21.08.2016 Views

Observatório do Analista em Revista - 6 Edição

Revista do colaborativa dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

Revista do colaborativa dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Artigo<br />

O xadrez <strong>do</strong>s concurseiros,<br />

<strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r público<br />

à autoridade<br />

Texto: Luís Nassif<br />

Nos últimos anos, tomou corpo um<br />

novo fenômeno no serviço público:<br />

os concurseiros, pessoas<br />

que, <strong>em</strong> algumas áreas selecionadas,<br />

entraram através de concursos<br />

disputadíssimos.<br />

Os concurseiros mudaram a cara <strong>do</strong> serviço<br />

público. Vêm com preparo maior que os funcionários<br />

de carreiras tradicionais. Depois, o<br />

Esta<strong>do</strong> banca cursos de mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> universidades estrangeiras. Fog<strong>em</strong><br />

<strong>do</strong> perfil tradicional de funcionário público.<br />

Historicamente o serviço público oferece<br />

previsibilidade, uma aposenta<strong>do</strong>ria que<br />

preserva ganhos e salários abaixo <strong>do</strong>s de<br />

merca<strong>do</strong>. Com as mudanças na última década,<br />

continuou oferecen<strong>do</strong> previsibilidade e<br />

aposenta<strong>do</strong>ria, e salários iniciais muito acima<br />

<strong>do</strong>s salários de merca<strong>do</strong>.<br />

Esse fenômeno gerou uma espécie nova de<br />

funcionário público s<strong>em</strong> vocação <strong>do</strong> pública<br />

e com ampla vocação de “autoridade”.<br />

Esse perfil de funcionário foi central na impl<strong>em</strong>entação<br />

<strong>do</strong> golpe, receben<strong>do</strong> o respal<strong>do</strong><br />

da mídia para julgamentos de mérito de<br />

operações orçamentárias, como se tivess<strong>em</strong><br />

si<strong>do</strong> ungi<strong>do</strong>s pelo voto.<br />

Tornaram-se verdadeiros militantes políticos –<br />

como foi o caso <strong>do</strong> procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ministério<br />

Público das Contas.<br />

Característica 1 - O retorno financeiro<br />

<strong>do</strong> valor investi<strong>do</strong> na preparação <strong>do</strong><br />

concurso |<br />

Passar <strong>em</strong> concurso exige três anos de estu<strong>do</strong>s<br />

ininterruptos e matrículas <strong>em</strong> cursos caros.<br />

Ou seja, investimento pesa<strong>do</strong> <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po e dinheiro<br />

e seletividade de classe socioeconômica.<br />

E as provas exig<strong>em</strong> m<strong>em</strong>orização, não<br />

necessariamente vocação para a profissão<br />

pretendida. Entran<strong>do</strong>, o concurseiro irá casar<br />

essas vantagens com a <strong>do</strong>s ganhos, passan<strong>do</strong><br />

a pressionar o Esta<strong>do</strong> para melhorias<br />

constantes nos rendimentos.<br />

A expansão descontrolada <strong>do</strong> serviço público<br />

deve-se às pressões dessa nova classe.<br />

Característica 2 - O servi<strong>do</strong>r público<br />

e a síndrome da “autoridade”<br />

Pega-se um jov<strong>em</strong> de pouco mais de 20<br />

anos, confere-se um cargo regiamente r<strong>em</strong>unera<strong>do</strong>,<br />

com salário inicial imbatível e, <strong>em</strong><br />

cima disso, as prerrogativas de um poder de<br />

Esta<strong>do</strong>.<br />

30<br />

Grande parte <strong>do</strong>s concurseiros não se considera<br />

servi<strong>do</strong>r público. Considera-se “autoridade”,<br />

segun<strong>do</strong> me relatam analistas tributários<br />

críticos <strong>do</strong> modelo atual de concurso.<br />

Essa característica se deve ao fato <strong>do</strong><br />

concurseiro dever seu status não à carreira<br />

impl<strong>em</strong>entada no serviço público, mas ao<br />

concurso que o transformou imediatamente<br />

<strong>em</strong> “autoridade” altamente r<strong>em</strong>unerada.<br />

Uma análise de caso pedagógica consiste<br />

<strong>em</strong> comparar o típico servi<strong>do</strong>r público e um<br />

típico concurseiro: o primeiro, o procura<strong>do</strong>r<br />

da República Celso Três, <strong>do</strong> Paraná; o segun<strong>do</strong>,<br />

o procura<strong>do</strong>r Ailton Benedito, de<br />

Goiás.<br />

O primeiro fez carreira no próprio Ministério<br />

Público, consagran<strong>do</strong>-se nas investigações<br />

<strong>do</strong> Banesta<strong>do</strong>, um trabalho m<strong>em</strong>orável que<br />

terminou abafa<strong>do</strong> pelas autoridades superiores.<br />

Ignorou-se sua experiência no campo<br />

de batalha e foi isola<strong>do</strong> no interior <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />

O segun<strong>do</strong> é um concurseiro que busca<br />

reconhecimento <strong>em</strong> bobagens inomináveis,<br />

como intimar o Itamarati a tomar providências<br />

contra a Venezuela por convocar jovens<br />

<strong>do</strong> Brasil para suas milícias digitais – a<br />

convocação era na Vila Brasil, subúrbio de<br />

Caracas.<br />

Três jamais exporia o MPF a vexames, por ter<br />

feito a carreira no trabalho. Ou seja, criou<br />

uma lealdade e assimilou uma cultura <strong>do</strong> MPF.<br />

E deve sua reputação ao trabalho de campo,<br />

não a cursos de mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>.<br />

Benedito – e outros colegas concurseiros de<br />

Goiás – não teve o menor pu<strong>do</strong>r <strong>em</strong> expor o<br />

MPF a vexames ou às jogadas políticas <strong>do</strong><br />

Instituto Millenium, por não ser servi<strong>do</strong>r público,<br />

mas “autoridade”. Intimar o Itamarati, a<br />

Secom, a presidência da República torna-se<br />

um exercício banal de poder e amplamente<br />

desrespeitoso <strong>em</strong> relação à sua corporação.<br />

Característica 3 - No concurso, o início<br />

da aposenta<strong>do</strong>ria<br />

Outra característica <strong>do</strong>s “concurseiros” é o<br />

fato de o primeiro salário ser muito eleva<strong>do</strong>.<br />

Não há estímulo a se destacar nos serviços<br />

visan<strong>do</strong> promoções. Muitos deles faz<strong>em</strong> <strong>do</strong><br />

primeiro dia no serviço público o primeiro dia<br />

da contag<strong>em</strong> regressiva para a aposenta<strong>do</strong>ria.<br />

Compare-se o padrão Benedito de Procura<strong>do</strong>r<br />

com, por ex<strong>em</strong>plo, o funcionário <strong>do</strong> Banco<br />

<strong>do</strong> Brasil. Nos anos 90, o BB deu início<br />

a um profun<strong>do</strong> processo de transformações,<br />

visan<strong>do</strong> tornar-se um banco de merca<strong>do</strong>.<br />

No final da década houve ajustes porque<br />

deixou-se de la<strong>do</strong> o fator serviço público.<br />

E constatou-se que os funcionários reagiam<br />

muito melhor quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong>s com desafios<br />

de setor público. Ou seja, tinham que<br />

casar a disputa de merca<strong>do</strong> com a vocação<br />

pública. Nunca deixaram de se considerar<br />

servi<strong>do</strong>res públicos. A carreira interna<br />

permitia que os funcionários gradativamente<br />

foss<strong>em</strong> assimilan<strong>do</strong> os valores da corporação.<br />

Fala-se muito <strong>em</strong> d<strong>em</strong>ocratização trazida<br />

pelos concursos. D<strong>em</strong>ocratização foi o que<br />

o BB historicamente fez, permitin<strong>do</strong> que funcionários<br />

entrass<strong>em</strong> como contínuos e saíss<strong>em</strong><br />

como diretores.<br />

No caso <strong>do</strong>s “concurseiros”, isso não ocorre.<br />

O jov<strong>em</strong> inexperiente é joga<strong>do</strong> de chofre <strong>em</strong><br />

uma função que lhe confere salário alto e<br />

poderes de Esta<strong>do</strong>. A partir dali, t<strong>em</strong>-se uma<br />

carreira previsível e s<strong>em</strong> desafios.<br />

Motivo 1 - A perda de valores <strong>do</strong><br />

serviço público<br />

O desenvolvimento brasileiro no século 20<br />

foi fundamentalmente uma obra <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res<br />

públicos. Mesmos os cérebros que vinham<br />

de fora <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, tinham <strong>em</strong> elites da burocracia<br />

a matéria prima para <strong>em</strong>preender os<br />

grandes avanços necessários ao desenvolvimento.<br />

Banco <strong>do</strong> Brasil e Itamarati, posteriormente<br />

o Banco Central, o Planejamento,<br />

as estatais, s<strong>em</strong>pre foram fornece<strong>do</strong>ras de<br />

quadros técnicos de alta qualidade. E esses<br />

servi<strong>do</strong>res públicos tinham como missão<br />

transformar o país.<br />

Para manter acesa a chama, foram criadas<br />

instituições públicas de formação, desde a<br />

Fundação Getúlio Vargas às Escolas públicas,<br />

a ENAP (Escola Nacional de Administração<br />

Pública), a Escola de Administração<br />

Fazendária.<br />

No perío<strong>do</strong> Bresser-Pereira no Planejamento,<br />

e <strong>em</strong> bom perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo Lula e início<br />

<strong>do</strong> governo Dilma, sentia-se uma sede de<br />

modernização no serviço público, de participar,<br />

de trazer novas ferramentas de gestão<br />

e planejamento.<br />

Hoje <strong>em</strong> dia, perderam-se os liames que<br />

uniam as gerações anteriores às novas gerações<br />

de concurseiros.<br />

Motivo 2 - O concurso <strong>em</strong> detrimento<br />

da carreira<br />

Os concursos foram essenciais para impedir<br />

o aparelhamento da administração pública.<br />

Mas aboliu-se a carreira, ao jogar os concursa<strong>do</strong>s<br />

<strong>em</strong> cargos de relevo s<strong>em</strong> o devi<strong>do</strong><br />

preparativo.<br />

Deveria haver um início mais modesto, e um<br />

plano de cargos e salários que fizess<strong>em</strong> o<br />

concurseiro crescer dentro <strong>do</strong> serviço público,<br />

entender as diversas etapas <strong>do</strong> seu trabalho,<br />

assimilar os valores e vestir a camisa<br />

de servi<strong>do</strong>r público. Com muito orgulho.<br />

Empenha<strong>do</strong>s na luta comum<br />

para um serviço público <strong>do</strong><br />

tamanho <strong>do</strong> Brasil!

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!