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Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />
Reino de Maria<br />
nos corações
Olhar de fogo, grandeza e seriedade<br />
S<br />
ão Bernardino de Siena foi quem<br />
popularizou a devoção ao Santíssimo<br />
Nome de Jesus. Não foi tanto um<br />
homem de estudos quanto um pregador,<br />
que reunia em torno de si multidões<br />
imensas, em praças muito grandes.<br />
Quando ele falava, a multidão ia<br />
se deslocando conforme o vento, para<br />
ouvir suas palavras. Notem seu rosto<br />
sério, do homem que se sente revestido<br />
de uma missão divina, chamado a<br />
dizer verdades duríssimas aos seus contemporâneos,<br />
e que as disse de fato.<br />
Ele está cumprindo sua missão; e as<br />
brasas estarão acumuladas sobre a cabeça<br />
de quem não o ouvir. É uma alma povoada<br />
de ideias, de convicções a respeito<br />
da transcendência e da perfeição infinita<br />
de Deus, e do alto destino eterno.<br />
Vejam como tudo está bem apanhado<br />
neste olhar de fogo. Não há clima para<br />
conversar com ele sobre bagatelas.<br />
Quanta grandeza e seriedade!<br />
Amadalvarez<br />
(Extraído de conferência de 1965)<br />
São Bernardino de Siena<br />
Museu da Catedral, Barcelona (Espanha)<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />
Ano XVII - Nº <strong>194</strong> Maio de 2014<br />
Reino de Maria<br />
nos corações<br />
Na capa, imagem de<br />
Nossa Senhora de<br />
Fátima na “Sala do<br />
Reino de Maria”.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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INSC. - 115.227.674.110<br />
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Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
Editorial<br />
4 Reino de Maria nos corações<br />
Dona Lucilia<br />
6 Amiga da Cruz<br />
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
9 A rainha dor e a irmã alegria<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
10 Os Anjos, o natural e o sobrenatural<br />
Reflexões teológicas<br />
16 A felicidade celeste - I<br />
De Maria nunquam satis<br />
22 Poderoso auxílio em todas as dificuldades<br />
Calendário dos Santos<br />
28 Santos de Maio<br />
Hagiografia<br />
30 São Simão Stock recebe a libré<br />
de Nossa Senhora<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Um palácio digno e nobre<br />
Última página<br />
36 Rainha dos Apóstolos<br />
3
Editorial<br />
Reino de Maria<br />
nos corações<br />
N<br />
uma época tão marcada pela incerteza a respeito do futuro da humanidade, o mês dedicado a Maria<br />
nos coloca novamente diante da necessidade do reinado desta misericordiosa Mãe, na Terra.<br />
O que falta para que este Reino de Maria seja instaurado?<br />
Como afirmava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 1 , a resposta a esta crucial indagação encontra-se no coração humano, e dependerá<br />
sempre do auxílio de Nossa Senhora.<br />
A Civilização Cristã é possível ou não?<br />
O reinado de Nossa Senhora pelo qual, gota a gota, estamos dando a nossa vida, é realizável e vem<br />
ao nosso encontro como nós caminhamos ao encontro dele? Existirá alguma vez na Terra isto que,<br />
no momento, se nos afigura como uma miragem maravilhosa chamada Reino de Maria? Ou é preciso<br />
reconhecer que o mundo é do demônio?<br />
Primeiramente, consideremos o que se entende por Reino de Maria.<br />
Ele será o conjunto de homens, de coisas que se conformarão com a Lei de Deus, porque Maria só<br />
é Rainha onde Deus é Rei. O Reino de Cristo é, evidentemente, o Reino de Deus; o Reino de Maria<br />
é o Reino de Cristo.<br />
Ora, o Reino de Maria, o Reino de Deus, o que são?<br />
Essas expressões tão bonitas só têm sentido se as considerarmos como uma era futura, de luz e de<br />
glória, na qual, não digo cada homem individualmente, mas a generalidade dos homens viverá em estado<br />
de graça, cumprindo a Lei de Deus.<br />
E, portanto, o Reino de Maria se compõe de dois elementos essenciais. Um interno: se amará a Deus e<br />
se cumprirão os Dez Mandamentos; e outro, externo: como consequência, as famílias, as associações, as<br />
instituições, as áreas de civilização, tudo isso se organizará de acordo com o pensamento da Santa Igreja.<br />
Põe-se, então, o problema-chave: a Lei de Deus é admiravelmente bela, os Dez Mandamentos<br />
são lindos, mas dificílimos de serem cumpridos duravelmente na sua integridade. Porque são muito<br />
grandes a atração do pecado e a preguiça do homem em realizar os esforços necessários para evitar<br />
as ocasiões de pecar. Habitualmente, quando uma circunstância concreta tenta alguém, o demônio<br />
acrescenta a essa ação natural uma tentação dele.<br />
Como se pode evitar uma queda? Se ela não for evitável, a Civilização Cristã é uma quimera!<br />
De fato, se Deus enviar sua graça e os homens quiserem corresponder a ela, não pecarão e permanecerão<br />
na amizade d’Ele.<br />
Trava-se em nós, portanto, uma batalha constante entre o demônio — que exerce sobre nós uma<br />
ação preternatural para nos levar ao estado de criatura coberta de pecados — e Deus, que quer nos<br />
levar para o Céu, e para isso nos eleva à ordem sobrenatural, nos protege e ajuda.<br />
Assim, o pêndulo de nossa vontade está continuamente convidado por Deus para subir e pelo demônio<br />
para descer.<br />
A Civilização Cristã fica dependendo, em última análise, da correspondência que o homem dê à graça<br />
de Deus.<br />
4
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma palestra em 1994.<br />
À sua frente, sobre uma banqueta,<br />
uma coroa simbolizando<br />
a realeza de Nossa Senhora<br />
Então, a grande luta de nossa vida é, como leões,<br />
contra o demônio e contra aqueles que querem perder<br />
as pessoas. Devemos, pois, fazer todo o possível para<br />
que não pequemos e as outras almas sejam salvas.<br />
O homem que se preocupe somente com sua alma<br />
e não com a salvação das outras, está fora da Lei de<br />
Deus, porque o homem deve amar o seu próximo como<br />
a si mesmo por amor a Deus. Portanto, ele tem a<br />
obrigação de salvar os outros, e não pode ser indiferente<br />
a que alguém se perca.<br />
Se eu pedir, não só para mim, mas para os próximos<br />
a mim, para todo o gênero humano que se levantem<br />
como um só homem e passem a servir Maria,<br />
então terei lutado valentemente pela instauração do<br />
Reino de Maria.<br />
De posse dessas considerações, devemos pedir a<br />
Nossa Senhora que faça de nós almas de oração, de<br />
fogo, que “incendeiem” o mundo.<br />
Teremos, assim, a possibilidade — cada um dentro<br />
de si mesmo — de proclamar o Reino de Maria, e dizer:<br />
“Em mim, ó minha Mãe, Vós sois a Rainha, eu<br />
reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas<br />
ordens. Dai-me luz de inteligência, força de vontade,<br />
espírito de renúncia para que as vossas ordens<br />
sejam efetivamente obedecidas. Ainda que o mundo<br />
inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço.”<br />
E no mundo, nessa torrente de desordem, de pecado,<br />
há um brilhante puro, um brilhante adamantino.<br />
Esse brilhante é a alma daqueles que podem afirmar:<br />
“Em mim Nossa Senhora manda.”<br />
A Santíssima Virgem continua a ter, assim, uns<br />
enclaves no mundo: aqueles que, pela consagração, se fazem seus escravos e, reconhecendo todo o<br />
poder d’Ela sobre eles, declaram: “Esteja o mundo revoltado como estiver, eu me levanto e começo<br />
a Contra-Revolução, para que Ela reine sobre os outros também.”<br />
É o reinado de Nossa Senhora vista enquanto mandando em mim e fazendo de mim um soldado<br />
da Contra-Revolução, que luta para tornar efetiva a realeza de Maria na Terra.<br />
1) Cf. conferências de 31/5/1975 e 11/5/1994.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
5
Dona Lucilia<br />
Amiga da Cruz<br />
Quanto mais alguém tenta fugir da cruz, mais esta se<br />
torna pesada. A exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
Dona Lucilia amou a cruz de tal modo que o traço<br />
dominante de sua alma foi o de sofredora, e ajudava<br />
muitíssimo os outros a levarem suas cruzes.<br />
Pelas ingratidões e por várias coisas que Dona Lucilia<br />
sofreu, ia entrando no espírito dela a ideia de que a vida<br />
tomada a sério não era senão um grande carregar da<br />
cruz.<br />
Em nenhum momento das suas recordações — do que<br />
ela me contava de seu passado, ou que as fotografias indicam,<br />
ou que eu sei do passado da família —, ela teve a<br />
menor recusa da cruz. Mas a cruz ia se manifestando ca-<br />
Ao vermos as sucessivas fotografias que ficaram<br />
de Dona Lucilia, através das diversas idades,<br />
notamos que ela está com a fisionomia muito<br />
elevada, muito religiosa, mas sem sofrimento nem cruzes<br />
até uma certa época do início da juventude. Depois percebemos,<br />
de repente, haver uma mudança, e a fisionomia<br />
começa a se apresentar cada vez mais preocupada, marcada<br />
pela presença de um sofrimento que ela levou a vida<br />
inteira, uma cruz que a acompanhou até o fim.<br />
Nunca teve a menor recusa da cruz<br />
Dona Lucilia, em 1892 1906<br />
1912<br />
6
da vez maior do que ela imaginava. E nisso entrava uma<br />
certa surpresa, que ia cada vez mais fundo, mais fundo,<br />
mais fundo!<br />
Naturalmente, não posso contar muitas coisas, por estarem<br />
ligadas à história particular, privada, de uma família,<br />
da qual muitos vivem, outros morreram, mas é justo<br />
que eu proteja a memória deles. Tenho, portanto, que ficar<br />
em generalidades.<br />
Mas, em certo momento, vê-se que mamãe ficou pasma<br />
de ver quanto a cruz estava em sua vida. Ao mesmo<br />
tempo, ela era muito confortada pela ideia de que<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sofrido incomparavelmente<br />
mais, e com paciência e amor. E isso fazia muito<br />
bem a ela, e modelava o seu coração para sofrer dessa<br />
maneira.<br />
Assim, não só foi se delineando no perfil moral dela<br />
o traço dominante da sofredora, mas uma coisa paradoxal<br />
e muito bonita: por ser sofredora e compreendendo o<br />
sofrimento, tornou-se muitíssimo capaz de ajudar os outros<br />
a sofrerem. Então, tendo uma paciência com as situações,<br />
com as pessoas, uma coisa incalculável! Nunca<br />
resmungando, nunca protestando! Mas, com a resignação<br />
já feita até o fim de sofrer até o limite de arrebentar,<br />
e de compreender que o sentido da vida era a cruz.<br />
O sentido católico da vida<br />
Este é o sentido católico da vida. Por essa razão, em<br />
todas as nossas sedes eu gosto de pôr a cruz preta, seca,<br />
onde não está nem sequer o Crucificado, mas é a<br />
cruz pela cruz, com os instrumentos da Paixão nela pregados,<br />
para nos convencer de que devemos tomar a vida<br />
assim. E por mais desagradáveis, penosas — e às vezes<br />
dramáticas — que sejam as coisas que nos aconteçam,<br />
devemos ter paciência e prosseguir energicamente,<br />
sem nenhuma dúvida, sem nenhum espanto, porque<br />
é o sentido da vida.<br />
E as pessoas que, com ar muito alegre, querem nos<br />
iludir dizendo que a vida delas não é assim, mentem.<br />
Porque todo mundo tem que sofrer muito nesta vida.<br />
A vida é um vale de lágrimas, e a expressão diz muito:<br />
um vale. Para o vale confluem todos os cursos de<br />
água dos montes. E, portanto, todos os montes que cercam<br />
o vale da vida, são montes dos quais descem lágrimas,<br />
ou seja, a dor. A expressão é de São Bernardo:<br />
“vale de lágrimas”. Está na “Salve Rainha”, cujo autor<br />
foi ele.<br />
Devemos compreender que isso é assim, e que quanto<br />
mais quisermos fugir da cruz, mais nós vamos carregando<br />
uma cruz pesada. E que o único jeito de levarmos<br />
bem a vida é termos a resignação com a nossa cruz. Custe<br />
o que custar, seja o que for, é preciso aceitar o que veio,<br />
e tocar para a frente! Nossa Senhora nos dará forças, e se<br />
for de seu desejo Ela resolve o caso.<br />
E nesse sentido, é bom até nem gemer muito para os<br />
outros ouvirem. Mas suportar a cruz com uma naturalidade<br />
tal, que os outros nem suspeitem que a cruz esteja<br />
presente. Mas carregar a cruz é a nossa obrigação.<br />
1926<br />
1962 ou 1964<br />
1968<br />
7
Dona Lucilia<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na Argentina, em 1959<br />
Gravíssimo ataque do coração<br />
Isso Dona Lucilia cumpriu até o fim, passando por toda<br />
espécie de circunstâncias verdadeiramente penosas.<br />
Por exemplo, uma coisa de que me lembro: uns sete<br />
anos antes de mamãe morrer, eu estava em Buenos Aires,<br />
onde tinha ido fazer uma série de conferências. Por<br />
diversas razões, essa minha estadia em Buenos Aires tinha<br />
sido muito penosa.<br />
Afinal, chegou o último dia e eu disse para os meus<br />
companheiros: “Agora vamos jantar num bom restaurante<br />
francês que há em Buenos Aires, dando assim um fecho<br />
à viagem e podermos respirar, antes de voltarmos<br />
para o Brasil.” E assim fizemos.<br />
Quando voltei ao hotel, me diz o porteiro: “Há um telegrama<br />
para o senhor, de São Paulo.” Abro a correspondência,<br />
é um telegrama de minha irmã: “Mamãe mal à<br />
morte, com ataque de coração violentíssimo! Procuramos<br />
de todas as maneiras telefonar a você, mas os telefones<br />
de São Paulo a Buenos Aires, depois de tantas horas,<br />
estão interrompidos. Venha logo para pegá-la ainda<br />
com vida!”<br />
Podem imaginar minha aflição! Passei a noite em claro,<br />
tentei telefonar através do telefone do Exército argentino,<br />
para ver se conseguia ligação com o Exército<br />
brasileiro, mas não foi possível. Não havia aviões que<br />
partissem bem cedo de Buenos Aires para São Paulo.<br />
Então consegui um avião pequeno, particular, que às cinco<br />
horas da manhã levantava voo até Montevidéu, onde<br />
eu tomaria um avião muito mais rápido que me levasse<br />
diretamente a São Paulo. Foi o que eu fiz, em meio a<br />
uma pressão de alma tremenda, e com o pavor da chegada<br />
a São Paulo.<br />
Pouco depois de pousar o avião, vejo um de meus amigos<br />
que me faz um sinal com o braço, indicando estar tudo bem.<br />
Ao desembarcar, minha primeira pergunta foi: “Como vai<br />
mamãe?” Ele me disse: “Ela teve um ataque muito forte do<br />
coração, mas já melhorou, está passando bem, conversando<br />
normalmente. Os médicos estão pasmos do que houve com<br />
ela. Mas o senhor não se assuste, porque exatamente na hora<br />
do senhor chegar a seu apartamento, da casa do vizinho<br />
estará partindo um enterro. E nós temíamos que o senhor,<br />
chegando, pensasse ser o enterro dela. O senhor não se assuste,<br />
pois vai encontrá-la bem!”<br />
Agora vem o que interessa, pois se refere a ela. Um ataque<br />
gravíssimo do coração não passa assim rapidamente.<br />
Cheguei, encontrei-a na cama, conversando com minha irmã,<br />
minha sobrinha, pessoas da família. Não a beijei porque<br />
eu estava resfriadíssimo, mas enfim troquei toda espécie<br />
de carícias com ela. E fiquei sentado ali, continuando a<br />
conversa. Anoiteceu, e ela dormiu bem à noite.<br />
Mamãe melhorou tão rapidamente, que algum tempo<br />
depois eu vi o médico dela chegar para fazer um exame;<br />
auscultou seu coração e afirmou: “Mas não é possível!<br />
O coração dela está tão bom, que eu diria ser outra<br />
pessoa!” Percebia-se, pela serenidade dela, a resignação<br />
diante da morte. Ela viu bem que estava para morrer,<br />
mas concebeu a morte com total resignação. Era essa<br />
a posição dela perante a morte.<br />
Por estar habituada a ver o pior e a enfrentar o sofrimento<br />
com doçura, porque Deus assim queria, ela levou<br />
uma vida mais longa do que muitas outras pessoas. E levou-a<br />
com uma doçura e uma bondade de quem era realmente<br />
amiga da cruz!<br />
E devo dizer que isso me ajudou enormemente a<br />
aprender a sofrer.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 11/2/1990)<br />
8
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A rainha dor e a irmã alegria<br />
N<br />
as décadas de 20 e 30, eu percebia que havia duas linhas na Moral.<br />
Uma afirmava, no fundo, o seguinte: todo sofrimento é um<br />
mal, e tudo que se faz para eliminar a dor é um bem. Portanto,<br />
a virtude é uma batalha contínua contra toda espécie de sofrimentos.<br />
Outra linha dizia: toda regra posta por Deus é um bem, e tudo quanto<br />
é violação dessa regra é um mal. A virtude é a observância da Lei de<br />
Deus custe o que custar, tanto no impulso e na alegria da alma, como na<br />
dificuldade, na luta, na batalha. O que é mais belo: o homem virtuoso que,<br />
tomado por uma espécie de ventania onde sopra o que há de mais nobre nele,<br />
voa sem obstáculos interiores para a prática da virtude; ou o homem que, pelo<br />
contrário, sentindo as hienas e as cobras da oposição à Lei de Deus, freia, pisa e<br />
diz: “Eu cumprirei a lei divina!”? Ambas as coisas têm o apoio da Igreja.<br />
Mas não é aprovado pela Moral católica o pensamento de que todo bem<br />
consiste em evitar o sofrimento.<br />
Há ocasiões jubilosas da vida. Ocasiões em que a alma inteira voa para a<br />
virtude. Há ocasiões difíceis, em que o homem inteiro parece fugir da virtude<br />
e tem que se segurar a si mesmo pelo pescoço e dizer: “É assim! Custe o<br />
que custar e não tem conversa. Tem que ser assim!” E há uma conjugação<br />
harmoniosa de ambas as coisas, segundo os desígnios de Deus para cada<br />
alma. Às vezes, Deus envia o sofrimento do modo mais inesperado possível.<br />
Quando, nas ocasiões mais inesperadas, a dor bate à nossa porta, como devemos<br />
fazer? Ir solícitos de encontro a ela! Recebê-la como uma rainha, abrir largas as<br />
portas para ela e colocá-la num trono. Para quem tem Fé, ela não se chama<br />
“dor”, mas sim a “Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.<br />
Em sentido oposto, se a alegria irrompe, também devemos abrir-<br />
-lhe as portas. Mas se recebemos a dor como rainha, a alegria deve ser<br />
recebida como uma irmã: de maneira amável, agradável, prazenteira,<br />
dando graças a Nossa Senhora por receber a visita dessa irmã.<br />
Recebe-se a dor com coragem, e a alegria com este receio:<br />
Qual será minha atitude quando esta minha irmã me disser<br />
“adeus!”, desaparecer, e eu perceber, de repente, que houve<br />
uma mudança, e a dor está no lugar dela?<br />
A dor é ciumenta. Ela quer que eu pense nela até no<br />
momento de receber a visita da alegria.<br />
Não sei se a linguagem está muito metafórica, mas é assim:<br />
na hora da alegria eu tenho que me preparar para não<br />
fechar a porta para a dor. Na hora da dor eu não preciso me<br />
preparar para não fechar a porta para a alegria. A alegria<br />
eu sempre receberei bem. Eu não tenho que me preocupar.<br />
A questão é receber a dor .<br />
v<br />
Gustavo Kralj<br />
(Extraído de conferência de 26/2/1983)<br />
Cruz que encima o obelisco diante da<br />
Basílica de São Bartolomeu, Roma (Itália)<br />
9
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Os Anjos,<br />
o natural e o sobrenatural<br />
No homem, na História, na cultura dos povos, na arte e até<br />
mesmo nos panoramas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discernia a ação angélica, como<br />
se comprova nesta conferência. Fazendo explicitações luminosas<br />
sobre os Anjos, ele apresenta exemplos concretos que nos<br />
ajudam a compreender esse tema fundamental, bem como seu<br />
relacionamento com a Revolução e a Contra-Revolução.<br />
Ao criar os Anjos, Deus os dotou de uma capacidade<br />
de ação própria à natureza angélica, distinta<br />
da capacidade de ação sobrenatural, correspondente<br />
aos dons sobrenaturais que Ele haveria de lhes<br />
dar, como um acréscimo que teriam futuramente, num<br />
outro plano.<br />
Relacionamento entre seres congêneres<br />
O homem é tocável por<br />
essa ação natural dos Anjos,<br />
portanto tem um espírito<br />
sensível para entrar<br />
em comércio com eles<br />
dessa maneira. E precisaria<br />
ter isso porque, uma<br />
vez que Deus estabeleceu<br />
o universo, todos os seres<br />
mais ou menos congêneres,<br />
por causa da perfeição<br />
do universo, têm necessidade<br />
de poderem relacionar-se<br />
uns com os outros.<br />
Então, seria preciso<br />
que, independente de<br />
qualquer plano sobrenatural,<br />
houvesse toda uma<br />
ordem de relacionamento<br />
Mehlauge<br />
Coroação de Guilherme I, Rei da Prússia<br />
natural possível entre Anjos e homens, muito elevada, e<br />
atendendo a certas apetências naturais do homem, que<br />
não são iguais às apetências que ele tem do sobrenatural.<br />
Em consequência, este mundo angélico natural teria<br />
que ser sensível ao homem. E o homem, com um certo<br />
discernimento dos espíritos, poderia até perceber quando<br />
está entrando uma ação de caráter angélico natural,<br />
e uma ação de caráter angélico sobrenatural. E tornar-<br />
-se-ia capaz, em tese, com<br />
certo esforço, de imaginar<br />
como seria um mundo<br />
em que houvesse homens<br />
e Anjos, e não tivesse<br />
sido criado o sobrenatural.<br />
E distinguir isso de<br />
um mundo onde haja o<br />
sobrenatural, para efeito<br />
de ele compreender melhor<br />
tudo que o sobrenatural<br />
acrescentou à ordem<br />
natural.<br />
Por isso, todas essas<br />
distinções e o estudo dessas<br />
correlações, embora<br />
possam parecer muito árduos<br />
e quase impossíveis<br />
de se fazer em tese, são<br />
necessários.<br />
10
Mariordo<br />
Cataratas de Foz do Iguaçu<br />
Notas angélicas nas culturas da<br />
Alemanha e da Áustria<br />
Em certas obras de cultura europeias, sobretudo alemãs<br />
e francesas — naturalmente de modos diferentes na<br />
Alemanha e na França —, existe uma espécie de necessidade<br />
de, às vezes, apresentar um universo com uma perfeição<br />
angélica natural, e outras vezes com uma perfeição<br />
angélica, que eles podem dizer ou não dizer, mas é<br />
sobrenatural. E negar essa possibilidade de apresentar<br />
esse aspecto natural, é tapar a alma humana numa das<br />
suas manifestações.<br />
Por exemplo, estou lendo o livro no qual uma professora<br />
inglesa, governanta da única filha do Kaiser Guilherme II,<br />
conta suas memórias da corte da Alemanha, reconhecendo<br />
muita coisa bonita, louvável. Percebe-se que, em todo o<br />
aparato da corte alemã, havia uma tendência a apresentar o<br />
universo com uma beleza grande, verdadeira, apetecível ao<br />
homem, mas com uma nota angélica natural na ponta; enquanto<br />
que na Áustria, uma nota sobrenatural.<br />
E embora a res austriaca me pareça muito superior à<br />
res germanica 1 , esta última tem sua razão de ser, e o meu<br />
espírito se alegra em poder contemplar uma coisa distinta<br />
da outra. Porque faz parte da perfeição de Deus, enquanto<br />
Criador, ter criado as duas coisas distintas.<br />
Acho que era desígnio da Providência que certas partes<br />
da Alemanha, na linha da graça, fizessem sentir em<br />
harmonia com o sobrenatural um certo tonus natural. E<br />
que, no mundo germânico, o dom de fazer sentir o tonus<br />
sobrenatural fosse principalmente da Áustria. Donde as<br />
minhas mil predileções enlevadas pela Áustria. Mas um<br />
muito grande gosto da res prussiana.<br />
As cataratas de Foz do Iguaçu<br />
Riggwelter<br />
humano quase até a ponta de si mesmo. Não são coisas<br />
propriamente sobrenaturais, mas que estão em harmonia<br />
com o sobrenatural.<br />
É preciso ver bem o que se entende por sobrenatural<br />
aqui. As cataratas de Foz do Iguaçu, por exemplo, têm<br />
uma beleza natural própria. Mas nunca vi que alguém<br />
notasse ali algo de uma beleza que levasse o homem a<br />
dizer: “A graça de Deus está aqui!” A pessoa pode afirmar:<br />
“Deus está aqui”, mas “a graça de Deus está aqui”<br />
não pode dizer.<br />
Deus está ali enquanto Criador, e um Anjo d’Ele pode<br />
estar presidindo aquilo, para manter a coisa em ordem, e<br />
Andando por panoramas naturais, chega-se, às vezes,<br />
a lugares onde se tem a impressão de que aquilo tem<br />
uma perfeição muito grande, na ordem própria, evocando<br />
certos padrões de sublimidade, que levam o espírito<br />
Sainte-Chapelle - Paris, França<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Kurt Muehmel<br />
deixar sentida a sua presença. Inclusive tenho impressão<br />
de que deve existir um Anjo que, por sua natureza espiritual,<br />
seja semelhante ao que as cataratas de Foz do Iguaçu<br />
são na ordem natural. De onde existe uma ação de<br />
presença dele particularmente intensa ali, por causa dessa<br />
semelhança. Chega-se lá, sente-se qualquer coisa assim<br />
de uma presença angélica, mas que ainda não é uma<br />
presença sobrenatural.<br />
Esta eu a sinto muito mais nas coisas da arte do que<br />
nas da natureza. Então, por exemplo, na Sainte-Chapelle,<br />
Notre-Dame, ou, de um modo bem diverso, Genazzano;<br />
é uma presença diferente. Sente-se que alguma coisa,<br />
não na última linha do que podemos ver, mas superior a<br />
nós, rompe uma distância intransponível e se comunica<br />
conosco, elevando-nos ao que nunca poderíamos imaginar.<br />
Ali está o sobrenatural.<br />
Muita gente confunde as coisas, e não seria capaz de estar<br />
em Foz do Iguaçu olhando o que a Providência quis que<br />
se visse, e adorando a Deus nessa perspectiva. Mas pensaria<br />
logo: “Renuncie às coisas desta Terra, feche os olhos para<br />
essa maravilha de Deus, porque o Céu é muito maior…”<br />
O Céu é muito maior, e fechar os olhos para as cataratas do<br />
Iguaçu pode ser a via espiritual para alguém. Mas a realidade<br />
é esta: um Anjo invisível está ali, e nos fala por sua natureza,<br />
não pelo sobrenatural que habita nele.<br />
O Pampa e o panorama do Rio de Janeiro<br />
Irargerich<br />
De cima para baixo: Catedral de Notre-Dame - Paris,<br />
França; Mãe do Bom Conselho - Genazzano, Itália;<br />
Pampa argentino; vista panorâmica do Rio de Janeiro<br />
Eu já notei, da parte de alguns argentinos, uma tentação<br />
de menosprezar o Pampa como meio monótono, raso,<br />
insípido, porque não acaba mais. Mas não é verdade.<br />
Isso significa não ter apanhado aquilo no ponto de vista<br />
em que deve ser considerado.<br />
Certa vez, descendo de um avião num aeroportinho<br />
feito de terra, de repente encontrei o Pampa, e tive uma<br />
impressão de respeito religioso. Aquilo estava plantado,<br />
não de trigo, mas de vegetais altos, não sei o que eram,<br />
e em quantidade! Planície, planície, planície… com toda<br />
aquela vegetação da mesma altura, tudo igual, uma paz,<br />
uma tranquilidade! Não tem nenhuma montanha, tudo<br />
normal, direito.<br />
Tive vontade de dizer, como São Pedro: “Façamos<br />
três tendas, uma para Ti, outra para Moisés e outra para<br />
Elias...” 2 . Desejei ficar sozinho olhando aquilo.<br />
O panorama do Rio tem muito disso. Mas são desígnios<br />
da Providência: no meu modo de sentir, há uns reluzimentos<br />
sobrenaturais no píncaro do bonito, do natural.<br />
É um natural tão, tão bonito, que extravasa da linha do<br />
natural. Percebe-se, de vez em quando, uns reluzimentos<br />
divinos.<br />
Chronus<br />
12
Meta a ser atingida pela arte<br />
Uma meta a ser atingida pela arte seria de fazer com<br />
que, na coisa natural, aparecesse tanto quanto possível<br />
a presença do espírito humano. Depois, num segundo<br />
grau, surgisse, tanto quanto possível o que há de angélico<br />
natural naquilo, e posteriormente o sobrenatural angélico.<br />
Esses vários graus de intensidade da natureza, do<br />
universo que Deus criou, seriam sucessivos degraus que<br />
a arte deveria saber apresentar.<br />
Creio mesmo que na Idade Média quase todas as instituições<br />
eram dotadas de uma certa presença angélica,<br />
ora natural, ora sobrenatural, que foi se deteriorando no<br />
decurso dos tempos modernos. E que a Revolução Francesa<br />
quis expulsar completamente, e em parte conseguiu;<br />
foi a revolta contra um ambiente todo ele carregado de<br />
conotações místicas, ora naturais, ora sobrenaturais, que<br />
ajudavam muito a ver a realidade natural e a compreender<br />
seu último sentido.<br />
Quando eu vejo uma flor, e sou levado a imaginar o<br />
arquétipo dela, não é propriamente um desejo que tenho<br />
de conhecê-la melhor, mas sim conhecer, na ordem do<br />
possível, uma coisa que seja essa flor na sua perfeição.<br />
Ou seja, algo que é meio parecido com a ordem paradisíaca<br />
que o homem perdeu, e que, entretanto, o seu senso<br />
do ser pede e ele procura quando olha as coisas desta<br />
Terra. Esse é, a meu ver, o elemento motor primeiro<br />
da arte.<br />
A procura de arquétipos<br />
A procura dessa perfeição leva também o homem a<br />
querer conhecer o santo. Porque este é na ordem moral<br />
— a que mais importa — o arquétipo do homem. Mas leva<br />
a desejar conhecer também um grande homem.<br />
Vou dar um exemplo. Li uma descrição da viagem que<br />
o zepelim fez, conduzindo seu inventor, o velho Conde<br />
Ferdinand von Zeppelin, para se encontrar com o Kaiser.<br />
Eu tinha muita curiosidade de ver como o autor dessas<br />
memórias descrevia pormenorizadamente o encontro<br />
do Kaiser com o Zeppelin.<br />
Não sei se percebem que se trata de um patamar de<br />
relacionamento que não existe mais hoje. É um estilo<br />
de vida, uma corte, um balão zepelim que voa, cujo inventor,<br />
um grande cientista, vai encontrar-se com o Kaiser.<br />
O zepelim pousa, de dentro desce um velhinho prussiano,<br />
todo teso, que cumprimenta o Kaiser, os dois se<br />
olham nos olhos, sorriem. Depois o Kaiser faz uma saudação<br />
militar, ambos se retiram, e o povo todo dando vivas,<br />
agitando bandeirolas, etc. Uma espécie de apoteose<br />
da Ciência, do êxito do homem que conseguiu voar. E o<br />
povo presta homenagem ao Kaiser, referendando o soberano<br />
supremo de um grande poder militar.<br />
São valores supremos, quase arquétipos, que se encontram<br />
e como que se osculam, num ambiente quase<br />
paradisíaco para quem está habituado à vida de hoje. É<br />
uma procura de arquétipos que está atrás disso, uma coisa<br />
ligada ao senso do ser.<br />
O homem tem saudades<br />
do Paraíso que não conheceu<br />
Tenho a impressão de que se a sociedade fosse bem<br />
constituída, uma pessoa educada como deve ser — não<br />
digo educação no sentido de boas maneiras, mas formação<br />
total do ser — desenvolveria uma certa tendência<br />
que existe no homem para uma vida terrena de um nível<br />
muito superior ao que ele conhece, mas que não é para<br />
ele viver dentro dela por vaidade, mas pelo senso do ser<br />
que o leva a desejar conhecer até que ponto a vida humana<br />
é extensível.<br />
Assim, sem deixar de ser o homem comum, ele tem uma<br />
certa participação nessas elevações. E o desejo contínuo de<br />
grandes elevações em toda<br />
a vida da sociedade,<br />
leva-o a querer coisas assim<br />
e a sonhar com flores,<br />
aves, céus extraordinários<br />
etc., porque ele foi<br />
criado para o Paraíso, e<br />
está exilado. E, sem saber,<br />
o homem tem saudades<br />
daquele Paraíso que<br />
De cima para baixo: encontro do Conde Zeppelin<br />
com o Kaiser Guilerme II, em 1909; zepelim<br />
sobrevoa um jardim de verão em 1930<br />
Vitold Muratov<br />
13
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
ele não conheceu, mas que está proporcionado à sua natureza.<br />
Essa sensação do exilado que tem vontade de voltar<br />
para o lugar que ele não chegou a conhecer, e, portanto,<br />
uma espécie de procura do paradisíaco a ser fabricado na<br />
Terra — para tanto quanto possível substituir o palácio<br />
de que ele foi expulso potencialmente na pessoa dos seus<br />
pais — faz dele um ente especial, cujo senso do ser não<br />
o leva a procurar apenas a perfeição no Céu e nas coisas<br />
sobrenaturais, mas uma perfeição de uma ordem natural,<br />
que não o cerca, mas da qual ele tem saudades. E<br />
que o homem procura realizar do melhor modo possível<br />
na Terra, como meio para chegar mais alto, à experiência<br />
mística e ao Céu.<br />
Nesta época de Revolução, é absolutamente necessário<br />
para nossa formação proporcionar às pessoas cenas<br />
maravilhosas da História, apoiadas por uma ação angélica,<br />
de maneira a dar-lhes o desejo do mais alto, que as<br />
torna propriamente contrarrevolucionárias.<br />
Porque se não há a inconformidade com a banalidade<br />
contemporânea, e o desejo de algo mais alto que o passado<br />
conheceu — e que devemos conhecer para depois engendrar<br />
um futuro a essa altura —, tenho a impressão de<br />
que a nossa própria formação fica padecendo.<br />
Luta contra o mundanismo<br />
Um dos defeitos contra os quais lutamos tanto — e<br />
sem o êxito desejado, por não irmos até o fundo do problema<br />
—, está exatamente nisto: mundanismo.<br />
Nós batalhamos muito contra o mundanismo. Mas se<br />
não tivermos uma formação que nos faça querer um maravilhoso<br />
incomparavelmente diferente e maior do que<br />
esse mundanismo que está por aí — e perto do qual este<br />
último é pé-rapado, casca-grossa —, às vezes, pela própria<br />
elevação que possa haver em nossa alma, o indivíduo<br />
tem uma escapada da banalidade da vida para dentro<br />
do mundanismo, vendo neste uma realização mais alta<br />
de alguma coisa que lhe falta.<br />
E o modo de combater esse desvio é precisamente, a<br />
meu ver, apresentar como algo foi no passado, mostrando<br />
como isto que existe no mundo de hoje é uma revolta, um<br />
álibi para não se atingir o que no passado se conseguiu. E<br />
criar a nostalgia, não de sermos personagens do passado,<br />
mas espectadores admirativos do passado, faz de nós homens<br />
capazes de lutar para que o passado seja de novo!<br />
E seria preciso justificar isso na nossa formação, por<br />
uma ação angélica natural, e depois por toda a vida sobrenatural.<br />
Convívio entre os Anjos e os homens<br />
A ação angélica natural tem o pressuposto de que há<br />
um contato — e um convívio, portanto — normal do Anjo<br />
com o homem, que não é o aparecer, nem o conversar<br />
com o Anjo como estamos conversando aqui, mas uma<br />
ação dele sobre nós, e de algum modo nossa reação pró<br />
ou contra, aceitando ou rejeitando, fazendo com que normalmente<br />
nós estejamos também em contato com eles.<br />
Mas a ideia errada que se nos dá a respeito disso é a<br />
seguinte: a ação do Anjo sobre o homem só e unicamente<br />
ocorre quando o Anjo aparece para o homem; ou, então,<br />
que o Anjo da Guarda pode favorecer o homem em<br />
ocasiões muito excepcionais, sem o homem perceber. De<br />
O ser humano é capaz de<br />
alguns movimentos de alma<br />
rumo à arquetipia, mas<br />
esses movimentos seriam<br />
inteiramente frustros e de<br />
nenhum modo atingiriam o<br />
que o homem quer, se não<br />
fosse a ajuda dos Anjos.<br />
Tapete persa, citado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
decorando uma das paredes da<br />
“Sala do Reino de Maria”<br />
14
maneira que Anjo entra no excepcional, e não<br />
no normal, da vida do homem.<br />
Ora, eu considero — salvo melhor juízo, e<br />
submetendo-me, é claro, ao ensinamento da<br />
Igreja —, que em nossas reuniões, por exemplo,<br />
pelo próprio fato da vivacidade, da vida<br />
que elas têm, pode-se e deve-se ver uma ação<br />
angélica habitual. Entretanto, ninguém a sente.<br />
Sente-se uma certa vitalidade, e se percebe<br />
que esta não tem uma razão de ser e uma<br />
origem exclusivamente natural em nós, nada<br />
mais além disso. Mas se fôssemos afirmar ser<br />
um Anjo, muita gente se assustaria, pensando<br />
haver uma espécie de alumbramento. Isso não<br />
tem nada de alumbramento. É a impostação<br />
teológica séria e normal das coisas.<br />
Ademais, pode acontecer que uma pessoa<br />
seja veículo de graças sobrenaturais específicas,<br />
para as quais não é preciso se excogitar<br />
uma ação angélica. E pode suceder que a presença<br />
de uma pessoa seja ocasião para a presença<br />
de um Anjo, que desenvolva uma ação<br />
natural angélica. É preciso aí distinguir as várias<br />
hipóteses possíveis.<br />
Teoricamente falando, eu penso que o ser humano é capaz<br />
de alguns movimentos de alma rumo à arquetipia, que<br />
são da natureza dele. Mas acho que esses movimentos seriam<br />
inteiramente frustros e de nenhum modo atingiriam<br />
o que o homem quer, se não fosse a ajuda dos Anjos.<br />
Arte e arquetipia<br />
Poder-se-ia levantar a seguinte objeção: “O senhor<br />
então acha que toda a arte só é digna desse nome quando<br />
se constituiu com a ajuda angélica?”<br />
Eu respondo: É preciso não correr. Porque há uma diferença<br />
entre arte e arquetipia. Na arte, o homem, muitas<br />
vezes, é guiado pelo senso de um prazer hedonista,<br />
que não é propriamente o gáudio metafísico que lhe dá a<br />
procura da arquetipia. E por causa desse senso hedonista,<br />
ele é capaz de fazer alguma coisa acertada, mas que<br />
não se encontra numa linha onde entra verdadeiramente<br />
o Anjo, ou seja, o desejo de arquetipia.<br />
Considerem, por exemplo, aquele tapete persa que temos<br />
na “Sala do Reino de Maria” 3 . Eu compreendo que<br />
um artista, com a forma de talento necessária para fazer<br />
isso, tenha sabido misturar cores, e fazendo coisas que<br />
lhe deram um gosto perfeito, onde sua alma não andou<br />
à procura de algo arquetípico, mas simplesmente de um<br />
deleite excelente dos olhos, o que é diferente.<br />
A Basílica de Santa Sofia — hoje uma mesquita com<br />
minaretes —, colocada no Bósforo, de si é um pastelão, e<br />
Basílica de Santa Sofia<br />
os minaretes têm um formato esguio, leve, distintíssimo,<br />
quase que descansa a pessoa do peso da Basílica. Por outro<br />
lado, a Basílica torna mais verossímeis os minaretes,<br />
que pareceriam quase fumaça de cigarro que se elevou<br />
num ambiente onde não há vento.<br />
A justaposição dos minaretes com a Basílica, no quadro<br />
do Bósforo, forma uma coisa difícil de imaginar, na<br />
qual se pergunta se há uma coincidência, ou realmente<br />
um desejo de arquetipia, e se nesse desejo de arquetipia<br />
entrou uma ação angélica, quando se tratava de obra de<br />
maometanos. É uma questão delicada, e eu mesmo precisaria<br />
pensar para dar-lhe uma resposta.<br />
Na arte japonesa, chinesa, e em geral nas artes orientais,<br />
chama a atenção que os artistas as realizam à procura<br />
do belo, mas essa procura, em certo momento, dá origem<br />
ao aparecimento de monstros. Às vezes monstros<br />
com caras horríveis, mas com uns fios de barba lindos, e<br />
uns dragões que têm umas orelhas de ouro fantásticas!<br />
Mas são monstros.<br />
v<br />
(Extraído de conferências<br />
de 4 e 11/2/1990)<br />
1) Do latim: coisa austríaca e coisa germânica. Aqui <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
se refere ao conjunto de predicados dessas nações.<br />
2) Lc 9, 33.<br />
3) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>.<br />
Radomil<br />
15
Reflexões teológicas<br />
A felicidade celeste - I<br />
As megalópoles modernas, com sua agitação e desordem,<br />
provocam aflições e intranquilidades nas pessoas. São elas<br />
bafejadas pela Revolução, que procura eliminar tudo aquilo<br />
que cause alegria da alma. Mas se encontramos um belo<br />
edifício bem decorado, onde haja uma capela com o Santíssimo<br />
Sacramento, tem-se a sensação de serenidade, paz e do<br />
verdadeiro gáudio de alma. Esse é um dos exemplos citados<br />
por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao falar sobre a felicidade do Paraíso.<br />
16
Assunção da Santíssima Virgem<br />
Galeria Nacional, Londres (Inglaterra)<br />
T<br />
odas as nossas ações, consideradas do ponto de<br />
vista moral, dizem respeito a Deus, ou O louvam<br />
ou O ofendem. E isso é infinitamente sério,<br />
porque Ele é infinito. Então, como tudo é sério, é grave,<br />
é grande, é magnífico! Portanto, que magnificência<br />
tem nossa vida, não considerada em tal ou qual minúsculo<br />
ato concreto, mas nas repercussões extraordinárias<br />
que ela possui.<br />
Do ponto de vista moral, tudo<br />
é infinitamente sério<br />
Para isso, após estudarmos o Inferno, estamos analisando<br />
a eterna bem-aventurança, a fim de mostrar como<br />
todas as nossas ações repercutem numa ou noutra direção,<br />
e por esse motivo são infinitamente sérias. Mostrando<br />
qual era a bem-aventurança no Céu, eu tinha começado<br />
por destacar o fato de que ela inunda o homem de<br />
alegria. Porém não é principalmente por causa da perspectiva<br />
dessa alegria, mas devido à infinitude de Deus e<br />
da perfeição d’Ele em Si, ainda que não tivéssemos essa<br />
alegria, nós O procuraríamos por toda a eternidade. Porque<br />
o Criador merece e a Ele somos destinados.<br />
Há uma alegria que nos vem pelos sentidos, a qual é<br />
magnífica. A essa alegria são destinados os corpos dos<br />
ressurretos; e também suas almas, porque uma alma<br />
tem o reflexo da alegria do corpo, e conhece muitas coisas<br />
através do corpo. Mas há uma alegria incomparavelmente<br />
mais alta: a que tem a alma quando vê Deus face<br />
a face.<br />
Alegria de ver Deus face a face<br />
Que ideia podemos ter, nesta Terra, do que seja ver<br />
Deus face a face? Não conseguimos conceber senão ideias<br />
analógicas, e muito vagamente analógicas. Porque a Deus<br />
ninguém se compara! E se nós tivéssemos a honra imerecida<br />
de com os nossos olhos vermos — ou ao menos com<br />
17
Reflexões teológicas<br />
nosso espírito contemplarmos — Nossa Senhora, ainda aí<br />
não seria idêntico; haveria uma infinitude de diferença entre<br />
ver Deus face a face e contemplar a Ela. Porque com<br />
Deus ninguém se compara. Há analogias, mas entrar numa<br />
relação de proporção com o Altíssimo, de maneira a<br />
dizer: “Vendo Maria Santíssima tem-se a metade da alegria<br />
que se possui em ver Deus”, não é verdade. O Criador<br />
paira acima de qualquer criatura excelsamente, infinitamente,<br />
sem que se possa ter uma ideia.<br />
Mas, tal é a ordem posta por Deus no universo, que<br />
Ele quer, para nos estimular a irmos para Céu, que nós,<br />
na Terra, conheçamos algumas coisas que deem uma certa<br />
ideia do que é a felicidade de alma que se tem vendo<br />
Deus face a face. Então imaginemos, num quarto escuro,<br />
um homem deitado, que seja cego de nascença. Ele fez<br />
uma operação para se curar da cegueira, e lhe disseram<br />
que ele tem que passar, digamos, cinco anos no escuro.<br />
Depois desse tempo, seus olhos estarão bons e ele verá.<br />
De vez em quando entra no quarto dele uma pessoa amiga,<br />
para conversar e distraí-lo nesta longa noite. E obtém<br />
uma licença do médico, não propriamente para acender<br />
uma luz, nem sequer uma chama, mas um palito comburente<br />
— todos sabem que quando se acende um palito de<br />
fósforo e se apaga a chama, fica ou pode ficar uma parte<br />
do palito em estado comburente.<br />
Então, o amigo passa com aquilo diante dos olhos dele<br />
e lhe diz: “Está vendo? Isso é luz! Tenha a coragem de<br />
varar esses cinco anos no escuro, porque o seu prêmio<br />
será ver o Sol!”<br />
Não quero dizer que haja uma situação clínica assim<br />
— ignoro tudo a respeito de clínicas. Mas é um caso<br />
que eu figuro para explicar qual é o plano de Deus,<br />
dando-nos certos vislumbres dessa alegria, para aguentar<br />
a noite desta vida. Porque esta noite é em forma de<br />
cone, ela vai apertando na medida<br />
em que se vai vivendo, no<br />
fim é mais negra, mais apertada,<br />
mais estreita, mais aguda e<br />
chega à morte, em que se fura<br />
o cone pelo cimo.<br />
A Revolução procura<br />
eliminar tudo quanto<br />
lembra a alegria celeste<br />
Quando a pessoa expira e<br />
acontece, portanto, a catástrofe,<br />
no momento em que a alma<br />
se desliga do corpo ela vê a<br />
Deus. De maneira que ela viu<br />
nesta vida — para usar uma<br />
comparação, de cuja precisão<br />
Júlio Boaro<br />
teológica não estou seguro —, palitos de fósforos, de vez<br />
em quando, para animá-la e como que dizendo: “Tenha<br />
confiança, porque um dia tu dirás o que está dito na Escritura:<br />
nox sicut diæs iluminatur 1 — a noite será iluminada<br />
como se fosse um dia. E a tua longa noite passará<br />
a ser para ti um eterno dia. Coragem! Olha aqui o palitinho<br />
de fósforo! Veja como a luz é bela!”<br />
Trata-se de uma coisa que o coração paterno e, sobretudo,<br />
o coração materno fariam com tanto gosto! Isso<br />
nos dá uma ideia do que Deus possa ter feito.<br />
É muito curioso que a Revolução tenha criado um estado<br />
de espírito em que tudo quanto possa pressagiar<br />
a alegria da felicidade celeste ela eliminou; ou fazendo<br />
que não exista mais ou, existindo, não se preste atenção<br />
e, portanto, não se tenha uma ideia do que é a verdadeira<br />
alegria de alma, desligada do prazer dos vários sentidos<br />
do corpo. O que está na linha do materialismo de hoje,<br />
que quer apagar no homem a noção da espiritualidade<br />
da alma, porque quer eliminar a noção de espiritualidade<br />
de Deus e da existência do Criador.<br />
E os revolucionários tratam de abafar todas as ocasiões<br />
da vida em que se possa ter uma sensação dessa natureza.<br />
Então, à força de muito pensar, cheguei à conclusão de que<br />
eu não poderia apresentar exemplos válidos disso, quer dizer,<br />
nem sequer o palitinho de fósforo, com tanta eficácia<br />
quanto desejara, porque é possível que as situações que eu<br />
aponte desapareçam e não se tenha mais noção da coisa.<br />
Qualquer exemplo poderia mais baratear o assunto do que<br />
elevá-lo; e esse é um tema que por nenhum preço possa<br />
ser barateado.<br />
Mas, para dar alguma coisa, vou apresentar alguns<br />
exemplos presumidos da vida cotidiana dos que<br />
se encontram neste auditório e que, creio eu, nesses<br />
dias se tornam ainda mais frisantes.<br />
18
Contraste entre ambientes e<br />
impressões espirituais<br />
Considerem uma pessoa que vai, por exemplo, fazer<br />
compras no centro da cidade ou em outra região muito<br />
movimentada de São Paulo. Anda por aqui, por lá,<br />
sobe, desce, e vê horrores morais de toda ordem. De<br />
repente passa um táxi, ela entra, respira um pouco e<br />
indica ao taxista o destino. Chegando ao local indicado,<br />
a pessoa desce do automóvel e entra em nossa sede<br />
principal: penumbra, temperatura agradável, há uma<br />
viração, na capela, que está serena, se encontra o Santíssimo<br />
Sacramento, a sede respira todas as suas pulcritudes.<br />
A pessoa sente uma espécie de alívio que é meio o<br />
frescor do corpo, o qual sai da fornalha, e meio o frescor<br />
da alma, que se retira da bagunça e entra dentro daquela<br />
ordenação. Há ali um alívio, uma alegria de alma. Tem-se<br />
a impressão de que a alma se expande inteira e se ajeita<br />
mais ou menos à vontade, dentro de si mesma.<br />
O que é isto? É um prazer do espírito. O prazer do<br />
corpo, com o frescor, é apenas um vago eco da alegria<br />
que teve o espírito ao entrar naquele ambiente. A<br />
pessoa sente-se contente.<br />
Outra impressão, também espiritual: uma pessoa<br />
vai a um lugar qualquer, neopagão, e ali é tratado<br />
com desdém, pouco caso, senão com hostilidade; ela<br />
se sente injustamente pisada. Depois a pessoa entra<br />
em nossa sede, encontra ali a vida borbulhante e tem a<br />
impressão de ter transposto, em poucos passos, uma distância<br />
interplanetária, e de haver saído de um mundo e<br />
entrado no outro, no qual sente a afirmação vibrante, enfática,<br />
de tudo quanto são os nossos ideais, nossa razão<br />
de ser, nossa Causa.<br />
E esta coisa tão deleitável é a consideração das pessoas<br />
para com ela, que é tratada bem, amenamente,<br />
afavelmente. A pessoa se sente confortada, sua alma se<br />
rejubila, e ela possui a impressão agradável — que não<br />
tem nada de comum com a vaidade — de ser honrada,<br />
compreendida, querida, ser objeto de atenção. Que alegria<br />
isso dá! É difícil que alguns dos aqui presentes não<br />
tenham passado por uma dessas duas impressões!<br />
Prazeres da alma<br />
Imaginemos agora uma pessoa que morre e vê Deus<br />
face a face. A vida terrena ficou para trás, com todas as<br />
aflições, todos os calores, os frios, todas as provações, as<br />
incógnitas, as dificuldades, as incertezas, todos os mal-<br />
-estares. Tudo ficou para trás, e ela não tem diante de si<br />
Na página anterior, panorama noturno da cidade de<br />
São Paulo (Brasil); acima, “Sala do Reino de Maria”;<br />
ao lado, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência nessa<br />
mesma sala da sede social de seu Movimento<br />
19
Reflexões teológicas<br />
apenas o frescor de uma sede sacral, mas a própria Sacralidade,<br />
Deus Nosso Senhor, que olha para ela.<br />
Observem uma pessoa que entra na capela de nossa<br />
sede principal e sente alguma coisa de extraordinário.<br />
Mas é muito mais do que isso; ela se coloca na presença<br />
do Absoluto, d’Aquele que é o Valor em função do qual<br />
tudo vale, e fora do Qual nada vale. Encantada, a pessoa<br />
percebe que Ele olha para ela, mas que seu olhar se dirige<br />
simultaneamente a outro lugar. Ela diz: Já sei, eu passei<br />
por aquele lugar antes de chegar aqui! É a Medianeira<br />
de todas as graças. Ó Nossa Senhora!<br />
São prazeres de alma vagamente análogos. E deveríamos<br />
em nossa vida ir identificando esses prazeres de alma.<br />
Quase arranjando um nome para eles; mas pensando,<br />
tendo em vista o Céu.<br />
Cornélio a Lápide 2 descreve, pela pena de Doutores e<br />
Padres da Igreja, etc., a entrada de uma alma no Céu. Ele<br />
cita a metáfora magnífica empregada por São Bernardo.<br />
Então, quando lermos esses textos aqui, devemos dizer:<br />
“Como isto é bom! E o Céu?” Aí teremos uma ideia, através<br />
do palito de fósforo em estado comburente, do que é o<br />
Sol incomparável. E assim mesmo Deus está infinitamente<br />
mais distante das alegrias desta Terra do que o palito de<br />
fósforo em relação ao Sol! Aí se tem uma certa ideia.<br />
Foi uma introdução um pouco extensa demais de um<br />
tema que de si é eterno. De maneira que se tolera uma<br />
certa extensão.<br />
Plenitude de felicidade<br />
Então o Cornélio a Lápide comenta estas palavras:<br />
“Uma alegria sempiterna pairará sobre suas cabeças.” 3<br />
São palavras tiradas do profeta Isaías, falando dos<br />
bem-aventurados. Naturalmente, aplicam-se também<br />
aos católicos que conhecem a Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
nesta vida e que, pela Fé, têm um começo da alegria<br />
eterna.<br />
Mas também aos católicos que nesta vida podem ter<br />
um início da alegria do Reino de Maria. Tudo isso se põe<br />
como escadas de degraus muito desiguais, que conduzem<br />
à bem-aventurança eterna. Sendo que um degrau já<br />
se chama infinito, portanto, não é escada...<br />
Então, ele cita uma frase que está no Evangelho: “Entra<br />
no gozo do teu Senhor” 4 . E faz este comentário: Isso<br />
significa que o gáudio será tal que não tanto entra no<br />
bem-aventurado, mas este entra no gáudio! Nesta Terra<br />
dizemos: a alegria entrou em nós, mas não podemos afirmar:<br />
nós entramos na alegria. Porém, quando formos ao<br />
Céu a alegria entra em nós, e nós entramos dentro dela.<br />
Isso é o pórtico, mas ao mesmo tempo o altar-mor, magnífico,<br />
da Catedral da felicidade eterna onde devemos<br />
entrar quando morrermos!<br />
Cornélio se refere à afirmação interessante de um autor,<br />
que é a seguinte: no Céu, a alegria da bem-aventurança<br />
eterna é tanta, que ela “racharia” o homem de<br />
gáudio se Deus não suspendesse o homem acima de sua<br />
própria natureza e, assim, o conservasse em vida. Vemos<br />
então que plenitude de alegria há no Paraíso!<br />
Acacia<br />
Quando se está na eternidade,<br />
o passado e o futuro<br />
desaparecem. É um instante<br />
que não muda nunca, num<br />
gáudio constantemente novo.<br />
Santos contemplando a Cristo no Céu, por<br />
Domenico Ghirlandaio (1449–1494)<br />
Pinacoteca e museu cívico de Volterra, Itália<br />
20
Nós estaremos no Céu, sustentados pela graça mantenedora<br />
de Deus, do contrário a alegria é tanta que estalaríamos,<br />
não nos sustentaríamos. Temos então ideia do<br />
que é a felicidade celeste.<br />
Alegria das potências da alma<br />
Todos sabem que as potências da alma são três: inteligência,<br />
vontade e sensibilidade.<br />
São Bernardo — sempre segundo Cornélio a Lápide<br />
— diz que Deus será para a razão a plenitude da luz. O<br />
homem tem uma certa alegria em entender e acha penoso<br />
não compreender alguma coisa que ele conhece. Para<br />
citar o mais barato dos exemplos, há indivíduos que gostam<br />
de ler a seção de charadas, em revistas ou jornais.<br />
Eles tomam todo o trabalho de decifrar a charada para<br />
ter a alegria de ter entendido. Imaginemos a alegria que<br />
teremos quando virmos Deus face a face, e entendermos<br />
de uma só vez, n’Ele, a perfeição tanto quanto caiba em<br />
nosso intelecto. Entendermos a Deus e, em função d’Ele,<br />
compreendermos tudo quanto nesta vida não entendemos.<br />
E num jorro só!<br />
O que é isso em comparação com a alegria de um homem<br />
que decifra uma charada? Ou de quem resolve<br />
um problema de xadrez? Ou de um indivíduo que gosta<br />
de ler romance policial e vai torcendo, através daquelas<br />
peripécias, para descobrir quem é o culpado e se alegra<br />
quando o percebe? Isso não é nada em comparação<br />
desta alegria de alma que tem a inteligência! Ela percebeu<br />
tudo.<br />
Afirma também São Bernardo que, para a vontade,<br />
Deus é a multidão da paz! Todos aqui sabem que a paz<br />
é definida por Santo Agostinho como a tranquilidade da<br />
ordem. Não é a tranquilidade indiferente à ordem ou à<br />
desordem. Quando as coisas estão em ordem, sente-se<br />
paz. Vou dar um exemplo para que entendam bem.<br />
Imaginem que no começo desta reunião houvesse<br />
aqui, nestes degraus do estrado, uma vassoura velha e<br />
quebrada, bem como um chapéu velho, ridículo. Os presentes<br />
neste auditório ficariam com mal-estar, enquanto<br />
alguém não pegasse esses objetos e os jogasse fora. Isso<br />
feito, todos quereriam saber quem os pôs aqui, porque<br />
não se compreende que tenham parado neste lugar objetos<br />
assim. Depois disso, poderiam ter indulgência e dizer:<br />
“Então, Doutor Plínio, inicie a conferência!”<br />
Quer dizer, fica-se tranquilo. A desordem causava<br />
uma intranquilidade. A ordem estabeleceu a tranquilidade.<br />
Essa tranquilidade se chama paz.<br />
Então, vendo a Deus percebe-se a suma Causa, o sumo<br />
Bem, e a vontade repousa em paz n’Ele. Na tranquilidade<br />
da ordem!<br />
Está tudo na sua ordem porque está em nexo com Ele!<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1960<br />
Depois, para a memória, ligada à sensibilidade, qual é<br />
o gáudio que traz a eternidade, que traz Deus? Diz São<br />
Bernardo: é a continuação da eternidade. Aqui nesta<br />
Terra, precisa-se tomar notas para lembrar. Quando se<br />
recorda, aparece um passado remoto! Quando se conjectura,<br />
pode vir ao espírito um futuro remoto! Quando se<br />
está na eternidade, o passado e o futuro desaparecem. É<br />
um instante que não muda nunca, num gáudio constantemente<br />
novo. A memória não precisa se lembrar porque<br />
tudo é simultâneo. A eternidade é simultânea. A memória<br />
descansa. Ela lembra apenas daquilo que o tempo<br />
tragou e Deus premiou!<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
1) Sl 138, 12 (Vulgata).<br />
2) Jesuíta e exegeta flamengo (* 1567 - † 1637).<br />
3) Cf. Is 35, 10.<br />
4) Mt 25, 21.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 18/2/1981)<br />
21
De Maria nunquam satis<br />
Poderoso auxílio<br />
em todas as dificuldades<br />
Continuamente devemos recorrer a Nossa Senhora,<br />
especialmente quando passamos por dificuldades. Ela<br />
sempre nos acolhe, pois nunca se ouviu dizer que a<br />
Mãe de Deus tenha abandonado alguém que pede seu<br />
socorro. Entretanto, às vezes nossa prece demora em<br />
ser atendida; isso significa que Ela nos dará graças com<br />
extraordinária abundância.<br />
Eu gostaria de dizer uma palavra mais especialmente<br />
quanto a Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos<br />
nas dificuldades da vida espiritual. Estas costumam<br />
ser de duas ordens. Umas dificuldades são as crises<br />
breves da vida espiritual, quando a pessoa se sente<br />
tentada e, portanto, hesitante ou abalada entre o bem e o<br />
mal, e com a possibilidade de ser arrojada no precipício<br />
do mal de um momento para o outro.<br />
As dificuldades do tipo clássico<br />
BBC<br />
Uma senhora reza, aflita, em sua humilde casa (por Frederick<br />
D. Harding) - Galeria de Arte de Wolverhampton, Inglaterra<br />
Essas são as dificuldades do tipo clássico, e<br />
quando falamos a respeito de dificuldade, naturalmente<br />
pensamos primeiro na do tipo clássico,<br />
quer dizer, no grande apuro da vida espiritual.<br />
Evidentemente Nossa Senhora é auxílio nessas<br />
circunstâncias. Não teria sentido Ela ser Auxílio<br />
dos Cristãos se não o fosse, sobretudo, para a vida<br />
espiritual, e é claro que o auxílio é principalmente<br />
para os mais necessitados. Então, para as<br />
pessoas que estão em crises agudas da vida espiritual<br />
e gravemente necessitadas, Maria Santíssima,<br />
na plenitude do termo, é o auxílio.<br />
Sendo Ela Mãe de Misericórdia, seu auxílio<br />
não é dado apenas para uma pessoa que diga:<br />
“Eu vou perfeitamente bem na vida espiritual,<br />
estou muito tentado, porém não cedi em nada.<br />
Tenho direito ao vosso auxílio; vinde e auxiliai-me!”<br />
Mas também para aquele que se encon-<br />
22
tre numa situação pior, e de apuro<br />
muito mais grave, e reze: “Eu estou<br />
muito tentado, pequei, andei mal. Receio<br />
me embrutecer no pecado, de me habituar<br />
a ele, de não sair da vida de pecado, e<br />
tenho uma vontade imensa de me regenerar.<br />
Não mereço vosso auxílio, mas porque sois<br />
Auxiliadora de todos os cristãos, até dos mais<br />
miseráveis e não apenas dos cristãos bons,<br />
então Vos peço: vinde auxiliar-me!”<br />
Quer dizer, nessa visualização é a miséria<br />
da pessoa, o próprio fato de ela ter caído em<br />
pecado que é alegado diante de Nossa Senhora,<br />
como uma razão para obter o auxílio.<br />
É mais ou menos como quem se coloca diante<br />
da mãe e diz o seguinte: “Estou tão necessitado<br />
que até me aconteceu o pior. É verdade<br />
que foi por minha culpa. Pequei. E porque estou<br />
exatamente no sumo do desamparo, por ser<br />
um pecador, eu, enquanto abandonado, encontro<br />
no desamparo a razão pela qual primeiro devo<br />
pedir a vossa misericórdia.” Quer dizer, esta<br />
é uma consideração de fundo, que não fecha<br />
nunca as portas da esperança na vida<br />
espiritual, porque a Virgem Santíssima,<br />
sendo nossa Auxiliadora, é próprio,<br />
inerente a Ela, é movimento<br />
profundo n’Ela, correspondente à<br />
sua missão, ao amor insondável que<br />
Ela tem a Deus, de nos auxiliar por<br />
esta forma.<br />
Há aqui uma esperança, um recomeçar<br />
sem fim de novos propósitos<br />
de emenda, que deve ser o<br />
fundo de nossa vida espiritual.<br />
Uma das crises da vida espiritual<br />
apresenta-se à maneira de<br />
alguém que, estando numa escada,<br />
encontra-se em perigo<br />
de cair em cima de uma fogueira:<br />
cai, não cai.<br />
Maria Auxiliadora<br />
Igreja de São Clemente,<br />
Toronto (Canadá)<br />
Gustavo Kralj<br />
23
Escarlati<br />
De Maria nunquam satis<br />
Os que se atolam em alguma<br />
etapa da vida espiritual<br />
Existe um outro sistema de crise espiritual. É o da pessoa<br />
que está subindo uma escada e, no lugar onde deveria<br />
haver um patamar, tem o vazio, e mais adiante continuam<br />
outros degraus; de maneira que o indivíduo não<br />
sabe como faz para pular aquele vácuo. São as tais almas<br />
que atolam a alturas diferentes da vida espiritual.<br />
Há uns que atolam, por exemplo, num estado assim:<br />
levam anos no meio-termo entre a virtude e o pecado,<br />
ora no estado de graça, ora fora do estado de graça, e ficam<br />
naquele pêndulo do Inferno para o Céu e do Céu<br />
para o Inferno.<br />
Outros atolam numa espécie de mediocridade do estado<br />
de graça; não pecam mortalmente, mas cometem<br />
torrentes de pecados veniais — por exemplo, as tais mentirinhas<br />
ditas “inocentes” — à vontade.<br />
Existem ainda aqueles que vencem as tais mentirinhas,<br />
mas se atolam numa outra coisa. Quem está nessa<br />
situação diz: “Combati todos os pecados que eu tinha —<br />
os leves e os graves —, e percebo que não estou valendo<br />
grande coisa. Há algo que falta, mas não sei o que é. Só<br />
sinto que eu, apesar de toda a profilaxia, não valho nada.<br />
Pior seria se eu não tivesse feito a profilaxia… Eu, antes,<br />
estava sujo; agora fiquei vazio. Mas, daí para diante,<br />
como encher isto? Também não sei.” E fica parado nesse<br />
estado.<br />
Há outros que adquirem virtudes, progridem, e param<br />
já num certo grau de virtude, mas, de vez em quando,<br />
o carro encalha e não há meio de galgar o patamar<br />
A conversão do Duque Guilherme, da Aquitânia - Museu de Zaragoza, Espanha<br />
de cima. O indivíduo fica assim um tempo enorme. Isso<br />
corresponde, em qualquer altura da escada, sempre a<br />
um ponto: é algo de que a pessoa deveria se desapegar e<br />
que, ao mesmo tempo, é a coisa mais clara e a mais confusa<br />
do mundo. Ela vê com toda a clareza que devia deixar<br />
aquilo, mas, concomitantemente, não vê de nenhum<br />
modo que é aquilo que ela precisaria abandonar.<br />
A necessidade de uma graça extraordinária<br />
E a Providência fica provando aquela pessoa até criar<br />
um momento em que haja um estalo em sua cabeça, o<br />
qual, em geral, representa uma graça grande que ela recebe,<br />
fazendo-a pensar: “Ah! Eu agora vejo, tem isto, aquilo<br />
e mais tal outra consequência. Estou compreendendo.”<br />
Então começa uma emenda, e ela vai mais um pouco para<br />
diante. Um, dois, três anos depois para de novo. Cada<br />
solução de um encalhe destes equivale verdadeiramente<br />
a uma espécie de conversão. E tanto é conversão — neste<br />
sentido da palavra — do indivíduo que deixa o zigue-zague<br />
entre o estado de pecado mortal e o estado de graça,<br />
como daquele que está vazio, embora não sujo, e sente a<br />
necessidade de se encher de virtudes que não possui.<br />
Então, no caso de quem estacionou a certa altura da<br />
vida espiritual, é mais uma conversão neste sentido: é<br />
preciso uma graça extraordinária, como Nosso Senhor<br />
dava a um paralítico que, de repente, começava a andar.<br />
Essa graça precisa ser pedida, e ela representa o desapego<br />
de algo de muito claro e muito obscuro, ao qual a pessoa<br />
estava apegada.<br />
É evidente que não podemos produzir essa graça por<br />
nosso próprio esforço, porque a graça<br />
é um dom criado e concedido por<br />
Deus, e não obtido por nós, mais ou<br />
menos como um isqueiro que tira de<br />
si mesmo a sua própria chama.<br />
É preciso pedir que Maria Santíssima<br />
nos obtenha de Nosso Senhor<br />
essa graça. Portanto, nesses estados<br />
Nossa Senhora quer deixar bem clara<br />
a necessidade do sobrenatural.<br />
Durante muito tempo, por nós<br />
mesmos, nada conseguimos. Pedimos<br />
para Ela e, de repente, obtemos. Quer<br />
dizer, Ela pode levar mais tempo ou<br />
menos para dar, mas quando Ela concede,<br />
o faz de uma vez, rapidamente,<br />
de um modo impressionante.<br />
Esse tipo de graça, como a cura<br />
que Nosso Senhor realizava nos paralíticos,<br />
ao dizer a um homem “levanta-te<br />
e anda”, e ele saía caminhan-<br />
24
É preciso pedir que<br />
Maria Santíssima nos<br />
obtenha de Nosso<br />
Senhor essa graça.<br />
Portanto, nesses<br />
estados, Nossa<br />
Senhora quer deixar bem<br />
clara a necessidade do<br />
sobrenatural.<br />
Gebhard Fugel<br />
Curas milagrosas de Jesus - Galeria<br />
Fähre, Bad Saulgau (Alemanha)<br />
do, Nossa Senhora também nos obtém, enquanto Auxílio<br />
dos Cristãos, para circunstâncias extraordinárias, para<br />
casos que não se resolvem de outro modo.<br />
Acho muito importante isto, porque conheço muitas<br />
almas boas que acabam desanimando na vida espiritual<br />
à força de rotina, de estagnação, petrificação e paralisação;<br />
ela se pergunta: “O que eu vou fazer daqui por diante?”<br />
Não se sabe.<br />
Pedindo a Nossa Senhora,<br />
Ela nos dá o auxílio<br />
Às vezes entra-se em alguma igreja e se vê certas beatas<br />
rezando. Tem-se a impressão de que podiam passar dois<br />
mil anos fazendo aquela oração, e não saíam daquele pouco<br />
de vida espiritual. Tudo direitinho, arranjadinho... Pode-se<br />
imaginar uma delas que, voltando para sua casa,<br />
ia ver um filho bêbado, ateu, cuidava dele; depois<br />
pegava uma imagenzinha de Nossa Senhora, fazia<br />
uma novenazinha, etc. Mas uma chama de uma virtude<br />
heroica, de algo de generoso, que convertesse,<br />
nada! E então, também nesse caso, desânimo, uma<br />
certa rotina, rodando no vácuo.<br />
Por que às vezes se encontra um bom católico<br />
parado? Porque não lhe ensinaram que seu estado<br />
tem uma solução, um remédio, e que o fato dele<br />
não encontrar a solução é a prova de que Nossa Senhora<br />
quer mostrar-lhe que a solução é só Ela. Sem<br />
Maria Santíssima, ele de fato não vai para a frente,<br />
pois está apegado, entalou, enrascou em qualquer<br />
coisa.<br />
Então, Nossa Senhora quer deixar bem claro que<br />
é preciso pedir-Lhe essa graça, e, pedindo, Ela dá;<br />
o sobrenatural resolve as dificuldades, é uma questão de<br />
espírito de Fé. Rogando empenhadamente, afincadamente,<br />
nós conseguimos.<br />
O título de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos é um<br />
incentivo para que nós peçamos, porque compreendemos<br />
que o próprio d’Ela é auxiliar. Então, se eu preciso<br />
de auxílio e encontro a Auxiliadora dos Cristãos, estou<br />
certo de ser atendido, porque o necessitado encontra seu<br />
alívio junto à auxiliadora. Se considerar que a auxiliadora<br />
é Mãe, terei certeza de ser atendido. Então, àqueles<br />
dentre nós que se encontram nesse estado, em qualquer<br />
estágio da vida espiritual, eu sugiro — não vou além de<br />
uma sugestão — que rezem apenas três Ave-Marias por<br />
dia, pedindo a Ela isto: que tenha a bondade, a condescendência,<br />
a misericórdia de intervir nesse estado, e intervenha<br />
logo para nos socorrer. Ou, então, uma oração<br />
Petr Magera<br />
25
De Maria nunquam satis<br />
Quanta coisa Nossa<br />
Senhora tem perdoado...<br />
Dessa forma, posso pensar:<br />
“Nunca se ouviu dizer... Será<br />
que Vós permitireis que a<br />
primeira vez seja comigo?”<br />
Capela da Madonna del Miracolo onde se<br />
deu a conversão de Ratisbonne<br />
Igreja Sant’Andrea delle Fratte,<br />
Roma (Itália); em destaque, o<br />
Pe. Afonso Ratisbonne<br />
Branor<br />
como o “Lembrai-Vos” pode ser sumamente útil para<br />
isso.<br />
Rezando essa prece, posso dizer: “Lembrai-Vos de<br />
que nunca se ouviu dizer que Vós abandonastes algum<br />
pecador. Ora, eu sou um pecador. Será que Vós ireis interromper<br />
dois mil anos de gloriosa assistência aos necessitados<br />
e abrir uma exceção para mim? Eu não acredito.”<br />
É uma linda expressão: “Lembrai-Vos”.<br />
Uma simples medalhinha amassada<br />
Quando nos lembramos de todo o rebotado que passou…<br />
E quanta coisa Nossa Senhora tem perdoado, de<br />
toda ordem, de todo jeito; uns judeus empedernidos como<br />
Ratisbonne 1 , bêbados, sem-vergonhas, canalhas, gente<br />
de toda ordem que Ela converte. Dessa forma, posso<br />
pensar: “Nunca se ouviu dizer... Será que Vós permitireis<br />
que a primeira vez seja comigo? Não é possível!” Eu,<br />
então, crio alento e toco para a frente.<br />
Eu li uma vez, num livro de vida espiritual, uma coisa<br />
muito bonita a respeito do auxílio de Nossa Senhora.<br />
Uma senhora, se não me engano da nobreza de Paris,<br />
possuía uma casa muito bem arranjada, em cuja sala de<br />
visitas havia um quadro com uma<br />
moldura bonita e, dentro, uma almofada<br />
de veludo e uma medalhinha<br />
muito comum, amassada.<br />
Um ou outro visitante que aparecia<br />
lá perguntava, às vezes, o que<br />
era aquele objeto inteiramente<br />
sem valor artístico, até estragado,<br />
no meio daquela sala tão faustosa e<br />
de tanto gosto. E a senhora contava<br />
o seguinte: “A essa medalhinha devo a<br />
vida e a conversão do meu filho. Ele era<br />
ateu, estava saindo de um mau lugar — ou<br />
bebendo, ou fazendo qualquer outra coisa má; enfim, se<br />
encontrava em estado de pecado — e houve um crime na<br />
rua; o projétil desviou-se e bateu no peito dele, chocando-se<br />
contra essa medalhinha.”<br />
Sabemos como, em geral, as medalhas de Nossa Senhora<br />
são frágeis, ultracomerciais, de alumínio, etc.<br />
E ela continuou: “O projétil está guardado junto com<br />
a medalha. Entortou e estragou a medalha, mas miraculosamente<br />
não matou meu filho. Ele teve um tal golpe,<br />
que se converteu. E este grande milagre merece bem que<br />
eu tenha estes objetos expostos aqui.”<br />
Vemos, assim, a bondade de Nossa Senhora por um tipo<br />
que, sendo morto por um disparo, iria para o Inferno,<br />
pois estava ofendendo a Ela naquele momento. Para esse<br />
sujeito, Ela realiza um milagre esplêndido.<br />
Então: “Lembrai-Vos de mim também que não estou<br />
fazendo uma coisa horrorosa, não estou pecando, mas<br />
vilmente encalhado, bestamente encalhado, e não há o<br />
que me desencalhe. Disto eu estou farto de saber e compreendo<br />
que só Vós me podeis desencalhar; fazei-me este<br />
favor, desencalhai-me!” É um pensamento que só po-<br />
26
de nos alentar e ser um incentivo para nossa novena de<br />
Nossa Senhora Auxiliadora.<br />
Tardando em nos atender, Maria Santíssima<br />
nos concede superiores benefícios<br />
Auxiliadora dos Cristãos - Basílica de<br />
Maria Auxiliadora, Turim (Itália)<br />
Quando consideramos os auxílios da Virgem Maria,<br />
vemos que é uma verdadeira graça o fato de Ela dignar-<br />
-Se estabelecer conosco relações pelas quais atende pequenos<br />
pedidos, quase que diríamos pequenas intenções,<br />
como se fossem pequenos carinhos maternos da parte<br />
d’Ela. Sem dúvida, é uma graça que devemos reputar como<br />
muito preciosa.<br />
Entretanto, não devemos nos espantar quando o auxílio<br />
de Nossa Senhora tarda. Muitas vezes Ela demora<br />
a atender exatamente nas grandes graças, que Ela quer<br />
que peçamos muito.<br />
Em geral, em toda a vida de uma pessoa muito devota<br />
de Maria Santíssima, assim como existem as graças que<br />
Ela dá logo, há também umas duas, três, quatro ou cinco<br />
que Ela concede demorando enormemente, e essas<br />
são as almas que Nossa Senhora mais ama, pelas quais,<br />
dentro de um rosário de graças facilmente concedidas,<br />
Ela coloca algumas muito difíceis. E em geral as graças<br />
que Ela ama mais são as de caráter espiritual. Às vezes, é<br />
uma graça de caráter temporal cujo retardamento vai ter<br />
um sentido espiritual.<br />
Contaram-me o caso de uma senhora protestante,<br />
convertida à Religião Católica, a qual tinha muita vontade<br />
de ser devota de Nossa Senhora. Leu São Luís Maria<br />
Grignion de Montfort, convenceu-se de ser aquela a<br />
verdadeira devoção, mas não conseguia ter uma devoção<br />
que não fosse puramente teórica em relação à Santíssima<br />
Virgem.<br />
Ela passou dez anos rezando todos os dias afincadamente,<br />
para ter uma devoção viva a Nossa Senhora. Ao<br />
cabo desse tempo, ela a obteve de modo supereminente.<br />
Quer dizer, há certos retardamentos da providência<br />
de Nossa Senhora, enquanto Auxílio dos Cristãos, em<br />
que Ela concede mais tardando do que dando logo. E isso<br />
em parte porque se Maria Santíssima atendesse todos<br />
os nossos pedidos imediatamente, a Terra se transformava<br />
num paraíso e os sofrimentos desapareciam. Ora,<br />
umas das maiores graças que Nossa Senhora nos dá são<br />
as cruzes, os sofrimentos. E muitas vezes Ela tarda para<br />
nos dar a graça e o mérito do sofrimento.<br />
É preciso também acrescentar que algumas vezes a<br />
Santíssima Virgem tarda para provar a nossa Fé, quer dizer,<br />
para nos desenvolvermos na Fé e na confiança; e depois<br />
Ela nos dá essas graças de modo supereminente.<br />
Por isso, se há alguma alma que esteja esperando muito<br />
tempo para receber uma graça, ela não deve considerar<br />
isso como uma recusa de Nossa Senhora, mas como<br />
uma promessa de que, se pedir muito, essa graça lhe será<br />
dada com uma abundância extraordinária.<br />
Na novena de Nossa Senhora Auxiliadora, que, enquanto<br />
Auxiliadora, é dadivosa e distribuidora de graças,<br />
devemos pedir que, assim como Ela tem pena das almas<br />
do Purgatório e abrevia seus tormentos, na medida em<br />
que convenha às nossas almas, condescenda em abreviar<br />
também essas grandes demoras, e nos dê aquilo que nós<br />
queremos, sobretudo para a nossa vida espiritual. v<br />
(Extraído de conferências de 21/5/1964,<br />
17/5/1966 e 18/5/1966)<br />
1) Afonso Tobias Ratisbonne, convertido milagrosamente à<br />
Religião Católica ao presenciar uma aparição de Nossa<br />
Senhora. Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 46, p. 6-9; n. 94, p. 24-29.<br />
Gustavo Kralj<br />
27
santiebeati.it<br />
C<br />
alendário<br />
São Pancrácio<br />
dos Santos – ––––––<br />
1. São José Operário.<br />
São Jeremias, profeta. Prenunciou a destruição da Cidade<br />
Santa e a deportação do povo judeu. Sofreu muitas<br />
tribulações, por isso a Igreja o considerou como figura de<br />
Cristo padecente.<br />
2. Santo Atanásio,bispo e Doutor da Igreja (†373).<br />
Santo Antonino, bispo (†1459). Religioso dominicano,<br />
aplicou-se à reforma da Ordem promovida pelo Beato<br />
Raimundo de Cápua. Foi mais tarde nomeado Arcebispo<br />
de Florença.<br />
3. São Filipe e São Tiago Menor,Apóstolos.<br />
Beato Tomás de Olera, religioso (†1631). Capuchinho<br />
franciscano, grande mestre espiritual falecido em Innsbruck,<br />
Áustria. Foi beatificado no ano 2013, em Bergamo,<br />
Itália.<br />
4. III Domingo da Páscoa.<br />
Beato Ladislau de Gielniow,presbítero (†1505). Religioso<br />
franciscano falecido<br />
em Varsóvia, pregou<br />
com zelo a Paixão<br />
de Nosso Senhor<br />
e compôs piedosos hinos<br />
em seu louvor.<br />
5. Santo Avertino,<br />
diácono (†1189).<br />
Acompanhou São Tomás<br />
Becket no exílio<br />
e após a morte deste<br />
santo, regressou para<br />
Vençay, França, onde<br />
se fez ermitão.<br />
6. Santa Benedita,<br />
virgem (†séc. VI).<br />
Monja romana, de<br />
quem São Gregório<br />
Magno conta que, tal<br />
como pedira a Deus<br />
com insistência, morreu<br />
um mês após a<br />
morte de sua amiga<br />
predileta, Santa Gala.<br />
7. Beato Francisco<br />
Paleári, presbítero<br />
(†1939). Sacerdote do Instituto Cottolengo, dedicou sua<br />
vida ao ensino e ao cuidado dos pobres e enfermos da Pequena<br />
Casa da Divina Providência, em Turim, Itália.<br />
8. São Bento II, Papa (†685). Sucessor de Leão II, foi insigne<br />
pelo seu amor à pobreza, humildade, afabilidade, paciência<br />
e liberalidade nas esmolas.<br />
9. Beato Benincasa de Montepulciano,religioso (†1426).<br />
Religioso da Ordem dos Servos de Maria, retirou-se numa<br />
gruta do Monte Amiata, Itália, onde levou uma vida penitente.<br />
10. São Guilherme, presbítero (†1195). De origem inglesa,<br />
foi pároco em Pontoise, França, destacando-se por<br />
sua piedade e zelo das almas.<br />
11. IV Domingo da Páscoa.<br />
São Mamerto, bispo (†c. 475). Perante a eminência de<br />
uma calamidade, instituiu em Vienne, França, o tríduo solene<br />
de ladainhas e rogações antes da festa da Ascensão do<br />
Senhor.<br />
12. São Nereu e Santo Aquiles, mártires (†séc. III).<br />
São Pancrácio, mártir (†séc. IV).<br />
Santa Rictrudes, abadessa (†c. 688). Após a violenta<br />
morte de seu marido, aconselhada por Santo Amando,<br />
tornou-se religiosa e com sabedoria dirigiu o mosteiro de<br />
Marchiennes, França.<br />
13. Nossa Senhora de Fátima.<br />
Santo André Huberto Fournet,presbítero (†1834). Embora<br />
proscrito pelas autoridades civis durante a Revolução<br />
Francesa, continuou fortalecendo os fiéis na Fé. Fundou,<br />
junto com Santa Isabel Bichier des Âges, o Instituto das<br />
Filhas da Cruz.<br />
14. São Matias,Apóstolo.<br />
Santa Teodora Guérin, virgem (†1856). Religiosa da<br />
Congregação das Irmãs da Providência, na França. Enviada<br />
aos Estados Unidos para fundar uma nova comunidade,<br />
enfrentou as dificuldades, demonstrando caridade com<br />
suas irmãs de hábito.<br />
15. São Caleb ou Elesbão,rei (†c. 535). Para desagravar<br />
os mártires de Nagran empreendeu o combate contra<br />
os inimigos de Cristo e, segundo a tradição, depois de ter<br />
enviado o seu diadema régio para Jerusalém, abraçou a vida<br />
monástica.<br />
28
––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />
16. São Simão Stock, presbítero<br />
(†1265). Ver página 30.<br />
Beato Miguel Wozniak, presbítero<br />
e mártir (†<strong>194</strong>2). Deportado<br />
da Polônia ao campo de concentração<br />
de Dachau, Alemanha, onde<br />
sofreu cruéis torturas antes de<br />
morrer.<br />
23. São Guiberto,monge (†962). Abandonando a carreira<br />
militar, construiu um mosteiro nas terras que possuía<br />
em Gembloux, Bélgica, e retirou-se ao Mosteiro<br />
de Gorze, França.<br />
24. São Simeão Estilita, o jovem, presbítero e<br />
eremita (†592). Durante 45 anos viveu sobre<br />
uma coluna no Monte Admirável, Síria. Escreveu<br />
vários tratados sobre a vida ascética.<br />
17. Beato João (Ivã) Ziatyk, presbítero<br />
e mártir (†1952). Religioso redentorista,<br />
que em tempo de perseguição<br />
foi enviado ao campo de concentração<br />
de Oserlag, Rússia, onde faleceu.<br />
18. V Domingo da Páscoa.<br />
São João I,Papa e mártir (†526).<br />
Santo Érico IX, rei e mártir<br />
(†1161). Enviou à Finlândia o Bispo<br />
Santo Henrique para propagar o<br />
Evangelho. Foi apunhalado por seus<br />
inimigos, enquanto participava da<br />
Santa Missa.<br />
santiebeati.it<br />
25. VI Domingo da Páscoa.<br />
São Gregório VII, Papa (†1085).<br />
São Beda, o Venerável, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†735).<br />
Santa Maria Madalena<br />
de Pazzi, virgem (†1607).<br />
26. São Filipe Néri,presbítero<br />
(†1595).<br />
São José Chang Song-jib,<br />
mártir (†1839). Farmacêutico<br />
coreano convertido à Fé cristã.<br />
Foi preso e morto em Seul após<br />
sofrer cruéis tormentos.<br />
19. Beato Rafael Luís Rafiringa, <br />
São Caleb<br />
religioso (†1919). Religioso lassalista,<br />
que, convertido do paganismo, manteve a presença e a vitalidade<br />
da Igreja em Madagascar quando todos os sacerdotes<br />
tinham sido expulsos.<br />
20. São Bernardino de Siena,presbítero (†1444). Ver página<br />
2.<br />
Beata Colomba de Rieti, virgem (†1501). Nascida de família<br />
nobre em Perúgia, Itália, fez-se religiosa da Congregação<br />
das Irmãs da Penitência de São Domingos e promoveu<br />
a paz entre as facções em conflito nessa cidade.<br />
21. São Cristóvão Magalhães,presbítero, e companheiros,<br />
mártires (†1927).<br />
São Carlos Eugênio de Mazenod, bispo (†1861). Fundador<br />
do Instituto dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada,<br />
em Aix-en-Provence, França, sendo depois eleito<br />
Bispo de Marselha.<br />
22. Santa Rita de Cássia, religiosa (†c. 1457).<br />
Beato João Forest, presbítero e mártir (†1538). Religioso<br />
franciscano, queimado vivo no reinado de Henrique<br />
VIII na Inglaterra, por defender a unidade católica.<br />
27. Santo Agostinho de Cantuária,<br />
bispo (†604/605).<br />
São Gonzaga Gonza, mártir (†1886). Servo do rei da<br />
Uganda, traspassado pela lança de um verdugo quando<br />
era conduzido acorrentado para a fogueira.<br />
28. São Justo de Urgel,bispo (†séc. VI). Bispo de Urgel,<br />
Espanha, que escreveu um comentário alegórico do<br />
“Cântico dos Cânticos” e tomou parte nos concílios hispânicos.<br />
29. Santa Úrsula Ledóchowska, virgem (†1939). Nobre<br />
polonesa, fundadora do Instituto das Irmãs Ursulinas do<br />
Coração Agonizante de Jesus. Morreu em Roma.<br />
30. São José Marello, bispo (†1895). Bispo de Acqui, no<br />
Piemonte, Itália, fundador da Congregação dos Oblatos de<br />
São José.<br />
31. Visitação de Nossa Senhora.<br />
Beato Nicolau Barré, presbítero (†1686). Professor de<br />
teologia e fundador em toda a França das Escolas Cristãs<br />
e da Caridade, bem como das Irmãs Mestras do Menino<br />
Jesus.<br />
29
Hagiografia<br />
São Simão Stock recebe a<br />
libré de Nossa Senhora<br />
No momento em que tudo parecia<br />
perdido para a Ordem do Carmo,<br />
Maria Santíssima aparece a São<br />
Simão Stock e lhe concede o<br />
Escapulário, assegurando, assim,<br />
o florescimento e desenvolvimento<br />
da Ordem no Ocidente, e sua<br />
continuidade até os nossos dias.<br />
Hoje é festa de São Simão Stock, confessor. Ele<br />
era da mais alta nobreza da Inglaterra, e foi<br />
Prior Geral da Ordem do Carmo. Recebeu o<br />
Santo Escapulário das mãos de Nossa Senhora, como sinal<br />
da predileção d’Ela pela Ordem. Deu o primeiro grande<br />
impulso à vida contemplativa carmelitana. Século XIII.<br />
Ponte desde os primórdios da devoção<br />
mariana até o fim do mundo<br />
A respeito de São Simão Stock e da Ordem do Carmo,<br />
é preciso termos bem em mente a importância da obra<br />
deste santo numa linha muito alta das coisas, para compreendermos<br />
bem quão grata nos deve ser a festa que<br />
hoje se comemora.<br />
Tendo o Profeta Elias fundado os antecedentes da Ordem<br />
do Carmo, esta representou o primeiro filão da devoção<br />
marial no mundo. Elias simboliza o extremo da devoção<br />
a Nossa Senhora e lutará, no fim do mundo, contra<br />
o Anticristo e contra os últimos inimigos de Nosso Senhor.<br />
E constitui, portanto, uma espécie de ponte, desde o<br />
início da devoção a Maria Santíssima, séculos antes d’Ela<br />
ter nascido, até a luta contra os últimos inimigos de Nossa<br />
Timothy Ring<br />
São Simão Stock - Igreja dos Carmelitas, Lima (Peru)<br />
30
Senhora, que estarão acabando com o Reino<br />
de Maria, e contra os quais vai lutar<br />
precisamente Santo Elias.<br />
Compreende-se, portanto, a<br />
importância dessa ponte que<br />
se estabelece desde os primórdios<br />
da devoção mariana<br />
até o fim do mundo,<br />
e dessa continuidade,<br />
para o espírito<br />
contrarrevolucionário<br />
e para a verdadeira<br />
piedade marial.<br />
Ordem do Carmo<br />
transformada<br />
em destroços<br />
Consideremos a emergência<br />
diante da qual São Simão<br />
Stock foi levado a realizar<br />
o seu apostolado.<br />
Tinha havido as invasões dos<br />
sarracenos, e a Ordem do Carmo,<br />
que existia no Oriente, estava perseguida,<br />
enxotada e muitos religiosos<br />
passaram a viver no Ocidente.<br />
Mas no Ocidente eles não se aclimatavam. Havia indiferença<br />
para com eles, não se compreendia o que eram,<br />
e estavam meio dispersos. São Simão Stock era o Geral<br />
deles, mas não exercia uma autoridade efetiva sobre<br />
uma Ordem propriamente constituída; podemos dizer<br />
que a Ordem do Carmo estava transformada em destroços<br />
que boiavam sobre um mar revolto, e não era mais<br />
um navio, com uma estrutura jurídica coesa e uniforme,<br />
capaz de conservar um espírito, de promovê-lo e transmiti-lo<br />
à posteridade.<br />
E foi nessa situação que ele, rezando a Nossa Senhora<br />
com muita devoção, pediu que Ela não deixasse morrer<br />
a Ordem do Carmo.<br />
No auge dessa aflição em que se encontrava o santo,<br />
a Mãe de Deus lhe apareceu e deu-lhe o Escapulário do<br />
Carmo. Não é propriamente esse bentinho que se usa<br />
comumente, mas aquele escapulário grande, à maneira<br />
de uma libré, que se colocava sobre a túnica.<br />
Tratava-se de uma época em que ainda se usava muito<br />
a túnica, como traje civil comum. E os homens que pertenciam<br />
a alguém vestiam, por cima de sua túnica, uma<br />
espécie de túnica menor — com a forma do atual escapulário<br />
do Carmo — a qual indicava, pela cor e por outras<br />
características, o senhor a quem aquele homem servia.<br />
Portanto, a Virgem Santíssima indicou aquela veste<br />
Nossa Senhora entrega o Escapulário<br />
a São Simão Stock - Igreja Nossa<br />
Senhora de Bonneval, França<br />
como libré d’Ela, que os carmelitas deveriam<br />
portar sobre a batina.<br />
Depois dessa intervenção de<br />
Nossa Senhora, a Ordem do<br />
Carmo começou a florescer<br />
e a se desenvolver extraordinariamente<br />
no<br />
Ocidente. E para falar<br />
apenas em três frutos<br />
desta Ordem, citemos<br />
Santa Teresa de<br />
Ávila, São João da<br />
Cruz e Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus.<br />
Quer dizer, três<br />
sóis no firmamento da<br />
Igreja.<br />
Lição de confiança<br />
Entretanto, mais do que isso<br />
— e não hesito em afirmar que é<br />
mais —, assegurou a continuidade<br />
da Ordem até os nossos dias. Foi,<br />
portanto, uma missão enorme que<br />
esse santo cumpriu.<br />
Ele foi o traço de união entre a<br />
vida ocidental e a vida oriental da Ordem. E no momento<br />
em que, nessa espécie de istmo entre esses dois continentes<br />
históricos, a Ordem se adelgaçava a ponto de parecer<br />
sumir, precisamente nesse momento, Maria Santíssima<br />
intervém para salvar e dar muito mais do que havia<br />
antes. A Ordem teve, no Ocidente, uma prosperidade<br />
muito maior do que tivera no Oriente.<br />
Nas obras que Nossa Senhora ama, as coisas podem<br />
chegar a ponto de se despedaçarem, se estraçalharem<br />
quase completamente. Tudo parece perdido, mas é o<br />
momento que Ela reserva para intervir.<br />
As grandes intervenções de Deus são precedidas por<br />
uma fase onde tudo parece destruído, para ficar inteiramente<br />
claro que nenhum socorro humano adianta de nada.<br />
Depois de provado que tudo quanto era humano fracassou,<br />
na hora da desolação e do caos, Deus intervém,<br />
por meio de Nossa Senhora, e salva a situação. Foi o que<br />
se deu com a história da Ordem do Carmo. Ou seja, uma<br />
lição de confiança magnífica dada para todos os carmelitas<br />
no decurso dos séculos.<br />
Vamos, então, nos recomendar hoje a São Simão<br />
Stock.<br />
v<br />
Roland<br />
(Extraído de conferência<br />
de 16/5/1966)<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Um palácio<br />
digno e<br />
nobre<br />
Alma voltada para as coisas<br />
mais elevadas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
procurava sempre o<br />
maravilhoso. No Palácio dos<br />
Campos Elíseos ele via o<br />
maravilhoso na mediania,<br />
no equilíbrio e na harmonia.<br />
Mas discernia o que existe<br />
de revolucionário nesse<br />
edifício: uma solicitação<br />
para o gozo da vida, fator de<br />
amolecimento das almas.<br />
Paulo Miguel<br />
Farei alguns comentários sobre o Palácio dos Campos<br />
Elíseos 1 . Obedecendo ao princípio de pôr em<br />
realce também o óbvio, eu queria mostrar o seguinte:<br />
nele há um maravilhoso, o qual é feito — e aqui<br />
está o segredo do Palácio — de elementos que de si não<br />
conduzem ao maravilhoso. É a harmonia desses elementos<br />
que dá o maravilhoso.<br />
Cada mansarda é uma obra-prima<br />
Todos naturalmente notam que o Palácio é muito simétrico:<br />
ele tem um corpo central com duas galerias,<br />
uma inferior e outra superior. Na galeria de baixo, os arcos<br />
são um pouquinho mais largos — e também mais ornados<br />
— do que os da galeria de cima. Na galeria de baixo<br />
há uma espécie de moldura em torno de cada arco,<br />
tendo bem no centro um elemento decorativo que não<br />
existe em cima.<br />
Em baixo, entre os arcos, existem medalhões de faiança,<br />
que em cima são substituídos por outras aplicações<br />
de cimento ou qualquer coisa assim, mas muito mais modestos.<br />
Um espírito banal diria que o Palácio ficaria muito<br />
mais bonito se ele fosse tão belo em cima quanto em baixo.<br />
Mas perderia completamente. O segredo está exatamente<br />
num certo equilíbrio, por onde a parte de baixo<br />
32
parece suportar comodamente a parte de cima que já se<br />
perde um pouco no irreal; ela é mais imprecisa, menos<br />
nítida do que a parte de baixo. Essa ideia é acentuada<br />
ainda mais pelas três mansardas que são, cada uma, uma<br />
verdadeira obra-prima. Essas mansardas, por assim dizer,<br />
repetem de um modo já meio irreal a galeria.<br />
Edifício sólido, mas tendente para o alto<br />
De um lado e de outro há dois corpos de edifício<br />
que se projetam ligeiramente para a frente, mas o mesmo<br />
princípio está adotado aqui, quer dizer, a projeção é<br />
muito maior em baixo do que em cima. Na parte superior,<br />
o destaque é muito pequeno; em baixo, é bastante<br />
acentuado. De maneira que para compreendermos toda<br />
a harmonia existente aqui, deveríamos imaginar como<br />
seria o Palácio sem essas caixas embaixo. Ele não ficaria<br />
completamente lambido?<br />
Vejam como tudo é bem estudado, e aqui se desmente<br />
a regra, pois as janelas de cima são mais ornadas do que<br />
as de baixo.<br />
Então, alguém poderia me perguntar: “Por que essas<br />
janelas não pesam?” Porque elas têm essa caixa na frente,<br />
que aguenta o peso do ornato maior. Imaginem que<br />
essas janelas de cima não fossem mais ornadas, porém<br />
iguais às outras; o Palácio não perderia muito?<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Então, essa discreta harmonia do Palácio é feita em<br />
mil equilíbrios.<br />
Considerem as mansardas. Cada um<br />
desses corpos tem apenas uma mansarda.<br />
Comparem com as outras; é a mansarda<br />
do centro ampliada, mas uma ampliação<br />
esplendidamente harmônica<br />
com o tamanho do terraço e da parte situada<br />
embaixo.<br />
Todas elas — para dar a ideia de que<br />
se perdem no ar — têm três bolinhas em<br />
três suportes em cima, que é o voo que<br />
o edifício toma, de maneira que temos a<br />
impressão de um edifício sólido, assentado<br />
na terra, mas tendente para o alto.<br />
Não tem nada de angélico como um<br />
prédio gótico, mas como o homem é um<br />
misto de alma e corpo, há muita alma nesse<br />
corpo. Não é pura alma como no castelo<br />
de Saumur, por exemplo, mas tem muita<br />
alma dentro desse corpo, donde agora se<br />
explica o que para mim é o encanto do Palácio:<br />
ele não é grande nem pequeno; é médio.<br />
Ele não é riquíssimo, não é pobre; é digno.<br />
Ele não é faustoso nem esplendoroso; é<br />
nobre.<br />
Equilíbrio e harmonia<br />
Quer dizer, é um Palácio que nos dá tudo quanto<br />
pode haver de maravilhoso na mediania, no equilíbrio<br />
e na harmonia, e representa, nesse sentido, um<br />
valor absoluto. Poder-se-ia dizer que é um exemplo<br />
de Harmonia com “H” maiúsculo, porque tudo<br />
quanto é sensacional foi eliminado do Palácio. Mas<br />
ele, de si, é sensacional. Quando o olhamos, pelo menos<br />
a mim, ele se afigura sensacional.<br />
Esta sensação, creio que a luz dourada, se estivesse<br />
bem focalizada, realçaria enormemente. Ele toma<br />
um ar de harmonia de sonho, de conto de fadas nessa<br />
visão, e é um dos aspectos do Palácio de que eu gosto<br />
muito.<br />
Vou fazer uma comparação prosaica: já imaginaram o<br />
Palácio sem aquele portal do lado direito de quem olha?<br />
Pareceria uma cara sem a orelha direita, porque do lado<br />
esquerdo há outro portal. E ficaria uma coisa que terminaria<br />
bruscamente.<br />
Vejam como aquela “orelha” está bem posta: o tamanho,<br />
a largura, mas não visa fazer sensação. Uma pessoa<br />
de espírito dito moderno faria uma superentrada com<br />
um lustre pendurado. Ele não teria percebido nada, porque<br />
é esta leveza discreta — de mãe de família adornada<br />
com gala, e não como mulher leviana — que constitui<br />
o charme do Palácio. Eu acho que o Palácio é maravilhoso<br />
pelo charme.<br />
Uma coisa bonita é o abaulado do terraço.<br />
O modo de se perceber a razão de ser de uma coisa é<br />
imaginar que ela não estivesse ali. Então, imaginem o teto<br />
chato clássico; ele não tiraria algo do Palácio?<br />
Olhem os medalhões e as cerâmicas: que azul bonito!<br />
E ouro sobre azul é a combinação francesa... São muito<br />
bonitos e têm categoria.<br />
34
Vida de seriedade, de pensamento e de ação<br />
Esse Palácio é feito para se levar uma vida de seriedade,<br />
de pensamento e de ação. Se morar aí um indivíduo<br />
que não for um homem de ação, ele apodrece dentro do<br />
Palácio. Tem que ter responsabilidade: é um Palácio para<br />
um governo. Responsabilidades gravíssimas, conselhos<br />
de Estado apertadíssimos, profundos pensamentos, planos<br />
políticos.<br />
Aqui se faria uma preparação para uma guerra justa,<br />
longe da rua e do barulho, uma coisa magnífica: “Ataco<br />
assim ou não? Onde é a moleira do adversário? Qual o<br />
modo e a hora de dar o golpe?”<br />
É preciso entender o que é a doutrina de governo,<br />
que entra dentro disso. Governo não é<br />
principalmente viajar, nem tomar contato com<br />
Thiago Geraldo<br />
Regina Kalman<br />
muita gente, mas estar informado, coordenar dados<br />
e chamar pessoas.<br />
Imaginem, numa manhã, um homem muito reflexivo<br />
neste Palácio, em seu escritório dando para<br />
as árvores, janelas abertas, tudo tranquilo, e ele<br />
está fazendo os seus planos. Planejar é o auge. Aí<br />
dá para rezar, fazer meditação, etc.; uma verdadeira<br />
maravilha.<br />
Podemos medir em que atoleiro nós estamos,<br />
porque isso no Reino de Maria não poderia existir.<br />
Nesse Palácio há Revolução. Estou apontando<br />
os lados positivos, mas isso é cheio de lados negativos.<br />
Entre outros, uma solicitação contínua do gozo<br />
da vida que amolece, e que nós não devemos<br />
tolerar.<br />
Tenho medo desse estilo, porque o convite<br />
para o gozo da vida existe, embora precisemos<br />
saber ver o que ele tem de bonito.<br />
Notem como há uma proporção entre um<br />
arco e o conjunto da fachada. Depois, entre a<br />
altura do arco, e o que resta da altura do edifício.<br />
E a porta de dentro, e até de uma portinha;<br />
porque essa portinha é indispensável. Se<br />
fosse tudo pedra, ficava pesadão.<br />
Esse embasamento tem exatamente a altura<br />
necessária para se perceber que ele existe e<br />
para acentuar a ideia de que o Palácio flutua.<br />
Esse Palácio, apesar de muito sério, é muito<br />
leve. Ninguém poderá dizer: “esse pastelão”.<br />
Gosto muito desse Palácio.<br />
Esses prédios antigos têm lugares que nos<br />
convidam a estar olhando e pensando fixamente,<br />
sem sair. Naquela balaustradazinha,<br />
por exemplo, poderíamos ficar olhando o jardim<br />
maior e, por uma boa meia hora, estar<br />
pensando em tudo e em nada, e quando sairmos,<br />
muitas ideias estarão mais maduras. É desse modo<br />
que se matura. Assim como existe adega para guardar e<br />
decantar vinho, isso é para guardar e decantar gente. É<br />
“adega” de gente.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 12/5/1974)<br />
1) Situado na Av. Rio Branco, bairro Campos Elíseos, em São<br />
Paulo. Foi sede do Governo de 1915 a 1965.<br />
35
Pentecostes<br />
Igreja Nossa Senhora<br />
do Bom Socorro,<br />
Montreal (Canadá)<br />
M<br />
Rainha dos Apóstolos<br />
aria Santíssima possuía uma plenitude de vida espiritual<br />
que atingiu novo auge em Pentecostes, quando baixou<br />
sobre Ela o fogo do Espírito Santo, e depois se distribuiu para<br />
todos os Apóstolos. Toda a graça que há na Igreja vem por meio<br />
d’Ela. Portanto, podemos conceber o incomparável valor que há<br />
na vida interior de Nossa Senhora, como causa e fecundidade do<br />
apostolado d’Ela. Por isso, Ela é chamada Rainha dos Apóstolos.<br />
(Extraído de conferência de 23/2/1990)<br />
François Boulay