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Revista Dr Plinio 196

Julho de 2014

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Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>196</strong> Julho de 2014<br />

Temperamento<br />

medieval e luciliano


Alma verdadeiramente<br />

eucarística<br />

S<br />

anta Maria Goretti manifestou a<br />

lucidez com que a virgem católica<br />

compreende e ama a sua pureza,<br />

sem necessidade de aulas, e que leva<br />

uma menina a enfrentar qualquer<br />

brutamonte, resistindo até quando<br />

está por morrer.<br />

Aquela figura angélica<br />

entregou a sua vida com toda a<br />

resolução, para não perder o que<br />

ela amava mais do que a luz de<br />

seus olhos e a própria existência: a<br />

virgindade, a qual se aprende a<br />

amar como o dom mais precioso<br />

da vida, quando se tem uma alma<br />

verdadeiramente eucarística.<br />

Santa Maria Goretti com dois de<br />

seus irmãos, em 1902<br />

Turris Davidica<br />

(Extraído de conferências de 23/4/1955 e 24/7/1981)<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVII - Nº <strong>196</strong> Julho de 2014<br />

Ano XVII - Nº <strong>196</strong> Julho de 2014<br />

Temperamento<br />

medieval e luciliano<br />

Na capa,<br />

Dona Lucilia<br />

em <strong>196</strong>8.<br />

Foto: João S. C. Dias<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Editorial<br />

4 Temperamento medieval<br />

e luciliano<br />

Dona Lucilia<br />

6 Mãe verdadeiramente católica<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

10 “Senti a vida de Nosso Senhor em mim”<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

14 O papel do belo sensível no<br />

conhecimento humano<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

18 O temperamento medieval<br />

Calendário dos Santos<br />

26 Santos de Julho<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 122,00<br />

Colaborador .......... R$ 170,00<br />

Propulsor ............. R$ 395,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 620,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 17,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Hagiografia<br />

28 O esplêndido palácio da coerência<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Equilíbrio, força e obediência<br />

Última página<br />

36 Lírio entre os espinhos<br />

3


Editorial<br />

Temperamento<br />

medieval e luciliano<br />

Altamente formativo para o homem contemporâneo é admirar o temperamento medieval descrito<br />

por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> neste número da revista 1 . Caracterizava-se ele pela estabilidade decorrente da noção<br />

da longa duração de tudo o que se faz. O medieval não tinha pressa, pois procurava em tudo<br />

a perfeição. Disso temos um belo exemplo no modo de ser sacral de Dona Lucilia, descrito pelo “Filhão”<br />

nestes termos pervadidos de gratidão:<br />

O que caracterizava o espírito dela era uma retidão extraordinária, que consistia em ver sempre<br />

todas as coisas inteiramente de frente. Por mais dolorosas ou promissoras que fossem, ser inteiramente<br />

objetiva, vendo o sofrimento com toda a sequela de amarguras que ele pudesse trazer. Vendo<br />

também a alegria, sem exagerar as vantagens que trazia, e compreendendo bem como nesta terra tudo<br />

é aleatório e como, portanto, tudo de repente pode degringolar. De onde uma posição muito calma,<br />

muito estável em face da vida. Ela não tinha nem grandes torcidas, nem grandes ansiedades, nem<br />

grandes depressões, não sendo nem um pouco uma pessoa apática.<br />

A minha mãe era o contrário do meu temperamento fleumático. Para usar uma expressão implicante<br />

de hoje, ela vivia profundamente todos os acontecimentos, mas com uma certa distância. Havia<br />

entra ela e os fatos uma camada que os ruídos destes não conseguiam transpor. E ela, para aquém<br />

dos fatos, conservava a calma, a distância psíquica, a estabilidade e a continuidade.<br />

De maneira que ela era sacral, recolhida, tranquila, forte e meiga em todas as circunstâncias da vida.<br />

Por mais que estas mudassem, ela estava sempre na mesma posição.<br />

Mas, por detrás desta atitude tão calma, havia um profundo senso do dever. Ela não entendia que<br />

a finalidade da vida fosse conquistar honras, prazeres, glórias, dinheiro para gozar o mais possível e<br />

depois morrer.<br />

Para ela, a vida consistia num certo dever a cumprir e numa certa forma de alma a adquirir.<br />

Ela considerava que a felicidade está em se ter uma alma elevada, piedosa e tranquila, e em gozar<br />

os prazeres simples, despretensiosos e normais da existência. A felicidade não está, portanto, nas<br />

grandes festas, nas grandes viagens e nas grandes fortunas, mas na boa ordenação da vida quotidiana,<br />

no bom aproveitamento dos lazeres comuns e em conferir um significado espiritual e moral ao gozo<br />

do que se tem. É uma felicidade, sobretudo, de alma, uma felicidade de situação temperante, tranquila,<br />

modesta, que se sente até no infortúnio, porque, desde que não tenhamos culpa pela derrocada,<br />

conserva-se o essencial: a consciência limpa diante de Deus e uma elevação de alma que torna a<br />

vida digna de ser vivida.<br />

Ela possuía uma serenidade que a colocava acima de todas as vicissitudes e fazia dela uma pessoa<br />

constantemente igual a si mesma, mesmo quando os caminhos da vida se fechavam, às vezes de modo<br />

assustador.<br />

4


E sempre com esta temperança,<br />

esta normalidade que era a<br />

perfeita proporção entre o acontecimento<br />

externo e a repercussão<br />

interna nela. De maneira<br />

que ela vibrava em face das<br />

coisas na proporção e na medida<br />

equilibrada, com uma ordem<br />

de valores em que o religioso<br />

estava acima de tudo. Abaixo<br />

do religioso vinha o metafísico,<br />

depois o moral, e em seguida os<br />

interesses contingentes da vida<br />

tratados com o devido cuidado.<br />

Toda esta retidão ela possuía<br />

porque intuía que assim as coisas<br />

deveriam ser, e compreendia<br />

— com uma clareza cheia de<br />

verdades implícitas — estar conforme<br />

a Religião.<br />

Quando eu tinha 10 ou 11<br />

anos, notei o choque da Revolução<br />

e da Contra-Revolução, e<br />

percebi que toda a tradição que<br />

eu recebi dela entrava em luta com o mundo moderno. Em determinado momento, compreendi que<br />

a explicação verdadeira desta tradição era a Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana. Deu-se,<br />

então, um flash no meu espírito e cheguei a unir todo o amor à Religião ao amor a esta tradição, cujo<br />

substractum religioso mamãe não via tão explicitamente.<br />

É preciso ver em Dona Lucilia, sobretudo, aquela elevação de alma por onde, com toda temperança,<br />

desde pequenina, ela soube ir cada vez mais colocando a Religião acima de tudo, os valores espirituais<br />

acima dos materiais, e a vida terrena como uma coisa que deve ser vivida, sobretudo, para um dever,<br />

fruindo das pequenas vantagens da vida apenas o necessário para o cumprimento do dever.<br />

É a impostação sacral da alma que a preparou para contemplar a Deus face a face. Creio que por<br />

aí podemos entendê-la bem e nos unir a ela.<br />

(Extraído de conferência de 24/6/1973)<br />

1) Páginas 18-25.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Mãe verdadeiramente<br />

católica<br />

Comentando algumas das<br />

últimas fotos de Dona Lucilia,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ressalta os aspectos<br />

que faziam dela uma verdadeira<br />

mãe católica, devota imitadora<br />

d’Aquela cuja maternidade<br />

divina nobilitou, em todo<br />

o universo, a condição de<br />

mãe, elevando-a ao plano<br />

sobrenatural.<br />

Percebe-se nessa primeira foto mamãe procurando<br />

perfurar uma certa névoa da inteligência; ela<br />

está aplicando a vista com força. Nota-se aí o vigor<br />

de sua personalidade e também a serenidade, a calma.<br />

Entretanto, de dentro do infortúnio, pois ela já estava<br />

surda e enxergava com muita dificuldade. Com que<br />

ânimo ela procurava ver, examinar as coisas! Ao mesmo<br />

tempo, percebe-se um equilíbrio mental e temperamental<br />

de primeira ordem. E isso na provação, na dor. É impressionante!<br />

“Ite, vita est”<br />

Para mim — com olhar de filho —, à medida que vão<br />

passando essas fotografias, cada uma parece melhor que<br />

a anterior. Na foto seguinte 1 , ela não está aplicando mais<br />

a vista, nem a inteligência em nada do que ela ainda não<br />

conhece, mas vendo o que ela já sabe e ficou para trás.<br />

6


Ela olha a vida que passou e a que vem. Está tranquilamente<br />

entre a vida e a morte, mas com muita dignidade.<br />

Aqui tem alguma coisa que ainda é mais do que o<br />

Quadrinho 2 . Nesse Ite, vita est — à maneira do que o padre<br />

diz no fim da Missa: “Ite, Missa est” —, a vida se completou,<br />

vivida com dignidade. Foi sofrido o que era o caso<br />

de sofrer, mas também já está tudo cumprido; resta<br />

apenas dar o último passo.<br />

Ela está olhando para o que passou e um tanto para o<br />

que virá também, com muita paz e uma alegria nascida<br />

da dor. Não é pura e simplesmente alegria, mas um júbilo<br />

de quem contempla as flores do sofrimento colhidas<br />

no fim da vida: “Eu sofri isso, sofri aquilo, mas está tudo<br />

feito, bem aplicado, bem arranjado. Alguma coisa talvez<br />

não esteja bem, mas Nossa Senhora arranjará.”<br />

No Quadrinho ela está representada com mais alegria,<br />

como quem ainda não dá a vida como inteiramente acabada.<br />

Aqui não, está terminada mesmo.<br />

O modo de o xale estar posto sobre ela dá-nos a impressão<br />

de que, de um lado, representa a caudal da vida<br />

que foi, e, de outro, o que resta viver.<br />

O cabelo dela não é uma auréola de ouro, mas de prata,<br />

que a meu ver lhe fica melhor.<br />

Um sino tocando em louvor a Dona Lucilia<br />

Na fotografia em que olha para o calendário, ela toma<br />

essa posição para comprazer quem a está fotografando,<br />

porque já estava com a catarata tão adiantada que via<br />

muito pouco, a ponto de nem se preocupar mais em usar<br />

óculos.<br />

Eu não quis sujeitá-la, nessa idade, a uma operação<br />

de catarata, que para ela poderia ser traumática. Julguei<br />

melhor deixar assim.<br />

Nota-se, em meio a tudo isso, muita segurança.<br />

As flores lhe eram bem mais visíveis.<br />

Nessa foto em que olha para as flores, percebe-se que<br />

Dona Lucilia está tomada por uma tristeza e até um certo<br />

desacordo com algo. Parece lembrar-se de alguma coisa<br />

mal feita que a desagradou, e ela ainda se encontra no<br />

choque de uma luta, a qual, como de costume, era alguma<br />

contenda que não lhe saiu melhor, ou seja, a outra<br />

parte não cedeu o que ela queria.<br />

Essas fotografias me consolam. Elas nunca teriam sido<br />

possíveis se não fosse aquela crise de diabetes que eu<br />

sofri 3 . Porque, estando em convalescença, as pessoas vinham<br />

falar comigo e se conseguiu tirar essas fotos.<br />

As pessoas não fazem ideia de quanto eu a queria<br />

bem. Era uma miscelânea de muitíssimo afeto e de muito<br />

respeito. O respeito que eu tinha a ela era enorme!<br />

Imaginem um jato de luz que bate de frente e inunda<br />

um objeto. Assim era o meu afeto por ela. Eu a que-<br />

7


Dona Lucilia<br />

ria intensamente bem! Não havia<br />

em mim intensidade maior possível<br />

para querer uma mera criatura<br />

humana, depois de Nossa Senhora.<br />

E eu lhe manifestava torrencialmente;<br />

agradava-a, dizia-lhe coisas<br />

amáveis. O tempo inteiro em que<br />

eu estava com mamãe, era como se<br />

fosse um sino tocando em louvor<br />

dela. Não parava!<br />

Meu pai, às vezes, ficava meio<br />

enciumado. E então ele lhe dizia,<br />

imitando o sotaque português e em<br />

tom de brincadeira: “Não te derretas!”<br />

Mas eu percebia que papai queria<br />

que eu dissesse alguma coisa<br />

para ele. Eu o tratava muito bem,<br />

com muita atenção e cortesia. Mas<br />

a diferença era enorme! E uma vez<br />

ele disse: “É... aqui em casa, papai<br />

é tratado muito bem, muito direito…<br />

Mas o entusiasmo todo é por<br />

mamãe, não é?”<br />

Dona Lucilia tinha um cunhado que ela queria salvar<br />

a todo custo. E ela ouvia-me conversar assuntos relativos<br />

à Fé com meus amigos, e prestava muita atenção em tudo<br />

quanto eu dizia.<br />

Às vezes ela perguntava: “Por que vocês não dizem isto<br />

para Fulano?”<br />

Ela julgava, talvez equivocadamente, que ouvindo<br />

aquilo o cunhado seria “bombardeado” para o Céu.<br />

O falecimento de seu pai<br />

Um episódio muito doloroso para ela foi a morte do<br />

pai 4 .<br />

Ele viajara a negócios para Santos. Certa manhã, estando<br />

em uma loja no centro da cidade, teve um desmaio.<br />

O dono do estabelecimento deitou-o sobre o balcão,<br />

mas ele já estava desacordado. Levaram-no para a<br />

casa de um amigo que morava ali perto.<br />

Ao lado do quarto onde ele se encontrava deitado, estavam<br />

várias pessoas conversando, porque a essas alturas<br />

começaram a chegar muitos conhecidos. Em certo momento<br />

ouviram-no chamar: “Gabriel, Gabriel!”, tratava-<br />

-se de seu filho mais velho. Este entrou e perguntou-lhe:<br />

“Papai, o que o senhor quer?” Ele fez um sinal de que estava<br />

indisposto, e morreu.<br />

Mamãe não estava em Santos, mas em São Paulo.<br />

No dia seguinte, o trem com o cadáver subiu para São<br />

Paulo para ser feito o enterro.<br />

Ela me contava que estava numa casa, a pouca distância<br />

da residência de vovô, esta situada na Alameda Barão<br />

de Limeira, onde depois passei grande parte de minha<br />

vida.<br />

Ela se aprontou para sair com meu pai e um tio que<br />

tentaram conduzi-la, pela distância de meio quarteirão,<br />

até a casa onde se encontrava o corpo de meu avô. Mas<br />

ela não conseguia andar, tal era seu estado de emoção e<br />

tristeza.<br />

Então esse tio disse a papai: “João Paulo, você veja,<br />

não é possível levarmos Lucilia até a casa do pai dela,<br />

ela não anda! Vamos levá-la de volta para sua residência<br />

porque é inútil continuarmos!”<br />

Papai perguntou para ela: “Você quer voltar para casa?”<br />

Mamãe fez um sinal afirmativo, como quem diz: “Não<br />

há remédio, eu volto.” Ela nem teve coragem de ver o cadáver<br />

do pai. Foi um choque tremendo!<br />

O sorriso e a carícia da Mãe<br />

do Bom Conselho<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio Ribeiro dos Santos.<br />

Acima, última fotografia, tirada<br />

pouco antes de sua morte<br />

O arquétipo de mãe é Nossa Senhora. Portanto, entre<br />

a Santíssima Virgem e todas as boas mães há uma espécie<br />

de nexo, por onde, a partir do momento em que<br />

Nossa Senhora ficou Mãe, tenho a impressão de que a<br />

condição de mãe recebeu um acréscimo que não vem<br />

da natureza, mas do sobrenatural, nobilitando-a no uni-<br />

8


verso inteiro. E que todas as mães que<br />

conservam alguma dignidade — dentro<br />

da tradição católica do ser mãe — tiveram,<br />

têm e terão até o fim do mundo<br />

uma espécie de superávit além da graça<br />

comum, algo mais especial para serem<br />

mães inteiramente como devem ser, na<br />

linha do que a Mãe de Deus foi. Assim<br />

como, pela Encarnação do Verbo, todos<br />

os seres humanos adquiriram uma dignidade<br />

maior.<br />

O que vou dizer nunca li em teólogo<br />

algum — e estou pronto a dobrar a língua,<br />

com alegria, diante do ensinamento<br />

da Igreja —, mas tenho a impressão de<br />

que, a partir do momento em que Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo nasceu, as realezas<br />

se tornaram mais sagradas, a condição<br />

de professor se tornou mais elevada,<br />

a de militar mais heroica. E toda a vida<br />

humana recebeu um acréscimo sobrenatural,<br />

que começou a perder quando a<br />

Revolução estalou.<br />

Essa hipótese me agrada enormemente.<br />

Então, quem foi mais exímia mãe<br />

tem um nexo especial com Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo e com Nossa Senhora.<br />

E quanto mais extraordinariamente<br />

tenha sido mãe — num sentido simbólico,<br />

mas também vivo da palavra —, essa<br />

participação com o Coração materno<br />

de Maria lucrou alguma coisa. E isto era<br />

muito intenso em Dona Lucilia.<br />

A respeito da imagem de Nossa Senhora<br />

de Genazzano, sempre tive a seguinte<br />

ideia: O que ali está pintado, exprimindo<br />

as relações de Nosso Senhor<br />

com Nossa Senhora, é uma espécie de consonância e de<br />

intimidade tais que Eles nem precisavam falar. Estavam<br />

sempre meditando e consonando numa mesma direção.<br />

Ela O carrega e Ele se deixa carregar por Ela, com uma<br />

naturalidade que representa o amor da Mãe e do Filho<br />

de um modo admirável, arquetípico.<br />

É assim que a Mãe perfeita ama o Filho Divino. E todo<br />

o amor de filho para mãe e de mãe para filho, de algum<br />

modo se repete dessa forma, em graus diferentes.<br />

Porque, a partir do momento em que Ela se tornou Mãe,<br />

houve esse aperfeiçoamento.<br />

Lembro-me bem do sorriso e da carícia de Mater Boni<br />

Consilii quando recebi aquela comunicação 5 , em <strong>196</strong>7.<br />

Depois daquele fato, passou-me pela mente esta ideia:<br />

Como o amor de mamãe é parecido com o d’Ela, embora<br />

com diferenças de grau insondáveis!”<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 15/8/1987)<br />

1) Fotografia que serviu de base para a pintura do Quadrinho.<br />

2) Quadro a óleo, que muito agradou a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um<br />

de seus discípulos, com base em uma das últimas fotografias de<br />

Dona Lucilia. Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 119, p. 6-9.<br />

3) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 21, p. 17 e n. 84, p. 7.<br />

4) <strong>Dr</strong>. Antonio Ribeiro do Santos, falecido em 12/11/1909.<br />

5) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 21, p. 17; n. 83, p. 4 e n. 84, p. 7-9.<br />

9


Sagrado Coração de Jesus<br />

“Senti a vida<br />

de<br />

Nosso Senhor<br />

em mim”<br />

Sagrado Coração<br />

de Jesus - Basílica<br />

de São Isidro,<br />

Madri (Espanha)<br />

Sergio Hollmann<br />

Em sua existência de quase<br />

87 anos, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> fez<br />

milhares de conferências,<br />

escreveu muitos artigos e<br />

livros, promoveu grandes<br />

atividades em defesa da<br />

Santa Igreja e da civilização<br />

cristã. Mas propriamente<br />

o que caracterizou a vida<br />

de sua alma foi o contato,<br />

o afeto, a união com o<br />

Sagrado Coração de Jesus,<br />

fundamentados no<br />

amor à Cruz.<br />

10


Já falei das minhas impressões 1 — mais do que impressões,<br />

pois foram graças — sobre a Igreja do<br />

Coração de Jesus. E aquilo eu amei nos seguintes<br />

termos:<br />

Intercâmbio de afeto e de comunhão<br />

com o Sagrado Coração de Jesus<br />

Minha vida — a vida de minha alma — é eu ter contato,<br />

entrar em intercâmbio de afeto e de comunhão com<br />

essas coisas, portanto, com o Sagrado Coração de Jesus,<br />

em últimos termos, nos mais altos termos, nos termos<br />

conclusivos, finais. Isto marca a minha existência e marcará<br />

toda a minha vida com uma nota que desejo. Viver<br />

é isto! Ou seja, quer com relação à vida eterna, quer com<br />

a terrena, não desejo uma existência que não seja marcada<br />

por esse ideal, porque não amo outra coisa senão isto.<br />

Vejo bem que devo lutar por isto até o fim, quer dizer,<br />

fazer que prevaleça acima de todas as coisas. A ideia de<br />

luta eu não tinha inteiramente clara, mas sim a de fazer<br />

prevalecer, restabelecer a ordem a este respeito. Ou seja,<br />

vou restabelecer esse ideal e sei que isto dará, no fim, numa<br />

glorificação minha. Mas a glorificação não é apenas a<br />

celeste, a mais desejável de todas, mas também será nesta<br />

vida. Por quê? Porque há um movimento interior que<br />

me diz isto. Mas que não concebo em termos de grandeza<br />

mundana, e sim de união com isto. Serei aprovado,<br />

acariciado, afagado e premiado, e me unirei mais com o<br />

Sagrado Coração de Jesus.<br />

Problema de vaidade nem se punha. De maneira tal<br />

que o clamor que se elevasse me aplaudindo, seria um clamor<br />

aplaudindo a Ele, Nosso Senhor Jesus Cristo. E isto<br />

eu quero. Mas não sou alheio a este circuito. Sei que passa<br />

por mim. E com isto a minha vida teve seu resultado.<br />

Isto tudo foram coisas sentidas, intuídas, porque ficam<br />

de um modo ou de outro na linha do que um homem<br />

sentiu, não do que ele raciocinou. Portanto, em algum<br />

sentido da palavra, isto é sentimento.<br />

A Moral só se sustém com base na Religião<br />

Depois, ao compreender a enormidade do sacrifício<br />

que esta minha adesão me impunha, na hora de, por assim<br />

dizer, verter sangue, começar a enorme hemorragia,<br />

veio a pergunta: O que me garante a inteira autenticidade<br />

disto que estou fazendo e deste passo que estou dando?<br />

Isto é mesmo a vontade de Deus? E por que, em última<br />

análise, devo seguir isto? Em termos de razão e de<br />

Doutrina Católica, não de especulação individual, que<br />

fundamento tem isso?<br />

Aí não é mais o primeiro élan, mas um movimento de<br />

alma em que entra algo da miséria humana. Na hora de<br />

dar, do holocausto, mede-se o preço. Porém, é compreensível<br />

que isto venha ao espírito.<br />

Eu fazia o seguinte raciocínio, que ninguém me explicou,<br />

tive que descobrir:<br />

A vida, sem ser norteada por uma Moral, não é vida. É<br />

uma existência de mero gozador, destes que vejo em toda<br />

parte.<br />

Outro dado: uma Moral só se sustém com base na Religião.<br />

Porque se não é por Deus — que existe verdadeiramente<br />

como Ser inteligente, individual, pessoal, distinto<br />

de mim, infinitamente superior a mim e que me prescreve<br />

essa Moral —, não tenho razão para seguir esta<br />

Moral. De um lado é sublime, mas de outro não se justifica<br />

sem Ele. E se eu não cresse em Deus, ficaria desolado<br />

de não seguir esta Moral, mas diria: “As ilusões de minha<br />

infância são por demais belas, mas exigem esforço; e<br />

o chiqueiro é muitíssimo atraente. Não sou homem para<br />

exercer essa força; vou afundar no chiqueiro!”<br />

Entretanto, uma vez que há Deus, e evidentemente a<br />

Igreja Católica é verdadeira e perfeitos são os Mandamentos,<br />

justifica-se e impõe-se que eu siga esse ideal. Assim,<br />

tenho uma razão definida para mim mesmo, analisada<br />

e criticada por mim, que me diz: “Agora, para o sacrifício!”<br />

Então, entro no sacrifício.<br />

Na hora de conceder o dom, o Altíssimo não apresenta<br />

a conta. Ele primeiro nos deixa querendo muito, para<br />

depois nos mostrar a conta: “A cruz é esta.” E pergunta:<br />

“Queres?”<br />

E essa interrogação apresenta-se no choque com um<br />

sacrifício tão tremendo, que a alegria interior não compensa<br />

o sofrimento. Ou a pessoa se apoia na razão, ou<br />

não se escora. Para a minha psicologia, esse ponto tem<br />

uma importância absolutamente fundamental.<br />

Depois vem o livre-arbítrio, a graça, que jogam no<br />

sistema clássico, segundo explana Santo Inácio de<br />

Loyola.<br />

O cavalo velho, molhado e surrado,<br />

puxando uma carrocinha<br />

Primeiramente, o que eu vou dar? Tudo! Porque tenho<br />

ciência de que perderei todo o deleitável da vida terrena.<br />

Entrevejo que, de um jeito ou de outro, serei um<br />

depenado, espezinhado, posto de lado, nem sei o que vai<br />

acontecer comigo!<br />

De outro lado, não. Porque se eu tomar esta via fico<br />

contente, desde que tenha esta união com o Sagrado Coração<br />

de Jesus. A essas alturas, Nossa Senhora já estava<br />

inteiramente definida no meu horizonte; era por causa<br />

d’Ela que eu estava diante disso. Maria Santíssima e<br />

a Igreja Católica dão-me tal alegria de seguir esse caminho,<br />

contentando-me eu com tão pouco, que se me res-<br />

11


Sagrado Coração de Jesus<br />

Ad Maskens<br />

tar esse pouco para poder respirar, eu carrego a cruz! E,<br />

portanto, vamos para a frente!<br />

E, realmente, a razão de eu aguentar tanta coisa está<br />

no fato de contentar-me com muito pouco. Não sou exigente<br />

nem birrento. Estou tão disposto a ver os méritos<br />

nos outros, sem ser ingênuo — se há uma coisa que não<br />

sou, é ingênuo! —, que qualquer coisinha boa que se faça<br />

para mim e, sobretudo, para a causa da Igreja, acolho<br />

de braços abertos.<br />

Certo dia, transitando de automóvel por uma das<br />

ruas que circundam o cemitério da Consolação, vi<br />

passar diante de mim uma carrocinha comum, carregada<br />

não sei do quê, num dia de chuva — dessas chuvinhas<br />

finas de São Paulo —, puxada por um cavalo<br />

velho, magérrimo, molhado a mais não poder, e cavalgando<br />

contentinho, disposto a tudo até cair morto de<br />

cansaço, de frio, de fome.<br />

Mas trotando com tanta naturalidade, desenvoltura<br />

e — se pudéssemos dizer isto de um animal — com<br />

tanta alegria no meio daquilo tudo, que me fez lembrar<br />

mamãe acolhendo-me muitas vezes com alegria,<br />

ficando satisfeita com o mínimo agrado de minha parte.<br />

Era só o que ela possuía na vida, não tinha outra<br />

coisa. E continuava o caminhozinho dela, até a hora<br />

da morte.<br />

Ao ver aquele cavalinho velho, molhado e surrado,<br />

puxando aquela carrocinha, eu me emocionei. Primeiro,<br />

por me lembrar de mamãe, mas depois por pensar em<br />

mim mesmo, porque, de fato, eu me contento com muito<br />

pouco. Isso representa um grande fundo de felicidade.<br />

Ou sabemos valorizar muito a pouca coisa que temos, ou<br />

não somos felizes.<br />

Aceitar o sofrimento por amor a<br />

Nosso Senhor é medicinal<br />

Essas considerações vinham acrescidas da noção de<br />

que havia em mim um pantanal a ser secado, para desaparecerem<br />

as moscas e outras coisas. Depois, mantê-lo<br />

seco, pois chove continuamente em cima desse pantanal,<br />

o que é propriamente uma cruz. Tem-se que sofrer, porque<br />

é só assim que se consegue isso. A cada segundo estamos<br />

diante da alternativa: aceitar ou rejeitar a dor. É<br />

assim, não tem conversa!<br />

É preciso ver nisso uma autolimpeza, uma autoadequação<br />

para este amor ao Sagrado Coração de Jesus,<br />

uma condição para se realizar essa via espiritual. Este é<br />

o amor à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ave Crux,<br />

spes unica; Mater dolorosa, ora pro nobis 2 .<br />

A graça, por vezes, age assim conosco: na hora do convite,<br />

ela nos apresenta um paraíso; e quando estamos<br />

inebriados de consolações, ela nos apresenta o sofrimento:<br />

“Isto custa a cruz!”<br />

Nessa hora, para nos sustentar, é necessário o raciocínio<br />

baseado na Fé, e uma deliberação: “Eu vou<br />

sofrer!”, compreendendo que isso é medicinal e prepara<br />

para a união com Ele já nesta Terra e, depois, no<br />

Céu. Sem essa determinação, todas aquelas graças ficam<br />

esvoaçando inúteis pelo ar, em cima de um pântano<br />

imundo.<br />

Já aprendi também que não adianta a seguinte resolução:<br />

Vou pegar o sujeito, quando ele estiver no auge da<br />

consolação, e dizer isso para ele. Porque passa a consolação,<br />

e ele não se lembra.<br />

Deixe os Anjos cantarem dentro dele, por ordem de<br />

Deus, o cântico da alegria e da esperança.<br />

E, em certo momento, o Altíssimo<br />

baterá na porta.<br />

Há uma cerimônia na Semana Santa,<br />

em que o Sacerdote desvenda a<br />

Cruz aos olhos do público, em três fases,<br />

cantando: Ecce lignum Crucis... Eu<br />

acho isto uma beleza! Vem um Anjo e<br />

nos canta: “Este é o lenho da Cruz... este<br />

é o lenho da Cruz...”, cada vez mais<br />

perto. E devemos beijá-lo com muito<br />

carinho, como Nosso Senhor tomou a<br />

sua Cruz!<br />

Ou seja, é preciso tomar esta decisão:<br />

Isso eu seguirei, vou ser sério em<br />

ver a cruz e pagarei meu preço! Pedirei<br />

forças a Nossa Senhora, pois sem a<br />

mediação d’Ela não consigo nada, mas<br />

vou fazer isso! Uma alma cheia de sabedoria<br />

deve ser assim.<br />

12


A pluralidade e a desigualdade<br />

das criaturas, formando<br />

um unum<br />

O mecanismo da visão do<br />

homem serve como exemplo<br />

para explicar o plano<br />

de Deus. Aquilo que o homem<br />

vê e a luz dentro da<br />

qual ele olha são criaturas<br />

do Altíssimo. E cada coisa<br />

foi calculada em função<br />

da outra. De maneira<br />

tal que, se a realidade externa<br />

fosse outra, meu olho<br />

seria cego, pois não a apanharia.<br />

Ele a capta porque é proporcionada<br />

a ser vista por ele.<br />

São Tomás de Aquino ensina que,<br />

para refletirem bem a Deus, as criaturas<br />

têm que ser plurais e desiguais, porque uma só não<br />

pode dar um reflexo adequado do Criador. No sistema<br />

visual, o ser humano encontra as suas delícias na pluralidade<br />

e nas desigualdades, por detrás do que está um<br />

unum de coerência: a unidade.<br />

Isto deve deixar a minha alma cheia, sentindo delícias<br />

nesse movimento em que ela apanha a coisa maior, e se<br />

dilata; pega a coisa menor, e se encanta; toma as coisas<br />

intermediárias e tem aquele bom repouso da mediania.<br />

A alma, portanto, se compraz em todas as dimensões.<br />

Esta flexibilidade da alma, por onde ela é capaz de<br />

gostar de tudo segundo a dimensão de cada coisa, eu<br />

chamo bondade.<br />

O contrário da bondade é um “reumatismo” culposo<br />

dentro da alma, que leva o indivíduo a dizer o seguinte:<br />

“Eu só gosto de tal coisa, de vê-la em tal comprimento<br />

de onda, e fico em oposição porque o universo não é assim,<br />

e não me dá essa coisa exclusiva que eu quero.”<br />

No fundo é rebelião contra Deus, a qual leva a uma<br />

atitude má com as outras pessoas, e a um procedimento<br />

fruitivo, egoísta. Esta maldade é o contrário da santidade.<br />

Um afeto cheio de grandeza e uma<br />

grandeza cheia de afeto<br />

Depois de ter visto como todas as coisas são boas, ter<br />

se comprazido, compreende-se melhor a transcendência<br />

de Deus. E o brado de admiração interior diante desse<br />

quadro é resultado do reflexo disso em nós, o qual é a<br />

santidade. Ao receber esse reflexo, aceitá-lo e amá-lo, a<br />

pessoa se santifica.<br />

É preciso ver o Sagrado Coração de<br />

Jesus assim. Percorrendo o Evangelho,<br />

notamos que foi o que Nosso<br />

Senhor fez. Ele foi assim até<br />

dar o último suspiro.<br />

Então, olhando para a<br />

imagem do Sagrado Coração<br />

de Jesus, compreendo<br />

ainda melhor, concretamente,<br />

com os sentidos<br />

do corpo, tudo o que<br />

a minha alma pode apreciar.<br />

E meu amor não foi<br />

de Anjo, mas de homem.<br />

Porque eu via n’Ele. Aí está<br />

feito o circuito, e a pessoa se<br />

dá a Ele.<br />

Quando se diz sanctifica me in veritate<br />

3 , para mim era isso com acréscimo.<br />

Quando criança, eu percebia confusamente<br />

— mas hoje sei como é — que isto não era uma<br />

mera operação mental minha. Mas eu seria incapaz dessa<br />

operação mental se a vida d’Ele não tivesse entrado em<br />

mim, participativamente, e não me levasse a fazer isso.<br />

Minha alma teve, portanto, um contato com Nosso<br />

Senhor, com a vida d’Ele; não só contemplei sua fisionomia,<br />

mas senti a vida d’Ele em mim. E sentir esta vida<br />

em mim dá toda a dimensão do que se diz “santidade”. É<br />

inefável, não há palavras para descrever.<br />

Há um certo sentir da graça que é experimentar um<br />

afeto cheio de grandeza e uma grandeza cheia de afeto;<br />

uma forma de seriedade que nada no mundo dá; uma<br />

promessa de um bem superior a todo bem. Sentir tudo o<br />

que a inocência quis desde o primeiro instante, na hora<br />

em que experimenta a graça, isto vale tudo!<br />

Quando se sentem outros dons, carismas, etc., é muito<br />

bom. Mas a graça santificante é incomparável! Tem-se<br />

vontade de ter visões, revelações, porque a graça santificante<br />

se torna mais intensa com isso, é uma ocasião para<br />

ela entrar e tomar mais conta de nós.<br />

Se alguma coisa do que eu disse for contra a Doutrina<br />

Católica, dou desde já a mão à palmatória, com todo o<br />

gosto e agradecido por ter levado uma retificação. Mas<br />

isso me parece ultraortodoxo.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 24/11/1985)<br />

1) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 195, p. 9.<br />

2) Do latim: Salve, ó Cruz, única esperança; Mãe dolorosa,<br />

rogai por nós.<br />

3) Do latim: Santifica-me na verdade (cf. Jo 17, 17).<br />

13


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O papel do belo sensível<br />

no conhecimento humano<br />

No ambiente medieval, iluminado pela luz da Igreja<br />

Católica, o pulchrum sentia-se em casa, como a lamparina no<br />

candelabro. Os primeiros sintomas da decadência da Idade<br />

Média se manifestam quando o belo, em vez de servir à<br />

pureza e à ortodoxia, começa a ser empregado nos romances<br />

de amor e coisas análogas.<br />

Ohomem tem em comum com o anjo uma cognição<br />

intelectiva, a qual faz com que seja capaz de<br />

ver o pulchrum em certas coisas pelo raciocínio.<br />

Como considerar o pulchrum, na distinção entre a visão<br />

angélica e a humana?<br />

Necessidade da beleza sensível para<br />

o conhecimento humano<br />

Há no homem algo inferior ao anjo por onde essa cognição<br />

meramente intelectiva não lhe satisfaz, e precisa<br />

ser completada com a beleza sensível.<br />

O que falta na cognição do homem para o belo sensível<br />

ser necessário? O anjo conhece a essência da coisa,<br />

enquanto o homem precisa do pulchrum sensível para ter<br />

uma ideia exata. O ver dá um conhecimento direto que o<br />

espírito angélico possui, e a nossa inteligência não tem.<br />

Não se trata de um defeito do homem, mas é uma característica<br />

por onde ele é inferior ao anjo. “Minuisti eum<br />

paulo minus ab angelis… — Fizeste-o pouco menor do<br />

que os anjos…” 1 . Mas o homem não é, por isso, um aleijado,<br />

um estropiado.<br />

Há, contudo, uma coisa na influência do pulchrum sobre<br />

o homem que é especialmente interessante.<br />

Em nossa natureza concebida no pecado original, a<br />

capacidade que a vontade tem de se revoltar contra a razão<br />

— capacidade defectiva, má — é diminuída e, às vezes,<br />

como que congelada pelo pulchrum. Quando o homem<br />

se encontra diante de certas formas de beleza, ele<br />

fica como que paralisado, sem poder agir mal. Isso indica<br />

que esse modo inferior de conhecer dá à inteligência<br />

uma superior capacidade de controlar sua serva, a vontade.<br />

E aqui entra um ponto muito importante para a perseverança<br />

do homem: até onde o pulchrum pode ser levado,<br />

em todos os seus aspectos, de maneira a garantir<br />

uma estabilidade, a maior possível, secundando a ação<br />

da graça?<br />

É preciso notar que, a partir do Renascimento, certas<br />

formas mais ativas de beleza fugiram do acampamento<br />

católico e começaram a luzir no acampamento da Revolução.<br />

No ambiente medieval o pulchrum sentia-se em casa,<br />

como a lamparina no candelabro. Antes de a Idade Média<br />

começar a decair, o mal era feio. Os primeiros sintomas<br />

da decadência se dão quando o belo parece ter mudado<br />

ligeiramente de acampamento e, em vez de servir<br />

à pureza e à ortodoxia, começa a ser empregado nos romances<br />

de amor e coisas desse gênero.<br />

A beleza existente no Paraíso terrestre<br />

ajudava o homem a resistir à tentação<br />

Imaginemos um Paraíso terrestre do qual o ser humano<br />

não tivesse sido expulso. Pelo fato de tudo ali ser belo,<br />

o homem teria uma certa dificuldade para cometer algu-<br />

14


Antoni<br />

Município de Besalú - Catalunha, Espanha<br />

ma falta, reduzindo ao mínimo a probabilidade de pecado,<br />

pois as condições terrenas fariam com que o aspecto<br />

e o modo pelo qual as coisas atingiriam os sentidos, tornasse<br />

notório para o ser humano o absurdo que havia no<br />

uso não reto ou no conhecimento superficial das criaturas.<br />

O homem, no Paraíso, conhecia os animais pelo<br />

que havia mais de interno na natureza deles, e dava-<br />

-lhes o nome. Como corolário disso, suponho que ele<br />

possuísse também um conhecimento, muito mais profundo<br />

do que tem hoje, de todo o resto da natureza.<br />

Esse conhecimento não podia ser uma mera notícia,<br />

mas um conhecimento analítico, ordenado a conhecer<br />

melhor a Deus, a ver a imagem e semelhança do Criador<br />

nas criaturas.<br />

Isso tornava a sabedoria natural sumamente apetecível<br />

pelo homem nos seus impulsos naturais. E o ser humano<br />

inteiro caminhava para a sabedoria natural, não<br />

só levado por sua inteligência, mas também pela atração,<br />

que fazia com que todo o jogo de sua personalidade<br />

se sentisse atraído para isso. Mas também o mau uso<br />

da coisa natural tornaria muito mais patente ao homem<br />

que ele estava violentando e prejudicando aquilo, agindo<br />

contra a natureza.<br />

Tomemos, por hipótese, um descendente de Adão que<br />

fosse tentado pelo demônio a agir irrefletidamente diante<br />

de uma ave bonita, digna, por exemplo, um faisão, e<br />

desse um pontapé no faisão e o machucasse. Tornar-se-<br />

-ia muito mais sensível aos seus próprios olhos e de todos<br />

os outros homens, o horror da intemperança e o que esta<br />

deixou de feio nele.<br />

A beleza da temperança e o pânico de pecar contra a<br />

temperança protegeria muito esse homem contra o risco<br />

de tentação, embora ele estivesse em estado de prova.<br />

Quer dizer, ele podia ser tentado, mas seria muito protegido<br />

contra o risco de cair na tentação.<br />

Deus quis que o homem estivesse em estado de prova,<br />

e que no momento da tentação houvesse uma ilusão<br />

possível no espírito humano, como existiu no caso do fruto<br />

proibido. A tal ilusão maldita por onde o homem tem<br />

uma convicção de razão de que não deve fazer uma coisa,<br />

mas acompanhada de uma espécie de vivência por<br />

15


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

E. Hader<br />

onde lhe parece que a razão está sendo desmentida por<br />

uma experiência imediata, e, por mais evidente que seja<br />

o fato de que aquilo é mal feito, alguma coisa lhe diz que,<br />

se ele fizer, age bem. Essa evidência é dada por um descolamento<br />

entre o mundo das realidades sensíveis exteriores<br />

e a realidade profunda.<br />

Minha impressão é de que, no Paraíso, isso se daria<br />

muito menos, pois talvez o homem só pudesse ter essa<br />

queda por uma tentação do demônio, porque sua natureza<br />

íntegra não estaria inclinada ao pecado.<br />

Devido ao pecado original rompeu-se<br />

o equilíbrio no homem<br />

Com o pecado original, quebrou-se o equilíbrio e o<br />

homem ficou habitualmente tentado a não ver o belo como<br />

corolário normal do verum e do bonum. E, por causa<br />

disso, sujeito a toda espécie de arbitrariedades: fazer o<br />

belo que não é verum nem bonum; ou, pelo contrário, optar<br />

pelo verum e bonum e rejeitar o belo.<br />

Com isso, ele conhece menos e está muito mais sujeito<br />

a uma revolta, porque fica propenso a amar um pulchrum<br />

que não é verum nem bonum, sujeitando-se, assim,<br />

a toda espécie de desordens.<br />

Põe-se, então, a pergunta: o que o conhecimento do<br />

pulchrum acrescenta ao conhecimento do verum e do bonum?<br />

Nos eclipses do pulchrum, a que o homem fica sujeito?<br />

Eu seria levado a dizer que a verdade só é cognoscível<br />

inteiramente quando se a conhece também bela. Há<br />

qualquer coisa no conhecimento puramente intelectivo<br />

da verdade, por onde falta algo.<br />

Amparo materno - Museu Doroteu, Viena (Áustria)<br />

Daí vinha o interesse com que eu sustentava a conveniência<br />

do Céu Empíreo. É para que o homem pudesse<br />

ter algo na sua natureza por onde ela inteira fosse apta,<br />

orientada propriamente a degustar.<br />

Como temos uma natureza animal, embora nossa<br />

cognição intelectual seja inteiramente suficiente, a nossa<br />

natureza aspira por ter a notícia animal, a qual equivale,<br />

para a natureza animal, ao que para a natureza intelectual<br />

é o conhecimento racional. E essa notícia animal<br />

tem que estar em correlação com o conhecimento<br />

intelectual. Se faltar uma correlação nesse ponto, há<br />

qualquer coisa de psicologicamente rompido dentro do<br />

homem. E a notícia animal do verum e do bonum só pode<br />

ser o pulchrum.<br />

A meu ver, essa distinção entre o conhecimento animal<br />

e intelectual no homem pode ser feita didaticamente,<br />

mas cada homem constitui uma pessoa integral, e não<br />

um anjo vivendo dentro de um animal, como a lâmina de<br />

uma espada no interior da bainha. Nós não estamos embainhados<br />

no animal. Deve haver, portanto, na nossa capacidade<br />

intelectual, um certo ponto por onde a notícia<br />

animal, enquanto tal, lhe acrescenta algo; como deve haver<br />

algo na notícia animal, susceptível de algum melhoramento<br />

pelo fato de ter sido compreendida.<br />

A riqueza do instinto materno<br />

Para exemplificar, eu mencionaria o seguinte: os Anjos<br />

têm entre si a relação maravilhosa que nós sabemos,<br />

mas não possuem a relação da paternidade e da maternidade,<br />

nem podem ter. Ora, esta relação acrescenta à nossa<br />

inter-relação uma beleza.<br />

O papel do Anjo da Guarda com cada um<br />

de nós é lindo. Mas, por algum lado, o amor<br />

materno é mais bonito enquanto causador,<br />

porque o Anjo não nos causou. E, no amor materno,<br />

é muito belo fazer a distinção entre o<br />

papel desse amor enquanto virtude, conhecida<br />

pela razão e seguida pela vontade, e enquanto<br />

instinto. O instinto materno faz parte da animalidade,<br />

mas acrescenta algo ao amor como é<br />

no homem, que faz com que Nosso Senhor tenha<br />

se comparado a uma galinha que quer reunir<br />

seus pintinhos sob as asas.<br />

No momento em que se percebe o instinto<br />

materno humano pôr-se junto com a razão para<br />

defender o filho, há uma riqueza que, por algum<br />

lado, é mais bonita do que o próprio Anjo<br />

da Guarda quando defende outra criatura. Então<br />

chegamos à conclusão de que, como o pulchrum<br />

é o deleitável da coisa, ele é indispensável<br />

ao instinto para que funcione.<br />

16


Sergio Hollmann<br />

O que se passa, por exemplo, com o instinto materno?<br />

Ele conduz à tendência de imaginar o filho mais belo<br />

do que é; em atribuir-lhe qualidades mais altas para poder<br />

desenvolver-se inteiramente, enquanto instinto. De<br />

tal maneira as qualidades são necessárias num ser razoável,<br />

para que o próprio instinto possa exercer-se plenamente.<br />

Ademais, o instinto materno faz descobrir no filho algumas<br />

qualidades que outros não descobririam. Por outro<br />

lado, ao sublimar o filho, mas de um modo virtuoso, a<br />

mãe cria o ideal da educação.<br />

Poderíamos deduzir, então, que os símbolos, as pessoas,<br />

e tudo o que nos fala à nossa natureza humana integral,<br />

corpo e alma, devem fazê-lo, tanto quanto possível,<br />

consociados com a beleza e com o deleitável da coisa, de<br />

maneira a atrair a vontade inteira.<br />

Isso é um postulado do que a ordem natural das coisas<br />

tem de mais profundo, porque quando o verum e o<br />

bonum são vistos naquilo que é deleitável pela natureza<br />

humana, em virtude dos instintos, há um ato mais completo.<br />

E, debaixo de certo ponto de vista, poder-se-ia dizer<br />

mais inteiro do que o angélico.<br />

Temos uma melhor noção dessa realidade ao considerarmos,<br />

como acima fizemos, o modo pelo qual o<br />

amor angélico — em si, muito maior que o humano<br />

—, carece de qualidades que só o amor de mãe possui.<br />

Encarnando-Se, Deus quis honrar<br />

toda a Criação<br />

Uma pergunta muito bonita seria a seguinte: Tendo o<br />

Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,<br />

Se feito carne para habitar entre os homens, não haverá<br />

conexo com isso um dizer de Deus aos homens que é,<br />

por alguns lados, mais alto do que o dizer de Deus aos<br />

Anjos?<br />

Fico muito na dúvida, porque não refleti ainda sobre<br />

isso e, infelizmente, não tive tempo de ler sobre a Encarnação<br />

do Verbo o suficiente para dar uma resposta. Mas<br />

acho que é possível haver aí um caminho muito fecundo<br />

para uma série de interpretações das relações Deus-homem,<br />

a partir da Encarnação, de que não se tenha uma<br />

ideia exata.<br />

Por exemplo, uma outra questão: Muita coisa que<br />

Nossa Senhora sabe a respeito de Deus não foi dada aos<br />

anjos conhecerem, em parte e a um título secundário,<br />

por causa da natureza humana d’Ela?<br />

Que Deus pode ter revelado a Ela coisas que não revelou<br />

aos anjos, isso eu dou por certo. Entretanto, algo<br />

disso teria sido em consideração à natureza humana<br />

d’Ela? Aí vem todo o mistério da Encarnação.<br />

Nossa Senhora do Espinho - Marne, França<br />

Quem sabe se Lúcifer, ao tomar conhecimento da<br />

criação dos homens, e sendo-lhe revelada a Encarnação,<br />

revoltou-se ao saber que uma criatura tão inferior quanto<br />

o homem seria capaz de alguns conhecimentos que<br />

ele, anjo, não poderia ter...?<br />

A afirmação de que Deus, encarnando-Se, quis honrar<br />

toda a Criação, contém uma profundidade talvez<br />

meio inexplorada para um bom número de estudantes<br />

de Teologia.<br />

v<br />

1) Sl 8, 6.<br />

(Extraído de conferência de 7/3/1984)<br />

17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />

O temperamento<br />

medieval<br />

Pode-se falar em temperamento ideal, modelo<br />

para o homem contemporâneo?<br />

Partindo da descrição do ambiente de um castelo medieval,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> responde a esta pergunta ao expor o<br />

temperamento que caracterizava o homem e a sociedade<br />

durante a Idade Média, mostrando o que nele há de perene e<br />

válido para os povos de todos os tempos.<br />

Em primeiro lugar, devemos procurar definir o<br />

que entendemos por temperamento nesta exposição.<br />

Os diversos tipos de temperamento<br />

Sabemos que as espécies animais têm um temperamento<br />

coletivo, ou seja, próprio a toda a espécie.<br />

Chamamos de temperamento a uma certa nota fundamental<br />

que comanda e marca todas as manifestações<br />

de vida do animal. Assim nós podemos dizer que<br />

a águia tem um temperamento que não é o da pomba.<br />

O leão tem um temperamento que não é o do cordeiro.<br />

São entes irracionais nos quais o comportamento<br />

não decorre de nenhum modo de um pensamento, de<br />

uma reflexão, de uma doutrina, mas de algo que existe<br />

espontaneamente dentro deles.<br />

E toda espécie — os leões, por exemplo — tem um<br />

temperamento.<br />

Podemos dizer que o leão é feroz, majestoso e seguro.<br />

Não podemos afirmar, no mesmo sentido da palavra,<br />

que um gato é feroz, mas sim que ele tem sua ferocidade,<br />

suas seguranças, suas distinções; mas o gato é variável<br />

e tem um temperamento diferente do temperamento<br />

do leão.<br />

Podemos dizer que dentro de uma mesma espécie<br />

os indivíduos têm temperamentos diferentes. Assim, de<br />

águia para águia, de cordeiro para cordeiro, de pombo<br />

para pombo, de leão para leão, de gato para gato há diferenças<br />

temperamentais também.<br />

Transpondo isso para a escala humana, veremos que<br />

no homem o temperamento é algo ligado à biologia, ao<br />

corpo, à vida animal do ser humano, e que influencia, impregna,<br />

marca tudo aquilo que o homem faz. De maneira<br />

que todos os primeiros movimentos, as primeiras ações,<br />

as primeiras reações, os primeiros impulsos e, às vezes,<br />

muito mais do que os primeiros, são influenciados pelo<br />

que esse temperamento tem ou por aquilo que lhe falta,<br />

isto é, pelas carências desse temperamento também.<br />

Nesse sentido, podemos afirmar existir também temperamentos<br />

de países. Há países com temperamentos diferentes<br />

uns dos outros.<br />

Por exemplo, um prussiano e um italiano têm um temperamento<br />

marcadamente diverso. Muito menos diversos<br />

— porque na América do Sul as diferenças são menores<br />

—, mas também muito característicos, são os temperamentos<br />

do brasileiro, do argentino e do chileno.<br />

Se quiséssemos aprofundar, poderíamos dizer que há<br />

diversidade temperamental de região a região, de cidade<br />

a cidade, e de indivíduo a indivíduo.<br />

18


Ilustrações representando a vida parisiense na Belle<br />

Époque - Catálogo da exposição anual de arte<br />

de Munique, Alemanha (ao lado); Museu<br />

Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA (abaixo)<br />

Andreas Praefcke<br />

Tudo isso é conhecido, mas estou apenas lembrando<br />

para facilitar o desenvolvimento do que passarei<br />

a expor.<br />

Assim como as nações, também as épocas históricas<br />

têm o que se poderia chamar “temperamento<br />

coletivo”.<br />

Quando vemos, por exemplo, fotografias de pessoas<br />

da Belle Époque 1 , isto é, dos anos que se estendem<br />

mais ou menos das últimas décadas do século XIX até o<br />

começo da Primeira Guerra Mundial, notamos todos os<br />

homens com o peito erguido e posto para a frente, colarinhos<br />

e gravatas grandes, bigodões e umas fisionomias<br />

imponentes.<br />

Aquilo não é mera representação, mas entra muito do<br />

estilo de vitalidade que o ocidental tinha naquele tempo,<br />

e que é uma vitalidade um pouco à Kaiser.<br />

Se consultarmos um livro de gravuras do século XVIII,<br />

anterior à Revolução Francesa, compararmos com o período<br />

da Revolução Francesa, e depois com os anos de<br />

1850, portanto, bem antes da Belle Époque, notaremos<br />

uma diversidade enorme de temperamento, que corresponde<br />

até a uma diferença de estrutura física.<br />

Essas notas temperamentais, no homem, não ficam<br />

reduzidas puramente ao animal. Os reflexos da alma são<br />

condicionados pelo corpo, mas a ação dos princípios, das<br />

condições, dos hábitos modela, por sua vez, o físico. Há,<br />

portanto, o que se chama uma interação, uma ação recíproca<br />

alma-corpo, corpo-alma, que faz com que as coisas<br />

se componham e o temperamento de uma determinada<br />

época seja a resultante de determinadas condições<br />

biológicas e fisiológicas, mas também de um certo estilo<br />

de vida e de pensamento, de um certo gênero de atividades<br />

que as circunstâncias da época impõem. Assim,<br />

são muitos os elementos que modelam o temperamento<br />

da época.<br />

Se explicitarmos estas ideias, chegaremos à conclusão<br />

de que há um temperamento pró-revolucionário e outro<br />

contrarrevolucionário.<br />

O temperamento contrarrevolucionário é o do homem<br />

medieval, quando a Idade Média chegou à sua plena<br />

expressão.<br />

O temperamento que é pró-revolucionário ou, se preferirem,<br />

o temperamento revolucionário é o que foi entrando<br />

no modo de ser do homem a partir do momento<br />

em que a Revolução começou.<br />

Quando vemos gravuras, iluminuras, vitrais, castelos,<br />

tapeçarias, armas da Idade Média, somos introduzidos<br />

pelo espírito para um ambiente que forma um temperamento<br />

muito diferente do que se constituiu nas épocas<br />

posteriores da Renascença, do protestantismo, do Ancien<br />

Régime 2 ou de nossos dias.<br />

Haveria, para o homem contemporâneo, um modelo<br />

de temperamento segundo o qual ele se deve adequar?<br />

O temperamento medieval<br />

A meu ver, esse modelo se encontra — não ponto por<br />

ponto, para ser copiado exatamente, mas ao menos nas<br />

suas linhas gerais — na Idade Média.<br />

Vou tentar descrever o temperamento medieval para<br />

depois mostrar que consonância isso tem com a Doutrina<br />

Católica. Por esta forma compreenderemos o que há<br />

William B. Jaffe<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />

Marcelo Ferreira<br />

Acima: Castelo de Segóvia, Espanha.<br />

Na página seguinte: Aspectos do castelo do Haut-Kœnigsbourg, Alsácia (França)<br />

de perene nisso, válido para todos os povos de todos os<br />

tempos.<br />

Creio que poderíamos ter um pouco a ideia disso fazendo<br />

o seguinte trabalho interior, de ordem psicológica.<br />

Tomemos qualquer castelo medieval e imaginemos<br />

que devêssemos viver, não trancados nele, mas envoltos<br />

em sua atmosfera a vida inteira.<br />

Torres altas, portas com ponte levadiça suspensa, fosso<br />

do lado de fora. Quando entramos no castelo, aparece<br />

um guarda no alto da torre, olha e, conforme for, baixa<br />

a ponte. Atravessamos uma espécie de corredor entre<br />

duas portas, formado por duas torres enormes, sombrias.<br />

Olhamos para cima e vemos buracos feitos para descerem<br />

barras de ferro em caso de batalhas, e impedir o inimigo<br />

de entrar.<br />

Transpondo esse longo corredor, temos a sensação<br />

de estar calcando aos pés a base do castelo, na qual nós<br />

sabemos que há armazéns, depósitos e também prisões<br />

sombrias onde se encontram homens acorrentados, às<br />

vezes acorrentados junto à parede, e que recebem a luz<br />

do dia por uma réstia de sol vinda através de uma seteira.<br />

No pátio do castelo tem um poço, e a presença do poço<br />

nos sugere uma profundidade enorme da qual a água é tirada.<br />

Em alguns desses poços joga-se uma pedrinha, e até<br />

a pedrinha bater na água e fazer barulho, pode-se acompanhar<br />

no relógio, tal é o percurso que a pedra tem a fazer.<br />

Não há água encanada nos quartos nem todas as comodidades<br />

daí decorrentes.<br />

Olhamos para cima, muralhas altas. De repente detemos<br />

a atenção sobre a estrutura de ferro que encima o<br />

poço, com a roldana e o balde, e é uma peça graciosíssima,<br />

um ferro delicado terminando em cima por uma flor<br />

de lis sobre a qual está um passarinho se sacudindo, todo<br />

alegre.<br />

Um pouco mais à frente está uma capela. Do lado de<br />

fora do pórtico, uma Madona risonha com o Menino<br />

Jesus no colo. Entramos na capela, é uma joia: vitrais,<br />

santos austeros no alto dos altares, candelabros grossos<br />

20


Antoine Taveneaux<br />

Antoine Taveneaux<br />

Michael Schmalenstroer<br />

com velas grossas, bancos de carvalho, o assento do<br />

senhor feudal colocado junto a um trono; tudo leva<br />

a uma espécie de recolhimento, de sacralidade.<br />

Fazemos uma oração diante do Santíssimo Sacramento<br />

presente na capela, saímos e olhamos para a<br />

casa do senhor feudal.<br />

Na pracinha pública interna do castelo ouvem-se<br />

vários ruídos: é o ferreiro trabalhando, outro que<br />

trabalha em couro, o carpinteiro que, cantando, está<br />

fazendo um móvel. Sente-se um cheiro de comida<br />

que sai da cozinha da habitação do senhor feudal.<br />

Do lado de fora do terraço de sua residência, o<br />

senhor feudal sentado num trono de pedra e, a seus<br />

pés, pessoas discutindo. Ele está julgando causas,<br />

por vezes triviais, de súditos em litígio: é a propriedade<br />

de um boi, quando não de um porco... E a coisa<br />

é discutida, às vezes, calorosamente, de camponês<br />

a camponês.<br />

O senhor feudal, que é um guerreiro, mas também<br />

um camponesão, ordena: “Cale a boca!” E, dirigindo-se<br />

ao outro súdito, diz: “Agora é você quem<br />

Thomas Bresson<br />

Antoine Taveneaux<br />

21


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />

Quem de nós garante que, ao cabo de um ano,<br />

não estaria com saudades da respectiva capital onde<br />

mora? E de onde vem a incerteza de que conseguiríamos<br />

viver no castelo?<br />

Estou certo de que, ao transpormos os umbrais<br />

do castelo, ficaríamos encantados. Não se trata,<br />

portanto, de uma objeção doutrinária, mas de uma<br />

falta de integridade na adesão temperamental.<br />

Nisso vemos bem um choque entre o temperamento<br />

medieval e o nosso. E enquanto não conhecermos<br />

a razão desse choque e não tratarmos de<br />

tender para esse temperamento, não estaremos<br />

modelando nosso temperamento segundo a sã<br />

doutrina, e haverá um conflito entre nossos princípios,<br />

que são conformes àquilo, e nosso temperamento,<br />

contrário àquilo. Isso provoca uma ruptura<br />

interna.<br />

O que parece contrariar o homem<br />

contemporâneo<br />

Eric Pouhier<br />

Catedral de Notre-Dame, Paris (França)<br />

fala.” Se o sujeito não obedece, ele chama um alabardeiro.<br />

Este vem portando na cabeça um capacete de ferro,<br />

revestido de uma cota de malhas, cingindo uma espada<br />

e, com uma alabarda, ameaça o rebelde que, por fim, fica<br />

quieto.<br />

Se entrarmos na casa do senhor feudal, encontraremos<br />

um ambiente bonito, tapeçarias vindas do Oriente,<br />

novamente vitrais majestosos, lindos móveis de carvalho,<br />

ouve-se uma voz melodiosa, e é a castelã que canta<br />

acompanhada de um alaúde, e a castelã tem cabelos<br />

louros e que estão trançados com pérolas ou com pedras<br />

vindas de não sei onde, seda vinda de não sei onde, e os<br />

filhos do senhor feudal estão num outro quarto aprendendo<br />

a ler e a escrever. É a vida cotidiana do castelo.<br />

Imaginemo-nos chamados a viver um ano nesse ambiente<br />

pomposo, enorme, forte, onde os aspectos mais<br />

graciosos, mais mimosos contrastam com os aspectos<br />

mais guerreiros e sombrios.<br />

Caberia aqui descrever quais são os traços do<br />

temperamento medieval, e no que esses traços<br />

me parecem contrariar o homem contemporâneo,<br />

dando-lhe uma sensação de claustrofobia. Esses<br />

traços são próprios a qualquer civilização cristã,<br />

pois defluem da Doutrina Católica.<br />

O fundo do temperamento medieval é uma<br />

certa estabilidade, por onde o medieval é animado<br />

pela noção de que tudo aquilo quanto ele faz<br />

é destinado a uma longa duração, porque o normal<br />

é que todas as coisas durem muito, e até indefinidamente.<br />

E que as coisas novas não sejam o<br />

contrário, mas sejam um desdobramento harmônico<br />

das antigas.<br />

Tomemos uma catedral medieval como Notre-Dame,<br />

por exemplo. Quem a construiu teve a intenção de edificar<br />

uma igreja que devia durar até o fim do mundo. Assim,<br />

o intuito de quem fez aqueles castelos, muralhas,<br />

mosteiros, etc., era o de realizar obras perenes.<br />

Em cada século medieval há uma modificação na arte,<br />

mas sempre seguindo uma certa continuidade, por onde<br />

a enorme estabilidade não prejudica a mobilidade, porque<br />

esta se faz na linha do que já foi feito. É uma linha<br />

reta, coerente com o passado, e que se desenvolve indefinidamente.<br />

Isso tem uma repercussão no modo de ser das pessoas.<br />

Como o medieval é no que ele constrói, assim também<br />

é ele na direção de sua própria vida. Em geral um casal<br />

que se constitui na Idade Média, se muda de casa uma<br />

vez na vida é muito. Ele é mais pobre no começo da vida,<br />

a certa altura está mais rico e faz uma casa nova. Nes-<br />

22


ta casa ele fica até o fim de seus dias. Se a casa é grande,<br />

os filhos vão viver nela, e uma família inteira vai passar<br />

séculos naquela residência, considerando a hipótese de<br />

uma mudança como a coisa mais absurda.<br />

Se possui uma propriedade rural, a família se fixa ali.<br />

Eventualmente, pode até adquirir outra, mas não deixa<br />

aquela, e sempre haverá membros daquela família morando<br />

naquela propriedade rural, séculos e séculos. Naquele<br />

campo plantarão árvores que deverão tomar seu<br />

tamanho normal dali a cem anos, para os descendentes<br />

se beneficiarem, porque estão certos de que a família<br />

nunca sairá de lá. Tudo o que se faz é estável, sólido,<br />

durável.<br />

Também os hábitos familiares tendem a ser estáveis.<br />

As gerações de sucedem e vão se fixando no modo de ser<br />

da família que tende a ficar definitivo. É uma prodigiosa<br />

tendência ao estável, porém não ao imóvel.<br />

Notamos essa tendência nos gestos do homem medieval<br />

representados nas iluminuras. Se não está combatendo<br />

— única cena em que o homem da Idade Média avança<br />

com velocidade —, o medieval nunca aparece correndo.<br />

Ao vermos aquelas iluminuras, não temos a sensação<br />

da pressa.<br />

As pessoas pintadas num vitral, se estão em pé, dir-se-<br />

-ia que criaram raízes no chão. Quando sentadas, tem-<br />

-se a impressão de fazerem um só todo com a cadeira.<br />

As pessoas que estão trabalhando executam seu trabalho<br />

sem pressa e sem relaxamento, com normalidade e<br />

continuidade. E se estão se divertindo, são representadas<br />

com um aspecto mais leve e gracioso do que o da vida<br />

de todos os dias, e com uma nota de parêntesis de diversão<br />

em meio ao trabalho e à luta, convictas de estarem<br />

fazendo algo que é bom, na medida em que não seja<br />

feito sempre.<br />

Estabilidade, sabedoria, lógica e sublimidade<br />

A razão profunda dessa estabilidade é a virtude da sabedoria.<br />

Como a natureza humana é uma só, enquanto um todo,<br />

mas dotada de peculiaridades, conforme os povos,<br />

é razoável que as nações sejam organizadas de um determinado<br />

modo, as casas dispostas de um determinado<br />

jeito, a arte realizada de uma determinada forma e o<br />

progresso siga uma determinada linha. A razão iluminada<br />

pela Fé encontrou a fórmula. Trata-se de seguir<br />

nessa fórmula até o fim. Isto é um dos traços do espírito<br />

medieval.<br />

Esse traço tem o seguinte corolário.<br />

O homem medieval é amigo de levar todas as coisas<br />

sem afobação, sem ímpetos temperamentais, sem explosões.<br />

A explosão, o ímpeto, é um vício. Ele é legítimo na<br />

guerra, e explicável na diversão; fora disso, é considerado<br />

uma desordem.<br />

Por isso, na mentalidade, no espírito do medievo não<br />

há lugar para a contradição. Tudo se faz segundo imen-<br />

O fundo do temperamento<br />

medieval é uma certa<br />

estabilidade, por onde o<br />

medieval é animado pela<br />

noção de que tudo aquilo<br />

quanto ele faz é destinado a<br />

uma longa duração, porque<br />

o normal é que todas as<br />

coisas durem muito, e<br />

até indefinidamente.<br />

G Freihalter<br />

A construção de uma catedral<br />

Biblioteca Nacional da França, Paris<br />

23


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />

sas concatenações de raciocínios, imensos desdobramentos<br />

de ideias, fazendo com que no seu procedimento<br />

tudo seja uníssono e seu temperamento seja apetente<br />

de coerência, de harmonia, de uniformidade, de lógica.<br />

Essa apetência da lógica é um dos traços mais marcantes<br />

do temperamento medieval. Mais uma vez, a virtude<br />

da sabedoria, mas no que ela tem de mais alto.<br />

Pelo fato de ser lógico assim, o medieval tem uma alma<br />

profundamente feita para ser modelada pela Igreja,<br />

fonte da verdade e de toda a lógica. E por ser modelado<br />

pela Igreja, ele é movido por uma certa noção de que a<br />

linha-mestra do pensamento humano, o fim da contemplação<br />

e da apetência humana é o maravilhoso, o sublime,<br />

o elevado.<br />

Em qualquer coisa que o medieval faça, por pequena<br />

que seja, pode-se notar a presença de algo de sublime. O<br />

vulgar, se existe, é contrariamente ao espírito medieval.<br />

É como o crime ou a sujeira numa cidade: não estão de<br />

acordo com as regras da cidade; antes, são o contrário do<br />

que ela deve ser.<br />

Encontramos, então, mesmo no ambiente da vida medieval<br />

mais miúda, uma nota de seriedade, uma apetência<br />

de sublimidade que ladeia e coroa essa coerência, e<br />

faz com que tudo na Idade Média tenha um aspecto cerimonioso,<br />

protocolar, religioso, sacral, do qual o mundo<br />

de hoje está completamente despido.<br />

A vida familiar de um trabalhador manual<br />

Para exemplificar, não falarei das cortes dos reis, mas<br />

sim da vida e da família de um trabalhador manual.<br />

Na vida familiar de um trabalhador manual, o pai é<br />

um rei. Ele é tratado pela esposa com veneração, e pelos<br />

filhos com arquiveneração. A sua palavra faz lei e o<br />

ambiente que o cerca é de verdadeiro respeito religioso.<br />

Este respeito se estende aos filhos maiores de idade,<br />

aos filhos casados, aos netos e aos netos casados, e<br />

ninguém ousaria tomar profissão, casar-se ou mudar de<br />

vida sem ouvir o parecer do patriarca e, em geral, sem<br />

pedir seu consentimento, pois sua vontade é absolutamente<br />

lei.<br />

Vemos, então, a vida medieval organizada em torno<br />

de homens respeitáveis, sólidos, sérios, que encontram<br />

uma espécie de glória em atingir a idade madura e até a<br />

sabedoria da velhice; que não têm, como o homem moderno,<br />

a preocupação de estar continuamente bancando<br />

o mais moço; nimbados pela experiência da vida, pelos<br />

grandes sacrifícios feitos, pelas lutas, pelas incertezas<br />

que tiveram ao longo da vida, e cujas palavras são recebidas<br />

como oráculo que afina sempre com a Doutrina Católica,<br />

suprema lei do pensamento e suma regra do procedimento<br />

humano.<br />

Miniatura representando o trabalho camponês<br />

na Idade Média - Biblioteca Marciana, Veneza (Itália)<br />

A chave de cúpula do temperamento medieval<br />

Naturalmente, subindo de classe social iremos encontrando<br />

isso mais requintado. Compreendemos, então,<br />

que tudo na Idade Média visava o sublime, o maravilhoso,<br />

visava o celeste, o angélico.<br />

A meu ver, esta é a verdadeira chave de cúpula do<br />

temperamento medieval. Esse horror ao vulgar, esse desejo<br />

do maravilhoso de maneira tal que na alma medieval<br />

há uma apetência de encontrar algo que nesta vida não<br />

se encontra. A arte medieval tende mais a pintar o Céu<br />

do que a Terra, colocando nossas almas diante de panoramas<br />

mais celestes do que terrestres.<br />

Um vitral banhado de luz, por exemplo, é muito mais<br />

um pedaço do Céu do que uma representação terrena.<br />

A atmosfera que banha os personagens de Fra Angelico<br />

é uma atmosfera celeste. A pompa de que se cerca um<br />

rei não é uma pompa grã-fina, não é uma exibição de dinheiro<br />

nem de força brutal. É a ostentação de uma finura<br />

sacral e de uma grandeza celeste. Quer dizer, o medieval<br />

está continuamente tendendo para o mais alto, para o<br />

mais sublime, para o celeste.<br />

24


A pompa de que se cerca<br />

um rei não é uma pompa<br />

grã-fina, não é uma exibição<br />

de dinheiro nem de força<br />

brutal. É a ostentação<br />

de uma finura sacral e de<br />

uma grandeza celeste.<br />

Bogomolov<br />

“Homenagem prussiana”,<br />

por Marcello Bacciarelli - Museu<br />

Nacional de Cracóvia, Polônia<br />

Havia um equilíbrio extraordinário dentro disso. Não<br />

se trata do pomposo meio engomado do século XIX, no<br />

qual se tinha a impressão de que aquelas pessoas, se sorrissem,<br />

desmanchar-se-iam inteiras.<br />

O medieval não era assim. Ele compreendia e praticava<br />

o sorriso. Sorria com as coisas da natureza próprias<br />

a provocar o sorriso. Por exemplo, em catedrais medievais,<br />

em uma daquelas nobilíssimas colunas que se elevam<br />

até o começo de ogivas que vão até o teto, veem-se,<br />

de repente, um, dois, três esquilos de pedra “correndo”<br />

um atrás do outro. É uma brincadeira que o próprio escultor<br />

pôs naquela coluna tão séria. É um sorriso para esse<br />

lado risonho e aprazível da vida.<br />

Ou então, em um vitral, a figura de um santo ou de<br />

um rei sentado no seu trono, e junto dele um cachorrinho.<br />

O que faz ali esse cachorrinho? É o sorriso do artista.<br />

Tornou-se célebre o fato de tal duque, que esteve nas<br />

Cruzadas e realizou tal feito heroico, ter tido um cachorrinho.<br />

Então, na hora de pintar um vitral representando<br />

o duque como benfeitor da igreja, ou como senhor feudal<br />

do lugar, põe-se o cachorrinho ao lado do duque. É<br />

uma forma de seriedade, porém não engomada, como a<br />

do século XIX. É uma seriedade angélica, que vê o gracioso,<br />

o pequeno e se encanta, numa ascensão contínua<br />

para o angélico.<br />

Esse contínuo remeter para o celeste, para o religioso,<br />

repito, é a chave de cúpula da atmosfera da Idade Média;<br />

está presente em tudo e sem isso a Idade Média não<br />

se explicaria.<br />

Essa coerência medieval é feita de exclusões, de rejeições<br />

e de certezas. Tanta força de fé, tanta estabilidade,<br />

tanta coerência, fá-la capaz de grandes movimentos de<br />

alma. Sai de dentro dessa grande estabilidade um grande<br />

“não” como um grande “sim”. Por isso, nessa época,<br />

a meditação da Via Sacra, por exemplo, tem por correlato<br />

o espírito guerreiro do medieval que vai para o combate<br />

libertar o Santo Sepulcro. Isso nasce da força do seu<br />

ato de Fé. Isso explica também como o medievo, tão estável,<br />

se deslocava, paradoxalmente, para imensas peregrinações<br />

a pé, de ponta a ponta da Europa.<br />

Tudo o que vimos como característica da Idade Média,<br />

na Religião Católica, constitui um matiz. E, a meu<br />

ver, Nosso Senhor Jesus Cristo foi assim, como também<br />

os Apóstolos. Na Europa medieval isso refulgiu com uma<br />

intensidade particular, tomando tal plenitude, a partir de<br />

Cluny 3 , de maneira a conquistar o mundo inteiro. v<br />

(Extraído de conferência de 12/2/1971)<br />

1) Do francês: Bela Época. Período entre 1871 e 1914, durante<br />

o qual a Europa experimentou profundas transformações<br />

culturais, dentro de um clima de alegria e brilho social. Ver<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 172, p. 29-31.<br />

2) Sistema social e político aristocrático em vigor na França<br />

entre os séculos XVI e XVIII.<br />

3) Abadia beneditina francesa que deu início a um importante<br />

movimento de reforma espiritual e cultural da Europa.<br />

25


C<br />

alendário<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. Santos Justino Orona Madrigal e Atilano Cruz Alvarado,<br />

presbíteros e mártires (†1928). Fuzilados nas proximidades<br />

de Guadalajara (México), durante a perseguição<br />

religiosa.<br />

2. Beata Eugênia Joubert, virgem (†1904). Religiosa<br />

da Congregação da Sagrada Família do Sagrado Coração,<br />

ensinou a doutrina católica aos pequeninos e morreu tuberculosa<br />

em Liège, Bélgica.<br />

fenderem o Primado do Papa e a Presença Real de Jesus na<br />

Eucaristia.<br />

10. Santo Agostinho Zhao Rong, presbítero, e companheiros,<br />

mártires (†1648-1930).<br />

Santa Amalberga, virgem (†séc. VIII). Recebeu das<br />

mãos de São Wilibrordo o véu das virgens consagradas<br />

e passou os últimos anos de sua vida em Temse, atual<br />

Bélgica.<br />

3. São Tomé, Apóstolo.<br />

São Leão II, Papa (†683). Bom conhecedor das línguas<br />

grega e latina, amigo da pobreza e dos pobres, confirmou<br />

os decretos do III Concílio de Constantinopla.<br />

4. Santa Isabel de Portugal, rainha (†1336).<br />

São Cesídio Giacomantônio, presbítero e mártir (†1900).<br />

Franciscano lapidado e queimado na cidade de Hengyang,<br />

China, quando protegia o Santíssimo Sacramento.<br />

11. São Bento, abade (†547).<br />

Santa Olga de Kiev (†969). Avó de São Vladimir, foi a<br />

primeira soberana da Rússia a receber o Batismo. Morreu<br />

em Kiev, atual Ucrânia.<br />

12. Beato David Gunston, mártir (†1541). Cavaleiro<br />

da Ordem de São João de Jerusalém enforcado no patíbulo<br />

de Southwark, Londres, por negar a autoridade de<br />

Henrique VIII em assuntos espirituais.<br />

5. Santo Antônio Maria Zaccaria, <br />

presbítero (†1539).<br />

Santo Atanásio Atonita, monge<br />

(†c. 1004). Institui um pequeno mosteiro<br />

no Monte Atos, Grécia, iniciando<br />

a vida cenobítica neste local.<br />

6. XIV Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Maria Goretti, virgem e mártir<br />

(†1902).<br />

7. Santo Odón de Urgel, bispo<br />

(†1122). Eleito Bispo de Urgel, Espanha,<br />

por aclamação do povo quando<br />

ainda era leigo.<br />

8. São João Wu Wenyin, mártir<br />

(†1900). Catequista martirizado em<br />

Yongnian, China, na perseguição<br />

movida pelos yijetuan.<br />

9. Santa Paulina do Coração Agonizante<br />

de Jesus, virgem (†1942).<br />

São Nicolau Pieck, presbítero, e<br />

companheiros, mártires (†1572). Sacerdote<br />

franciscano torturado e enforcado<br />

pelos calvinistas junto com 10 religiosos<br />

de sua ordem e oito sacerdotes<br />

seculares em Brielle, Holanda, por de-<br />

Tony Bowden<br />

São Tomé<br />

13. XV Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Henrique, imperador (†1024).<br />

São Manuel Lê Van Phung, mártir<br />

(†1859). Pai de família, que embora<br />

preso, continuou exortando seus filhos<br />

e familiares à caridade para com<br />

seus perseguidores. Morreu decapitado<br />

em Chau Doc, Vietnã.<br />

14. São Camilo de Lélis, presbítero<br />

(†1614).<br />

Santa Toscana, viúva (†1343/1344).<br />

Após a morte de seu esposo, deu os<br />

seus bens aos pobres e dedicou-se aos<br />

enfermos no hospital da Ordem de<br />

São João de Jerusalém em Verona,<br />

Itália.<br />

15. São Boaventura, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†1274).<br />

São David, bispo (†c. 1082). Religioso<br />

cluniacense de origem inglesa,<br />

enviado como missionário para evangelizar<br />

os suecos. Morreu ancião em<br />

Västeras, Suécia.<br />

16. Nossa Senhora do Carmo.<br />

Santa Maria Madalena Postel, <br />

virgem (†1846). Durante a Revolução<br />

26


–––––––––––––––––– * Julho * ––––<br />

Francesa, usou seus bens para<br />

auxiliar os enfermos e os fiéis.<br />

Estabelecida a paz, fundou em<br />

Saint-Sauver-le-Vicomte, França,<br />

a Congregação das Filhas da<br />

Misericórdia.<br />

17. Bem-aventurado Inácio de<br />

Azevedo, presbítero, e companheiros,<br />

mártires (†1570).<br />

Carmelitas de Compiègne, <br />

virgens e mártires (†1794). Ver<br />

página 28.<br />

18. São Frederico, bispo (†838).<br />

Bispo de Utrecht, Holanda, e exímio<br />

conhecedor das Sagradas Escrituras,<br />

consagrou-se à evangelização<br />

dos Frísios.<br />

19. Beato Pedro Crisci, penitente<br />

(†c. 1323). Após distribuir<br />

seus bens aos pobres,<br />

pôs-se ao serviço da catedral<br />

de Foligno, Itália, passando a viver na torre do campanário.<br />

20. XVI Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Apolinário, bispo e mártir (†c. séc. II).<br />

Santo Elias Tesbita. Profeta durante os reinados de<br />

Acab e Acazias em Israel, censurou-os por sua idolatria. É<br />

modelo e pai espiritual da Ordem Carmelita.<br />

21. São Lourenço de Bríndisi, presbítero e Doutor da<br />

Igreja (†1619).<br />

São José Wang Yumei, mártir (†1900). Martirizado no<br />

caminho de Daining, China, por professar a Fé católica.<br />

22. Santa Maria Madalena.<br />

Beata Maria Inês Teresa do Santíssimo Sacramento, <br />

virgem (†1981). Fundou em Cuernavaca, México, as Missionárias<br />

Clarissas do Santíssimo Sacramento e os Missionários<br />

de Cristo para a Igreja Universal.<br />

23. Santa Brígida, religiosa (†1373).<br />

Beato Cristino Gondek, presbítero e mártir (†1942).<br />

Franciscano polonês enviado ao campo de concentração<br />

de Dachau, Alemanha, onde morreu por causa dos tormentos<br />

sofridos.<br />

Santa Olga de Kiev<br />

Mhmrodrigues<br />

24. São Charbel Makhluf, <br />

presbítero (†1898).<br />

Santa Eufrásia, virgem (†séc.<br />

V). Procedendo de uma nobre<br />

família senatorial, retirou-se a<br />

levar vida eremítica no deserto<br />

da Tebaida, Egito.<br />

25. São Tiago Maior, Apóstolo.<br />

Beato João Soreth, presbítero<br />

(†1471). Prior Geral dos carmelitas,<br />

obteve do Papa Nicolau<br />

V a ereção canônica das Ordens<br />

II e III.<br />

26. São Joaquim e Sant’Ana, <br />

pais de Maria Santíssima.<br />

São Jorge Preca, presbítero<br />

(†<strong>196</strong>2). Dedicou-se à formação<br />

catequética dos jovens e fundou<br />

a Sociedade da Doutrina Cristã,<br />

em La Valletta, Malta.<br />

27. XVII Domingo do Tempo Comum.<br />

Beata Lúcia Bufalari, virgem (†c. 1350). Religiosa das<br />

Oblatas da Ordem de Santo Agostinho, em Amélia, Itália,<br />

destacou-se por seu espírito de penitência e zelo pelas almas.<br />

28. São Melchior Garcia Sampedro, bispo e mártir<br />

(†1858). Bispo dominicano, preso e dilacerado em Nam<br />

Dinh, Vietnã, por ordem do imperador Tu Duc.<br />

29. Santa Marta, irmã de Lázaro e Maria.<br />

São Guilherme Pinchon, bispo (†1234). Bispo de Saint-<br />

-Brieuc, França, brilhou por sua bondade e simplicidade e<br />

por defender os direitos da Igreja e da sua grei.<br />

30. São Pedro Crisólogo, bispo e Doutor da Igreja<br />

(†c. 450).<br />

Beato Manes de Gusmão, presbítero (†c. 1235). Irmão<br />

de São Domingos e seu colaborador na expansão da Ordem<br />

dos Pregadores. Morreu em Caleruega, Espanha.<br />

31. Santo Inácio de Loyola, presbítero (†1556).<br />

Beato Francisco Stryjas, mártir (†1944). Pai de família<br />

preso e morto em Kalisz, Polônia, após sofrer inúmeros<br />

suplícios.<br />

27


Hagiografia<br />

O esplêndido palácio<br />

da coerência<br />

Movida por seu ódio a Deus e à Igreja, a Revolução Francesa<br />

supliciou grande número de eclesiásticos e religiosos, além<br />

de uma quantidade incontável de leigos. Entre suas vítimas,<br />

encontram-se as carmelitas de Compiègne que foram<br />

guilhotinadas, única e exclusivamente, porque amavam<br />

ardorosamente a Religião Católica.<br />

Em 17 de julho comemora-se o martírio das 16 carmelitas<br />

de Compiègne 1 , guilhotinadas nesse dia,<br />

em 1794. Com frequência, a Igreja celebra a festa<br />

dos mártires no dia de sua morte, porque foi o mais glorioso<br />

dia de suas vidas, e também porque nasceram para<br />

a vida eterna.<br />

Firmeza heroica diante do<br />

tribunal revolucionário<br />

A respeito de uma delas, Irmã Marie Henriette de<br />

la Providence, que contava com 34 anos por ocasião do<br />

martírio, escreveu a Irmã Marie de L’Incarnation, biógrafa<br />

das santas mártires:<br />

Quando as religiosas entraram no tribunal, Irmã Henriette<br />

distinguiu-se sem pretensão por uma atitude de firmeza<br />

verdadeiramente heroica; tendo ouvido o acusador público<br />

tratá-las de fanáticas, interpelou-o deliberadamente:<br />

“Queira, cidadão, dizer-nos: o que entende por essa palavra<br />

‘fanática’?”<br />

O juiz, irritado, respondeu-lhe com uma torrente de injúrias<br />

que vomitou contra ela e suas companheiras.<br />

Nossa Santa, nem um pouco desconcertada, disse-lhe<br />

com um tom de dignidade e firmeza:<br />

— Cidadão, vosso dever é honrar o direito a uma pergunta<br />

de uma condenada. Eu vos peço, portanto, que nos responda<br />

e nos diga o que entendeis pela palavra “fanática”.<br />

— Eu entendo — respondeu Fouquier-Tinville — o vosso<br />

apego por vossas tolas práticas de religião.<br />

Irmã Henriette, depois de haver agradecido, voltou-se<br />

para a Madre Priora e disse:<br />

“Minha querida Madre, minhas irmãs, vós acabais de<br />

ouvir o acusador declarar que é por nosso apego a nossa<br />

santa Religião que vamos ser mortas. Todas nós desejávamos<br />

esse testemunho e nós o veneramos. Graças imortais<br />

sejam dadas Àquele que, em primeiro lugar, nos abriu o caminho<br />

do Calvário. Oh! que felicidade morrer por nosso<br />

Deus!”<br />

Segundo outra versão, Fouquier-Tinville teria respondido:<br />

— Pelo que quereis conhecer, saibais que é por vosso<br />

apego à vossa religião e ao rei.<br />

Ao que Irmã Hentiette teria dito:<br />

— Agradeço, cidadão, essa feliz explicação.<br />

E, voltando-se para as companheiras, teria declarado:<br />

“Minha querida Madre, minhas irmãs, exultemos e regozijemo-nos<br />

na alegria do Senhor, porque morremos por<br />

causa de nossa santa Religião, nossa Fé, nossa confiança<br />

na Santa Igreja Católica Romana.”<br />

Irmã Henriette foi a última a morrer, antes da Priora, e<br />

até o fim exortou suas companheiras à coragem.<br />

Quando uma pessoa caridosa ofereceu água a uma das<br />

religiosas, como esta ia aceitar, Irmã Henriette impediu-a,<br />

dizendo: “No Céu, no Céu, minha irmã, nós tomaremos<br />

longos tragos.”<br />

28


Caracterizado o martírio<br />

Para que ficasse constando, ad perpetuam rei memoriam<br />

2 , serem elas mártires, era preciso que o acusador<br />

público declarasse o motivo da condenação.<br />

Ficava, assim, caracterizado o martírio. Isso foi um<br />

consolo na resistência delas. Eis a razão da pergunta,<br />

à qual se seguiu a resposta. De fato, elas eram mártires<br />

porque estavam sendo condenadas por causa da<br />

Igreja Católica.<br />

Como vimos, há duas versões desse fato. Uma<br />

diz que Fouquier-Tinville não teria falado do rei,<br />

mas somente de religião. A outra afirma que ele<br />

declarou estarem elas morrendo por causa do rei<br />

também. Esta segunda versão parece-me muito<br />

mais provável porque, uma vez que ele matava todo<br />

mundo por causa da fidelidade a Deus e ao rei,<br />

o normal é que ele tenha se referido também ao<br />

monarca.<br />

Mas o essencial era Deus, Nosso Senhor. E quando<br />

souberam disso, todas se alegraram, e a Irmã<br />

Henriette acompanhou-as até à morte.<br />

Depois, veio o belo episódio do copo d’água. Por<br />

certo, era uma religiosa que estava com muita sede,<br />

abalada, naturalmente, do ponto de vista emocional,<br />

pelo trauma de quem está se sentindo às portas da<br />

morte, e uma morte trágica, violenta. Essa religiosa<br />

quis aceitar um copo d’água que alguém lhe oferecia.<br />

A Irmã Henriette pensou: “Esse pequeno sacrifício<br />

vai ser uma pérola a mais para a glória de Deus.<br />

Para que beber água? Para que ter esse pequeno<br />

consolo na hora em que se pode oferecer mais um<br />

pouco de sacrifício?”<br />

Então ela teve essa expressão magnífica: “No<br />

Céu, no Céu, minha irmã, nós beberemos grandes<br />

tragos.”<br />

É claro, porque ali estão as fontes de água viva,<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, a contemplação de Deus<br />

face a face e, portanto, a felicidade perpétua.<br />

A outra religiosa atendeu e, ao receber a coroa<br />

do martírio, tinha uma estrela a mais nessa coroa,<br />

por toda a eternidade, por causa desse pequeno sacrifício.<br />

GFreihalter<br />

Martírio das Carmelitas de Compiègne - Vitral da<br />

Igreja Saint-Honoré d’Eylau, Paris (França)<br />

Diversidade das escolas de vida espiritual<br />

Podemos estabelecer um contraste entre essa narração<br />

da Irmã Marie de L’Incarnation e aquela famosa<br />

figura da peça teatral 3 de Bernanos, Irmã Blanche<br />

de la Force, carmelita que, pelo simples fato de ouvir<br />

falar da morte, ficava apavorada, e, dominada por<br />

uma espécie de complexo, acabou fugindo do con-<br />

29


Hagiografia<br />

vento. Ao saber que suas irmãs do Carmelo estavam indo<br />

para o patíbulo, quis assistir à execução.<br />

Quando as últimas religiosas, que subiam ao cadafalso<br />

entoando o Veni Creator Spiritus, se encaminhavam<br />

à guilhotina, a Irmã Blanche saiu do meio da multidão<br />

e, cantando também, entrou na fila, galgou o patíbulo e<br />

morreu.<br />

Outra comparação caberia também entre esta personagem<br />

e sua Superiora, que representava uma escola espiritual<br />

oposta à psicologia da Irmã Blanche.<br />

La Force é o nome da família francesa dos Duques de<br />

la Force, e significa “a força”. Ela chamava-se, portanto,<br />

Branca da Força. Ora, essa Blanche de la Force, segundo<br />

o “Diálogo das Carmelitas”, era uma pessoa com uma<br />

espécie de psicose de medo, possuindo verdadeiro pavor<br />

de morrer.<br />

A Superiora, ao contrário, era como a mulher forte<br />

da Escritura: coerente, varonil, de grande personalidade,<br />

dessas que veem aproximar-se a morte de longe, e que<br />

vão de encontro a ela, passo a passo, em holocausto. E,<br />

no momento da dor e da imolação, cumprem um ato de<br />

vontade ponderado e maturado antes, profundamente,<br />

durante anos inteiros. Portanto, o esplendor da coerência<br />

e da grande escola clássica de vida espiritual.<br />

Essa Superiora poderia morrer tendo nos lábios aquelas<br />

palavras de São Paulo: “Combati o bom combate, terminei<br />

a minha carreira, guardei a Fé. Desde já me está<br />

reservada a coroa da justiça que me dará o Senhor, justo<br />

Juiz...” 4<br />

Em contraposição a ela está a Irmã Blanche de la Force:<br />

fraca, frágil, suscetível a pânicos, muito desejosa de<br />

ser fiel, mas tendo até a miséria de, por psicose, fugir<br />

do convento para escapar da guilhotina. Mas, depois —<br />

triunfo da fidelidade dos fracos —, subindo ao cadafalso,<br />

na última hora, e deixando-se matar juntamente<br />

com as outras.<br />

A oposição das duas escolas insinua a possibilidade<br />

— que existe mesmo — de uma alma<br />

ter essa estrutura e, entretanto, ser muito bem<br />

intencionada e fiel.<br />

O perigo está no fato de isso poder ser legítimo,<br />

mas ao mesmo tempo muito parecido<br />

com o contrário da virtude, com a covardia, a<br />

incongruência. E, por essa razão, a divulgação<br />

de uma coisa dessas, muito legítima, tanto pode<br />

fazer muito bem, em alguns casos, como muito<br />

mal em outros, pois de um lado contribui para<br />

animar as pessoas fracas chamadas a uma grande<br />

santidade, mas pode também servir de pretexto à<br />

fraqueza de almas sem generosidade.<br />

O caso dessas carmelitas de Compiègne é bem<br />

o contrário disso.<br />

Pulcritudes da Santa Igreja<br />

Li o parecer de um Delegado Apostólico que esteve com<br />

elas, alguns anos antes da Revolução Francesa, e que dizia<br />

ter feito uma visita longa, pormenorizada, severa, e as<br />

achou, em tudo e por tudo, de tal maneira perfeitas que ele<br />

nem sequer sabia como lhes aconselhar para melhorarem.<br />

Não se pode fazer um elogio mais magnífico do que este.<br />

Percebe-se que a visita, para ele, redundou em embaraçosa<br />

porque, provavelmente, elas diziam: “Padre, nós estamos<br />

descontentes conosco, queremos melhorar, indique-nos novas<br />

virtudes!” E elas estavam num tal ápice, que ele não sabia<br />

o que lhes aconselhar para terem uma virtude ainda maior.<br />

Então elas foram colhidas como fruto maduro, quer<br />

dizer, a virtude nelas tinha alcançado seu apogeu, quando<br />

chegou a Revolução, a qual foi de encontro a elas, o<br />

que significava também a morte. Mas com a morte, era<br />

o Esposo que vinha de encontro às virgens. E elas eram<br />

as virgens fiéis, cujas lâmpadas se encontravam repletas<br />

de azeite, e cujas chamas cintilavam com o maior brilho.<br />

De maneira que, chegando o Esposo, realmente elas estavam<br />

prontas para o martírio.<br />

Foi lindíssima a morte dessas religiosas! Todas elas,<br />

antes de subirem ao patíbulo, passavam diante da Superiora<br />

e pediam licença para morrer; a Superiora concedia,<br />

dava-lhes a bênção, e elas iam para a guilhotina.<br />

Saíam, assim, diretamente das mãos do carrasco para as<br />

mãos imaculadas de Nossa Senhora.<br />

Essas coisas são de uma beleza angélica, supraterrena!<br />

É uma trajetória em linha reta, toda feita de força, de<br />

coerência, que consola, anima e estimula a quem, como<br />

em nossa época, é obrigado aos zigue-zagues das incoerências,<br />

das exceções, dos conformes.<br />

Fac-simile de um documento assinado<br />

pelas carmelitas de Compiègne<br />

Rflock<br />

30


Ao lado, martírio e glorificação das virgens de<br />

Compiègne<br />

Acima, placa em memória do martírio das 16<br />

carmelitas - Cemitério de Picpus, Paris (França)<br />

Rflock<br />

Ali, não! É como o voo da águia; não tem incoerências<br />

nem transigências. Vai direto da torre ao mais alto rochedo,<br />

olhando para o Sol numa linha reta que verdadeiramente<br />

nos entusiasma!<br />

O que devemos deduzir disso?<br />

Há almas fracas a quem esses exemplos enregelam e paralisam.<br />

Entretanto, não os recordo para causar-lhes terror,<br />

mas a fim de que compreendam e amem todas as vias dentro<br />

da Igreja Católica. Há moradas para todos; e cada um<br />

deve amar sua morada e também as moradas dos outros.<br />

Porque é o conjunto dessas moradas que constitui, na Terra,<br />

a Igreja militante, e no Céu formará a Igreja triunfante.<br />

E reconheçamos que a morada dessas carmelitas é esplêndida,<br />

um verdadeiro palácio. É o palácio da coerência,<br />

da previsão e do grande estilo da vida espiritual.<br />

São as vias diferentes da Providência Divina para as<br />

almas, e as várias maravilhas que Deus opera nas pessoas<br />

que Ele escolhe. A algumas, por exemplo, Ele chama<br />

por meio desse ato da Irmã Henriette, que é o contrário<br />

da Irmã Blanche de la Force. Vê a morte de longe, encara-a,<br />

enfrenta com alegria o acusador, fá-lo declarar<br />

o martírio para todas, ajuda-as a aceitar a morte, e só<br />

não morre depois da Priora porque a ordem hierárquica<br />

pedia que esta morresse por último.<br />

É um caminho de Deus, um modo de guiar as almas<br />

e de modelá-las. Mas Ele é infinitamente belo na unidade<br />

e na variedade desse caminho. Exatamente por<br />

serem os santos tão diversos e haver escolas espirituais<br />

distintas dentro da Santa Igreja Católica, cada uma delas<br />

refletindo uma beleza de Deus, compreendemos algo da<br />

pulcritude da Igreja.<br />

Assim, temos uma ideia do que pode ser a beleza no<br />

Céu, onde não só vemos Deus face a face, mas O contemplamos<br />

pela formosura incomensurável de cada uma<br />

das almas que ali se encontram; cada Anjo, cada Santo e,<br />

sobretudo, Aquela que compendia em Si e supera indizivelmente<br />

a beleza espiritual de todos os Anjos e todos os<br />

Santos: Maria Santíssima.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 23/6/<strong>196</strong>5, 23/7/<strong>196</strong>9 e 1/8/1972)<br />

1) Cidade próxima a Paris.<br />

2) Do latim: para a perpétua memória do fato.<br />

3) “Diálogo das Carmelitas” (título original: Dialogue des<br />

Carmelites), de Georges Bernanos (*1888 - †1948).<br />

4) 2Tm 4, 7-8.<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Equilíbrio, força<br />

e obediência<br />

Além de precisas, lógicas e claras, as<br />

exposições de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> frequentemente<br />

eram ricas em reversibilidades. Comentando<br />

um belo salto realizado por um cavaleiro<br />

em Andaluzia, ele analisa o céu, o campo, o<br />

cavalo, o cavaleiro, comparando este com o<br />

marinheiro e o aeronauta. E afirma que as<br />

qualidades do animal equino, transpostas<br />

para a natureza humana, definem o autêntico<br />

membro do Movimento por ele fundado.<br />

Afigura que vamos comentar caracteriza uma<br />

pessoa dando um salto a cavalo. É uma das mais<br />

belas, fiéis e expressivas manifestações da coragem<br />

humana, naquilo que ela tem de mais bonito, que é<br />

a capacidade de ousar e de avançar.<br />

Sempre mais cristãos atrevimentos<br />

O ápice da posição da alma humana consiste em crer,<br />

não em qualquer religião, mas na única Religião verdadeira<br />

que é a pregada pela Santa Igreja Católica Apostólica<br />

Romana. Quando o homem acredita nas verdades<br />

ensinadas pela Igreja, elas projetam uma luz sobre sua<br />

alma que o ilumina e o torna capaz, por amor àquelas<br />

verdades, de empreendimentos extraordinários. É aquilo<br />

que o nosso grande Camões chamava “cristãos atrevimentos”<br />

1 .<br />

No tempo desse autor português, as esquadras de Portugal<br />

cobriam os mares que levavam até a Índia, Japão e<br />

China, ou chegavam a pontos ainda ignorados do Brasil.<br />

Essas naus eram impulsionadas, em parte, pelo desejo de<br />

lucro dos mercadores, que fretavam e organizavam as esquadras;<br />

mas eram movidas principalmente pelo anseio<br />

de expandir a Fé Católica.<br />

32


Rama<br />

Barbe-Noire<br />

No centro: A tomada do “Kent” por Robert Surcouf<br />

Museu de História de Saint-Malo, França<br />

De baixo para cima: Navios partem da Torre de Belém;<br />

combate entre fragata francesa e navios ingleses<br />

Museu de História da França, Versailles (França)<br />

Então, Camões desejava que as naus navegassem para<br />

sempre mais “cristãos atrevimentos”.<br />

Quando se está em Portugal, é uma beleza contemplar<br />

a Torre de Belém, de onde partiam as esquadras, e os reis<br />

iam ver, na foz do Tejo, os navios prontos se encherem<br />

das respectivas tripulações e partirem para lugares, por<br />

vezes inteiramente ignotos, para sempre mais cristãos<br />

atrevimentos.<br />

É bonito ver o espírito humano posto nesta impostação<br />

da Fé, diante do tremendo desconhecido que era o<br />

mar naquele tempo, utilizando uns barquinhos que eram<br />

umas cascas de noz, em comparação com os navios mercantes<br />

de nossos dias. É belo contemplar o homem neste<br />

arrojo, no momento em que ele ousa, empreende e parte.<br />

O cavaleiro, o marinheiro e o aeronauta<br />

Botaurus<br />

Nota-se muito menos essa beleza do espírito, na aeronáutica.<br />

Por quê? Porque na aeronáutica, com a parte<br />

material do avião e da técnica, devido a certo determinismo<br />

que há na máquina, mede-se perfeitamente e limita-<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

-se o grau de risco, que passa a ser muito menor do que o<br />

dos barquinhos de Colombo ou de Pedro Álvares Cabral.<br />

No barco, é uma beleza ver o homem flutuar sobre as<br />

incertezas dos mares e rumar para um alto ponto distante.<br />

E esta também é a pulcritude do cavaleiro, quando dá<br />

um grande salto a cavalo.<br />

Mas o cavaleiro tem uma vantagem sobre o marinheiro:<br />

aquele orienta uma coisa viva, mutável, cuja vitalidade<br />

e mutabilidade são governadas por ele. A vitalidade<br />

do cavalo depende de uma espécie de domínio, que eu<br />

chamaria de psicológico, do cavaleiro sobre o cavalo.<br />

O cavaleiro muito ousado dá ousadia ao cavalo; ele<br />

pesa sobre o cavalo, mas ajuda-o a carregar o peso. O cavaleiro<br />

e o cavalo formam, por assim dizer, uma só ousadia,<br />

uma só força, e participam de um só voo.<br />

Nessa fotografia, vemos o que é este voo do cavalo<br />

e, por cima dele, o voo do cavaleiro, de onde vem<br />

a impressão de que quase tudo ali é a alma do cavaleiro.<br />

O cavalo constitui uma massa viva maior do que<br />

o cavaleiro, mas este, porque tem vida humana, possui<br />

mais domínio do que o cavalo. Também o corpo<br />

do cavaleiro ocupa uma matéria viva maior do que<br />

sua cabeça, mas esta tem a direção e, por causa disso,<br />

vale mais do que o corpo. Assim, a parte menor,<br />

onde cintila a inteligência, tem a responsabilidade e<br />

a glória pelo todo.<br />

Faço notar alguns pormenores realmente admiráveis.<br />

Temos três elementos: dois que constituem o cenário,<br />

e um representado pelo cavalo e cavaleiro.<br />

Poder-se-ia dizer que são o contexto e o texto.<br />

O céu da Andaluzia 2 é exatamente assim. Não há,<br />

portanto, embelezamento por meio de efeitos fotográficos.<br />

Se devêssemos imaginar o céu da eternidade,<br />

uma das ideias mais próximas seria essa.<br />

Considerem o campo, a terra. É curioso, mas todas<br />

as coisas têm uma adequação própria. Sou entusiasta<br />

da grama inglesa, cor de esmeralda. Realmente<br />

é uma coisa admirável! Entretanto, se aqui houvesse<br />

essa grama, não daria certo. Essa vegetaçãozinha<br />

tem exatamente a altura que deveria ter; não<br />

deveria ser um chão raso, mas também não poderia<br />

ser uma grande vegetação. Precisava ser assim, para<br />

que, entre este solo e este céu azul, se realizasse este<br />

grande feito, fruto da força de alma.<br />

Analisemos o cavalo. Ele está numa posição em<br />

que a luz bate nele com uma beleza perfeita, e o ilumina<br />

como talvez um artista não pudesse ter imaginado<br />

a iluminação. Notem como as formas do animal<br />

ficam evidenciadas, a musculatura, toda a força de corpo<br />

que faz dele uma espécie de avião de vida, posto nos<br />

ares.<br />

À vista dessa luz, pergunta-se: este é um céu matutino<br />

ou vespertino? A indagação tem certo interesse, porque<br />

em função da resposta pode-se interpretar melhor a cena.<br />

Esta fica mais bonita imaginada de manhã ou à tarde?<br />

Tenho a impressão de que é o céu da manhã. Há uma<br />

vitalidade matutina, uma alegria da natureza toda que<br />

desperta, causando a impressão de existir qualquer coisa<br />

de um desígnio de Deus realizado, no momento em<br />

que o Sol acaba de nascer, as luzes enxotaram as trevas<br />

da noite e o dia começa a dominar tudo. Então o Sol sobe,<br />

o cavalo e o cavaleiro sobem também. Há, portanto,<br />

Duas ascensões simultâneas<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante a conferência de 3/11/1990<br />

34


duas ascensões simultâneas. Dir-se-ia que o cavaleiro está<br />

radiante nessa subida de todas as coisas, e de ser o rei<br />

da natureza, elevando-se no meio dessa ascensão. É uma<br />

coisa bonita.<br />

Alegria de vencer o risco<br />

Outro aspecto a considerar é o risco, porque o salto<br />

pode dar errado, e o cavaleiro quebrar a espinha, tornando-se<br />

um homem liquidado. Mas ele não está pensando<br />

no erro nem no risco. Vê-se que ele previu tudo e sabe<br />

perfeitamente o que precisa fazer com o cavalo; possui a<br />

alegria de vencer o perigo para o qual já tem a vitória assegurada.<br />

Por isso, não tem o medo do risco, mas a embriaguês<br />

da vitória.<br />

O cavaleiro tem amarrado ao pescoço um lenço que o<br />

vento movimenta. Observem a forma heroica que o lenço<br />

toma. A ideia da confrontação com o vento que, por sua<br />

vez, faz levantar o lenço como o homem faz erguer o cavalo,<br />

o lenço tremulando atrás do cavaleiro; tudo isso dá a<br />

impressão do heroísmo, da vitória, da palpitação da glória.<br />

O chapelão dele indica que é um de homem disposto a<br />

qualquer aventura.<br />

Observem, agora, a crina do cavalo. Dir-se-ia que ela<br />

está tomada por um incêndio frio; a crina suspensa pelo<br />

vento parece uma labareda.<br />

Os olhos do cavalo, um pouco arregalados diante do<br />

perigo, por ter menos segurança do que aquele que o dirige<br />

— o animal só tem o instinto —, entretanto como<br />

que está devorando o perigo. Sua boca está meio aberta.<br />

Dir-se-ia que ele está com fome de mastigar o risco.<br />

Vejam o movimento delicado das patas dianteiras!<br />

Ele todo está voando.<br />

Distância psíquica<br />

Em certo sentido, essa foto emoldurada constituiria<br />

um quadro que se poderia chamar: “Distância<br />

psíquica” 3 .<br />

Uma pessoa entendida em equitação disse-me<br />

que para o cavalo estar em condições de realizar este<br />

salto, exige-se dele equilíbrio, boa musculatura e<br />

flexibilidade.<br />

Em termos humanos, flexibilidade quer dizer<br />

obediência, ou seja, fazer o que o cavaleiro manda.<br />

Equilíbrio poder-se-ia traduzir por equilíbrio<br />

nervoso; e musculatura por força. Equilíbrio, força<br />

e obediência é a definição do perfeito membro de<br />

nosso Movimento.<br />

O cavalo obstinado, com “vontade própria” e que<br />

encrenca, é de pouco valor, empurra-se de lado; o<br />

de categoria é o que “sabe” obedecer. O cavalo nervoso,<br />

agitado, incapaz de fazer o que o seu dono<br />

manda não vale nada; mas o que executa as ordens<br />

do seu dono, porque tem equilíbrio nervoso e força,<br />

este é o cavalo autêntico.<br />

São símbolos que Deus põe na natureza para a<br />

formação do homem.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 3/11/1990)<br />

1) Cf. Lusíadas, VII, 14.<br />

2) Região situada no Sul da Espanha.<br />

3) Expressão utilizada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar uma<br />

calma fundamental, temperante, que confere ao homem<br />

a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que<br />

o cercam.<br />

35


Lírio entre<br />

os espinhos<br />

No Pequeno Ofício da Imaculada<br />

Conceição há o seguinte<br />

responsório: “Como o lírio entre<br />

os espinhos, assim é a minha predileta<br />

entre os filhos de Adão.”<br />

Estas palavras podem ser aplicadas<br />

também a uma porção de coisas<br />

boas que, em nossas vidas, restam<br />

no meio dos espinhos, os quais<br />

temos que aturar para podermos<br />

nos deleitar com o perfume de um<br />

lírio.<br />

Existe, por detrás, uma verdade<br />

enternecedora: Nossa Senhora quer<br />

que tenhamos pena daqueles que<br />

representam os espinhos em torno<br />

do lírio d’Ela. E tendo paciência<br />

com eles, sabendo perdoar até o estapafúrdio,<br />

sendo inalteravelmente<br />

os mesmos, nós transformamos os<br />

espinhos em lírio.<br />

(Extraído de conferência de<br />

12/2/1988)<br />

Jebulon<br />

Imaculado Coração<br />

de Maria - Catedral de<br />

Córdoba, Espanha

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