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Observatório do Analista em Revista - 6 Edição

Revista do colaborativa dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

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Poder X Mulher<br />

Texto: Mari Lucia Zonta / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />

Preconceito contra mulheres.<br />

Confesso que o t<strong>em</strong>a não<br />

me agrada. Tratar <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a<br />

não me agrada. Porque estou<br />

cansada. Esse é trabalho<br />

para as meninas. Não apenas<br />

porque é extenuante e um pouco <strong>do</strong>í<strong>do</strong><br />

tratar disso, mas porque o machismo<br />

t<strong>em</strong> nuances próprias de cada época e<br />

ninguém melhor <strong>do</strong> que a geração <strong>do</strong><br />

t<strong>em</strong>po presente para reconhecê-las.<br />

Não que o preconceito contra mulheres<br />

aplaque sua fúria contra as mais velhas.<br />

Ao contrário, quan<strong>do</strong> despe o manto<br />

<strong>do</strong> desejo, o machismo veste o da crueldade.<br />

S<strong>em</strong> máscaras.<br />

Acontece que o t<strong>em</strong>a nos foi pauta<strong>do</strong><br />

antes mesmo <strong>do</strong> evento que permeia<br />

esta edição da <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Observatório</strong>.<br />

Foi durante a sua organização. Assim<br />

que apresentamos a programação, com<br />

a composição das mesas, uma amiga<br />

da Intersindical constatou que entre os<br />

23 convida<strong>do</strong>s havia apenas 2 mulheres<br />

entre palestrantes e debate<strong>do</strong>res.<br />

Autocrítica aceita, já que participei da<br />

organização, fui pesquisar mulheres dentro<br />

das mesmas áreas <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s<br />

homens. O resulta<strong>do</strong> foi desola<strong>do</strong>r. No<br />

jornalismo político e econômico, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, pouquíssimas. Nas centrais sindicais,<br />

sindicatos e federações, raras.<br />

Na cúpula da Receita Federal, um pouco<br />

pior. Cito como ex<strong>em</strong>plo a Receita<br />

<strong>em</strong> Minas. Das 14 Delegacias <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>,<br />

apenas 1 mulher. S<strong>em</strong> falar das DRJs,<br />

Inspetoria e Superintendência. Somadas,<br />

são 18 unidades. Apenas 1 mulher.<br />

Na abertura <strong>do</strong> evento, perguntamos<br />

ao Superintendente de Minas, Hermano<br />

L<strong>em</strong>os, sua opinião sobre o quadro.<br />

Disse que os chefes de unidades são<br />

escolhi<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> banco de gestores,<br />

onde os candidatos aos cargos se<br />

inscrev<strong>em</strong> livr<strong>em</strong>ente. E que são raras as<br />

mulheres inscritas.<br />

A questão, portanto, parece ser outra.<br />

Por que fog<strong>em</strong> <strong>do</strong> poder as mulheres?<br />

Ou seria o contrário.<br />

A justificativa de outro administra<strong>do</strong>r da<br />

Receita presente no evento, de que há,<br />

por outro la<strong>do</strong>, muitas mulheres como<br />

“E a respiração<br />

contínua <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é<br />

aquilo que ouvimos e<br />

chamamos de<br />

silêncio.”<br />

adjuntas <strong>do</strong>s titulares, afasta <strong>do</strong>is argumentos<br />

tenta<strong>do</strong>res.<br />

1. Falta de capacidade delas. Fosse o<br />

caso, por que são convidadas e nomeadas<br />

pelos titulares para suas adjuntas<br />

(inclusive como partícipes das mesmas<br />

decisões)?<br />

2. Elas não t<strong>em</strong> interesse ou vontade.<br />

E mesmo assim aceitam o convite para<br />

adjuntas? O que justificaria o “sacrifício”<br />

de aceitar?<br />

A resposta só avança se entrarmos no<br />

difícil campo das sutilezas, <strong>do</strong> não dito,<br />

<strong>do</strong> preconceito apenas senti<strong>do</strong>, mas impossível<br />

de ser traduzi<strong>do</strong> racionalmente.<br />

E da impotência que isso causa. Porque<br />

“existe um sentir que é entre o sentir - nos<br />

interstícios da matéria primordial”. Diferente<br />

<strong>do</strong> preconceito que se vale da<br />

violência física, que deixa atrás de si<br />

evidentes olhos roxos, braços quebra<strong>do</strong>s,<br />

corpos no chão, a modalidade<br />

sutil se faz apenas sentir, a violência,<br />

não menos <strong>do</strong>ída, é <strong>em</strong> outro lugar. Não<br />

quebra a espinha <strong>do</strong>rsal, mas quebra a<br />

coluna de sustentação da nossa humanidade,<br />

da nossa dignidade.<br />

No caso da vontade de poder, de man<strong>do</strong>,<br />

a sutileza <strong>do</strong> machismo se expõe.<br />

Basta notar que a um hom<strong>em</strong> ambicioso,<br />

que galga postos de poder e man<strong>do</strong><br />

atribui-se certa aura de Odisseu. Mas vá<br />

Penélope se atrever a desejar poder ao<br />

invés de desejar pacient<strong>em</strong>ente a volta<br />

de Odisseu e tecer sua colcha e chorar<br />

<strong>em</strong> silêncio.<br />

O fato evidente, mat<strong>em</strong>ático, é que as<br />

mulheres ainda estão longe <strong>do</strong> poder,<br />

das linhas decisórias. As poucas que se<br />

atrev<strong>em</strong> a navegar os mares da política,<br />

da cúpula das grandes corporações,<br />

da política sindical, <strong>do</strong>s lugares<br />

de poder enfim, sab<strong>em</strong> das barreiras<br />

intransponíveis com que se deparam.<br />

Barreiras tantas vezes invisíveis para um<br />

olhar de fora, o que é desespera<strong>do</strong>r.<br />

Sab<strong>em</strong> onde “está a linha de mistério e<br />

fogo que é a respiração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” e<br />

que não pod<strong>em</strong> ultrapassar. Não porque<br />

não desejam, mas porque lhes é<br />

sutilmente proibi<strong>do</strong>.<br />

Há muito que avançar, portanto. Olho<br />

com esperança para uma parcela das<br />

meninas desta geração. E com desespero<br />

para outra parcela. Nessa disputa<br />

de Titânides(*) torço para que muitas JuB<br />

apareçam, s<strong>em</strong>pre atentas, militantes,<br />

provocan<strong>do</strong> reflexão, alimentan<strong>do</strong> nossa<br />

fé na humanidade.<br />

A elas, l<strong>em</strong>bro que ainda falta aos <strong>em</strong>bates<br />

das mulheres uma questão essencial,<br />

e poucas vezes posta: quais<br />

as consequências para a humanidade<br />

toda, desse longo silêncio das mulheres<br />

entre as vozes com poder para decidir<br />

nosso futuro? “E a respiração contínua<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é aquilo que ouvimos e chamamos<br />

de silêncio.”<br />

(*) Titânides. Na Mitologia Grega, são filhas de Gaia e<br />

Urano, as 6 irmãs <strong>do</strong>s Titãs. Teia, Reia, Têmis, Mn<strong>em</strong>osine,<br />

Febe e Tétis.<br />

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