />

Porque se não há a inconformidade com a banalidade<br />

contemporânea, e o desejo de algo mais alto que o passado<br />

conheceu — e que devemos conhecer para depois engendrar<br />

um futuro a essa altura —, tenho a impressão de<br />

que a nossa própria formação fica padecendo.<br />

Luta contra o mundanismo<br />

Um dos defeitos contra os quais lutamos tanto — e<br />

sem o êxito desejado, por não irmos até o fundo do problema<br />

—, está exatamente nisto: mundanismo.<br />

Nós batalhamos muito contra o mundanismo. Mas se<br />

não tivermos uma formação que nos faça querer um maravilhoso<br />

incomparavelmente diferente e maior do que<br />

esse mundanismo que está por aí — e perto do qual este<br />

último é pé-rapado, casca-grossa —, às vezes, pela própria<br />

elevação que possa haver em nossa alma, o indivíduo<br />

tem uma escapada da banalidade da vida para dentro<br />

do mundanismo, vendo neste uma realização mais alta<br />

de alguma coisa que lhe falta.<br />

E o modo de combater esse desvio é precisamente, a<br />

meu ver, apresentar como algo foi no passado, mostrando<br />

como isto que existe no mundo de hoje é uma revolta, um<br />

álibi para não se atingir o que no passado se conseguiu. E<br />

criar a nostalgia, não de sermos personagens do passado,<br />

mas espectadores admirativos do passado, faz de nós homens<br />

capazes de lutar para que o passado seja de novo!<br />

E seria preciso justificar isso na nossa formação, por<br />

uma ação angélica natural, e depois por toda a vida sobrenatural.<br />

Convívio entre os Anjos e os homens<br />

A ação angélica natural tem o pressuposto de que há<br />

um contato — e um convívio, portanto — normal do Anjo<br />

com o homem, que não é o aparecer, nem o conversar<br />

com o Anjo como estamos conversando aqui, mas uma<br />

ação dele sobre nós, e de algum modo nossa reação pró<br />

ou contra, aceitando ou rejeitando, fazendo com que normalmente<br />

nós estejamos também em contato com eles.<br />

Mas a ideia errada que se nos dá a respeito disso é a<br />

seguinte: a ação do Anjo sobre o homem só e unicamente<br />

ocorre quando o Anjo aparece para o homem; ou, então,<br />

que o Anjo da Guarda pode favorecer o homem em<br />

ocasiões muito excepcionais, sem o homem perceber. De<br />

O ser humano é capaz de<br />

alguns movimentos de alma<br />

rumo à arquetipia, mas<br />

esses movimentos seriam<br />

inteiramente frustros e de<br />

nenhum modo atingiriam o<br />

que o homem quer, se não<br />

fosse a ajuda dos Anjos.<br />

Tapete persa, citado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

decorando uma das paredes da<br />

“Sala do Reino de Maria”<br />

14


maneira que Anjo entra no excepcional, e não<br />

no normal, da vida do homem.<br />

Ora, eu considero — salvo melhor juízo, e<br />

submetendo-me, é claro, ao ensinamento da<br />

Igreja —, que em nossas reuniões, por exemplo,<br />

pelo próprio fato da vivacidade, da vida<br />

que elas têm, pode-se e deve-se ver uma ação<br />

angélica habitual. Entretanto, ninguém a sente.<br />

Sente-se uma certa vitalidade, e se percebe<br />

que esta não tem uma razão de ser e uma<br />

origem exclusivamente natural em nós, nada<br />

mais além disso. Mas se fôssemos afirmar ser<br />

um Anjo, muita gente se assustaria, pensando<br />

haver uma espécie de alumbramento. Isso não<br />

tem nada de alumbramento. É a impostação<br />

teológica séria e normal das coisas.<br />

Ademais, pode acontecer que uma pessoa<br />

seja veículo de graças sobrenaturais específicas,<br />

para as quais não é preciso se excogitar<br />

uma ação angélica. E pode suceder que a presença<br />

de uma pessoa seja ocasião para a presença<br />

de um Anjo, que desenvolva uma ação<br />

natural angélica. É preciso aí distinguir as várias<br />

hipóteses possíveis.<br />

Teoricamente falando, eu penso que o ser humano é capaz<br />

de alguns movimentos de alma rumo à arquetipia, que<br />

são da natureza dele. Mas acho que esses movimentos seriam<br />

inteiramente frustros e de nenhum modo atingiriam<br />

o que o homem quer, se não fosse a ajuda dos Anjos.<br />

Arte e arquetipia<br />

Poder-se-ia levantar a seguinte objeção: “O senhor<br />

então acha que toda a arte só é digna desse nome quando<br />

se constituiu com a ajuda angélica?”<br />

Eu respondo: É preciso não correr. Porque há uma diferença<br />

entre arte e arquetipia. Na arte, o homem, muitas<br />

vezes, é guiado pelo senso de um prazer hedonista,<br />

que não é propriamente o gáudio metafísico que lhe dá a<br />

procura da arquetipia. E por causa desse senso hedonista,<br />

ele é capaz de fazer alguma coisa acertada, mas que<br />

não se encontra numa linha onde entra verdadeiramente<br />

o Anjo, ou seja, o desejo de arquetipia.<br />

Considerem, por exemplo, aquele tapete persa que temos<br />

na “Sala do Reino de Maria” 3 . Eu compreendo que<br />

um artista, com a forma de talento necessária para fazer<br />

isso, tenha sabido misturar cores, e fazendo coisas que<br />

lhe deram um gosto perfeito, onde sua alma não andou<br />

à procura de algo arquetípico, mas simplesmente de um<br />

deleite excelente dos olhos, o que é diferente.<br />

A Basílica de Santa Sofia — hoje uma mesquita com<br />

minaretes —, colocada no Bósforo, de si é um pastelão, e<br />

Basílica de Santa Sofia<br />

os minaretes têm um formato esguio, leve, distintíssimo,<br />

quase que descansa a pessoa do peso da Basílica. Por outro<br />

lado, a Basílica torna mais verossímeis os minaretes,<br />

que pareceriam quase fumaça de cigarro que se elevou<br />

num ambiente onde não há vento.<br />

A justaposição dos minaretes com a Basílica, no quadro<br />

do Bósforo, forma uma coisa difícil de imaginar, na<br />

qual se pergunta se há uma coincidência, ou realmente<br />

um desejo de arquetipia, e se nesse desejo de arquetipia<br />

entrou uma ação angélica, quando se tratava de obra de<br />

maometanos. É uma questão delicada, e eu mesmo precisaria<br />

pensar para dar-lhe uma resposta.<br />

Na arte japonesa, chinesa, e em geral nas artes orientais,<br />

chama a atenção que os artistas as realizam à procura<br />

do belo, mas essa procura, em certo momento, dá origem<br />

ao aparecimento de monstros. Às vezes monstros<br />

com caras horríveis, mas com uns fios de barba lindos, e<br />

uns dragões que têm umas orelhas de ouro fantásticas!<br />

Mas são monstros.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 4 e 11/2/1990)<br />

1) Do latim: coisa austríaca e coisa germânica. Aqui <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

se refere ao conjunto de predicados dessas nações.<br />

2) Lc 9, 33.<br />

3) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong>.<br />

Radomil<br />

15


Reflexões teológicas<br />

A felicidade celeste - I<br />

As megalópoles modernas, com sua agitação e desordem,<br />

provocam aflições e intranquilidades nas pessoas. São elas<br />

bafejadas pela Revolução, que procura eliminar tudo aquilo<br />

que cause alegria da alma. Mas se encontramos um belo<br />

edifício bem decorado, onde haja uma capela com o Santíssimo<br />

Sacramento, tem-se a sensação de serenidade, paz e do<br />

verdadeiro gáudio de alma. Esse é um dos exemplos citados<br />

por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao falar sobre a felicidade do Paraíso.<br />

16


Assunção da Santíssima Virgem<br />

Galeria Nacional, Londres (Inglaterra)<br />

T<br />

odas as nossas ações, consideradas do ponto de<br />

vista moral, dizem respeito a Deus, ou O louvam<br />

ou O ofendem. E isso é infinitamente sério,<br />

porque Ele é infinito. Então, como tudo é sério, é grave,<br />

é grande, é magnífico! Portanto, que magnificência<br />

tem nossa vida, não considerada em tal ou qual minúsculo<br />

ato concreto, mas nas repercussões extraordinárias<br />

que ela possui.<br />

Do ponto de vista moral, tudo<br />

é infinitamente sério<br />

Para isso, após estudarmos o Inferno, estamos analisando<br />

a eterna bem-aventurança, a fim de mostrar como<br />

todas as nossas ações repercutem numa ou noutra direção,<br />

e por esse motivo são infinitamente sérias. Mostrando<br />

qual era a bem-aventurança no Céu, eu tinha começado<br />

por destacar o fato de que ela inunda o homem de<br />

alegria. Porém não é principalmente por causa da perspectiva<br />

dessa alegria, mas devido à infinitude de Deus e<br />

da perfeição d’Ele em Si, ainda que não tivéssemos essa<br />

alegria, nós O procuraríamos por toda a eternidade. Porque<br />

o Criador merece e a Ele somos destinados.<br />

Há uma alegria que nos vem pelos sentidos, a qual é<br />

magnífica. A essa alegria são destinados os corpos dos<br />

ressurretos; e também suas almas, porque uma alma<br />

tem o reflexo da alegria do corpo, e conhece muitas coisas<br />

através do corpo. Mas há uma alegria incomparavelmente<br />

mais alta: a que tem a alma quando vê Deus face<br />

a face.<br />

Alegria de ver Deus face a face<br />

Que ideia podemos ter, nesta Terra, do que seja ver<br />

Deus face a face? Não conseguimos conceber senão ideias<br />

analógicas, e muito vagamente analógicas. Porque a Deus<br />

ninguém se compara! E se nós tivéssemos a honra imerecida<br />

de com os nossos olhos vermos — ou ao menos com<br />

17


Reflexões teológicas<br />

nosso espírito contemplarmos — Nossa Senhora, ainda aí<br />

não seria idêntico; haveria uma infinitude de diferença entre<br />

ver Deus face a face e contemplar a Ela. Porque com<br />

Deus ninguém se compara. Há analogias, mas entrar numa<br />

relação de proporção com o Altíssimo, de maneira a<br />

dizer: “Vendo Maria Santíssima tem-se a metade da alegria<br />

que se possui em ver Deus”, não é verdade. O Criador<br />

paira acima de qualquer criatura excelsamente, infinitamente,<br />

sem que se possa ter uma ideia.<br />

Mas, tal é a ordem posta por Deus no universo, que<br />

Ele quer, para nos estimular a irmos para Céu, que nós,<br />

na Terra, conheçamos algumas coisas que deem uma certa<br />

ideia do que é a felicidade de alma que se tem vendo<br />

Deus face a face. Então imaginemos, num quarto escuro,<br />

um homem deitado, que seja cego de nascença. Ele fez<br />

uma operação para se curar da cegueira, e lhe disseram<br />

que ele tem que passar, digamos, cinco anos no escuro.<br />

Depois desse tempo, seus olhos estarão bons e ele verá.<br />

De vez em quando entra no quarto dele uma pessoa amiga,<br />

para conversar e distraí-lo nesta longa noite. E obtém<br />

uma licença do médico, não propriamente para acender<br />

uma luz, nem sequer uma chama, mas um palito comburente<br />

— todos sabem que quando se acende um palito de<br />

fósforo e se apaga a chama, fica ou pode ficar uma parte<br />

do palito em estado comburente.<br />

Então, o amigo passa com aquilo diante dos olhos dele<br />

e lhe diz: “Está vendo? Isso é luz! Tenha a coragem de<br />

varar esses cinco anos no escuro, porque o seu prêmio<br />

será ver o Sol!”<br />

Não quero dizer que haja uma situação clínica assim<br />

— ignoro tudo a respeito de clínicas. Mas é um caso<br />

que eu figuro para explicar qual é o plano de Deus,<br />

dando-nos certos vislumbres dessa alegria, para aguentar<br />

a noite desta vida. Porque esta noite é em forma de<br />

cone, ela vai apertando na medida<br />

em que se vai vivendo, no<br />

fim é mais negra, mais apertada,<br />

mais estreita, mais aguda e<br />

chega à morte, em que se fura<br />

o cone pelo cimo.<br />

A Revolução procura<br />

eliminar tudo quanto<br />

lembra a alegria celeste<br />

Quando a pessoa expira e<br />

acontece, portanto, a catástrofe,<br />

no momento em que a alma<br />

se desliga do corpo ela vê a<br />

Deus. De maneira que ela viu<br />

nesta vida — para usar uma<br />

comparação, de cuja precisão<br />

Júlio Boaro<br />

teológica não estou seguro —, palitos de fósforos, de vez<br />

em quando, para animá-la e como que dizendo: “Tenha<br />

confiança, porque um dia tu dirás o que está dito na Escritura:<br />

nox sicut diæs iluminatur 1 — a noite será iluminada<br />

como se fosse um dia. E a tua longa noite passará<br />

a ser para ti um eterno dia. Coragem! Olha aqui o palitinho<br />

de fósforo! Veja como a luz é bela!”<br />

Trata-se de uma coisa que o coração paterno e, sobretudo,<br />

o coração materno fariam com tanto gosto! Isso<br />

nos dá uma ideia do que Deus possa ter feito.<br />

É muito curioso que a Revolução tenha criado um estado<br />

de espírito em que tudo quanto possa pressagiar<br />

a alegria da felicidade celeste ela eliminou; ou fazendo<br />

que não exista mais ou, existindo, não se preste atenção<br />

e, portanto, não se tenha uma ideia do que é a verdadeira<br />

alegria de alma, desligada do prazer dos vários sentidos<br />

do corpo. O que está na linha do materialismo de hoje,<br />

que quer apagar no homem a noção da espiritualidade<br />

da alma, porque quer eliminar a noção de espiritualidade<br />

de Deus e da existência do Criador.<br />

E os revolucionários tratam de abafar todas as ocasiões<br />

da vida em que se possa ter uma sensação dessa natureza.<br />

Então, à força de muito pensar, cheguei à conclusão de que<br />

eu não poderia apresentar exemplos válidos disso, quer dizer,<br />

nem sequer o palitinho de fósforo, com tanta eficácia<br />

quanto desejara, porque é possível que as situações que eu<br />

aponte desapareçam e não se tenha mais noção da coisa.<br />

Qualquer exemplo poderia mais baratear o assunto do que<br />

elevá-lo; e esse é um tema que por nenhum preço possa<br />

ser barateado.<br />

Mas, para dar alguma coisa, vou apresentar alguns<br />

exemplos presumidos da vida cotidiana dos que<br />

se encontram neste auditório e que, creio eu, nesses<br />

dias se tornam ainda mais frisantes.<br />

18


Contraste entre ambientes e<br />

impressões espirituais<br />

Considerem uma pessoa que vai, por exemplo, fazer<br />

compras no centro da cidade ou em outra região muito<br />

movimentada de São Paulo. Anda por aqui, por lá,<br />

sobe, desce, e vê horrores morais de toda ordem. De<br />

repente passa um táxi, ela entra, respira um pouco e<br />

indica ao taxista o destino. Chegando ao local indicado,<br />

a pessoa desce do automóvel e entra em nossa sede<br />

principal: penumbra, temperatura agradável, há uma<br />

viração, na capela, que está serena, se encontra o Santíssimo<br />

Sacramento, a sede respira todas as suas pulcritudes.<br />

A pessoa sente uma espécie de alívio que é meio o<br />

frescor do corpo, o qual sai da fornalha, e meio o frescor<br />

da alma, que se retira da bagunça e entra dentro daquela<br />

ordenação. Há ali um alívio, uma alegria de alma. Tem-se<br />

a impressão de que a alma se expande inteira e se ajeita<br />

mais ou menos à vontade, dentro de si mesma.<br />

O que é isto? É um prazer do espírito. O prazer do<br />

corpo, com o frescor, é apenas um vago eco da alegria<br />

que teve o espírito ao entrar naquele ambiente. A<br />

pessoa sente-se contente.<br />

Outra impressão, também espiritual: uma pessoa<br />

vai a um lugar qualquer, neopagão, e ali é tratado<br />

com desdém, pouco caso, senão com hostilidade; ela<br />

se sente injustamente pisada. Depois a pessoa entra<br />

em nossa sede, encontra ali a vida borbulhante e tem a<br />

impressão de ter transposto, em poucos passos, uma distância<br />

interplanetária, e de haver saído de um mundo e<br />

entrado no outro, no qual sente a afirmação vibrante, enfática,<br />

de tudo quanto são os nossos ideais, nossa razão<br />

de ser, nossa Causa.<br />

E esta coisa tão deleitável é a consideração das pessoas<br />

para com ela, que é tratada bem, amenamente,<br />

afavelmente. A pessoa se sente confortada, sua alma se<br />

rejubila, e ela possui a impressão agradável — que não<br />

tem nada de comum com a vaidade — de ser honrada,<br />

compreendida, querida, ser objeto de atenção. Que alegria<br />

isso dá! É difícil que alguns dos aqui presentes não<br />

tenham passado por uma dessas duas impressões!<br />

Prazeres da alma<br />

Imaginemos agora uma pessoa que morre e vê Deus<br />

face a face. A vida terrena ficou para trás, com todas as<br />

aflições, todos os calores, os frios, todas as provações, as<br />

incógnitas, as dificuldades, as incertezas, todos os mal-<br />

-estares. Tudo ficou para trás, e ela não tem diante de si<br />

Na página anterior, panorama noturno da cidade de<br />

São Paulo (Brasil); acima, “Sala do Reino de Maria”;<br />

ao lado, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência nessa<br />

mesma sala da sede social de seu Movimento<br />

19


Reflexões teológicas<br />

apenas o frescor de uma sede sacral, mas a própria Sacralidade,<br />

Deus Nosso Senhor, que olha para ela.<br />

Observem uma pessoa que entra na capela de nossa<br />

sede principal e sente alguma coisa de extraordinário.<br />

Mas é muito mais do que isso; ela se coloca na presença<br />

do Absoluto, d’Aquele que é o Valor em função do qual<br />

tudo vale, e fora do Qual nada vale. Encantada, a pessoa<br />

percebe que Ele olha para ela, mas que seu olhar se dirige<br />

simultaneamente a outro lugar. Ela diz: Já sei, eu passei<br />

por aquele lugar antes de chegar aqui! É a Medianeira<br />

de todas as graças. Ó Nossa Senhora!<br />

São prazeres de alma vagamente análogos. E deveríamos<br />

em nossa vida ir identificando esses prazeres de alma.<br />

Quase arranjando um nome para eles; mas pensando,<br />

tendo em vista o Céu.<br />

Cornélio a Lápide 2 descreve, pela pena de Doutores e<br />

Padres da Igreja, etc., a entrada de uma alma no Céu. Ele<br />

cita a metáfora magnífica empregada por São Bernardo.<br />

Então, quando lermos esses textos aqui, devemos dizer:<br />

“Como isto é bom! E o Céu?” Aí teremos uma ideia, através<br />

do palito de fósforo em estado comburente, do que é o<br />

Sol incomparável. E assim mesmo Deus está infinitamente<br />

mais distante das alegrias desta Terra do que o palito de<br />

fósforo em relação ao Sol! Aí se tem uma certa ideia.<br />

Foi uma introdução um pouco extensa demais de um<br />

tema que de si é eterno. De maneira que se tolera uma<br />

certa extensão.<br />

Plenitude de felicidade<br />

Então o Cornélio a Lápide comenta estas palavras:<br />

“Uma alegria sempiterna pairará sobre suas cabeças.” 3<br />

São palavras tiradas do profeta Isaías, falando dos<br />

bem-aventurados. Naturalmente, aplicam-se também<br />

aos católicos que conhecem a Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

nesta vida e que, pela Fé, têm um começo da alegria<br />

eterna.<br />

Mas também aos católicos que nesta vida podem ter<br />

um início da alegria do Reino de Maria. Tudo isso se põe<br />

como escadas de degraus muito desiguais, que conduzem<br />

à bem-aventurança eterna. Sendo que um degrau já<br />

se chama infinito, portanto, não é escada...<br />

Então, ele cita uma frase que está no Evangelho: “Entra<br />

no gozo do teu Senhor” 4 . E faz este comentário: Isso<br />

significa que o gáudio será tal que não tanto entra no<br />

bem-aventurado, mas este entra no gáudio! Nesta Terra<br />

dizemos: a alegria entrou em nós, mas não podemos afirmar:<br />

nós entramos na alegria. Porém, quando formos ao<br />

Céu a alegria entra em nós, e nós entramos dentro dela.<br />

Isso é o pórtico, mas ao mesmo tempo o altar-mor, magnífico,<br />

da Catedral da felicidade eterna onde devemos<br />

entrar quando morrermos!<br />

Cornélio se refere à afirmação interessante de um autor,<br />

que é a seguinte: no Céu, a alegria da bem-aventurança<br />

eterna é tanta, que ela “racharia” o homem de<br />

gáudio se Deus não suspendesse o homem acima de sua<br />

própria natureza e, assim, o conservasse em vida. Vemos<br />

então que plenitude de alegria há no Paraíso!<br />

Acacia<br />

Quando se está na eternidade,<br />

o passado e o futuro<br />

desaparecem. É um instante<br />

que não muda nunca, num<br />

gáudio constantemente novo.<br />

Santos contemplando a Cristo no Céu, por<br />

Domenico Ghirlandaio (1449–1494)<br />

Pinacoteca e museu cívico de Volterra, Itália<br />

20


Nós estaremos no Céu, sustentados pela graça mantenedora<br />

de Deus, do contrário a alegria é tanta que estalaríamos,<br />

não nos sustentaríamos. Temos então ideia do<br />

que é a felicidade celeste.<br />

Alegria das potências da alma<br />

Todos sabem que as potências da alma são três: inteligência,<br />

vontade e sensibilidade.<br />

São Bernardo — sempre segundo Cornélio a Lápide<br />

— diz que Deus será para a razão a plenitude da luz. O<br />

homem tem uma certa alegria em entender e acha penoso<br />

não compreender alguma coisa que ele conhece. Para<br />

citar o mais barato dos exemplos, há indivíduos que gostam<br />

de ler a seção de charadas, em revistas ou jornais.<br />

Eles tomam todo o trabalho de decifrar a charada para<br />

ter a alegria de ter entendido. Imaginemos a alegria que<br />

teremos quando virmos Deus face a face, e entendermos<br />

de uma só vez, n’Ele, a perfeição tanto quanto caiba em<br />

nosso intelecto. Entendermos a Deus e, em função d’Ele,<br />

compreendermos tudo quanto nesta vida não entendemos.<br />

E num jorro só!<br />

O que é isso em comparação com a alegria de um homem<br />

que decifra uma charada? Ou de quem resolve<br />

um problema de xadrez? Ou de um indivíduo que gosta<br />

de ler romance policial e vai torcendo, através daquelas<br />

peripécias, para descobrir quem é o culpado e se alegra<br />

quando o percebe? Isso não é nada em comparação<br />

desta alegria de alma que tem a inteligência! Ela percebeu<br />

tudo.<br />

Afirma também São Bernardo que, para a vontade,<br />

Deus é a multidão da paz! Todos aqui sabem que a paz<br />

é definida por Santo Agostinho como a tranquilidade da<br />

ordem. Não é a tranquilidade indiferente à ordem ou à<br />

desordem. Quando as coisas estão em ordem, sente-se<br />

paz. Vou dar um exemplo para que entendam bem.<br />

Imaginem que no começo desta reunião houvesse<br />

aqui, nestes degraus do estrado, uma vassoura velha e<br />

quebrada, bem como um chapéu velho, ridículo. Os presentes<br />

neste auditório ficariam com mal-estar, enquanto<br />

alguém não pegasse esses objetos e os jogasse fora. Isso<br />

feito, todos quereriam saber quem os pôs aqui, porque<br />

não se compreende que tenham parado neste lugar objetos<br />

assim. Depois disso, poderiam ter indulgência e dizer:<br />

“Então, Doutor Plínio, inicie a conferência!”<br />

Quer dizer, fica-se tranquilo. A desordem causava<br />

uma intranquilidade. A ordem estabeleceu a tranquilidade.<br />

Essa tranquilidade se chama paz.<br />

Então, vendo a Deus percebe-se a suma Causa, o sumo<br />

Bem, e a vontade repousa em paz n’Ele. Na tranquilidade<br />

da ordem!<br />

Está tudo na sua ordem porque está em nexo com Ele!<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1960<br />

Depois, para a memória, ligada à sensibilidade, qual é<br />

o gáudio que traz a eternidade, que traz Deus? Diz São<br />

Bernardo: é a continuação da eternidade. Aqui nesta<br />

Terra, precisa-se tomar notas para lembrar. Quando se<br />

recorda, aparece um passado remoto! Quando se conjectura,<br />

pode vir ao espírito um futuro remoto! Quando se<br />

está na eternidade, o passado e o futuro desaparecem. É<br />

um instante que não muda nunca, num gáudio constantemente<br />

novo. A memória não precisa se lembrar porque<br />

tudo é simultâneo. A eternidade é simultânea. A memória<br />

descansa. Ela lembra apenas daquilo que o tempo<br />

tragou e Deus premiou!<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

1) Sl 138, 12 (Vulgata).<br />

2) Jesuíta e exegeta flamengo (* 1567 - † 1637).<br />

3) Cf. Is 35, 10.<br />

4) Mt 25, 21.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 18/2/1981)<br />

21


De Maria nunquam satis<br />

Poderoso auxílio<br />

em todas as dificuldades<br />

Continuamente devemos recorrer a Nossa Senhora,<br />

especialmente quando passamos por dificuldades. Ela<br />

sempre nos acolhe, pois nunca se ouviu dizer que a<br />

Mãe de Deus tenha abandonado alguém que pede seu<br />

socorro. Entretanto, às vezes nossa prece demora em<br />

ser atendida; isso significa que Ela nos dará graças com<br />

extraordinária abundância.<br />

Eu gostaria de dizer uma palavra mais especialmente<br />

quanto a Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos<br />

nas dificuldades da vida espiritual. Estas costumam<br />

ser de duas ordens. Umas dificuldades são as crises<br />

breves da vida espiritual, quando a pessoa se sente<br />

tentada e, portanto, hesitante ou abalada entre o bem e o<br />

mal, e com a possibilidade de ser arrojada no precipício<br />

do mal de um momento para o outro.<br />

As dificuldades do tipo clássico<br />

BBC<br />

Uma senhora reza, aflita, em sua humilde casa (por Frederick<br />

D. Harding) - Galeria de Arte de Wolverhampton, Inglaterra<br />

Essas são as dificuldades do tipo clássico, e<br />

quando falamos a respeito de dificuldade, naturalmente<br />

pensamos primeiro na do tipo clássico,<br />

quer dizer, no grande apuro da vida espiritual.<br />

Evidentemente Nossa Senhora é auxílio nessas<br />

circunstâncias. Não teria sentido Ela ser Auxílio<br />

dos Cristãos se não o fosse, sobretudo, para a vida<br />

espiritual, e é claro que o auxílio é principalmente<br />

para os mais necessitados. Então, para as<br />

pessoas que estão em crises agudas da vida espiritual<br />

e gravemente necessitadas, Maria Santíssima,<br />

na plenitude do termo, é o auxílio.<br />

Sendo Ela Mãe de Misericórdia, seu auxílio<br />

não é dado apenas para uma pessoa que diga:<br />

“Eu vou perfeitamente bem na vida espiritual,<br />

estou muito tentado, porém não cedi em nada.<br />

Tenho direito ao vosso auxílio; vinde e auxiliai-me!”<br />

Mas também para aquele que se encon-<br />

22


tre numa situação pior, e de apuro<br />

muito mais grave, e reze: “Eu estou<br />

muito tentado, pequei, andei mal. Receio<br />

me embrutecer no pecado, de me habituar<br />

a ele, de não sair da vida de pecado, e<br />

tenho uma vontade imensa de me regenerar.<br />

Não mereço vosso auxílio, mas porque sois<br />

Auxiliadora de todos os cristãos, até dos mais<br />

miseráveis e não apenas dos cristãos bons,<br />

então Vos peço: vinde auxiliar-me!”<br />

Quer dizer, nessa visualização é a miséria<br />

da pessoa, o próprio fato de ela ter caído em<br />

pecado que é alegado diante de Nossa Senhora,<br />

como uma razão para obter o auxílio.<br />

É mais ou menos como quem se coloca diante<br />

da mãe e diz o seguinte: “Estou tão necessitado<br />

que até me aconteceu o pior. É verdade<br />

que foi por minha culpa. Pequei. E porque estou<br />

exatamente no sumo do desamparo, por ser<br />

um pecador, eu, enquanto abandonado, encontro<br />

no desamparo a razão pela qual primeiro devo<br />

pedir a vossa misericórdia.” Quer dizer, esta<br />

é uma consideração de fundo, que não fecha<br />

nunca as portas da esperança na vida<br />

espiritual, porque a Virgem Santíssima,<br />

sendo nossa Auxiliadora, é próprio,<br />

inerente a Ela, é movimento<br />

profundo n’Ela, correspondente à<br />

sua missão, ao amor insondável que<br />

Ela tem a Deus, de nos auxiliar por<br />

esta forma.<br />

Há aqui uma esperança, um recomeçar<br />

sem fim de novos propósitos<br />

de emenda, que deve ser o<br />

fundo de nossa vida espiritual.<br />

Uma das crises da vida espiritual<br />

apresenta-se à maneira de<br />

alguém que, estando numa escada,<br />

encontra-se em perigo<br />

de cair em cima de uma fogueira:<br />

cai, não cai.<br />

Maria Auxiliadora<br />

Igreja de São Clemente,<br />

Toronto (Canadá)<br />

Gustavo Kralj<br />

23


Escarlati<br />

De Maria nunquam satis<br />

Os que se atolam em alguma<br />

etapa da vida espiritual<br />

Existe um outro sistema de crise espiritual. É o da pessoa<br />

que está subindo uma escada e, no lugar onde deveria<br />

haver um patamar, tem o vazio, e mais adiante continuam<br />

outros degraus; de maneira que o indivíduo não<br />

sabe como faz para pular aquele vácuo. São as tais almas<br />

que atolam a alturas diferentes da vida espiritual.<br />

Há uns que atolam, por exemplo, num estado assim:<br />

levam anos no meio-termo entre a virtude e o pecado,<br />

ora no estado de graça, ora fora do estado de graça, e ficam<br />

naquele pêndulo do Inferno para o Céu e do Céu<br />

para o Inferno.<br />

Outros atolam numa espécie de mediocridade do estado<br />

de graça; não pecam mortalmente, mas cometem<br />

torrentes de pecados veniais — por exemplo, as tais mentirinhas<br />

ditas “inocentes” — à vontade.<br />

Existem ainda aqueles que vencem as tais mentirinhas,<br />

mas se atolam numa outra coisa. Quem está nessa<br />

situação diz: “Combati todos os pecados que eu tinha —<br />

os leves e os graves —, e percebo que não estou valendo<br />

grande coisa. Há algo que falta, mas não sei o que é. Só<br />

sinto que eu, apesar de toda a profilaxia, não valho nada.<br />

Pior seria se eu não tivesse feito a profilaxia… Eu, antes,<br />

estava sujo; agora fiquei vazio. Mas, daí para diante,<br />

como encher isto? Também não sei.” E fica parado nesse<br />

estado.<br />

Há outros que adquirem virtudes, progridem, e param<br />

já num certo grau de virtude, mas, de vez em quando,<br />

o carro encalha e não há meio de galgar o patamar<br />

A conversão do Duque Guilherme, da Aquitânia - Museu de Zaragoza, Espanha<br />

de cima. O indivíduo fica assim um tempo enorme. Isso<br />

corresponde, em qualquer altura da escada, sempre a<br />

um ponto: é algo de que a pessoa deveria se desapegar e<br />

que, ao mesmo tempo, é a coisa mais clara e a mais confusa<br />

do mundo. Ela vê com toda a clareza que devia deixar<br />

aquilo, mas, concomitantemente, não vê de nenhum<br />

modo que é aquilo que ela precisaria abandonar.<br />

A necessidade de uma graça extraordinária<br />

E a Providência fica provando aquela pessoa até criar<br />

um momento em que haja um estalo em sua cabeça, o<br />

qual, em geral, representa uma graça grande que ela recebe,<br />

fazendo-a pensar: “Ah! Eu agora vejo, tem isto, aquilo<br />

e mais tal outra consequência. Estou compreendendo.”<br />

Então começa uma emenda, e ela vai mais um pouco para<br />

diante. Um, dois, três anos depois para de novo. Cada<br />

solução de um encalhe destes equivale verdadeiramente<br />

a uma espécie de conversão. E tanto é conversão — neste<br />

sentido da palavra — do indivíduo que deixa o zigue-zague<br />

entre o estado de pecado mortal e o estado de graça,<br />

como daquele que está vazio, embora não sujo, e sente a<br />

necessidade de se encher de virtudes que não possui.<br />

Então, no caso de quem estacionou a certa altura da<br />

vida espiritual, é mais uma conversão neste sentido: é<br />

preciso uma graça extraordinária, como Nosso Senhor<br />

dava a um paralítico que, de repente, começava a andar.<br />

Essa graça precisa ser pedida, e ela representa o desapego<br />

de algo de muito claro e muito obscuro, ao qual a pessoa<br />

estava apegada.<br />

É evidente que não podemos produzir essa graça por<br />

nosso próprio esforço, porque a graça<br />

é um dom criado e concedido por<br />

Deus, e não obtido por nós, mais ou<br />

menos como um isqueiro que tira de<br />

si mesmo a sua própria chama.<br />

É preciso pedir que Maria Santíssima<br />

nos obtenha de Nosso Senhor<br />

essa graça. Portanto, nesses estados<br />

Nossa Senhora quer deixar bem clara<br />

a necessidade do sobrenatural.<br />

Durante muito tempo, por nós<br />

mesmos, nada conseguimos. Pedimos<br />

para Ela e, de repente, obtemos. Quer<br />

dizer, Ela pode levar mais tempo ou<br />

menos para dar, mas quando Ela concede,<br />

o faz de uma vez, rapidamente,<br />

de um modo impressionante.<br />

Esse tipo de graça, como a cura<br />

que Nosso Senhor realizava nos paralíticos,<br />

ao dizer a um homem “levanta-te<br />

e anda”, e ele saía caminhan-<br />

24


É preciso pedir que<br />

Maria Santíssima nos<br />

obtenha de Nosso<br />

Senhor essa graça.<br />

Portanto, nesses<br />

estados, Nossa<br />

Senhora quer deixar bem<br />

clara a necessidade do<br />

sobrenatural.<br />

Gebhard Fugel<br />

Curas milagrosas de Jesus - Galeria<br />

Fähre, Bad Saulgau (Alemanha)<br />

do, Nossa Senhora também nos obtém, enquanto Auxílio<br />

dos Cristãos, para circunstâncias extraordinárias, para<br />

casos que não se resolvem de outro modo.<br />

Acho muito importante isto, porque conheço muitas<br />

almas boas que acabam desanimando na vida espiritual<br />

à força de rotina, de estagnação, petrificação e paralisação;<br />

ela se pergunta: “O que eu vou fazer daqui por diante?”<br />

Não se sabe.<br />

Pedindo a Nossa Senhora,<br />

Ela nos dá o auxílio<br />

Às vezes entra-se em alguma igreja e se vê certas beatas<br />

rezando. Tem-se a impressão de que podiam passar dois<br />

mil anos fazendo aquela oração, e não saíam daquele pouco<br />

de vida espiritual. Tudo direitinho, arranjadinho... Pode-se<br />

imaginar uma delas que, voltando para sua casa,<br />

ia ver um filho bêbado, ateu, cuidava dele; depois<br />

pegava uma imagenzinha de Nossa Senhora, fazia<br />

uma novenazinha, etc. Mas uma chama de uma virtude<br />

heroica, de algo de generoso, que convertesse,<br />

nada! E então, também nesse caso, desânimo, uma<br />

certa rotina, rodando no vácuo.<br />

Por que às vezes se encontra um bom católico<br />

parado? Porque não lhe ensinaram que seu estado<br />

tem uma solução, um remédio, e que o fato dele<br />

não encontrar a solução é a prova de que Nossa Senhora<br />

quer mostrar-lhe que a solução é só Ela. Sem<br />

Maria Santíssima, ele de fato não vai para a frente,<br />

pois está apegado, entalou, enrascou em qualquer<br />

coisa.<br />

Então, Nossa Senhora quer deixar bem claro que<br />

é preciso pedir-Lhe essa graça, e, pedindo, Ela dá;<br />

o sobrenatural resolve as dificuldades, é uma questão de<br />

espírito de Fé. Rogando empenhadamente, afincadamente,<br />

nós conseguimos.<br />

O título de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos é um<br />

incentivo para que nós peçamos, porque compreendemos<br />

que o próprio d’Ela é auxiliar. Então, se eu preciso<br />

de auxílio e encontro a Auxiliadora dos Cristãos, estou<br />

certo de ser atendido, porque o necessitado encontra seu<br />

alívio junto à auxiliadora. Se considerar que a auxiliadora<br />

é Mãe, terei certeza de ser atendido. Então, àqueles<br />

dentre nós que se encontram nesse estado, em qualquer<br />

estágio da vida espiritual, eu sugiro — não vou além de<br />

uma sugestão — que rezem apenas três Ave-Marias por<br />

dia, pedindo a Ela isto: que tenha a bondade, a condescendência,<br />

a misericórdia de intervir nesse estado, e intervenha<br />

logo para nos socorrer. Ou, então, uma oração<br />

Petr Magera<br />

25


De Maria nunquam satis<br />

Quanta coisa Nossa<br />

Senhora tem perdoado...<br />

Dessa forma, posso pensar:<br />

“Nunca se ouviu dizer... Será<br />

que Vós permitireis que a<br />

primeira vez seja comigo?”<br />

Capela da Madonna del Miracolo onde se<br />

deu a conversão de Ratisbonne<br />

Igreja Sant’Andrea delle Fratte,<br />

Roma (Itália); em destaque, o<br />

Pe. Afonso Ratisbonne<br />

Branor<br />

como o “Lembrai-Vos” pode ser sumamente útil para<br />

isso.<br />

Rezando essa prece, posso dizer: “Lembrai-Vos de<br />

que nunca se ouviu dizer que Vós abandonastes algum<br />

pecador. Ora, eu sou um pecador. Será que Vós ireis interromper<br />

dois mil anos de gloriosa assistência aos necessitados<br />

e abrir uma exceção para mim? Eu não acredito.”<br />

É uma linda expressão: “Lembrai-Vos”.<br />

Uma simples medalhinha amassada<br />

Quando nos lembramos de todo o rebotado que passou…<br />

E quanta coisa Nossa Senhora tem perdoado, de<br />

toda ordem, de todo jeito; uns judeus empedernidos como<br />

Ratisbonne 1 , bêbados, sem-vergonhas, canalhas, gente<br />

de toda ordem que Ela converte. Dessa forma, posso<br />

pensar: “Nunca se ouviu dizer... Será que Vós permitireis<br />

que a primeira vez seja comigo? Não é possível!” Eu,<br />

então, crio alento e toco para a frente.<br />

Eu li uma vez, num livro de vida espiritual, uma coisa<br />

muito bonita a respeito do auxílio de Nossa Senhora.<br />

Uma senhora, se não me engano da nobreza de Paris,<br />

possuía uma casa muito bem arranjada, em cuja sala de<br />

visitas havia um quadro com uma<br />

moldura bonita e, dentro, uma almofada<br />

de veludo e uma medalhinha<br />

muito comum, amassada.<br />

Um ou outro visitante que aparecia<br />

lá perguntava, às vezes, o que<br />

era aquele objeto inteiramente<br />

sem valor artístico, até estragado,<br />

no meio daquela sala tão faustosa e<br />

de tanto gosto. E a senhora contava<br />

o seguinte: “A essa medalhinha devo a<br />

vida e a conversão do meu filho. Ele era<br />

ateu, estava saindo de um mau lugar — ou<br />

bebendo, ou fazendo qualquer outra coisa má; enfim, se<br />

encontrava em estado de pecado — e houve um crime na<br />

rua; o projétil desviou-se e bateu no peito dele, chocando-se<br />

contra essa medalhinha.”<br />

Sabemos como, em geral, as medalhas de Nossa Senhora<br />

são frágeis, ultracomerciais, de alumínio, etc.<br />

E ela continuou: “O projétil está guardado junto com<br />

a medalha. Entortou e estragou a medalha, mas miraculosamente<br />

não matou meu filho. Ele teve um tal golpe,<br />

que se converteu. E este grande milagre merece bem que<br />

eu tenha estes objetos expostos aqui.”<br />

Vemos, assim, a bondade de Nossa Senhora por um tipo<br />

que, sendo morto por um disparo, iria para o Inferno,<br />

pois estava ofendendo a Ela naquele momento. Para esse<br />

sujeito, Ela realiza um milagre esplêndido.<br />

Então: “Lembrai-Vos de mim também que não estou<br />

fazendo uma coisa horrorosa, não estou pecando, mas<br />

vilmente encalhado, bestamente encalhado, e não há o<br />

que me desencalhe. Disto eu estou farto de saber e compreendo<br />

que só Vós me podeis desencalhar; fazei-me este<br />

favor, desencalhai-me!” É um pensamento que só po-<br />

26


de nos alentar e ser um incentivo para nossa novena de<br />

Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

Tardando em nos atender, Maria Santíssima<br />

nos concede superiores benefícios<br />

Auxiliadora dos Cristãos - Basílica de<br />

Maria Auxiliadora, Turim (Itália)<br />

Quando consideramos os auxílios da Virgem Maria,<br />

vemos que é uma verdadeira graça o fato de Ela dignar-<br />

-Se estabelecer conosco relações pelas quais atende pequenos<br />

pedidos, quase que diríamos pequenas intenções,<br />

como se fossem pequenos carinhos maternos da parte<br />

d’Ela. Sem dúvida, é uma graça que devemos reputar como<br />

muito preciosa.<br />

Entretanto, não devemos nos espantar quando o auxílio<br />

de Nossa Senhora tarda. Muitas vezes Ela demora<br />

a atender exatamente nas grandes graças, que Ela quer<br />

que peçamos muito.<br />

Em geral, em toda a vida de uma pessoa muito devota<br />

de Maria Santíssima, assim como existem as graças que<br />

Ela dá logo, há também umas duas, três, quatro ou cinco<br />

que Ela concede demorando enormemente, e essas<br />

são as almas que Nossa Senhora mais ama, pelas quais,<br />

dentro de um rosário de graças facilmente concedidas,<br />

Ela coloca algumas muito difíceis. E em geral as graças<br />

que Ela ama mais são as de caráter espiritual. Às vezes, é<br />

uma graça de caráter temporal cujo retardamento vai ter<br />

um sentido espiritual.<br />

Contaram-me o caso de uma senhora protestante,<br />

convertida à Religião Católica, a qual tinha muita vontade<br />

de ser devota de Nossa Senhora. Leu São Luís Maria<br />

Grignion de Montfort, convenceu-se de ser aquela a<br />

verdadeira devoção, mas não conseguia ter uma devoção<br />

que não fosse puramente teórica em relação à Santíssima<br />

Virgem.<br />

Ela passou dez anos rezando todos os dias afincadamente,<br />

para ter uma devoção viva a Nossa Senhora. Ao<br />

cabo desse tempo, ela a obteve de modo supereminente.<br />

Quer dizer, há certos retardamentos da providência<br />

de Nossa Senhora, enquanto Auxílio dos Cristãos, em<br />

que Ela concede mais tardando do que dando logo. E isso<br />

em parte porque se Maria Santíssima atendesse todos<br />

os nossos pedidos imediatamente, a Terra se transformava<br />

num paraíso e os sofrimentos desapareciam. Ora,<br />

umas das maiores graças que Nossa Senhora nos dá são<br />

as cruzes, os sofrimentos. E muitas vezes Ela tarda para<br />

nos dar a graça e o mérito do sofrimento.<br />

É preciso também acrescentar que algumas vezes a<br />

Santíssima Virgem tarda para provar a nossa Fé, quer dizer,<br />

para nos desenvolvermos na Fé e na confiança; e depois<br />

Ela nos dá essas graças de modo supereminente.<br />

Por isso, se há alguma alma que esteja esperando muito<br />

tempo para receber uma graça, ela não deve considerar<br />

isso como uma recusa de Nossa Senhora, mas como<br />

uma promessa de que, se pedir muito, essa graça lhe será<br />

dada com uma abundância extraordinária.<br />

Na novena de Nossa Senhora Auxiliadora, que, enquanto<br />

Auxiliadora, é dadivosa e distribuidora de graças,<br />

devemos pedir que, assim como Ela tem pena das almas<br />

do Purgatório e abrevia seus tormentos, na medida em<br />

que convenha às nossas almas, condescenda em abreviar<br />

também essas grandes demoras, e nos dê aquilo que nós<br />

queremos, sobretudo para a nossa vida espiritual. v<br />

(Extraído de conferências de 21/5/1964,<br />

17/5/1966 e 18/5/1966)<br />

1) Afonso Tobias Ratisbonne, convertido milagrosamente à<br />

Religião Católica ao presenciar uma aparição de Nossa<br />

Senhora. Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 46, p. 6-9; n. 94, p. 24-29.<br />

Gustavo Kralj<br />

27


santiebeati.it<br />

C<br />

alendário<br />

São Pancrácio<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. São José Operário.<br />

São Jeremias, profeta. Prenunciou a destruição da Cidade<br />

Santa e a deportação do povo judeu. Sofreu muitas<br />

tribulações, por isso a Igreja o considerou como figura de<br />

Cristo padecente.<br />

2. Santo Atanásio,bispo e Doutor da Igreja (†373).<br />

Santo Antonino, bispo (†1459). Religioso dominicano,<br />

aplicou-se à reforma da Ordem promovida pelo Beato<br />

Raimundo de Cápua. Foi mais tarde nomeado Arcebispo<br />

de Florença.<br />

3. São Filipe e São Tiago Menor,Apóstolos.<br />

Beato Tomás de Olera, religioso (†1631). Capuchinho<br />

franciscano, grande mestre espiritual falecido em Innsbruck,<br />

Áustria. Foi beatificado no ano 2013, em Bergamo,<br />

Itália.<br />

4. III Domingo da Páscoa.<br />

Beato Ladislau de Gielniow,presbítero (†1505). Religioso<br />

franciscano falecido<br />

em Varsóvia, pregou<br />

com zelo a Paixão<br />

de Nosso Senhor<br />

e compôs piedosos hinos<br />

em seu louvor.<br />

5. Santo Avertino,<br />

diácono (†1189).<br />

Acompanhou São Tomás<br />

Becket no exílio<br />

e após a morte deste<br />

santo, regressou para<br />

Vençay, França, onde<br />

se fez ermitão.<br />

6. Santa Benedita,<br />

virgem (†séc. VI).<br />

Monja romana, de<br />

quem São Gregório<br />

Magno conta que, tal<br />

como pedira a Deus<br />

com insistência, morreu<br />

um mês após a<br />

morte de sua amiga<br />

predileta, Santa Gala.<br />

7. Beato Francisco<br />

Paleári, presbítero<br />

(†1939). Sacerdote do Instituto Cottolengo, dedicou sua<br />

vida ao ensino e ao cuidado dos pobres e enfermos da Pequena<br />

Casa da Divina Providência, em Turim, Itália.<br />

8. São Bento II, Papa (†685). Sucessor de Leão II, foi insigne<br />

pelo seu amor à pobreza, humildade, afabilidade, paciência<br />

e liberalidade nas esmolas.<br />

9. Beato Benincasa de Montepulciano,religioso (†1426).<br />

Religioso da Ordem dos Servos de Maria, retirou-se numa<br />

gruta do Monte Amiata, Itália, onde levou uma vida penitente.<br />

10. São Guilherme, presbítero (†1195). De origem inglesa,<br />

foi pároco em Pontoise, França, destacando-se por<br />

sua piedade e zelo das almas.<br />

11. IV Domingo da Páscoa.<br />

São Mamerto, bispo (†c. 475). Perante a eminência de<br />

uma calamidade, instituiu em Vienne, França, o tríduo solene<br />

de ladainhas e rogações antes da festa da Ascensão do<br />

Senhor.<br />

12. São Nereu e Santo Aquiles, mártires (†séc. III).<br />

São Pancrácio, mártir (†séc. IV).<br />

Santa Rictrudes, abadessa (†c. 688). Após a violenta<br />

morte de seu marido, aconselhada por Santo Amando,<br />

tornou-se religiosa e com sabedoria dirigiu o mosteiro de<br />

Marchiennes, França.<br />

13. Nossa Senhora de Fátima.<br />

Santo André Huberto Fournet,presbítero (†1834). Embora<br />

proscrito pelas autoridades civis durante a Revolução<br />

Francesa, continuou fortalecendo os fiéis na Fé. Fundou,<br />

junto com Santa Isabel Bichier des Âges, o Instituto das<br />

Filhas da Cruz.<br />

14. São Matias,Apóstolo.<br />

Santa Teodora Guérin, virgem (†1856). Religiosa da<br />

Congregação das Irmãs da Providência, na França. Enviada<br />

aos Estados Unidos para fundar uma nova comunidade,<br />

enfrentou as dificuldades, demonstrando caridade com<br />

suas irmãs de hábito.<br />

15. São Caleb ou Elesbão,rei (†c. 535). Para desagravar<br />

os mártires de Nagran empreendeu o combate contra<br />

os inimigos de Cristo e, segundo a tradição, depois de ter<br />

enviado o seu diadema régio para Jerusalém, abraçou a vida<br />

monástica.<br />

28


––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />

16. São Simão Stock, presbítero<br />

(†1265). Ver página 30.<br />

Beato Miguel Wozniak, presbítero<br />

e mártir (†<strong>194</strong>2). Deportado<br />

da Polônia ao campo de concentração<br />

de Dachau, Alemanha, onde<br />

sofreu cruéis torturas antes de<br />

morrer.<br />

23. São Guiberto,monge (†962). Abandonando a carreira<br />

militar, construiu um mosteiro nas terras que possuía<br />

em Gembloux, Bélgica, e retirou-se ao Mosteiro<br />

de Gorze, França.<br />

24. São Simeão Estilita, o jovem, presbítero e<br />

eremita (†592). Durante 45 anos viveu sobre<br />

uma coluna no Monte Admirável, Síria. Escreveu<br />

vários tratados sobre a vida ascética.<br />

17. Beato João (Ivã) Ziatyk, presbítero<br />

e mártir (†1952). Religioso redentorista,<br />

que em tempo de perseguição<br />

foi enviado ao campo de concentração<br />

de Oserlag, Rússia, onde faleceu.<br />

18. V Domingo da Páscoa.<br />

São João I,Papa e mártir (†526).<br />

Santo Érico IX, rei e mártir<br />

(†1161). Enviou à Finlândia o Bispo<br />

Santo Henrique para propagar o<br />

Evangelho. Foi apunhalado por seus<br />

inimigos, enquanto participava da<br />

Santa Missa.<br />

santiebeati.it<br />

25. VI Domingo da Páscoa.<br />

São Gregório VII, Papa (†1085).<br />

São Beda, o Venerável, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†735).<br />

Santa Maria Madalena<br />

de Pazzi, virgem (†1607).<br />

26. São Filipe Néri,presbítero<br />

(†1595).<br />

São José Chang Song-jib,<br />

mártir (†1839). Farmacêutico<br />

coreano convertido à Fé cristã.<br />

Foi preso e morto em Seul após<br />

sofrer cruéis tormentos.<br />

19. Beato Rafael Luís Rafiringa, <br />

São Caleb<br />

religioso (†1919). Religioso lassalista,<br />

que, convertido do paganismo, manteve a presença e a vitalidade<br />

da Igreja em Madagascar quando todos os sacerdotes<br />

tinham sido expulsos.<br />

20. São Bernardino de Siena,presbítero (†1444). Ver página<br />

2.<br />

Beata Colomba de Rieti, virgem (†1501). Nascida de família<br />

nobre em Perúgia, Itália, fez-se religiosa da Congregação<br />

das Irmãs da Penitência de São Domingos e promoveu<br />

a paz entre as facções em conflito nessa cidade.<br />

21. São Cristóvão Magalhães,presbítero, e companheiros,<br />

mártires (†1927).<br />

São Carlos Eugênio de Mazenod, bispo (†1861). Fundador<br />

do Instituto dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada,<br />

em Aix-en-Provence, França, sendo depois eleito<br />

Bispo de Marselha.<br />

22. Santa Rita de Cássia, religiosa (†c. 1457).<br />

Beato João Forest, presbítero e mártir (†1538). Religioso<br />

franciscano, queimado vivo no reinado de Henrique<br />

VIII na Inglaterra, por defender a unidade católica.<br />

27. Santo Agostinho de Cantuária,<br />

bispo (†604/605).<br />

São Gonzaga Gonza, mártir (†1886). Servo do rei da<br />

Uganda, traspassado pela lança de um verdugo quando<br />

era conduzido acorrentado para a fogueira.<br />

28. São Justo de Urgel,bispo (†séc. VI). Bispo de Urgel,<br />

Espanha, que escreveu um comentário alegórico do<br />

“Cântico dos Cânticos” e tomou parte nos concílios hispânicos.<br />

29. Santa Úrsula Ledóchowska, virgem (†1939). Nobre<br />

polonesa, fundadora do Instituto das Irmãs Ursulinas do<br />

Coração Agonizante de Jesus. Morreu em Roma.<br />

30. São José Marello, bispo (†1895). Bispo de Acqui, no<br />

Piemonte, Itália, fundador da Congregação dos Oblatos de<br />

São José.<br />

31. Visitação de Nossa Senhora.<br />

Beato Nicolau Barré, presbítero (†1686). Professor de<br />

teologia e fundador em toda a França das Escolas Cristãs<br />

e da Caridade, bem como das Irmãs Mestras do Menino<br />

Jesus.<br />

29


Hagiografia<br />

São Simão Stock recebe a<br />

libré de Nossa Senhora<br />

No momento em que tudo parecia<br />

perdido para a Ordem do Carmo,<br />

Maria Santíssima aparece a São<br />

Simão Stock e lhe concede o<br />

Escapulário, assegurando, assim,<br />

o florescimento e desenvolvimento<br />

da Ordem no Ocidente, e sua<br />

continuidade até os nossos dias.<br />

Hoje é festa de São Simão Stock, confessor. Ele<br />

era da mais alta nobreza da Inglaterra, e foi<br />

Prior Geral da Ordem do Carmo. Recebeu o<br />

Santo Escapulário das mãos de Nossa Senhora, como sinal<br />

da predileção d’Ela pela Ordem. Deu o primeiro grande<br />

impulso à vida contemplativa carmelitana. Século XIII.<br />

Ponte desde os primórdios da devoção<br />

mariana até o fim do mundo<br />

A respeito de São Simão Stock e da Ordem do Carmo,<br />

é preciso termos bem em mente a importância da obra<br />

deste santo numa linha muito alta das coisas, para compreendermos<br />

bem quão grata nos deve ser a festa que<br />

hoje se comemora.<br />

Tendo o Profeta Elias fundado os antecedentes da Ordem<br />

do Carmo, esta representou o primeiro filão da devoção<br />

marial no mundo. Elias simboliza o extremo da devoção<br />

a Nossa Senhora e lutará, no fim do mundo, contra<br />

o Anticristo e contra os últimos inimigos de Nosso Senhor.<br />

E constitui, portanto, uma espécie de ponte, desde o<br />

início da devoção a Maria Santíssima, séculos antes d’Ela<br />

ter nascido, até a luta contra os últimos inimigos de Nossa<br />

Timothy Ring<br />

São Simão Stock - Igreja dos Carmelitas, Lima (Peru)<br />

30


Senhora, que estarão acabando com o Reino<br />

de Maria, e contra os quais vai lutar<br />

precisamente Santo Elias.<br />

Compreende-se, portanto, a<br />

importância dessa ponte que<br />

se estabelece desde os primórdios<br />

da devoção mariana<br />

até o fim do mundo,<br />

e dessa continuidade,<br />

para o espírito<br />

contrarrevolucionário<br />

e para a verdadeira<br />

piedade marial.<br />

Ordem do Carmo<br />

transformada<br />

em destroços<br />

Consideremos a emergência<br />

diante da qual São Simão<br />

Stock foi levado a realizar<br />

o seu apostolado.<br />

Tinha havido as invasões dos<br />

sarracenos, e a Ordem do Carmo,<br />

que existia no Oriente, estava perseguida,<br />

enxotada e muitos religiosos<br />

passaram a viver no Ocidente.<br />

Mas no Ocidente eles não se aclimatavam. Havia indiferença<br />

para com eles, não se compreendia o que eram,<br />

e estavam meio dispersos. São Simão Stock era o Geral<br />

deles, mas não exercia uma autoridade efetiva sobre<br />

uma Ordem propriamente constituída; podemos dizer<br />

que a Ordem do Carmo estava transformada em destroços<br />

que boiavam sobre um mar revolto, e não era mais<br />

um navio, com uma estrutura jurídica coesa e uniforme,<br />

capaz de conservar um espírito, de promovê-lo e transmiti-lo<br />

à posteridade.<br />

E foi nessa situação que ele, rezando a Nossa Senhora<br />

com muita devoção, pediu que Ela não deixasse morrer<br />

a Ordem do Carmo.<br />

No auge dessa aflição em que se encontrava o santo,<br />

a Mãe de Deus lhe apareceu e deu-lhe o Escapulário do<br />

Carmo. Não é propriamente esse bentinho que se usa<br />

comumente, mas aquele escapulário grande, à maneira<br />

de uma libré, que se colocava sobre a túnica.<br />

Tratava-se de uma época em que ainda se usava muito<br />

a túnica, como traje civil comum. E os homens que pertenciam<br />

a alguém vestiam, por cima de sua túnica, uma<br />

espécie de túnica menor — com a forma do atual escapulário<br />

do Carmo — a qual indicava, pela cor e por outras<br />

características, o senhor a quem aquele homem servia.<br />

Portanto, a Virgem Santíssima indicou aquela veste<br />

Nossa Senhora entrega o Escapulário<br />

a São Simão Stock - Igreja Nossa<br />

Senhora de Bonneval, França<br />

como libré d’Ela, que os carmelitas deveriam<br />

portar sobre a batina.<br />

Depois dessa intervenção de<br />

Nossa Senhora, a Ordem do<br />

Carmo começou a florescer<br />

e a se desenvolver extraordinariamente<br />

no<br />

Ocidente. E para falar<br />

apenas em três frutos<br />

desta Ordem, citemos<br />

Santa Teresa de<br />

Ávila, São João da<br />

Cruz e Santa Teresinha<br />

do Menino Jesus.<br />

Quer dizer, três<br />

sóis no firmamento da<br />

Igreja.<br />

Lição de confiança<br />

Entretanto, mais do que isso<br />

— e não hesito em afirmar que é<br />

mais —, assegurou a continuidade<br />

da Ordem até os nossos dias. Foi,<br />

portanto, uma missão enorme que<br />

esse santo cumpriu.<br />

Ele foi o traço de união entre a<br />

vida ocidental e a vida oriental da Ordem. E no momento<br />

em que, nessa espécie de istmo entre esses dois continentes<br />

históricos, a Ordem se adelgaçava a ponto de parecer<br />

sumir, precisamente nesse momento, Maria Santíssima<br />

intervém para salvar e dar muito mais do que havia<br />

antes. A Ordem teve, no Ocidente, uma prosperidade<br />

muito maior do que tivera no Oriente.<br />

Nas obras que Nossa Senhora ama, as coisas podem<br />

chegar a ponto de se despedaçarem, se estraçalharem<br />

quase completamente. Tudo parece perdido, mas é o<br />

momento que Ela reserva para intervir.<br />

As grandes intervenções de Deus são precedidas por<br />

uma fase onde tudo parece destruído, para ficar inteiramente<br />

claro que nenhum socorro humano adianta de nada.<br />

Depois de provado que tudo quanto era humano fracassou,<br />

na hora da desolação e do caos, Deus intervém,<br />

por meio de Nossa Senhora, e salva a situação. Foi o que<br />

se deu com a história da Ordem do Carmo. Ou seja, uma<br />

lição de confiança magnífica dada para todos os carmelitas<br />

no decurso dos séculos.<br />

Vamos, então, nos recomendar hoje a São Simão<br />

Stock.<br />

v<br />

Roland<br />

(Extraído de conferência<br />

de 16/5/1966)<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Um palácio<br />

digno e<br />

nobre<br />

Alma voltada para as coisas<br />

mais elevadas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

procurava sempre o<br />

maravilhoso. No Palácio dos<br />

Campos Elíseos ele via o<br />

maravilhoso na mediania,<br />

no equilíbrio e na harmonia.<br />

Mas discernia o que existe<br />

de revolucionário nesse<br />

edifício: uma solicitação<br />

para o gozo da vida, fator de<br />

amolecimento das almas.<br />

Paulo Miguel<br />

Farei alguns comentários sobre o Palácio dos Campos<br />

Elíseos 1 . Obedecendo ao princípio de pôr em<br />

realce também o óbvio, eu queria mostrar o seguinte:<br />

nele há um maravilhoso, o qual é feito — e aqui<br />

está o segredo do Palácio — de elementos que de si não<br />

conduzem ao maravilhoso. É a harmonia desses elementos<br />

que dá o maravilhoso.<br />

Cada mansarda é uma obra-prima<br />

Todos naturalmente notam que o Palácio é muito simétrico:<br />

ele tem um corpo central com duas galerias,<br />

uma inferior e outra superior. Na galeria de baixo, os arcos<br />

são um pouquinho mais largos — e também mais ornados<br />

— do que os da galeria de cima. Na galeria de baixo<br />

há uma espécie de moldura em torno de cada arco,<br />

tendo bem no centro um elemento decorativo que não<br />

existe em cima.<br />

Em baixo, entre os arcos, existem medalhões de faiança,<br />

que em cima são substituídos por outras aplicações<br />

de cimento ou qualquer coisa assim, mas muito mais modestos.<br />

Um espírito banal diria que o Palácio ficaria muito<br />

mais bonito se ele fosse tão belo em cima quanto em baixo.<br />

Mas perderia completamente. O segredo está exatamente<br />

num certo equilíbrio, por onde a parte de baixo<br />

32


parece suportar comodamente a parte de cima que já se<br />

perde um pouco no irreal; ela é mais imprecisa, menos<br />

nítida do que a parte de baixo. Essa ideia é acentuada<br />

ainda mais pelas três mansardas que são, cada uma, uma<br />

verdadeira obra-prima. Essas mansardas, por assim dizer,<br />

repetem de um modo já meio irreal a galeria.<br />

Edifício sólido, mas tendente para o alto<br />

De um lado e de outro há dois corpos de edifício<br />

que se projetam ligeiramente para a frente, mas o mesmo<br />

princípio está adotado aqui, quer dizer, a projeção é<br />

muito maior em baixo do que em cima. Na parte superior,<br />

o destaque é muito pequeno; em baixo, é bastante<br />

acentuado. De maneira que para compreendermos toda<br />

a harmonia existente aqui, deveríamos imaginar como<br />

seria o Palácio sem essas caixas embaixo. Ele não ficaria<br />

completamente lambido?<br />

Vejam como tudo é bem estudado, e aqui se desmente<br />

a regra, pois as janelas de cima são mais ornadas do que<br />

as de baixo.<br />

Então, alguém poderia me perguntar: “Por que essas<br />

janelas não pesam?” Porque elas têm essa caixa na frente,<br />

que aguenta o peso do ornato maior. Imaginem que<br />

essas janelas de cima não fossem mais ornadas, porém<br />

iguais às outras; o Palácio não perderia muito?<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Então, essa discreta harmonia do Palácio é feita em<br />

mil equilíbrios.<br />

Considerem as mansardas. Cada um<br />

desses corpos tem apenas uma mansarda.<br />

Comparem com as outras; é a mansarda<br />

do centro ampliada, mas uma ampliação<br />

esplendidamente harmônica<br />

com o tamanho do terraço e da parte situada<br />

embaixo.<br />

Todas elas — para dar a ideia de que<br />

se perdem no ar — têm três bolinhas em<br />

três suportes em cima, que é o voo que<br />

o edifício toma, de maneira que temos a<br />

impressão de um edifício sólido, assentado<br />

na terra, mas tendente para o alto.<br />

Não tem nada de angélico como um<br />

prédio gótico, mas como o homem é um<br />

misto de alma e corpo, há muita alma nesse<br />

corpo. Não é pura alma como no castelo<br />

de Saumur, por exemplo, mas tem muita<br />

alma dentro desse corpo, donde agora se<br />

explica o que para mim é o encanto do Palácio:<br />

ele não é grande nem pequeno; é médio.<br />

Ele não é riquíssimo, não é pobre; é digno.<br />

Ele não é faustoso nem esplendoroso; é<br />

nobre.<br />

Equilíbrio e harmonia<br />

Quer dizer, é um Palácio que nos dá tudo quanto<br />

pode haver de maravilhoso na mediania, no equilíbrio<br />

e na harmonia, e representa, nesse sentido, um<br />

valor absoluto. Poder-se-ia dizer que é um exemplo<br />

de Harmonia com “H” maiúsculo, porque tudo<br />

quanto é sensacional foi eliminado do Palácio. Mas<br />

ele, de si, é sensacional. Quando o olhamos, pelo menos<br />

a mim, ele se afigura sensacional.<br />

Esta sensação, creio que a luz dourada, se estivesse<br />

bem focalizada, realçaria enormemente. Ele toma<br />

um ar de harmonia de sonho, de conto de fadas nessa<br />

visão, e é um dos aspectos do Palácio de que eu gosto<br />

muito.<br />

Vou fazer uma comparação prosaica: já imaginaram o<br />

Palácio sem aquele portal do lado direito de quem olha?<br />

Pareceria uma cara sem a orelha direita, porque do lado<br />

esquerdo há outro portal. E ficaria uma coisa que terminaria<br />

bruscamente.<br />

Vejam como aquela “orelha” está bem posta: o tamanho,<br />

a largura, mas não visa fazer sensação. Uma pessoa<br />

de espírito dito moderno faria uma superentrada com<br />

um lustre pendurado. Ele não teria percebido nada, porque<br />

é esta leveza discreta — de mãe de família adornada<br />

com gala, e não como mulher leviana — que constitui<br />

o charme do Palácio. Eu acho que o Palácio é maravilhoso<br />

pelo charme.<br />

Uma coisa bonita é o abaulado do terraço.<br />

O modo de se perceber a razão de ser de uma coisa é<br />

imaginar que ela não estivesse ali. Então, imaginem o teto<br />

chato clássico; ele não tiraria algo do Palácio?<br />

Olhem os medalhões e as cerâmicas: que azul bonito!<br />

E ouro sobre azul é a combinação francesa... São muito<br />

bonitos e têm categoria.<br />

34


Vida de seriedade, de pensamento e de ação<br />

Esse Palácio é feito para se levar uma vida de seriedade,<br />

de pensamento e de ação. Se morar aí um indivíduo<br />

que não for um homem de ação, ele apodrece dentro do<br />

Palácio. Tem que ter responsabilidade: é um Palácio para<br />

um governo. Responsabilidades gravíssimas, conselhos<br />

de Estado apertadíssimos, profundos pensamentos, planos<br />

políticos.<br />

Aqui se faria uma preparação para uma guerra justa,<br />

longe da rua e do barulho, uma coisa magnífica: “Ataco<br />

assim ou não? Onde é a moleira do adversário? Qual o<br />

modo e a hora de dar o golpe?”<br />

É preciso entender o que é a doutrina de governo,<br />

que entra dentro disso. Governo não é<br />

principalmente viajar, nem tomar contato com<br />

Thiago Geraldo<br />

Regina Kalman<br />

muita gente, mas estar informado, coordenar dados<br />

e chamar pessoas.<br />

Imaginem, numa manhã, um homem muito reflexivo<br />

neste Palácio, em seu escritório dando para<br />

as árvores, janelas abertas, tudo tranquilo, e ele<br />

está fazendo os seus planos. Planejar é o auge. Aí<br />

dá para rezar, fazer meditação, etc.; uma verdadeira<br />

maravilha.<br />

Podemos medir em que atoleiro nós estamos,<br />

porque isso no Reino de Maria não poderia existir.<br />

Nesse Palácio há Revolução. Estou apontando<br />

os lados positivos, mas isso é cheio de lados negativos.<br />

Entre outros, uma solicitação contínua do gozo<br />

da vida que amolece, e que nós não devemos<br />

tolerar.<br />

Tenho medo desse estilo, porque o convite<br />

para o gozo da vida existe, embora precisemos<br />

saber ver o que ele tem de bonito.<br />

Notem como há uma proporção entre um<br />

arco e o conjunto da fachada. Depois, entre a<br />

altura do arco, e o que resta da altura do edifício.<br />

E a porta de dentro, e até de uma portinha;<br />

porque essa portinha é indispensável. Se<br />

fosse tudo pedra, ficava pesadão.<br />

Esse embasamento tem exatamente a altura<br />

necessária para se perceber que ele existe e<br />

para acentuar a ideia de que o Palácio flutua.<br />

Esse Palácio, apesar de muito sério, é muito<br />

leve. Ninguém poderá dizer: “esse pastelão”.<br />

Gosto muito desse Palácio.<br />

Esses prédios antigos têm lugares que nos<br />

convidam a estar olhando e pensando fixamente,<br />

sem sair. Naquela balaustradazinha,<br />

por exemplo, poderíamos ficar olhando o jardim<br />

maior e, por uma boa meia hora, estar<br />

pensando em tudo e em nada, e quando sairmos,<br />

muitas ideias estarão mais maduras. É desse modo<br />

que se matura. Assim como existe adega para guardar e<br />

decantar vinho, isso é para guardar e decantar gente. É<br />

“adega” de gente.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 12/5/1974)<br />

1) Situado na Av. Rio Branco, bairro Campos Elíseos, em São<br />

Paulo. Foi sede do Governo de 1915 a 1965.<br />

35


Pentecostes<br />

Igreja Nossa Senhora<br />

do Bom Socorro,<br />

Montreal (Canadá)<br />

M<br />

Rainha dos Apóstolos<br />

aria Santíssima possuía uma plenitude de vida espiritual<br />

que atingiu novo auge em Pentecostes, quando baixou<br />

sobre Ela o fogo do Espírito Santo, e depois se distribuiu para<br />

todos os Apóstolos. Toda a graça que há na Igreja vem por meio<br />

d’Ela. Portanto, podemos conceber o incomparável valor que há<br />

na vida interior de Nossa Senhora, como causa e fecundidade do<br />

apostolado d’Ela. Por isso, Ela é chamada Rainha dos Apóstolos.<br />

(Extraído de conferência de 23/2/1990)<br />

François Boulay

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