Observatório do Analista em Revista - 6 Edição
Revista do colaborativa dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil
Revista do colaborativa dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil
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Índio, secretário-geral da Intersindical, defende reformas populares no serviço público<br />
<strong>Edição</strong> 6 - Agosto de 2016 | www.observatorio<strong>do</strong>analista.org<br />
Luís Nassif solta o<br />
verbo sobre política,<br />
economia e Esta<strong>do</strong><br />
PEC 186: Acusação e<br />
defesa no júri <strong>do</strong><br />
<strong>Observatório</strong><br />
Roque Wandenkolk fala<br />
das Administrações<br />
Tributárias no mun<strong>do</strong><br />
<strong>Observatório</strong><br />
discute o Esta<strong>do</strong><br />
O <strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong> promoveu um ousa<strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário sobre esta<strong>do</strong>,<br />
serviço público e administração tributária no Brasil.<br />
E MUITO MAIS! Acompanhe o <strong>Observatório</strong>: www.observatorio<strong>do</strong>analista.org
Um olhar crítico sobre o<br />
Esta<strong>do</strong> Brasileiro e suas corporações públicas<br />
<strong>Analista</strong> Tributário<br />
edifican<strong>do</strong> sonhos!<br />
<strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong> Em <strong>Revista</strong> / Editores: Mari Lucia Zonta e João Jaques Silveira Pena<br />
Responsável pelo conteú<strong>do</strong>: Ana Cláudia Nogueira / Fotografias: Ricar<strong>do</strong> Pessetti / Criação e<br />
editoração eletrônica: Ricar<strong>do</strong> Pessetti / Belo Horizonte, Agosto de 2016
Editorial<br />
O <strong>em</strong>buste<br />
Texto: João Jaques Silveira Pena / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Não é um fenômeno social<br />
novo, muito menos inusita<strong>do</strong>,<br />
mas com o ingresso de<br />
milhões de brasileiros no<br />
merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r durante<br />
os anos 2000 ficou<br />
mais evidente: a sociedade moderna<br />
padece <strong>do</strong> mal da aparência, para a<br />
qual vive, se esforça e se consome. Essa<br />
vida estilo “Big Brother”, suposta superexposição<br />
da realidade, acaba por<br />
produzir pessoas carentes de valores e<br />
princípios morais clássicos, substituí<strong>do</strong>s<br />
pela ânsia de impressionar, de ser único,<br />
ser insubstituível não pelo que se é, mas<br />
pelo que se ostenta. Somente diante<br />
desse contexto global pod<strong>em</strong>os compreender<br />
os motivos não confessa<strong>do</strong>s<br />
que produziram parte <strong>do</strong>s artigos <strong>do</strong><br />
Projeto de Lei nº 5.864/2016 que dispõe<br />
sobre a carreira específica <strong>do</strong>s cargos<br />
de nível superior da Receita Federal<br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
No s<strong>em</strong>inário Esta<strong>do</strong>, Serviço Público e<br />
Administração Tributária no Brasil, tiv<strong>em</strong>os<br />
a oportunidade de perguntar ao<br />
Coordena<strong>do</strong>r Geral de Planejamento,<br />
Organização e Avaliação Institucional<br />
(COPAV) Sérgio Luiz Messias de Lima<br />
quais eram os próximos passos para a<br />
melhoria <strong>do</strong>s processos de trabalho e<br />
ganho de eficiência da RFB à luz da<br />
gestão por competências e gestão por<br />
processos que parecia estar sen<strong>do</strong> aplicada<br />
no âmbito <strong>do</strong> órgão. A impressão<br />
que passou acaba ganhan<strong>do</strong> contornos<br />
mais claros com o PL 5.864/2016, a<br />
A Receita Federal deveria<br />
estar <strong>em</strong>penhada <strong>em</strong><br />
ganhar eficiência<br />
interna e promover a<br />
melhor distribuição da<br />
carga tributária<br />
cultura interna promove a estagnação e<br />
volta ao passa<strong>do</strong>.<br />
Em to<strong>do</strong> o Mun<strong>do</strong>, os fiscos buscam<br />
abrandar a imag<strong>em</strong> de algoz estatal<br />
para alcançar o papel de colabora<strong>do</strong>r,<br />
<strong>do</strong> órgão que atua para prover o<br />
Esta<strong>do</strong> de recursos para suas atividades<br />
mas que auxilia o contribuinte a exercer<br />
seu papel de forma espontânea. Em<br />
meio a grave crise econômica o Brasil<br />
parece querer seguir caminho inverso.<br />
As mostras de modernização da gestão<br />
com os projetos de Gestão por Pessoas<br />
e a melhoria <strong>do</strong>s processos de trabalho<br />
(um ensaio para a Gestão por Procesos)<br />
parec<strong>em</strong> ter si<strong>do</strong> esquecidas. A<br />
opção noticiada pela imprensa passa<br />
pelo aumento de impostos e, com o PL<br />
5.864/2016, pelo aguçamento das garras<br />
<strong>do</strong> Leão com o <strong>em</strong>poderamento <strong>do</strong><br />
cargo de Auditor-Fiscal.<br />
Se o consumismo é estimula<strong>do</strong> incessant<strong>em</strong>ente<br />
pelos meios de comunicação,<br />
a busca pelo <strong>em</strong>poderamento de cargos<br />
públicos notadamente técnicos, t<strong>em</strong><br />
orig<strong>em</strong> na falta de visão coletiva <strong>do</strong>s<br />
servi<strong>do</strong>res e suas representações sindicais,<br />
que não consegu<strong>em</strong> enxergar seu<br />
papel e muito menos sua importância<br />
na complexa máquina pública brasileira.<br />
Assim, o que importa é a diferenciação<br />
de outros cargos, mesmo que não se<br />
saiba qual o efeito prático da titulação<br />
requerida.<br />
No caso <strong>do</strong> PL 5.864/2016, essa distinção<br />
se aplica inclusive entre os cargos<br />
da carreira específica, cujo nome pretende<br />
alterar para Tributária e Aduaneira<br />
da Receita Federal <strong>do</strong> Brasil. Dos <strong>do</strong>is<br />
cargos de nível superior nela presentes,<br />
destaca-se o cargo de Auditor-Fiscal<br />
como autoridade tributária e aduaneira<br />
da União Federal que exerce atividade<br />
essencial e exclusiva de Esta<strong>do</strong> e nada<br />
diz quanto aos <strong>Analista</strong>s-Tributários. Estaria<br />
o Projeto sugerin<strong>do</strong> retirar as atividades<br />
atribuídas ao <strong>Analista</strong> das que são<br />
essenciais e exclusivas de Esta<strong>do</strong>? Pelo<br />
absur<strong>do</strong> que seria a resposta positiva,<br />
percebe-se que a intenção foi apenas<br />
o de destacar e colocar <strong>em</strong> evidência<br />
um <strong>do</strong>s cargos da carreira <strong>em</strong> detrimento<br />
da própria lógica de valorização da<br />
carreira. “Vaidade de vaidades! Tu<strong>do</strong> é<br />
vaidade”.<br />
Teoricamente, seja na visão naturalista<br />
seja na contratualista, autoridade estatal<br />
é a força cogente que t<strong>em</strong> o fim<br />
de fazer valer as normas e os fins <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />
Na visão corporativista a<strong>do</strong>tada<br />
no PL, ass<strong>em</strong>elha-se a título de nobreza<br />
conferi<strong>do</strong> a um cargo, um status público<br />
s<strong>em</strong> finalidade outra senão destacar,<br />
dar notoriedade. Contu<strong>do</strong>, a leitura de<br />
outros trechos da proposta denunciam<br />
que não é só uma questão de status,<br />
mas real <strong>em</strong>poderamento ou mesmo blindag<strong>em</strong><br />
<strong>do</strong> cargo.<br />
Nesse viés, prerrogativas inerentes às<br />
atividades da RFB como livre ingresso e<br />
trânsito <strong>em</strong> qualquer tipo de estabelecimento<br />
quan<strong>do</strong> somadas à liberdade de<br />
convencimento individual da complexa<br />
e conturbada legislação tributária<br />
(quantos entendimentos ter<strong>em</strong>os?), prisão<br />
especial etc. tornam-se o arcabouço<br />
da satisfação de anseios individuais<br />
que não se comunica com o interesse<br />
público.<br />
Diante da grave crise econômica pela<br />
qual passamos, a Receita Federal <strong>do</strong><br />
Brasil deveria estar <strong>em</strong>penhada <strong>em</strong><br />
ganhar eficiência interna e promover a<br />
melhor distribuição da carga tributária<br />
(hoje suportada indistintamente por to<strong>do</strong>s<br />
de forma regressiva – relativamente,<br />
os mais pobres pagam mais) que possibilitasse<br />
real crescimento da arrecadação<br />
mas com a promoção da Justiça<br />
Fiscal para a população (qu<strong>em</strong> ganha<br />
mais, paga mais) e diminuin<strong>do</strong> a sensação<br />
de confisco que cresce a cada<br />
dia.<br />
Não será com a volta <strong>do</strong>s príncipes da<br />
república* que alcançar<strong>em</strong>os isso! As<br />
proposta anunciadas <strong>em</strong> nada contribu<strong>em</strong><br />
para a fomentação <strong>do</strong> engajamento,<br />
da colaboração e motivação<br />
<strong>do</strong> corpo técnico da carreira <strong>do</strong>s cargos<br />
de nível superior da RFB. Assim não<br />
haverá qualquer inovação e melhoria<br />
nos processos e a promoção da eficiência<br />
<strong>do</strong> órgão e de alterações normativas<br />
que conduzam à simplificação<br />
<strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a tributário e promoção da<br />
Justiça Fiscal.Por fim, <strong>em</strong>bora não seja a<br />
primeira investida nesse senti<strong>do</strong> (todas<br />
rejeitadas, por sinal), essas alterações<br />
têm chance de prosperar pois estão<br />
apresentadas como medidas necessárias<br />
para a retomada <strong>do</strong> crescimento<br />
da arrecadação federal. Portanto, hão<br />
de ser provadas e, como está escrito, a<br />
qu<strong>em</strong> muito é da<strong>do</strong>, muito é cobra<strong>do</strong>.<br />
Só esperamos que, quan<strong>do</strong> o r<strong>em</strong>édio<br />
não fizer efeito, o paciente tenha vin<strong>do</strong><br />
a óbito.
Sobre o s<strong>em</strong>inário<br />
Pegadas analógicas<br />
El camino se hace al andar.<br />
Al andar se hace camino<br />
Y al volver la vista atrás<br />
Se ve la senda que nunca<br />
Se ha de volver a pisar.<br />
O<br />
<strong>Observatório</strong> nasceu <strong>em</strong> 2012 como ideia de um grupo de <strong>Analista</strong>s Tributários que pretendia um espaço onde<br />
pudess<strong>em</strong> compartilhar e debater t<strong>em</strong>as que foss<strong>em</strong> além da pauta estritamente corporativa <strong>do</strong>s <strong>Analista</strong>s. Para<br />
as questões imediatas, como a pauta reivindicatória e a defesa da categoria, há o sindicato, legitimamente<br />
eleito para esse fim.<br />
Restavam as questões mais amplas, igualmente afeitas aos <strong>Analista</strong>s, como a Receita Federal, a Administração<br />
Tributária, a Política, o Esta<strong>do</strong>, o Governo, o Serviço Público, o Sindicalismo. A elas nos dedicamos. Tarefa descomunal, logo<br />
notamos. Tarefa para muitas mãos.<br />
Em 2013, criamos um blog, o observatorio<strong>do</strong>analista.org, e nos apresentamos <strong>em</strong> nome de aproximadamente 150 <strong>Analista</strong>s<br />
que apoiavam o projeto. Em 2014, lançamos a primeira edição da <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Observatório</strong>, com publicação apenas digital.<br />
Toda a produção, criação e financiamento <strong>do</strong> site e da revista é feita de forma colaborativa e com <strong>do</strong>ações.<br />
Quatro anos depois, achamos que era preciso evoluir para o mun<strong>do</strong> analógico. Sim, evoluir. Depois <strong>do</strong> entusiasmo inicial com<br />
os caminhos digitais, a humanidade, aqui e além, se dá conta que é preciso deixar o sofá da sala, esse lugar quentinho, e<br />
resgatar os velhos caminhos analógicos. É preciso retornar à rua, à cidade, à praça, à Ágora. É preciso reencontrar o outro,<br />
olhos nos olhos.<br />
Com o S<strong>em</strong>inário Esta<strong>do</strong>, Serviço Público e Administração Tributária no Brasil, realiza<strong>do</strong> no dia 15/07 <strong>em</strong> Belo Horizonte, o<br />
<strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong>s saiu à rua. Com a inestimável parceria da Intersindical e da Febrafisco, com o apoio decisivo <strong>do</strong><br />
Sindireceita DS Belo Horizonte e Contag<strong>em</strong> e CEDS Minas Gerais, com a participação fundamental <strong>do</strong>s <strong>Analista</strong>s Tributários da<br />
grande BH e a excelência <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s palestrantes, o evento superou as expectativas.<br />
Em quatro mesas de discussão, foram aborda<strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as como o Esta<strong>do</strong>, o Serviço Público Brasileiro e suas instituições, a Administração<br />
Tributária e o novo modelo de gestão <strong>em</strong> implantação na Receita Federal.<br />
Na primeira mesa, a análise <strong>do</strong> jornalista econômico Luis Nassif trouxe um panorama amplo sobre política, economia, mídias de<br />
comunicação e uma surpreendente visão histórica <strong>do</strong> papel fundamental <strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r público na construção <strong>do</strong> país até pouco<br />
t<strong>em</strong>po atras. Edson Carneiro (Índio), Secretário Geral da Intersindical, l<strong>em</strong>brou <strong>do</strong>s desafios postos nesse exato momento a to<strong>do</strong>s<br />
os trabalha<strong>do</strong>res e muito especialmente os servi<strong>do</strong>res públicos (vide o PL 257 e a nova reforma da previdência <strong>em</strong> discussão<br />
no Congresso Nacional) e da necessidade de se unir forças para tentar conter minimamente os retrocessos <strong>em</strong> andamento.<br />
Nas mesas seguintes, aprofundan<strong>do</strong> os t<strong>em</strong>as mais amplos da primeira, discutiu-se a Administração Tributária <strong>do</strong> país, incluin<strong>do</strong><br />
as administrações estaduais de diferentes esta<strong>do</strong>s, apresentadas por diretores da Febrafisco e <strong>do</strong> Sinfazfisco-MG.<br />
Aprofundan<strong>do</strong> ainda mais o t<strong>em</strong>a, a terceira mesa apresentou o modelo de gestão <strong>em</strong> implantação na Receita Federal,<br />
apresenta<strong>do</strong> por Sergio Messias, coordena<strong>do</strong>r de planejamento da RFB. Os <strong>Analista</strong>s Tributários João Jacques Pena e Roque<br />
Wandenkolk trouxeram alternativas ao modelo atual. João Jacques abor<strong>do</strong>u a especialização/profissionalização <strong>do</strong>s <strong>Analista</strong>s<br />
e Roque trouxe diferentes modelos de gestão tributária de outros países.<br />
Na última mesa, abordan<strong>do</strong> questões práticas e ações imediatas, o Delega<strong>do</strong> Sindical <strong>do</strong> Sindireceita <strong>em</strong> Belo Horizonte, Leonar<strong>do</strong><br />
Catão, e deputa<strong>do</strong>s Federais convida<strong>do</strong>s discutiram a agenda parlamentar <strong>do</strong> serviço público. Trataram de Projetos<br />
de Lei <strong>em</strong> tramitação no Congresso que afetam diretamente <strong>Analista</strong>s Tributários e discutiram estratégias de ação.<br />
Chegamos ao fim <strong>do</strong> dia 15 de julho com maior clareza <strong>do</strong> momento, com a certeza de que é preciso passar da perplexidade<br />
à ação, com parcerias fortalecidas e novos amigos de caminhada, com soluções e... com novos desafios. Desafios que estamos<br />
dispostos a enfrentar. Não há outro caminho. Caminh<strong>em</strong>os.<br />
Sumário<br />
8<br />
10<br />
12<br />
13<br />
14<br />
20<br />
22<br />
23<br />
24<br />
25<br />
26<br />
D. Geralda e o derretimento <strong>do</strong> que parece seguro<br />
Representantes governamentais, políticos<br />
e sindicais prestigiam o s<strong>em</strong>inário<br />
No Congresso Nacional<br />
O serviço público sob ataque<br />
Em defesa das reformas populares<br />
Luís Nassif - De olhos nos interesses nacionais<br />
Administração tributária no mun<strong>do</strong><br />
Na luta contra a exclusão<br />
PEC 391: mais um perigo<br />
Em defesa da PEC 186<br />
Gestão de processos - A ord<strong>em</strong> é investir na<br />
formação e capacitação <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res<br />
Gestão por Processos - O foco é eficiência na RBF<br />
27 Em poucas palavras...<br />
28<br />
30<br />
Poder X Mulher<br />
O xadrez <strong>do</strong>s concurseiros,<br />
<strong>do</strong> serviço público à autoridade
Editorial 2<br />
D. Geralda e o derretimento<br />
<strong>do</strong> que parece seguro<br />
Texto: Mari Lucia Zonta / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Contava uma amiga, recent<strong>em</strong>ente,<br />
<strong>do</strong> susto<br />
da mãe, já com mais de<br />
80 anos, ao ouvir que<br />
seu dinheiro não existia,<br />
que sua poupança não<br />
passava de um monte de sinais elétricos<br />
ou magnéticos armazena<strong>do</strong>s na “nuv<strong>em</strong>”.<br />
D. Geralda pediu que não falasse mais<br />
nisso, ficava nitidamente assustada com<br />
a ideia.<br />
Qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> um pouco da D. Geralda?<br />
Por mais à vontade que fique com<br />
as novas tecnologias? Se me permit<strong>em</strong><br />
um clichê, apesar de péssima prática<br />
de redação (não use <strong>em</strong> provas! Menos<br />
ainda para começar um texto. Espanta<br />
os leitores logo no primeiro parágrafo):<br />
t<strong>em</strong>os me<strong>do</strong> de mudanças. Me<strong>do</strong>. É a<br />
palavra correta. Resistência e outras<br />
tantas são euf<strong>em</strong>ismos. É <strong>do</strong> humano a<br />
insegurança, o frio na barriga diante <strong>do</strong><br />
novo. Questão de preservação.<br />
E o grande dil<strong>em</strong>a se estabelece mesmo<br />
quan<strong>do</strong> a mudança se torna a única<br />
possibilidade de sobrevivência. Caso<br />
<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático disso é o momento que<br />
vive a Receita Federal e seus servi<strong>do</strong>res.<br />
Não se trata de sobrevivência <strong>do</strong> órgão.<br />
Não se conhece Esta<strong>do</strong> que possa<br />
abrir mão de seu braço arrecada<strong>do</strong>r.<br />
Por mais que definhe e se torne ineficiente<br />
<strong>em</strong> suas funções, há de sobreviver. Já<br />
os seus méto<strong>do</strong>s de arrecadação e <strong>em</strong><br />
consequência os servi<strong>do</strong>res… não t<strong>em</strong><br />
a mesma garantia.<br />
Cobra<strong>do</strong>res de impostos exist<strong>em</strong> desde<br />
antes <strong>do</strong>s próprios Esta<strong>do</strong>s! alguns indigna<strong>do</strong>s<br />
já dev<strong>em</strong> vociferar a esta altura.<br />
Verdade, verdade! Por favor prendam<br />
seus cães e vamos <strong>em</strong> frente. Também é<br />
verdade que pela primeira vez a humanidade<br />
se depara com a cobrança de<br />
impostos sobre bens imateriais, sobre os<br />
sinais magnéticos da “nuv<strong>em</strong>” que assustaram<br />
D. Geralda. Não há mais trigo, sal,<br />
ouro, moeda ou mesmo papel impresso<br />
<strong>do</strong>s quais se possa pegar um quinhão.<br />
E isso muda tu<strong>do</strong>.<br />
S<strong>em</strong> falar na nuv<strong>em</strong> negra onde se “armazena”<br />
o grosso da riqueza mundial,<br />
desaforadamente chamada paraíso<br />
fiscal. Até o nome é uma afronta aos<br />
fiscos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Quantos deles entram<br />
no paraíso para buscar o quinhão <strong>do</strong>s<br />
Esta<strong>do</strong>s?<br />
Mas desçamos das nuvens.<br />
Essa evidente mudança não é novidade<br />
para qualquer servi<strong>do</strong>r de qualquer<br />
fisco <strong>do</strong> país. Alguns talvez não traduzam<br />
ainda, mas perceb<strong>em</strong> como uma “sensação<br />
de derretimento” da instituição fiscal.<br />
“Bananeira que já deu cacho” ouvi<br />
de outro servi<strong>do</strong>r que se prepara para<br />
sair e começar outra carreira.<br />
O modelo atual <strong>do</strong> fisco federal é da<br />
década de 1960. Viveu seu auge no<br />
final <strong>do</strong>s anos de 1990 e 2000. Em todas<br />
as áreas. Foi o grande momento da<br />
tecnologia que transformou a Receita<br />
Federal <strong>em</strong> referência mundial na área.<br />
Além da automação, o grande lega<strong>do</strong><br />
desse perío<strong>do</strong> são as gigantescas bases<br />
de da<strong>do</strong>s de diferentes setores que<br />
a Receita acumula. Patrimônio inestimável,<br />
avaliamos, para a próxima “revolução”<br />
da instituição.<br />
Aqui cabe um parêntese, prato cheio<br />
para aqueles <strong>do</strong>nos <strong>do</strong>s cães lá de<br />
cima. Prendam mais um pouco, por favor.<br />
O Fisco Federal deve muito de sua<br />
evolução técnica <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> recente<br />
a um corpo de Técnicos (<strong>do</strong> Tesouro<br />
Nacional) vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s primeiros concursos<br />
públicos pós Constituição de 1988.<br />
Especializa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> diversas áreas, inclusive<br />
de informática (houve concurso<br />
específico para a área), encontraram<br />
no cargo uma saída para o des<strong>em</strong>prego<br />
assombroso <strong>do</strong>s anos 1990. Com o<br />
salário baixíssimo ofereci<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong><br />
na época - mas melhor <strong>do</strong> que o des<strong>em</strong>prego<br />
da iniciativa privada - abraçaram<br />
a “causa” de levar a Receita Federal<br />
para o século 21 (projeto SRF 21).<br />
Tiveram autonomia, estímulo e formação.<br />
E um projeto coordena<strong>do</strong>. O resulta<strong>do</strong><br />
dispensa apresentação.<br />
Posteriormente os Técnicos <strong>do</strong> Tesouro<br />
tiveram o nome <strong>do</strong> cargo altera<strong>do</strong> para<br />
<strong>Analista</strong> Tributário.<br />
Volt<strong>em</strong>os aos clichês… Como é natural,<br />
o sist<strong>em</strong>a to<strong>do</strong> vive a entropia que se<br />
segue ao auge. O derretimento. E no<br />
ambiente desola<strong>do</strong>, pessoas. Pessoas<br />
que t<strong>em</strong> me<strong>do</strong>s, que tentam se agarrar<br />
a algo firme. À Lei, diz<strong>em</strong> alguns, à Constituição.<br />
Atribuições, bradam outros. “Autoridade”<br />
é a última tábua ao mar. Poder<br />
de polícia é o que circula à boca<br />
pequena como grande panaceia. Só<br />
os que detiver<strong>em</strong> o poder de polícia<br />
sobreviverão! Vejam a AGU! (que garantiu<br />
as mesmas prerrogativas de m<strong>em</strong>bro<br />
de Esta<strong>do</strong> Maior <strong>em</strong> lei recent<strong>em</strong>ente),<br />
Não t<strong>em</strong>os as respostas, mas<br />
encarar as questões, a despeito <strong>do</strong><br />
me<strong>do</strong> que a perspectiva <strong>do</strong><br />
desconheci<strong>do</strong> nos causa, é s<strong>em</strong>pre o<br />
primeiro passo necessário. A isso nos<br />
propomos. O preço de não fazer e<br />
tentar agarrar-se a um ponto seguro,<br />
pode ser a extinção de cargos presos<br />
a suas funções obsoletas.<br />
Até porque não há lugar<br />
seguro quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> à volta derrete.<br />
o MPF!, capaz de colocar de joelhos<br />
qualquer “autoridade” <strong>do</strong> país. O Judiciário!,<br />
com sua morosidade s<strong>em</strong> controle<br />
e r<strong>em</strong>unerações de juízes incompatíveis<br />
com os níveis salariais <strong>do</strong> país.<br />
Outros el<strong>em</strong>entos colaboram para que<br />
o cal<strong>do</strong> ameace perigosamente entornar.<br />
O perfil <strong>do</strong>s novos servi<strong>do</strong>res, o<br />
papel da indústria de concursos, a inexistência<br />
de escolas de formação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> ativas, o modelo de concurso<br />
público ultrapassa<strong>do</strong>, a distorção na<br />
ideia de carreira para servi<strong>do</strong>res. Cada<br />
um desses merece um tratamento detalha<strong>do</strong>.<br />
Voltar<strong>em</strong>os a eles. Um a um. Por<br />
hora, apenas citamos.<br />
Resulta<strong>do</strong>, também espera<strong>do</strong>: conflitos<br />
internos intermináveis. To<strong>do</strong>s contra to<strong>do</strong>s<br />
para garantir sobrevida. De brigas<br />
pessoais entre servi<strong>do</strong>res a verdadeiros<br />
motins da média administração da Receita<br />
contra a alta administração, tu<strong>do</strong><br />
é possível.<br />
Esse é o quadro. A saída não é difícil de<br />
ser prevista: a nova realidade exige um<br />
novo modelo de ação fiscal, um novo<br />
projeto. E aí começa o segun<strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a.<br />
Como falar <strong>em</strong> novo modelo para o fisco<br />
se não t<strong>em</strong>os sequer um projeto de<br />
Esta<strong>do</strong>? Pior, carec<strong>em</strong>os antes de um<br />
projeto de país. Por onde começar? Os<br />
servi<strong>do</strong>res desse mesmo Esta<strong>do</strong> seriam<br />
os primeiros candidatos à construção<br />
<strong>do</strong> novo projeto. T<strong>em</strong>os condições? A<br />
nova geração, convencida de que ser<br />
servi<strong>do</strong>r público significa passar <strong>em</strong> um<br />
concurso difícil, ainda pode ser formada<br />
a t<strong>em</strong>po para a <strong>em</strong>preitada?<br />
Não t<strong>em</strong>os as respostas, mas encarar<br />
as questões, a despeito <strong>do</strong> me<strong>do</strong> que<br />
a perspectiva <strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong> nos<br />
causa, é s<strong>em</strong>pre o primeiro passo necessário.<br />
A isso nos propomos. O preço<br />
de não fazer e tentar agarrar-se a um<br />
ponto seguro, pode ser a extinção de<br />
cargos presos a suas funções obsoletas.<br />
Até porque não há lugar seguro quan<strong>do</strong><br />
tu<strong>do</strong> à volta derrete.<br />
P.S. Convidamos to<strong>do</strong>s a conhecer um<br />
pouco mais <strong>do</strong> papel de servi<strong>do</strong>res na<br />
construção <strong>do</strong> país, <strong>em</strong> diferentes áreas.<br />
É uma história grandiosa. Embraer, ITA,<br />
Banco <strong>do</strong> Brasil, Receita Federal, Petrobrás…<br />
Inspira<strong>do</strong>r.<br />
8 9
Capa<br />
Representantes governamentais, políticos e sindicais prestigiam o s<strong>em</strong>inário<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Um evento planeja<strong>do</strong> para aprofundamento da<br />
discussão sobre serviço público, servi<strong>do</strong>res e administração<br />
tributária brasileira atraiu, como não<br />
poderia deixar de ser, representantes <strong>do</strong> Executivo,<br />
<strong>do</strong> Legislativo e de sindicatos. Servi<strong>do</strong>res da<br />
área fazendária nacional, estadual e municipal<br />
compareceram com uma expectativa grande: entender<br />
o presente dentro de um contexto histórico,<br />
para assim conseguir vislumbrar o que pode<br />
ser o futuro. Estamos falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> S<strong>em</strong>inário “Esta<strong>do</strong>,<br />
Serviço Público e administração Tributária no<br />
Brasil”, promovi<strong>do</strong> pelo <strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong><br />
<strong>em</strong> 15 de julho, <strong>em</strong> Belo Horizonte.<br />
Entre os palestrantes, muita gente da Receita Fe¬¬deral – superintendente,<br />
delega<strong>do</strong>, inspetor, analista tributário. Trouxeram uma visão interna crítica,<br />
tanto <strong>do</strong> papel da instituição quanto a sua estrutura e sua cultura. Destaca-<br />
-se, neste grupo, Sérgio Luiz Messias de Lima, Coordena<strong>do</strong>r Geral de Planejamento,<br />
Organização e Avaliação Institucional da Receita Federal, pela<br />
importância estratégica de sua função para se pensar no futuro da Receita.<br />
A proposta <strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário era ampliar o olhar. No segmento sindicalista, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, pôde-se ouvir preciosas considerações de representantes <strong>do</strong> Sindireceita,<br />
Sinfazfisco, Sindpúblicos, Central da Classe Trabalha<strong>do</strong>ra (Intersindical),<br />
Febrafisco. Três deputa<strong>do</strong>s federais trouxeram informações sobre<br />
a agenda política de Brasília, e o verea<strong>do</strong>r de Belo Horizonte Gilson Reis<br />
colocou <strong>em</strong> discussão a placidez com que se atura a sonegação no Brasil.<br />
Finalmente, uma das maiores atrações <strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário: o jornalista econômico<br />
Luís Nassif, conheci<strong>do</strong> pelas suas análises pontuais sobre os probl<strong>em</strong>as <strong>do</strong><br />
país e também <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro. Nassif passeou por diversos t<strong>em</strong>as, de<br />
valores a concurso público, de administração tributária a mídia.<br />
Foi um dia intenso de aprendizag<strong>em</strong>, troca de conhecimentos e insights.<br />
“Acho que despertamos t<strong>em</strong>as que ficam a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s. Foi importante e incômo<strong>do</strong><br />
ouvir que o servi<strong>do</strong>r não quer ser trata<strong>do</strong> como servi<strong>do</strong>r, e sim como<br />
autoridade. Que o Esta<strong>do</strong> deixou de la<strong>do</strong> o papel desenvolvimentista das<br />
entidades. Que grandes t<strong>em</strong>as de interesse da Nação, como as reformas,<br />
estão para<strong>do</strong>s há anos <strong>em</strong> Brasília, pois o Congresso só se importa com os<br />
congressistas. Coisas que a gente sabe, mas não pensa sobre elas. E no<br />
s<strong>em</strong>inário a gente pôde l<strong>em</strong>brar delas, racionalizar”, avalia Mari Lúcia Zonta,<br />
idealiza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário, analista tributária da Receita Federal, e editora<br />
<strong>do</strong> <strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong>.<br />
“Acho que despertamos t<strong>em</strong>as que ficam<br />
a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s. Foi importante e incômo<strong>do</strong> ouvir que o<br />
servi<strong>do</strong>r não quer ser trata<strong>do</strong> como servi<strong>do</strong>r, e sim<br />
como autoridade. Que o Esta<strong>do</strong> deixou de la<strong>do</strong> o<br />
papel desenvolvimentista das entidades. Que grandes<br />
t<strong>em</strong>as de interesse da Nação, como as reformas,<br />
estão para<strong>do</strong>s há anos <strong>em</strong> Brasília, pois o<br />
Congresso só se importa com os congressistas.<br />
Coisas que a gente sabe, mas não pensa sobre elas. E<br />
no s<strong>em</strong>inário a gente pôde l<strong>em</strong>brar delas, racionalizar”<br />
Provocação<br />
desde o<br />
início<br />
A proposta era ser crítico. E foi tão levada a<br />
sério, que a própria organiza<strong>do</strong>ra Mari Lúcia<br />
Zonta iniciou o evento fazen<strong>do</strong> crítica... ao<br />
evento. Pela pouquíssima participação f<strong>em</strong>inina.<br />
“Apenas uma mulher integra o grupo<br />
de palestrantes: eu mesma. A deputada Jô<br />
Moraes teve um compromisso urgente e não<br />
poderá vir, desfalcan<strong>do</strong> assim nosso s<strong>em</strong>inário<br />
<strong>em</strong> 50% da participação f<strong>em</strong>inina. Quero<br />
fazer aqui a autocrítica, enquanto organiza<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário, e uma provocação a<br />
to<strong>do</strong>s participantes: por que tão poucas mulheres<br />
ocupam cargo gerencial na Receita,<br />
nos sindicatos e na política nacional?”.<br />
Unadir Gonçalves Júnior, presidente <strong>do</strong> Sinfazfisco<br />
de Minas Gerais, instigou os colegas<br />
a discutir um avanço na tributação brasileira.<br />
A ord<strong>em</strong> é buscar uma tributação mais justa<br />
e mais equânime para a população, onde<br />
qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> mais recursos deva contribuir mais –<br />
um senti<strong>do</strong> inverso <strong>do</strong> que t<strong>em</strong>os hoje, com a<br />
tributação mais pesada para os pobres e a<br />
classe média, <strong>em</strong> cima <strong>do</strong> consumo.<br />
Gilson Reis, verea<strong>do</strong>r de Belo Horizonte,<br />
apontou três grandes desafios a ser<strong>em</strong> discuti<strong>do</strong>s<br />
no s<strong>em</strong>inário. O primeiro é mostrar à<br />
sociedade como é dividi<strong>do</strong> o bolo tributário<br />
no Brasil. “É um desafio porque estamos<br />
diante <strong>do</strong> desmonte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e de uma<br />
ação fiscal draconiana que mostra o pobre<br />
e o trabalha<strong>do</strong>r como inimigos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”. O<br />
segun<strong>do</strong> desafio seria mostrar que o Esta<strong>do</strong><br />
precisa de mais Receita Federal, mais fiscalização<br />
contra a sonegação. E o terceiro é<br />
tratar <strong>do</strong> que ele chama de “escandalização<br />
da política brasileira”, movimento que<br />
está aprofundan<strong>do</strong> o fascismo no Brasil e<br />
ocultan<strong>do</strong> questões importantes como o escândalo<br />
da sonegação, que rouba <strong>do</strong> país,<br />
por ano, um trilhão de reais.<br />
O superintendente da Receita Federal <strong>em</strong><br />
Minas Gerais, Hermano L<strong>em</strong>os de Avellar Macha<strong>do</strong>,<br />
fez <strong>do</strong>is esclarecimentos ao público<br />
logo no início da sua fala. Primeiro, tratou <strong>do</strong><br />
acor<strong>do</strong> salarial da categoria que, segun<strong>do</strong><br />
ele, está prestes a ser soluciona<strong>do</strong> e t<strong>em</strong> o<br />
<strong>em</strong>penho de to<strong>do</strong>s os superintendentes regionais<br />
para solução das pendências. O<br />
segun<strong>do</strong> assunto foi quanto a uma nota publicada<br />
no site <strong>do</strong> Sindireceita contestan<strong>do</strong><br />
atos normativos da região. De acor<strong>do</strong> com<br />
Hermano, o sindicato teve prazo para apresentar<br />
sugestões e não o fez.<br />
10 11
No Congresso Nacional<br />
O serviço público sob ataque<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Servi<strong>do</strong>r e cidadão<br />
Em defesa<br />
das reformas populares<br />
aqui fazer um alerta:<br />
t<strong>em</strong>os atualmente no Congresso<br />
Nacional uma agenda<br />
política ruim para o ser-<br />
“Venho<br />
viço público, ruim para o servi<strong>do</strong>r, e ruim<br />
para a sociedade. O serviço público<br />
está sob ataque”. Leonar<strong>do</strong> Catão de<br />
Carvalho, delega<strong>do</strong> sindical <strong>do</strong> Sindireceita/BH,<br />
iniciou desta forma enfática<br />
a sua participação na Mesa Agenda<br />
Parlamentar <strong>do</strong> Serviço Público. As falas<br />
que o seguiram, <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s Adelmo<br />
Carneiro Leão e Reginal<strong>do</strong> Lopes, infelizmente<br />
não tranquilizaram a plateia.<br />
O delega<strong>do</strong> sindical não estava se<br />
referin<strong>do</strong> ao famigera<strong>do</strong> Projeto de Lei<br />
5864, apresenta<strong>do</strong> à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s<br />
<strong>em</strong> 22 de julho - uma s<strong>em</strong>ana<br />
após a realização <strong>do</strong> S<strong>em</strong>inário Esta<strong>do</strong>,<br />
Serviço Público e Administração Tributária<br />
no Brasil. O alerta se referia ao Projeto<br />
de Lei 257 (aprova<strong>do</strong> <strong>em</strong> 10 de<br />
agosto com alterações à redação original)<br />
e à PEC 241.<br />
Os deputa<strong>do</strong>s federais presentes ao s<strong>em</strong>inário<br />
confirmaram a disposição para<br />
alterar o texto <strong>do</strong> PL 257. “Não somos<br />
contrários à renegociação das dívidas<br />
<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> Distrito Federal.<br />
Somos contrários, sim, às contrapartidas<br />
exigidas. Somos contra os pedi<strong>do</strong>s que<br />
impactam o serviço público”, explicou<br />
Reginal<strong>do</strong> Lopes. Por sorte a matéria foi<br />
colocada para votação <strong>em</strong> ano eleitoral,<br />
o que fez com que até os governistas<br />
pressionass<strong>em</strong> pela retirada (que<br />
acabou acontecen<strong>do</strong>) <strong>do</strong> artigo que<br />
proibia por <strong>do</strong>is anos o reajuste salarial<br />
<strong>do</strong> funcionalismo.<br />
Mas foi a PEC 241 qu<strong>em</strong> recebeu os holofotes.<br />
“Será que a PEC 241 passa?” foi<br />
a primeira pergunta feita aos deputa<strong>do</strong>s<br />
durante o debate. “Não pode passar.<br />
Não pod<strong>em</strong>os permitir que isso aconteça”,<br />
respondeu Adelmo Carneiro Leão.<br />
A proposta de <strong>em</strong>enda constitucional,<br />
aprovada pela CCJ <strong>em</strong> 9 de agosto,<br />
limita gastos públicos por 20 anos,<br />
prejudican<strong>do</strong> investimentos <strong>em</strong> Saúde,<br />
Educação e Previdência Social. “Se<br />
aprovada, essa PEC vai facilitar muito<br />
a privatização <strong>do</strong> patrimônio público”,<br />
analisou Carneiro Leão.<br />
Se cada um <strong>do</strong>s projetos é ruim, a soma<br />
de to<strong>do</strong>s deixa às claras uma orquestração<br />
contra o serviço público e, por<br />
tabela, contra o servi<strong>do</strong>r. “Está tu<strong>do</strong> integra<strong>do</strong>.<br />
E se deixarmos solto, certamente<br />
ter<strong>em</strong>os mais novidades negativas <strong>em</strong><br />
breve com t<strong>em</strong>as como a reforma da<br />
previdência e a retomada da discussão<br />
da regulamentação <strong>do</strong> direito de<br />
greve (leia-se a inviabilização <strong>do</strong> seu<br />
exercício)”, previu Catão uma s<strong>em</strong>ana<br />
antes <strong>do</strong> Brasil saber da existência <strong>do</strong><br />
PL 5864.<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Foto: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Até servi<strong>do</strong>res públicos<br />
são usuários de serviços<br />
públicos, l<strong>em</strong>brou Édson<br />
Carneiro (“Índio”), secretário-geral<br />
da Intersindical<br />
– Central da Casse Trabalha<strong>do</strong>ra.<br />
“Muito importante esse debate<br />
que os analistas tributários faz<strong>em</strong> aqui,<br />
de olhar sim para as suas reivindicações<br />
corporativas econômicas, mas pensar o<br />
serviço público na perspectiva <strong>do</strong> povo<br />
brasileiro, na perspectiva de um serviço<br />
público que atenda à população brasileira”.<br />
Índio chamou a atenção <strong>do</strong> público<br />
presente ao s<strong>em</strong>inário por tratar de<br />
questões além da defesa corporativa.<br />
Na sua opinião, os servi<strong>do</strong>res precisam<br />
se entender como trabalha<strong>do</strong>res que<br />
têm missão de prestar um bom serviço<br />
a toda a população, com comprometimento<br />
real, mas também de pensar e<br />
agir a favor <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong><br />
país. E isso inclui se unir aos trabalha<strong>do</strong>res<br />
da iniciativa privada na defesa<br />
de questões cruciais, como as reformas<br />
“Precisamos construir,<br />
e acho que esse é o<br />
papel <strong>do</strong> Sindireceita.<br />
Precisamos discutir o<br />
papel <strong>do</strong>s bancos<br />
públicos, a importância<br />
na alavancag<strong>em</strong> no<br />
crescimento <strong>do</strong> país.”<br />
populares.<br />
O sindicalista alerta que a população<br />
está muito distante da agenda política<br />
atual. “To<strong>do</strong> dia t<strong>em</strong>os o governo anuncian<strong>do</strong><br />
medidas recessivas, restringin<strong>do</strong><br />
recursos para os benefícios sociais, para<br />
educação, saúde, infraestrutura. Mas<br />
mantém o dinheiro para pagar juros de<br />
uma dívida impagável”. Reconhece que<br />
os movimento sociais estão passan<strong>do</strong><br />
por um forte processo de despolitização,<br />
levan<strong>do</strong> a população junto. “Mas<br />
t<strong>em</strong>os obrigação de resistir”.<br />
“Nós precisamos construir, e acho que<br />
esse é o papel <strong>do</strong> Sindireceita e das<br />
organizações de trabalha<strong>do</strong>res. Precisamos<br />
discutir o papel <strong>do</strong>s bancos<br />
públicos, a importância na alavancag<strong>em</strong><br />
no crescimento <strong>do</strong> país. Precisamos<br />
constituir alianças sociais para defender<br />
uma reforma tributária, uma reforma política<br />
para mudar o processo de representação,<br />
mudar esse sist<strong>em</strong>a de financiamento<br />
de campanhas, colocar abaixo<br />
esse sist<strong>em</strong>a político apodreci<strong>do</strong>. Precisamos<br />
ter uma pauta de d<strong>em</strong>ocratização<br />
da comunicação. Precisamos fazer<br />
esse <strong>em</strong>bate com a população, mudar<br />
essa agenda, colocar uma agenda de<br />
fortalecimento <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no<br />
país, acabar com essa patifaria de que<br />
o governo brasileiro está incha<strong>do</strong> com<br />
muitos gastos sociais. Dev<strong>em</strong>os reduzir o<br />
papel e o poder <strong>do</strong> rentismo sobre a<br />
política pública e sobre o serviço público”,<br />
finalizou.<br />
12 13
Servi<strong>do</strong>r público é toda pessoa que t<strong>em</strong> vínculo <strong>em</strong>pregatício com o poder público.<br />
Essa é a definição corriqueira que se encontra nos manuais de concurso público Brasil<br />
afora. É o que diz o Wikipédia. É o que consta na maioria <strong>do</strong>s artigos que tratam <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>a. É o que está assimila<strong>do</strong> pelos servi<strong>do</strong>res públicos. É a resposta que será exigida<br />
de um candidato a servi<strong>do</strong>r. Mas é uma resposta limitante: não satisfaz o conceito<br />
de servir ao público, <strong>em</strong>bora retrate a cultura atual <strong>do</strong> funcionalismo público, onde o<br />
interesse pessoal v<strong>em</strong> se sobrepon<strong>do</strong> ao interesse público e ao interesse nacional. É<br />
colocan<strong>do</strong> o de<strong>do</strong> nessa ferida que o jornalista econômico Luís Nassif avalia o serviço público no<br />
Brasil, o perfil <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res, e ainda dá uma pincelada no sist<strong>em</strong>a tributário. A entrevista que Luís<br />
Nassif concedeu ao <strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong> seria de 40 minutos. Mas o bate-papo rendeu, e o<br />
resulta<strong>do</strong> foi duas horas de uma conversa cujos principais trechos você confere a seguir.<br />
Entrevista<br />
Luís Nassif<br />
De olho nos interesses nacionais<br />
Entrevista: <strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong> / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
<strong>Observatório</strong> <strong>do</strong> <strong>Analista</strong> – Vamos começar<br />
falan<strong>do</strong> sobre o papel das instituições<br />
públicas brasileiras. Como elas<br />
atuam para o desenvolvimento <strong>do</strong> país?<br />
Luís Nassif - Se a gente for pegar o desenvolvimento<br />
brasileiro no Século XX,<br />
ele foi toca<strong>do</strong> fundamentalmente por<br />
funcionários públicos. Desde o início,<br />
com o Código de Águas1. Os grandes<br />
negocia<strong>do</strong>res internacionais eram os<br />
diploma<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Itamaraty. Os grandes<br />
planos econômicos que se tentou na<br />
época, já tinha o Banco <strong>do</strong> Brasil atuan<strong>do</strong>.<br />
Nos anos 50 chega o BNDES.<br />
Tínhamos o funcionário com a visão <strong>do</strong><br />
serviço público como instrumento de<br />
desenvolvimento. Isso aí se perdeu <strong>em</strong><br />
algum momento. Saímos <strong>do</strong> Regime Militar,<br />
<strong>em</strong> que havia muita força para o<br />
funcionário público, e caímos num perío<strong>do</strong><br />
de descrédito <strong>do</strong> serviço público.<br />
No t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so<br />
passa aquela percepção de que<br />
o desenvolvimento se daria a partir <strong>do</strong><br />
merca<strong>do</strong>. Com a chegada <strong>do</strong> Lula e<br />
no perío<strong>do</strong> de bonança que teve nas<br />
contas públicas, você recompõe o serviço<br />
público. Mas <strong>em</strong> algum momento<br />
você quebrou a correia de transmissão<br />
geracional, desenvolvimentista. Mesmo<br />
o Ministério Público, que não é necessariamente<br />
desenvolvimentista. Ele teve<br />
nos anos 90 aquela visão de direitos<br />
humanos, direitos difusos. Hoje t<strong>em</strong> uma<br />
visão penalista rasteira. A própria Receita:<br />
você cria uma elite (digamos assim)<br />
<strong>do</strong>s novos concursa<strong>do</strong>s que chegam<br />
s<strong>em</strong> aquela gana <strong>do</strong> <strong>em</strong>preende<strong>do</strong>rismo<br />
público, que é um ponto central.<br />
“Nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s há uma<br />
noção muito clara<br />
<strong>do</strong> que perpassa o<br />
serviço público,o<br />
que é interesse<br />
nacional.”<br />
OA - É um probl<strong>em</strong>a apenas no Brasil?<br />
Nassif - Não, é uma visão subdesenvolvida.<br />
Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s há uma noção<br />
muito clara <strong>do</strong> que perpassa o serviço<br />
público, o que é interesse nacional. O<br />
interesse nacional não é o Esta<strong>do</strong> se<br />
sobrepon<strong>do</strong> ao país, mas é o Esta<strong>do</strong><br />
como agente estimula<strong>do</strong>r de desenvolvimento.<br />
O servi<strong>do</strong>r público se vê como<br />
agente <strong>do</strong> desenvolvimento nacional.<br />
OA - Isso se relaciona com o neoliberalismo?<br />
Nassif – Sim. Mas t<strong>em</strong> outro aspecto. T<strong>em</strong><br />
a financeirização, t<strong>em</strong> os merca<strong>do</strong>s se<br />
interligan<strong>do</strong>, uma ideologia que é considerar<br />
que interesse nacional é algo<br />
supera<strong>do</strong>. Aqui é curioso por que você<br />
teve, na gestão Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so<br />
essa ideologia muito forte, muito<br />
rasteira, de que tu<strong>do</strong> que v<strong>em</strong> <strong>do</strong> Brasil<br />
é anacrônico. Quan<strong>do</strong> entra o governo<br />
Lula, de alguma maneira você recria o<br />
conceito <strong>do</strong> interesse nacional com muitas<br />
concessões para área financeira e<br />
tu<strong>do</strong>. Mas você traz, à medida <strong>em</strong> que<br />
a globalização avança e a classe média<br />
passa a ter acesso a estu<strong>do</strong> lá fora,<br />
você cria uma ideologia nessa classe<br />
média que “pega” to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
OA – Como as <strong>em</strong>presas são vistas neste<br />
cenário?<br />
Nassif - Escrevi recent<strong>em</strong>ente que você<br />
não vê a <strong>em</strong>presa como ativo nacional.<br />
A Receita Federal, grande parte de lá,<br />
vê a <strong>em</strong>presa um local onde os caras<br />
faz<strong>em</strong> um monte de sacanag<strong>em</strong>. É a visão<br />
policialesca. O Ministério Público,<br />
com a Lava a Jato! Então você criou um<br />
probl<strong>em</strong>a sério que são algumas corporações<br />
dentro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com poder de<br />
Esta<strong>do</strong> e s<strong>em</strong> nenhuma noção sobre o<br />
que é interesse nacional. Não considera<br />
as <strong>em</strong>presas, ou o <strong>em</strong>prego <strong>do</strong> setor<br />
priva<strong>do</strong>.<br />
OA - Mas também não é algo generaliza<strong>do</strong>.<br />
Há <strong>em</strong>presas que são tomadas<br />
como inimigas e há <strong>em</strong>presas que não.<br />
Nassif - Teve aqui nessa história da Lava<br />
a Jato uma questão de postura partidária<br />
também, “essa <strong>em</strong>presa apoiava o<br />
PT”. Teve uma cooperação internacional.<br />
Os EUA, que são mestres na geopolítica,<br />
usaram a cooperação internacional<br />
para quebrar a perna de <strong>em</strong>presas<br />
brasileiras que disputavam lá fora. E o<br />
Ministério Público entrou de cabeça. As<br />
<strong>em</strong>presas que se internacionalizam receb<strong>em</strong><br />
apoio pesa<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo, se for<br />
um país d<strong>em</strong>ocrático de parti<strong>do</strong>s políticos,<br />
e t<strong>em</strong> a contrapartida.<br />
OA - As instituições são formadas por<br />
pessoas com suas crenças, ideologias<br />
15
e interesses pessoais e corporativos. Até<br />
que ponto concepções e interesses individuais<br />
interfer<strong>em</strong> no funcionamento<br />
das instituições públicas hoje no Brasil?<br />
Nassif - Quan<strong>do</strong> o sujeito entra para<br />
trabalhar na <strong>em</strong>presa, ela t<strong>em</strong> sua cultura,<br />
seus valores. T<strong>em</strong> uma carreira que<br />
ele cumpre assimilan<strong>do</strong> esses valores. Se<br />
a <strong>em</strong>presa é moderna e organizada, o<br />
Departamento de Recursos Humanos vai<br />
acompanhar para saber se o sujeito segue<br />
aqueles valores. O que aconteceu<br />
no setor público com esse grande salto<br />
que deu na última década é que você<br />
não t<strong>em</strong> esses valores prévios defini<strong>do</strong>s.<br />
Há valores at<strong>em</strong>porais <strong>do</strong> serviço público<br />
e conceitos de interesse nacional<br />
que precisam ser muito claros. O interessante<br />
é ver o Esta<strong>do</strong> como provoca<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento. A elite de cada<br />
área afim devia estudar e discutir alternativas<br />
que visass<strong>em</strong> o objetivo final<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O que quer<strong>em</strong>os <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
brasileiro? Quer<strong>em</strong>os um país que trate<br />
b<strong>em</strong> seus cidadãos, que acabe com miséria<br />
e fome, que traga bons <strong>em</strong>pregos.<br />
Para trazer bons <strong>em</strong>pregos e bancar<br />
tu<strong>do</strong> isso você t<strong>em</strong> que ter uma economia<br />
dinâmica. Para ter uma economia<br />
dinâmica você t<strong>em</strong> que ter um conjunto<br />
de ferramentas tributárias, fiscais, financiamento.<br />
Essa visão <strong>do</strong> conjunto t<strong>em</strong><br />
que estar muito nítida para o servi<strong>do</strong>r<br />
entender qual o papel dele e onde ele<br />
está nessa estrutura.<br />
OA - Como o senhor avalia o papel das<br />
instituições nesse processo de impeachment<br />
que está <strong>em</strong> curso contra a presidente<br />
Dilma?<br />
Nassif - As instituições atuaram de forma<br />
parcial, para derrubar a presidente.<br />
OA - Agir segun<strong>do</strong> seus interesses e crenças,<br />
contrarian<strong>do</strong> o interesse público e<br />
suas obrigações, não devia ser puni<strong>do</strong>?<br />
Parece que isso está meio frouxo.<br />
Nassif – Primeiro você precisa ter claro o<br />
que é interesse público. O funcionário, a<br />
autoridade pública t<strong>em</strong> poder de Esta<strong>do</strong>.<br />
Não pode atuar de forma impune.<br />
É o seguinte, eu vou tomar uma medida<br />
“x” aqui, t<strong>em</strong> 10% de probabilidade <strong>do</strong><br />
cara ser culpa<strong>do</strong> e 90% de ser inocente.<br />
Se eu não tenho risco nenhum, eu vou<br />
pegar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>! Como está sen<strong>do</strong><br />
feito hoje. Mesmo na Receita, você t<strong>em</strong><br />
essa questão de fiscais que, mesmo <strong>em</strong> planejar. Você tinha uma sede de inovação<br />
muito interessante que <strong>em</strong> certo<br />
situação <strong>em</strong> que o outro la<strong>do</strong> vai ganhar<br />
se for para a Justiça, insist<strong>em</strong> até o momento a Dilma perdeu o pé, e se perdeu<br />
essa energia.<br />
final s<strong>em</strong> avaliar o custo dessa insistência.<br />
Então você t<strong>em</strong> que ter outras formas<br />
de controle.<br />
trada para o universo <strong>do</strong> serviço públi-<br />
OA - Vamos falar sobre a porta de en-<br />
OA – O senhor consegue imaginar isso co. O merca<strong>do</strong> de concurso interfere no<br />
sen<strong>do</strong> feito de forma centralizada, pelo perfil <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res, das carreiras e na<br />
Ministério <strong>do</strong> Planejamento, por ex<strong>em</strong>plo?<br />
Nassif - Interfere no seguinte senti<strong>do</strong>:<br />
qualidade <strong>do</strong> serviço público?<br />
Nassif - Pode ser, mas os ministérios estão<br />
sujeitos ao ministro de plantão. No De mo<strong>do</strong> geral, com poucas exceções,<br />
ele faz uma pré-seleção econômica.<br />
final <strong>do</strong> governo Lula, quan<strong>do</strong> estava o cara que entra para fazer concursos<br />
começan<strong>do</strong> a se preparar o governo é um cara que estuda três anos direto,<br />
Dilma eu tive numa palestra, num debate<br />
no Ministério <strong>do</strong> Planejamento, que segun<strong>do</strong> ponto é que o sujeito que é<br />
a família com condição de bancar. O<br />
tinha uma vontade muito interessante de concursa<strong>do</strong> ele já entra numa posição<br />
que é muito alta, não absorve a cultura<br />
<strong>do</strong> próprio setor e n<strong>em</strong> t<strong>em</strong> conhecimento<br />
acumula<strong>do</strong> sobre os des<strong>do</strong>bramentos<br />
da sua ação para o país ou para o<br />
setor. Fica uma coisa mecanicista e daí<br />
ele perde a noção <strong>do</strong> serviço público.<br />
Ele não é um servi<strong>do</strong>r público mais: ele é<br />
uma elite que vira autoridade.<br />
OA - Isso se deve ao subdesenvolvimento?<br />
Nassif - É, ué. Ao subdesenvolvimento e<br />
ao fato de o serviço público, nos últimos<br />
anos, não ter discuti<strong>do</strong> sua missão.<br />
Qualquer <strong>em</strong>presa t<strong>em</strong> lá a missão da<br />
<strong>em</strong>presa, os valores. O cara entra e t<strong>em</strong><br />
aquela conversa, a convivência com<br />
outros setores para assimilar os valores<br />
da <strong>em</strong>presa. No Esta<strong>do</strong> brasileiro você<br />
não t<strong>em</strong> isso. É a profissionalização da<br />
meritocracia.<br />
OA - O concurso público, <strong>em</strong> 1988, tinha<br />
a missão de acabar com o apadrinhamento<br />
político e qualificar tecnicamente<br />
o serviço público. Hoje, quase 30 anos<br />
depois, a forma de seleção é a mesma,<br />
mas será que ainda serve? Não precisaria<br />
de um aprimoramento?<br />
Nassif - É um modelo que mede o nível<br />
de conhecimento <strong>do</strong> candidato <strong>em</strong> relação<br />
a um conjunto de matérias. Você<br />
t<strong>em</strong> um conjunto de valores que não são<br />
medi<strong>do</strong>s por este tipo de concurso. A<br />
visão <strong>em</strong>preende<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> sujeito, a maneira<br />
como entende o serviço público,<br />
os valores. Você t<strong>em</strong> esse conjunto de<br />
fatores aí.<br />
OA – O senhor vê alternativas melhores<br />
para o modelo de concurso atual?<br />
Nassif - Não. Mas a ENAP durante algum<br />
t<strong>em</strong>po tinha esse papel de criar modelos<br />
de gestão, valores. Não sei agora como<br />
está. Essas escolas de governo seriam<br />
um caminho. O Itamaraty durante algum<br />
t<strong>em</strong>po exigia lá um conjunto de livros de<br />
leitura lá que era muito mais amplo, dan<strong>do</strong><br />
uma visão geopolítica, um conjunto<br />
de fatores para o cara ter, se identificar<br />
as vocações que interessavam à diplomacia.<br />
Acho que de alguma maneira os<br />
concursos, os cursos da ENAP, ou esse<br />
perío<strong>do</strong> probatório tinha que ser mais rigoroso<br />
e foca<strong>do</strong> nos valores da corporação.<br />
E obviamente, antes de ensinar<br />
os valores precisa definir os valores.<br />
OA - Hoje qu<strong>em</strong> passa no concurso pode<br />
“Qual o princípio da tributação sobre herança? É o<br />
seguinte: to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> t<strong>em</strong> que começar a disputar<br />
ten<strong>do</strong> uma base igual. Se o cara é filho de um<br />
multimilionário, já t<strong>em</strong> melhor educação, boa rede de<br />
relacionamentos. Então, ele t<strong>em</strong> tu<strong>do</strong> que foi<br />
acumula<strong>do</strong> pelo pai como ponto de partida. Isso nos<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s t<strong>em</strong> to<strong>do</strong> o cerco para o cara abrir<br />
mão da super herança. Aqui se criou uma ideologia<br />
maluca: um milhão na mão de um bilionário vai ser<br />
mais produtivo (porque ele sabe como multiplicar o<br />
dinheiro) <strong>do</strong> que na mão <strong>do</strong> pobre. .”<br />
chegar já no topo da carreira <strong>em</strong> termos fique fora <strong>do</strong> país. Isso beneficia diretamente<br />
os rentistas.<br />
de função. Isso não prejudica o serviço?<br />
Nassif – Claro! Você chega numa <strong>em</strong>presa,<br />
t<strong>em</strong> os valores da <strong>em</strong>presa e um Nassif - Essa questão <strong>do</strong> imposto sobre<br />
OA – Qual o ponto fraco da tributação?<br />
processo gradativo <strong>em</strong> que a pessoa herança é o ponto fraco, definitivamente.<br />
Qual o princípio da tributação so-<br />
vai acumulan<strong>do</strong> esses valores. S<strong>em</strong> esse<br />
preparativo você não acumula valores, bre herança? É o seguinte: to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
e s<strong>em</strong> valores você não t<strong>em</strong> uma corporação.<br />
A corporação acaba se dan<strong>do</strong> base igual. Se o cara é filho de um multi-<br />
t<strong>em</strong> que começar a disputar ten<strong>do</strong> uma<br />
<strong>em</strong> torno de princípios individuais, da melhoria<br />
salarial, da capacitação. E como rede de relacionamentos. Então, ele t<strong>em</strong><br />
milionário, já t<strong>em</strong> melhor educação, boa<br />
entra com um salário inicial muito melhor tu<strong>do</strong> que foi acumula<strong>do</strong> pelo pai como<br />
<strong>do</strong> que o <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong>, passa uma ponto de partida. Isso nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />
t<strong>em</strong> to<strong>do</strong> o cerco para o cara abrir<br />
ideia de que tu<strong>do</strong> que acontece é por<br />
mérito dele, não por um defeito da seleção.<br />
Se ele já chega e da noite pro dia uma ideologia maluca: um milhão na<br />
mão da super herança. Aqui se criou<br />
já está b<strong>em</strong> sucedi<strong>do</strong>... Não existe qu<strong>em</strong> mão de um bilionário vai ser mais produtivo<br />
(porque ele sabe como multiplicar o<br />
da noite para o dia mude o status assim<br />
e consiga ter uma visão madura. Alguns dinheiro) <strong>do</strong> que na mão <strong>do</strong> pobre.. Mas<br />
consegu<strong>em</strong>, mas muito pouco. Você não o grande probl<strong>em</strong>a fiscal e tributário<br />
consegue incutir na rapaziada o verdadeiro<br />
mérito s<strong>em</strong> escalar etapas. Então a se entregou o orçamento para o Banco<br />
que nós t<strong>em</strong>os aqui é a maneira como<br />
meritocracia consiste num exame só, não Central. O exercício da dívida pública<br />
é numa escalada que você faz no dia é um crime. Você pegar 8% <strong>do</strong> PIB para<br />
a dia.<br />
juros é crime. Isso não existe. Não t<strong>em</strong> fundamentação<br />
científica.<br />
OA - Como o senhor avalia o modelo de<br />
tributação existente no Brasil hoje? OA – Qual a dificuldade de se enfrentar<br />
Nassif - Totalmente regressivo. Um modelo<br />
que vai exclusivamente <strong>em</strong> cima Nassif - Se criou o rentista, que vive dis-<br />
esse probl<strong>em</strong>a?<br />
<strong>do</strong> consumo, penaliza... as brechas que so. Outro dia saiu o balanço da Globo.<br />
você t<strong>em</strong> aí para os altos executivos Teve um bilhão de resulta<strong>do</strong>s <strong>em</strong> uma<br />
é uma coisa maluca, e a falta de filtros parte da Globo, seiscentos milhões foi<br />
para a transferência de recursos faz com ganho financeiro. Então você criou toda<br />
que a parte que deveria ser tributada uma cadeia produtiva <strong>em</strong> cima disso. O<br />
16 17
um aumento da dívida pública, mas tinham<br />
uma contrapartida de estatais,<br />
que b<strong>em</strong> ou mal eles criaram. Foi o maior<br />
crescimento de dívida pública s<strong>em</strong> contrapartida,<br />
só <strong>em</strong> cima de juros.<br />
OA - Para terminar: consegue imaginar<br />
como será a administração tributária no<br />
futuro?<br />
Nassif - Eu achei que já estava no presente<br />
aqui essa questão de você conseguir<br />
fazer a fiscalização <strong>em</strong> cima <strong>do</strong>s<br />
balanços eletrônicos da <strong>em</strong>presa. De<br />
a partir <strong>do</strong> cálculo de estoque saber<br />
onde teve movimento... Eu acho que<br />
CPMF é um el<strong>em</strong>ento muito importante,<br />
não só para arrecadar mas também<br />
para fiscalização. Agora estão fazen<strong>do</strong><br />
esse canal de d<strong>em</strong>onização da CPMF<br />
e elogio da CIDE. Se for aprovada a<br />
CIDE, o impacto na inflação é violento.<br />
Mas as ações <strong>do</strong> setor sulcroalcoleiro<br />
vão lá pra cima. E qu<strong>em</strong> é um grande<br />
acionista é Delfim e grupos franceses.<br />
“Eu acho que CPMF é um<br />
el<strong>em</strong>ento muito importante,<br />
não só para arrecadar mas<br />
também para fiscalização.”<br />
câmbio, quan<strong>do</strong> estava lá <strong>em</strong>baixo, as<br />
exporta<strong>do</strong>ras levavam um cacete, mas<br />
ganhavam com ações cambiais. Então<br />
se criou essa estrutura. Os juros altos afetam<br />
a inflação quan<strong>do</strong> t<strong>em</strong> uma inflação<br />
de d<strong>em</strong>anda, daí você consome menos,<br />
o crédito fica mais caro. Quan<strong>do</strong> você<br />
t<strong>em</strong> 5% de queda de PIB a inflação não<br />
t<strong>em</strong> nada a ver com d<strong>em</strong>anda, t<strong>em</strong> a ver<br />
com tarifas que foram registradas lá fora.<br />
Esse é o subdesenvolvimento que o Lula<br />
não rompeu, a Dilma começou a romper<br />
e recuou depois, essa é a matriz. O fim<br />
desse ciclo está liga<strong>do</strong> à maneira como<br />
foi trabalha<strong>do</strong> o câmbio.<br />
OA – A carga tributária é muito elevada?<br />
Nassif - Você t<strong>em</strong> que aumentar a tributação.<br />
Um país que precisa de educação<br />
de saúde, de tu<strong>do</strong>, precisa de<br />
tributação. A questão é distribuição.<br />
Então você t<strong>em</strong> que ser mais eficiente e<br />
mais equânime para tributar mais. Você<br />
pega esse pessoal que é contra a<br />
CPMF, faz aquele carnaval. Você é a favor<br />
da educação gratuita? Sou. Da saúde<br />
gratuita? Sou. Uai, e é contra CPMF?<br />
OA – Existe uma forte pressão pela redução<br />
<strong>do</strong>s impostos. Ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
“A gente t<strong>em</strong> uma taxa que é a<br />
mais pesada que esse país paga,<br />
que é a Taxa de Ignorância<br />
Líquida. É a maneira pela qual a<br />
imprensa trata essa questão.”<br />
também há forte pressão pelos subsídios,<br />
financiamentos, de crédito. Como<br />
equalizar?<br />
Nassif - A gente t<strong>em</strong> uma taxa que é<br />
a mais pesada que esse país paga,<br />
que é a Taxa de Ignorância Líquida. É<br />
a maneira pela qual a imprensa trata<br />
essa questão. Eu l<strong>em</strong>bro uma vez que<br />
Raul Veloso – eu estava no Conselho<br />
de Economia da Fiesp – vai lá para falar<br />
sobre o país quebra<strong>do</strong>. Fala sobre<br />
saúde, educação, e passa ao largo de<br />
juros. Aí eu falei, ô Raul, qualquer analista<br />
quan<strong>do</strong> vai pegar uma <strong>em</strong>presa, a primeira<br />
coisa que ele faz é pegar os pontos<br />
que mais pesam na dívida. O ponto<br />
que mais pesa aqui é juros. Você não<br />
vai falar sobre isso? “Ah não, essa não<br />
é a minha especialidade”. É assim que<br />
faz<strong>em</strong>. Desconversam. Quan<strong>do</strong> você<br />
pega o Fernan<strong>do</strong> Henrique, quan<strong>do</strong> ele<br />
assume e v<strong>em</strong> o plano real, com toda a<br />
venda de estatais e tu<strong>do</strong>, ele pega a<br />
dívida pública brasileira vai de 15 pontos<br />
percentuais <strong>do</strong> PIB para 70, o maior<br />
roubo da história! Os militares tinham lá<br />
Notas:<br />
1 Código de Águas: Decreto nº 24.643,<br />
de 10 de julho de 1934, assina<strong>do</strong><br />
pelo presidente Getúlio Vargas.<br />
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/<br />
decret/1930-1939/decreto-24643-<br />
-10-julho-1934-498122-publicacaooriginal-1-pe.html.<br />
2 DASP: O Departamento Administrativo<br />
<strong>do</strong> Serviço Público (DASP) foi um órgão<br />
público <strong>do</strong> governo federal brasileiro,<br />
cria<strong>do</strong> pelo decreto-lei nº 579,<br />
de 30 de julho de 1938, durante o<br />
governo de Getúlio Vargas (perío<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo). Fazia parte de um<br />
esforço de reforma na administração<br />
pública brasileira, e já estava previsto<br />
na constituição de 1937. Além de<br />
fornecer el<strong>em</strong>entos para melhoria da<br />
máquina pública, o DASP deveria fornecer<br />
assessoria técnica ao presidente<br />
da república e elaborar a proposta<br />
orçamentária. (https://pt.wikipedia.org/<br />
wiki/Departamento_Administrativo_<strong>do</strong>_<br />
Servi%C3%A7o_P%C3%BAblico).<br />
3 ENAP: Escola Nacional de Administração<br />
Pública. http://www.enap.gov.br/<br />
18 19
Ex<strong>em</strong>plos<br />
Administração<br />
tributária no mun<strong>do</strong><br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
A<br />
modernização da administração<br />
tributária passa<br />
necessariamente por uma<br />
mudança de cultura. A<br />
falta de compromisso com<br />
o serviço e o contribuinte<br />
precisa dar lugar a uma relação sadia e<br />
desburocratizada entre órgão/servi<strong>do</strong>r/<br />
contribuinte. A eficácia precisa ser mais<br />
valorizada que a burocracia. O controle<br />
externo <strong>do</strong>s atos deve ser cria<strong>do</strong> e<br />
atuar com rigor, prevenin<strong>do</strong> e punin<strong>do</strong><br />
irregularidades, erros e abusos.<br />
Para Roque Luiz Wandenkolk, <strong>Analista</strong><br />
Tributário e assessor <strong>do</strong> gabinete da<br />
DRF <strong>do</strong> Rio de Janeiro, a Receita Federal<br />
<strong>do</strong> Brasil está no caminho certo<br />
para implantar as medidas necessárias<br />
de modernização. A autonomia que<br />
será conquistada com a aprovação da<br />
PEC 186 é um <strong>do</strong>s fatores que apontam<br />
para um futuro melhor para a RFB.<br />
Durante o S<strong>em</strong>inário Esta<strong>do</strong>, Serviço Público<br />
e Administração Tributária no Brasil,<br />
A Receita<br />
Federal está no<br />
caminho certo<br />
para implantar as<br />
medidas<br />
necessárias de<br />
modernização<br />
Roque apresentou características de<br />
administrações de vários países. Uma<br />
interessante amostra não apenas de organização,<br />
mas também da cultura de<br />
povos, e de como ela interfere na qualidade<br />
<strong>do</strong> serviço público.<br />
Entidades internacionais como a ONU<br />
recomendam valores para se ter administrações<br />
tributárias eficientes: respeitar<br />
o contribuinte; ser simples e não<br />
complexa; conquistar a confiança <strong>do</strong><br />
contribuinte evitan<strong>do</strong> a rejeição social<br />
(os muitos casos de corrupção levam<br />
o contribuinte a não pagar impostos).<br />
A administração pode ser subordinada<br />
ou ter como característica a independência<br />
<strong>em</strong> relação à estrutura <strong>do</strong> poder<br />
executivo. Deve ter servi<strong>do</strong>res altamente<br />
qualifica<strong>do</strong>s, equipes multifuncionais, e<br />
uma cultura de desprezo à corrupção.<br />
O Programa Minerva, realiza<strong>do</strong> pelo<br />
Institute of Brazilian Business and Public<br />
Manag<strong>em</strong>ent Issues, na George Washington<br />
University, seleciona servi<strong>do</strong>res<br />
públicos para estu<strong>do</strong>s que visam a elevação<br />
<strong>do</strong>s padrões de eficiência <strong>do</strong><br />
setor público brasileiro. Ele indica que<br />
a administração tributária deve facilitar<br />
o contribuinte a se comunicar e recolher<br />
tributos. O recolhimento espontâneo é a<br />
solução, não a punição. Educação e<br />
conscientização são o caminho para a<br />
administração tributária moderna.<br />
Modelos<br />
O modelo americano é um ex<strong>em</strong>plo. A<br />
autoridade é o órgão, não o servi<strong>do</strong>r.<br />
As equipes multifuncionais de fiscalização<br />
são integradas por analistas, auditores<br />
e advoga<strong>do</strong>s. Os analistas são<br />
considera<strong>do</strong>s cargos estratégicos. A<br />
fiscalização <strong>do</strong>s serviços é rígida, realizada<br />
por um órgão externo à administração<br />
tributária. Pregam transparência<br />
e responsabilidade: o servi<strong>do</strong>r responde<br />
diretamente por qualquer ato de infração<br />
que ele derrubar, ou se d<strong>em</strong>orar excessivamente<br />
para concluir um processo<br />
administrativo qualquer. Toda denúncia<br />
<strong>do</strong> contribuinte é agilmente apurada.<br />
Os EUA fizeram uma análise <strong>do</strong>s direitos<br />
tributários para encontrar todas as dificuldades<br />
que o contribuinte poderia ter.<br />
O objetivo foi simplificar tu<strong>do</strong>, deixar absolutamente<br />
acessível. Também produziram<br />
a carta de direitos <strong>do</strong> contribuinte,<br />
muito importante para a relação entre<br />
esta<strong>do</strong>/cidadão, ainda tão autoritária<br />
nos dias atuais.<br />
Administrações tributárias na África optaram<br />
por ser uma espécie de autarquia<br />
cobra<strong>do</strong>ra de recursos, e não deu certo:<br />
foram extintas por ineficiência. A corrupção<br />
interna <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a deteriorou o<br />
serviço. “No Brasil não se afasta disso,<br />
t<strong>em</strong>os uma cultura muito permissiva. Se<br />
algum colega comete erro, a gente vira<br />
o rosto para não trazer aborrecimento<br />
para a gente. O colega pratica delito<br />
funcional por omissão nossa. Precisamos<br />
passar a cobrar mais compromisso com<br />
o que é público. É um dever nosso. Precisamos<br />
denunciar os erros”, avalia Roque.<br />
Um outro modelo apresenta<strong>do</strong> foi o da<br />
Coréia <strong>do</strong> Sul, que aumentou a arrecadação<br />
amplian<strong>do</strong> a base de contribuintes.<br />
“A população está tão b<strong>em</strong> educada<br />
na questão fiscal, que só usa cartão<br />
de débito para realizar compras, mesmo<br />
que pequenas. Se aparecer alguém<br />
para comprar algo <strong>em</strong> dinheiro, é reprova<strong>do</strong><br />
pela sociedade. T<strong>em</strong> que pagar<br />
com cartão, porque assim há um efetivo<br />
controle fiscal, to<strong>do</strong> dinheiro deve circular<br />
pela rede bancária”.<br />
“Se algum colega comete<br />
erro, a gente vira o rosto<br />
para não trazer<br />
aborrecimento. O colega<br />
pratica delito funcional por<br />
omissão nossa.<br />
Precisamos passar a<br />
cobrar mais compromisso<br />
com o que é público. É um<br />
dever nosso. Precisamos<br />
denunciar os erros.”<br />
A conclusão de Roque é de que t<strong>em</strong><br />
muita coisa boa acontecen<strong>do</strong> no exterior<br />
que pod<strong>em</strong>os utilizar na administração<br />
tributária brasileira. “T<strong>em</strong>os muito<br />
a corrigir no país. A relação auditor e<br />
analista, que são da mesma carreira,<br />
precisa ser institucionalmente resolvida.<br />
Afastar o analista da fiscalização é um<br />
erro, que apenas atende a interesses<br />
corporativistas <strong>do</strong>s auditores. Pertenc<strong>em</strong>os<br />
a uma mesma carreira”. E conclama:<br />
“Nós vamos dizer não para a ineficiência<br />
e a burocracia. Denunci<strong>em</strong> a corrupção,<br />
o descompromisso com a coisa pública.<br />
Precisamos, de uma vez por todas, vestir<br />
a camisa <strong>do</strong> serviço público e fazer o<br />
melhor para a Receita e para o contribuinte”.<br />
20 21
PEC 186<br />
Na luta<br />
contra a exclusão<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
PEC 391:<br />
mais<br />
um<br />
perigo<br />
A<br />
A discussão sobre carreira<br />
na Receita Federal<br />
<strong>do</strong> Brasil v<strong>em</strong> ganhan<strong>do</strong><br />
contornos perigosos para<br />
os <strong>Analista</strong>s Tributários. O<br />
alerta foi da<strong>do</strong> pelo delega<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Sindireceita de Belém-PA,<br />
Tales Queiroz, <strong>em</strong> sua palestra sobre<br />
carreira específica na RFB com base no<br />
Inciso XXII <strong>do</strong> art. 37 da Constituição de<br />
1988 e sobre a luz <strong>do</strong>s princípios da<br />
PEC nº 186 e da isonomia.<br />
De acor<strong>do</strong> com o sindicalista, são vários<br />
os movimentos no senti<strong>do</strong> de criar um<br />
abismo funcional entre auditores e analistas,<br />
benefician<strong>do</strong> os auditores. A PEC<br />
186/2007, <strong>em</strong> trâmite no Congresso<br />
Nacional, concede à Administração Tributária<br />
<strong>do</strong>s entes federa<strong>do</strong>s autonomia<br />
funcional, financeira e orçamentária, e<br />
cria, por Lei Orgânica posterior, o cargo<br />
único de auditor fiscal. E aí, na criação<br />
desse cargo, é que mora o perigo.<br />
“Foi criada uma minuta de Lei Orgânica<br />
durante o Encontro Nacional <strong>do</strong>s<br />
Coordena<strong>do</strong>res da Administração Tributária,<br />
que determina que apenas os<br />
servi<strong>do</strong>res que hoje exerc<strong>em</strong> atividade<br />
relacionadas a lançamento <strong>do</strong> crédito<br />
tributário (formal) sejam aproveita<strong>do</strong>s<br />
no novo cargo. Isso é injusto e absurdamente<br />
excludente, há outras atividades<br />
necessárias à Receita que não estão<br />
cont<strong>em</strong>pladas nessa proposta de Lei<br />
Orgânica”, explica Tales.<br />
O dirigente sindical aponta cinco fatos<br />
recentes prejudiciais aos <strong>Analista</strong>s: a alteração<br />
<strong>do</strong> Regimento Interno da RFB,<br />
com reserva de atribuições; a ADI 5391,<br />
que <strong>em</strong> síntese pede a separação <strong>do</strong>s<br />
cargos da CARFB; a má utilização da<br />
ferramenta de gestão mapeamento de<br />
processos para estabelecer limites de<br />
atuação (“o mapeamento está longe<br />
de retratar a realidade <strong>em</strong> inúmeros<br />
setores da Receita”, diz Tales); a possibilidade<br />
da pauta não r<strong>em</strong>uneratória<br />
(autoridade tributária e aduaneira para<br />
auditor fiscal); e a perda da garantia <strong>do</strong><br />
subsídio na última negociação salarial.<br />
“É necessário ter uma atuação mais forte<br />
<strong>em</strong> relação à PEC 186 agora, enquanto<br />
ainda não foi aprovada. Intensificar<br />
a unidade com outros sindicatos que<br />
estão nessa luta, para que a gente não<br />
perca, de jeito nenhum, essa luta”, finaliza<br />
Tales Queiroz.<br />
“É necessário<br />
ter uma atuação<br />
mais forte <strong>em</strong><br />
relação à<br />
PEC 186 agora,<br />
enquanto<br />
ainda não foi<br />
aprovada.”<br />
“À sociedade não<br />
interessa a exclusão de<br />
nenhum cargo. Só<br />
interessa ao<br />
corporativismo.”<br />
Marcus Bolpato, diretor jurídico <strong>do</strong> Febrafisco,<br />
acrescentou um risco à lista<br />
apresentada por Tales Queiroz: a ressurreição<br />
da PEC 391, que fixa parâmetros<br />
para a r<strong>em</strong>uneração da Carreira de Auditoria<br />
da Receita Federal, de Auditoria<br />
Fiscal <strong>do</strong> Trabalho, de Auditoria, Fiscalização<br />
e Arrecadação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong><br />
Distrito Federal e <strong>do</strong>s Municípios com<br />
mais de 500 mil habitantes.<br />
Bolpato conta que a Febrafisco lutou<br />
sozinha contra a PEC e conseguiu derrubá-la,<br />
por ser excludente. “Não cont<strong>em</strong>plava<br />
servi<strong>do</strong>res de vários esta<strong>do</strong>s<br />
que ficariam de fora somente por causa<br />
de nomenclatura, o nome <strong>do</strong> cargo não<br />
era nenhum previsto na proposta de<br />
<strong>em</strong>enda. Agora quer<strong>em</strong> ressuscitar essa<br />
PEC como justificativa para aprovação<br />
da PEC 186 s<strong>em</strong> alterações. É um perigo<br />
porque é exclusão na certa”.<br />
“À sociedade não interessa a exclusão<br />
de nenhum cargo. Só interessa ao corporativismo<br />
e a um grupo que privatizou<br />
a Receita. Que passa por cima <strong>do</strong> interesse<br />
público para atingir seus interesses<br />
particulares”, afirmou o sindicalista.<br />
22<br />
23
“Um cargo forte”<br />
Em defesa da PEC 186<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Gestão de processos<br />
A<br />
intenção <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s federais<br />
Weliton Pra<strong>do</strong> e de<br />
Décio Lima, autores da PEC<br />
186, é criar um cargo forte<br />
dentro da Receita Federal.<br />
“Será um novo cargo, virg<strong>em</strong>, que não<br />
t<strong>em</strong> nenhum servi<strong>do</strong>r ocupan<strong>do</strong>. Qu<strong>em</strong><br />
vai estar nele são os servi<strong>do</strong>res cujas<br />
atribuições estejam ligadas a ele. O<br />
<strong>Analista</strong> Tributário vai estar nesse cargo”,<br />
assegurou Hugo René de Souza, Vice-<br />
-Presidente <strong>do</strong> Sinfazfisco – MG.<br />
“Há o engo<strong>do</strong> <strong>do</strong> lançamento. Eu considero<br />
o lançamento como arma de fogo.<br />
Na Grã-Bretanha, entre março 2012 e<br />
abril 2013, usaram arma de fogo <strong>em</strong><br />
cinco oportunidades. Enquanto no Rio<br />
de Janeiro a polícia usa a to<strong>do</strong> instante.<br />
Como o fisco <strong>do</strong> Brasil usa o lançamento,<br />
que é sua arma de fogo: igual à<br />
polícia <strong>do</strong> Rio. O que gera de impacto?<br />
Não faz nada, faz nossa dívida ativa ficar<br />
<strong>em</strong> índices astronômicos”, analisa.<br />
Hugo elogia a PEC l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> que ela<br />
tornará a Receita próxima ao Ministério<br />
Público, com novas responsabilidades<br />
incluídas. “Não pod<strong>em</strong>os criar um monstro<br />
superpoderoso. Precisamos ter investigação<br />
externa. Se ficarmos com to<strong>do</strong><br />
esse poder e com o órgão fiscaliza<strong>do</strong>r<br />
nosso dentro das secretarias, não vai<br />
dar certo. Dev<strong>em</strong>os ter consciência de<br />
que ser<strong>em</strong>os muito fortes, não pod<strong>em</strong>os<br />
sair dan<strong>do</strong> tiros a esmo”, concluiu.<br />
Mais autonomia<br />
Diretor <strong>do</strong> SINTEC - RO e da Febrafisco,<br />
Antônio Germano Soares é outro defensor<br />
da PEC 186 pela autonomia que ela<br />
dará à fiscalização tributária. “Quer<strong>em</strong>os<br />
que o Fisco tenha o poder de fiscalizar,<br />
por que se depender de políticos, não<br />
t<strong>em</strong> fiscalização. Hoje o <strong>em</strong>presário faz<br />
o que quer, pois não t<strong>em</strong> fiscalização”.<br />
Antônio Soares diz ser necessário unir<br />
sindicatos que representam trabalha<strong>do</strong>res<br />
relaciona<strong>do</strong>s à PEC, como o Sindireceita.<br />
“A Febrafisco está defenden<strong>do</strong> o<br />
interesse de to<strong>do</strong>s nós. Desde o início a<br />
Febrafisco t<strong>em</strong> toda intenção de ter uma<br />
união mais firme com o Sindireceita nacional,<br />
pios entend<strong>em</strong>os que somos primos-irmãos.<br />
Como nossos probl<strong>em</strong>as são<br />
muito pareci<strong>do</strong>s, a união parece natural.<br />
Faço questão de reforçar o convite: vamos<br />
somar força”.<br />
A ord<strong>em</strong> é investir na formação e capacitação <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Uma pessoa estuda muito e<br />
consegue vencer uma dura<br />
batalha, o concurso público<br />
para a Receita Federal.<br />
É convocada, toma posse.<br />
Passa por um curso de formação<br />
técnica muito básico e teórico.<br />
Depois é joga<strong>do</strong> <strong>em</strong> qualquer setor da<br />
Receita Federal <strong>do</strong> Brasil condizente<br />
com seu cargo: atendimento ao contribuinte,<br />
análise de processos, fiscalização,<br />
por ex<strong>em</strong>plo. Experiência, somente<br />
a que obteve no curso de formação.<br />
O quadro descrito acima causa no mínimo<br />
desconforto para qu<strong>em</strong> lê, e certamente<br />
l<strong>em</strong>branças angustiantes para<br />
qu<strong>em</strong> o viveu, como funcionário novato<br />
da RFB. Preparação profissional técnica,<br />
prática, cultural: os servi<strong>do</strong>res da Receita<br />
sent<strong>em</strong> falta. Os contribuintes e o Brasil<br />
também.<br />
“To<strong>do</strong> o mapeamento hoje está vincula<strong>do</strong>.<br />
Ajuda a qu<strong>em</strong> está chegan<strong>do</strong>.<br />
Mas mapear a situação atual não é<br />
o principal da gestão de processos”,<br />
l<strong>em</strong>bra Sérgio Luiz Messias de Lima,<br />
Coordena<strong>do</strong>r Geral de Planejamento,<br />
Organização e Avaliação Institucional<br />
da Receita Federal, que participou da<br />
mesa “Modelo de Gestão da Receita<br />
Federal”.<br />
Na sua avaliação, o principal é gerir o<br />
dia a dia <strong>do</strong>s processos – e para isso, é<br />
necessário ter um pessoal b<strong>em</strong> prepara<strong>do</strong>.<br />
“Quantos chefes da RFB foram prepara<strong>do</strong>s<br />
para ser chefe? Quantos já sabiam<br />
como fazer uma licitação antes de<br />
precisar comandar uma licitação? O órgão<br />
não ensina seus servi<strong>do</strong>res a ser<strong>em</strong><br />
gestores, a Receita não faz. Lidar com<br />
equipe, motivar, entender de legislação,<br />
o delega<strong>do</strong>, o inspetor, o chefe precisa<br />
saber fazer. Precisa saber identificar o<br />
probl<strong>em</strong>a <strong>do</strong> processo, por que ele não<br />
t<strong>em</strong> o des<strong>em</strong>penho certo, etc.”, diz.<br />
Sérgio Messias explica que a gestão<br />
de processos também é um instrumento<br />
para transformar os processos, aperfeiçoar,<br />
criar. “Precisamos ter uma gerência<br />
de planejamento de processos. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo: <strong>em</strong> um determina<strong>do</strong> setor, não<br />
se consegue chegar num nível de des<strong>em</strong>penho<br />
que precisa. Como mudar?<br />
A gente não sabe. T<strong>em</strong>os a cultura de<br />
fazer, de executar, de terminar o trabalho.<br />
Nossa cultura é de 10% de planejamento,<br />
90% de execução. É um erro.<br />
Muitas vezes precisamos refazer tu<strong>do</strong>,<br />
atrasamos o trabalho, tu<strong>do</strong> por que não<br />
foi b<strong>em</strong> planeja<strong>do</strong>”.<br />
Nota <strong>do</strong>s editores<br />
Esse t<strong>em</strong>a trazi<strong>do</strong> por Sérgio Messias, o modelo<br />
de gestão da Receita Federal, teve<br />
espaço na terceira mesa <strong>do</strong> s<strong>em</strong>inário. Com<br />
a participação de outros <strong>do</strong>is debate<strong>do</strong>res,<br />
João Jacques Pena e Roque Wandenkolk, o<br />
t<strong>em</strong>a foi central para o evento.<br />
Infelizmente tiv<strong>em</strong>os um “pequeno” probl<strong>em</strong>a<br />
técnico e a fala de Sérgio Messias não foi<br />
gravada. Esse lapso comprometeu a matéria<br />
da revista.<br />
Para não correr o risco de imprecisão, fazen<strong>do</strong><br />
a matéria confian<strong>do</strong> apenas na m<strong>em</strong>ória<br />
e esparsas anotações, optamos por<br />
tratar esse t<strong>em</strong>a no site. Tarefa para a qual<br />
esperamos contar, mais uma vez, com a disponibilidade<br />
<strong>do</strong> nosso palestrante para nos<br />
conceder entrevista ou mesmo fazer o artigo.<br />
No momento da publicação da revista,<br />
Sérgio Messias desfruta de merecidas férias.<br />
Portanto, pedimos desculpas pelo lapso<br />
imper<strong>do</strong>ável, e promet<strong>em</strong>os retomar esse importante<br />
t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> nossos outros canais: site,<br />
facebook e app.<br />
24 25
Em poucas<br />
palavras...<br />
Destacamos algumas frases que resum<strong>em</strong> os conteú<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s durante o S<strong>em</strong>inário<br />
“Esta<strong>do</strong>, Serviço Público e Administração Tributária no Brasil”.<br />
“Nós vamos dizer “NÃO” para a ineficiência e A burocracia. Denunci<strong>em</strong> a corrupção”<br />
Roque Luiz Wandenkolk, <strong>Analista</strong> Tributário da RFB, assessor <strong>do</strong> Gabinete da DRF Rio de Janeiro.<br />
Gestão por Processos<br />
O foco é eficiência na RFB<br />
Texto: Ana Cláudia Nogueira / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
“Não pod<strong>em</strong>os discutir Receita Federal s<strong>em</strong> estar cola<strong>do</strong> com o Esta<strong>do</strong> brasileiro”<br />
Hermano L<strong>em</strong>os de Avellar Macha<strong>do</strong>, superintendente da Receita Federal <strong>em</strong> Minas Gerais.<br />
“É debaten<strong>do</strong> as questões tributárias que poder<strong>em</strong>os avançar, principalmente para buscar uma tributação mais justa e<br />
mais equânime” Unadir Gonçalves Júnior, presidente <strong>do</strong> Sinfazfisco MG.<br />
“T<strong>em</strong>os o desafio de mostrar que o Brasil precisa de mais fiscalização da Receita Federal e denunciar esse escândalo no<br />
país que é a sonegação de R$ 1 trilhão por ano” Gilson Reis, verea<strong>do</strong>r <strong>em</strong> Belo Horizonte.<br />
Desde o ano passa<strong>do</strong>, servi<strong>do</strong>res<br />
da Receita Federal <strong>do</strong><br />
Brasil ouv<strong>em</strong> falar de uma tal<br />
de gestão por processos –<br />
que significa pensar, planejar<br />
e executar a gestão <strong>do</strong> órgão a partir<br />
da interação <strong>do</strong>s diversos departamentos<br />
e atividades da RFB. T<strong>em</strong> a eficiência<br />
como foco, gera simplicidade e<br />
agilidade no des<strong>em</strong>penho das tarefas.<br />
Os resulta<strong>do</strong>s são mais facilmente mensuráveis,<br />
possibilita a horizontalidade<br />
nas relações e instrumentaliza o gestor<br />
para o melhor aproveitamento das competências<br />
individuais. E já está sen<strong>do</strong><br />
implantada na Receita.<br />
“Ter<strong>em</strong>os a simplificação <strong>do</strong>s processos,<br />
alocação de mão de obra segun<strong>do</strong><br />
missão e visão de futuro da Receita. Vamos<br />
precisar tirar da nossa mente que o<br />
cargo é algo estanque. A proposta mais<br />
honesta é ter cargos especializa<strong>do</strong>s estrutura<strong>do</strong>s<br />
<strong>em</strong> carreiras, a otimização das<br />
escolas de formação, maior atenção às<br />
competências individuais, interdisciplinaridade,<br />
equipes de expertises. Tu<strong>do</strong> isso<br />
“Vamos precisar tirar da nossa mente que o cargo<br />
é algo estanque. A proposta mais honesta é ter<br />
cargos especializa<strong>do</strong>s estrutura<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
carreiras, a otimização das escolas de formação,<br />
maior atenção às competências individuais<br />
interdisciplinaridade, equipes de expertises.”<br />
vai dar ao servi<strong>do</strong>r motivação e realização<br />
pessoal”, anuncia João Jacques<br />
Silveira, <strong>Analista</strong> Tributário e assessor jurídico<br />
<strong>do</strong> Sindireceita.<br />
João Jacques apresentou um quadro da<br />
evolução institucional da RFB a partir da<br />
Constituição de 1988, com a criação<br />
da carreira, até a lei 11.457/07, que<br />
criou a Super Receita. “O cenário pós-<br />
-unificação é de acirramento <strong>do</strong> corporativismo,<br />
assédio moral, desvalorização<br />
<strong>do</strong>s quadros, desmotivação <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res,<br />
queda da arrecadação e incapacidade<br />
de reação da RFB”, analisa.<br />
A situação é ruim, mas t<strong>em</strong> saída. O assessor<br />
jurídico <strong>do</strong> Sindireceita aponta<br />
um caminho: “gestão com competência,<br />
onde o foco é nas pessoas e nas<br />
capacidades que possu<strong>em</strong>”. A grande<br />
ferramenta <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> é a gestão por<br />
processos. “A primeira etapa, de planejamento,<br />
concluímos. Estamos na segunda<br />
fase, de modelag<strong>em</strong> e otimização<br />
de processos. Depois passar<strong>em</strong>os por<br />
mais quatro etapas: implantação <strong>do</strong>s<br />
processos; análise de des<strong>em</strong>penho; auditoria;<br />
e a realimentação <strong>do</strong> processo<br />
por inteiro, que é permanente”.<br />
“Se criou toda uma lógica <strong>em</strong> que a única intenção é tirar <strong>do</strong> orçamento (<strong>do</strong> governo fedeal) aqueles pontos centrais de<br />
desenvolvimento e transferir para o setor financeiro” Luís Nassif, tratan<strong>do</strong> da política de juros.<br />
“O Brasil é muito subdesenvolvi<strong>do</strong> <strong>em</strong> termos de conceitos, <strong>em</strong> termos de homens públicos” Luís Nassif, jornalista econômico.<br />
“Uma equipe econômica que, com o PIB cain<strong>do</strong>, in<strong>do</strong> para 8% de queda acumulada mantém uma taxa de juros de 114,5%<br />
para conter a d<strong>em</strong>anda, ou vai preso ou vai interna<strong>do</strong>” Luís Nassif.<br />
“Menos polícia e mais fiscalização” defende o verea<strong>do</strong>r Gilson Reis.<br />
“Espero que vocês ajud<strong>em</strong> a construir a sociedade <strong>do</strong>s nossos sonhos” Édson Carneiro, secretário geral da Intersindical.<br />
“A minuta de Lei Orgânica proposta pelo ENCAT é injusta e absurdamente excludente”<br />
Tales Queiroz, delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sindireceita de Belém-PA.<br />
“Quer<strong>em</strong>os que o Fisco tenha o poder de fiscalizar. Se depender de políticos, não t<strong>em</strong> fiscalização”<br />
Antônio Germano Soares, Presidente da Febrafisco e diretor <strong>do</strong> SINTEC – RO.<br />
“Não pod<strong>em</strong>os criar um monstro superpoderoso. Precisamos ter investigação externa”<br />
Hugo René de Souza, Vice-Presidente <strong>do</strong> Sinfazfisco – MG.<br />
“À sociedade não interessa a exclusão de nenhum cargo. Só interessa ao corporativismo e a um grupo que<br />
privatizou a Receita” Marcus Bolpato, diretor jurídico <strong>do</strong> Febrafisco.<br />
“A Receita Federal t<strong>em</strong> uma cultura interna e não muda da noite para o dia, mas os passos para fazer com que passe a<br />
uma gestão com processos estão sen<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s” João Jacques Silveira, <strong>Analista</strong> Tributário e assessor jurídico <strong>do</strong> Sindireceita.<br />
“Até o Paulo Maluf se indignou com esse tr<strong>em</strong>”Marcus Bolpato, sobre a autonomia total prevista na PEC 186.<br />
26 27
Poder X Mulher<br />
Texto: Mari Lucia Zonta / Fotos: Ricar<strong>do</strong> Pessetti<br />
Preconceito contra mulheres.<br />
Confesso que o t<strong>em</strong>a não<br />
me agrada. Tratar <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a<br />
não me agrada. Porque estou<br />
cansada. Esse é trabalho<br />
para as meninas. Não apenas<br />
porque é extenuante e um pouco <strong>do</strong>í<strong>do</strong><br />
tratar disso, mas porque o machismo<br />
t<strong>em</strong> nuances próprias de cada época e<br />
ninguém melhor <strong>do</strong> que a geração <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>po presente para reconhecê-las.<br />
Não que o preconceito contra mulheres<br />
aplaque sua fúria contra as mais velhas.<br />
Ao contrário, quan<strong>do</strong> despe o manto<br />
<strong>do</strong> desejo, o machismo veste o da crueldade.<br />
S<strong>em</strong> máscaras.<br />
Acontece que o t<strong>em</strong>a nos foi pauta<strong>do</strong><br />
antes mesmo <strong>do</strong> evento que permeia<br />
esta edição da <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Observatório</strong>.<br />
Foi durante a sua organização. Assim<br />
que apresentamos a programação, com<br />
a composição das mesas, uma amiga<br />
da Intersindical constatou que entre os<br />
23 convida<strong>do</strong>s havia apenas 2 mulheres<br />
entre palestrantes e debate<strong>do</strong>res.<br />
Autocrítica aceita, já que participei da<br />
organização, fui pesquisar mulheres dentro<br />
das mesmas áreas <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s<br />
homens. O resulta<strong>do</strong> foi desola<strong>do</strong>r. No<br />
jornalismo político e econômico, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, pouquíssimas. Nas centrais sindicais,<br />
sindicatos e federações, raras.<br />
Na cúpula da Receita Federal, um pouco<br />
pior. Cito como ex<strong>em</strong>plo a Receita<br />
<strong>em</strong> Minas. Das 14 Delegacias <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>,<br />
apenas 1 mulher. S<strong>em</strong> falar das DRJs,<br />
Inspetoria e Superintendência. Somadas,<br />
são 18 unidades. Apenas 1 mulher.<br />
Na abertura <strong>do</strong> evento, perguntamos<br />
ao Superintendente de Minas, Hermano<br />
L<strong>em</strong>os, sua opinião sobre o quadro.<br />
Disse que os chefes de unidades são<br />
escolhi<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> banco de gestores,<br />
onde os candidatos aos cargos se<br />
inscrev<strong>em</strong> livr<strong>em</strong>ente. E que são raras as<br />
mulheres inscritas.<br />
A questão, portanto, parece ser outra.<br />
Por que fog<strong>em</strong> <strong>do</strong> poder as mulheres?<br />
Ou seria o contrário.<br />
A justificativa de outro administra<strong>do</strong>r da<br />
Receita presente no evento, de que há,<br />
por outro la<strong>do</strong>, muitas mulheres como<br />
“E a respiração<br />
contínua <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é<br />
aquilo que ouvimos e<br />
chamamos de<br />
silêncio.”<br />
adjuntas <strong>do</strong>s titulares, afasta <strong>do</strong>is argumentos<br />
tenta<strong>do</strong>res.<br />
1. Falta de capacidade delas. Fosse o<br />
caso, por que são convidadas e nomeadas<br />
pelos titulares para suas adjuntas<br />
(inclusive como partícipes das mesmas<br />
decisões)?<br />
2. Elas não t<strong>em</strong> interesse ou vontade.<br />
E mesmo assim aceitam o convite para<br />
adjuntas? O que justificaria o “sacrifício”<br />
de aceitar?<br />
A resposta só avança se entrarmos no<br />
difícil campo das sutilezas, <strong>do</strong> não dito,<br />
<strong>do</strong> preconceito apenas senti<strong>do</strong>, mas impossível<br />
de ser traduzi<strong>do</strong> racionalmente.<br />
E da impotência que isso causa. Porque<br />
“existe um sentir que é entre o sentir - nos<br />
interstícios da matéria primordial”. Diferente<br />
<strong>do</strong> preconceito que se vale da<br />
violência física, que deixa atrás de si<br />
evidentes olhos roxos, braços quebra<strong>do</strong>s,<br />
corpos no chão, a modalidade<br />
sutil se faz apenas sentir, a violência,<br />
não menos <strong>do</strong>ída, é <strong>em</strong> outro lugar. Não<br />
quebra a espinha <strong>do</strong>rsal, mas quebra a<br />
coluna de sustentação da nossa humanidade,<br />
da nossa dignidade.<br />
No caso da vontade de poder, de man<strong>do</strong>,<br />
a sutileza <strong>do</strong> machismo se expõe.<br />
Basta notar que a um hom<strong>em</strong> ambicioso,<br />
que galga postos de poder e man<strong>do</strong><br />
atribui-se certa aura de Odisseu. Mas vá<br />
Penélope se atrever a desejar poder ao<br />
invés de desejar pacient<strong>em</strong>ente a volta<br />
de Odisseu e tecer sua colcha e chorar<br />
<strong>em</strong> silêncio.<br />
O fato evidente, mat<strong>em</strong>ático, é que as<br />
mulheres ainda estão longe <strong>do</strong> poder,<br />
das linhas decisórias. As poucas que se<br />
atrev<strong>em</strong> a navegar os mares da política,<br />
da cúpula das grandes corporações,<br />
da política sindical, <strong>do</strong>s lugares<br />
de poder enfim, sab<strong>em</strong> das barreiras<br />
intransponíveis com que se deparam.<br />
Barreiras tantas vezes invisíveis para um<br />
olhar de fora, o que é desespera<strong>do</strong>r.<br />
Sab<strong>em</strong> onde “está a linha de mistério e<br />
fogo que é a respiração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” e<br />
que não pod<strong>em</strong> ultrapassar. Não porque<br />
não desejam, mas porque lhes é<br />
sutilmente proibi<strong>do</strong>.<br />
Há muito que avançar, portanto. Olho<br />
com esperança para uma parcela das<br />
meninas desta geração. E com desespero<br />
para outra parcela. Nessa disputa<br />
de Titânides(*) torço para que muitas JuB<br />
apareçam, s<strong>em</strong>pre atentas, militantes,<br />
provocan<strong>do</strong> reflexão, alimentan<strong>do</strong> nossa<br />
fé na humanidade.<br />
A elas, l<strong>em</strong>bro que ainda falta aos <strong>em</strong>bates<br />
das mulheres uma questão essencial,<br />
e poucas vezes posta: quais<br />
as consequências para a humanidade<br />
toda, desse longo silêncio das mulheres<br />
entre as vozes com poder para decidir<br />
nosso futuro? “E a respiração contínua<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é aquilo que ouvimos e chamamos<br />
de silêncio.”<br />
(*) Titânides. Na Mitologia Grega, são filhas de Gaia e<br />
Urano, as 6 irmãs <strong>do</strong>s Titãs. Teia, Reia, Têmis, Mn<strong>em</strong>osine,<br />
Febe e Tétis.<br />
28 29
Artigo<br />
O xadrez <strong>do</strong>s concurseiros,<br />
<strong>do</strong> servi<strong>do</strong>r público<br />
à autoridade<br />
Texto: Luís Nassif<br />
Nos últimos anos, tomou corpo um<br />
novo fenômeno no serviço público:<br />
os concurseiros, pessoas<br />
que, <strong>em</strong> algumas áreas selecionadas,<br />
entraram através de concursos<br />
disputadíssimos.<br />
Os concurseiros mudaram a cara <strong>do</strong> serviço<br />
público. Vêm com preparo maior que os funcionários<br />
de carreiras tradicionais. Depois, o<br />
Esta<strong>do</strong> banca cursos de mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> universidades estrangeiras. Fog<strong>em</strong><br />
<strong>do</strong> perfil tradicional de funcionário público.<br />
Historicamente o serviço público oferece<br />
previsibilidade, uma aposenta<strong>do</strong>ria que<br />
preserva ganhos e salários abaixo <strong>do</strong>s de<br />
merca<strong>do</strong>. Com as mudanças na última década,<br />
continuou oferecen<strong>do</strong> previsibilidade e<br />
aposenta<strong>do</strong>ria, e salários iniciais muito acima<br />
<strong>do</strong>s salários de merca<strong>do</strong>.<br />
Esse fenômeno gerou uma espécie nova de<br />
funcionário público s<strong>em</strong> vocação <strong>do</strong> pública<br />
e com ampla vocação de “autoridade”.<br />
Esse perfil de funcionário foi central na impl<strong>em</strong>entação<br />
<strong>do</strong> golpe, receben<strong>do</strong> o respal<strong>do</strong><br />
da mídia para julgamentos de mérito de<br />
operações orçamentárias, como se tivess<strong>em</strong><br />
si<strong>do</strong> ungi<strong>do</strong>s pelo voto.<br />
Tornaram-se verdadeiros militantes políticos –<br />
como foi o caso <strong>do</strong> procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ministério<br />
Público das Contas.<br />
Característica 1 - O retorno financeiro<br />
<strong>do</strong> valor investi<strong>do</strong> na preparação <strong>do</strong><br />
concurso |<br />
Passar <strong>em</strong> concurso exige três anos de estu<strong>do</strong>s<br />
ininterruptos e matrículas <strong>em</strong> cursos caros.<br />
Ou seja, investimento pesa<strong>do</strong> <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po e dinheiro<br />
e seletividade de classe socioeconômica.<br />
E as provas exig<strong>em</strong> m<strong>em</strong>orização, não<br />
necessariamente vocação para a profissão<br />
pretendida. Entran<strong>do</strong>, o concurseiro irá casar<br />
essas vantagens com a <strong>do</strong>s ganhos, passan<strong>do</strong><br />
a pressionar o Esta<strong>do</strong> para melhorias<br />
constantes nos rendimentos.<br />
A expansão descontrolada <strong>do</strong> serviço público<br />
deve-se às pressões dessa nova classe.<br />
Característica 2 - O servi<strong>do</strong>r público<br />
e a síndrome da “autoridade”<br />
Pega-se um jov<strong>em</strong> de pouco mais de 20<br />
anos, confere-se um cargo regiamente r<strong>em</strong>unera<strong>do</strong>,<br />
com salário inicial imbatível e, <strong>em</strong><br />
cima disso, as prerrogativas de um poder de<br />
Esta<strong>do</strong>.<br />
30<br />
Grande parte <strong>do</strong>s concurseiros não se considera<br />
servi<strong>do</strong>r público. Considera-se “autoridade”,<br />
segun<strong>do</strong> me relatam analistas tributários<br />
críticos <strong>do</strong> modelo atual de concurso.<br />
Essa característica se deve ao fato <strong>do</strong><br />
concurseiro dever seu status não à carreira<br />
impl<strong>em</strong>entada no serviço público, mas ao<br />
concurso que o transformou imediatamente<br />
<strong>em</strong> “autoridade” altamente r<strong>em</strong>unerada.<br />
Uma análise de caso pedagógica consiste<br />
<strong>em</strong> comparar o típico servi<strong>do</strong>r público e um<br />
típico concurseiro: o primeiro, o procura<strong>do</strong>r<br />
da República Celso Três, <strong>do</strong> Paraná; o segun<strong>do</strong>,<br />
o procura<strong>do</strong>r Ailton Benedito, de<br />
Goiás.<br />
O primeiro fez carreira no próprio Ministério<br />
Público, consagran<strong>do</strong>-se nas investigações<br />
<strong>do</strong> Banesta<strong>do</strong>, um trabalho m<strong>em</strong>orável que<br />
terminou abafa<strong>do</strong> pelas autoridades superiores.<br />
Ignorou-se sua experiência no campo<br />
de batalha e foi isola<strong>do</strong> no interior <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>.<br />
O segun<strong>do</strong> é um concurseiro que busca<br />
reconhecimento <strong>em</strong> bobagens inomináveis,<br />
como intimar o Itamarati a tomar providências<br />
contra a Venezuela por convocar jovens<br />
<strong>do</strong> Brasil para suas milícias digitais – a<br />
convocação era na Vila Brasil, subúrbio de<br />
Caracas.<br />
Três jamais exporia o MPF a vexames, por ter<br />
feito a carreira no trabalho. Ou seja, criou<br />
uma lealdade e assimilou uma cultura <strong>do</strong> MPF.<br />
E deve sua reputação ao trabalho de campo,<br />
não a cursos de mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>.<br />
Benedito – e outros colegas concurseiros de<br />
Goiás – não teve o menor pu<strong>do</strong>r <strong>em</strong> expor o<br />
MPF a vexames ou às jogadas políticas <strong>do</strong><br />
Instituto Millenium, por não ser servi<strong>do</strong>r público,<br />
mas “autoridade”. Intimar o Itamarati, a<br />
Secom, a presidência da República torna-se<br />
um exercício banal de poder e amplamente<br />
desrespeitoso <strong>em</strong> relação à sua corporação.<br />
Característica 3 - No concurso, o início<br />
da aposenta<strong>do</strong>ria<br />
Outra característica <strong>do</strong>s “concurseiros” é o<br />
fato de o primeiro salário ser muito eleva<strong>do</strong>.<br />
Não há estímulo a se destacar nos serviços<br />
visan<strong>do</strong> promoções. Muitos deles faz<strong>em</strong> <strong>do</strong><br />
primeiro dia no serviço público o primeiro dia<br />
da contag<strong>em</strong> regressiva para a aposenta<strong>do</strong>ria.<br />
Compare-se o padrão Benedito de Procura<strong>do</strong>r<br />
com, por ex<strong>em</strong>plo, o funcionário <strong>do</strong> Banco<br />
<strong>do</strong> Brasil. Nos anos 90, o BB deu início<br />
a um profun<strong>do</strong> processo de transformações,<br />
visan<strong>do</strong> tornar-se um banco de merca<strong>do</strong>.<br />
No final da década houve ajustes porque<br />
deixou-se de la<strong>do</strong> o fator serviço público.<br />
E constatou-se que os funcionários reagiam<br />
muito melhor quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong>s com desafios<br />
de setor público. Ou seja, tinham que<br />
casar a disputa de merca<strong>do</strong> com a vocação<br />
pública. Nunca deixaram de se considerar<br />
servi<strong>do</strong>res públicos. A carreira interna<br />
permitia que os funcionários gradativamente<br />
foss<strong>em</strong> assimilan<strong>do</strong> os valores da corporação.<br />
Fala-se muito <strong>em</strong> d<strong>em</strong>ocratização trazida<br />
pelos concursos. D<strong>em</strong>ocratização foi o que<br />
o BB historicamente fez, permitin<strong>do</strong> que funcionários<br />
entrass<strong>em</strong> como contínuos e saíss<strong>em</strong><br />
como diretores.<br />
No caso <strong>do</strong>s “concurseiros”, isso não ocorre.<br />
O jov<strong>em</strong> inexperiente é joga<strong>do</strong> de chofre <strong>em</strong><br />
uma função que lhe confere salário alto e<br />
poderes de Esta<strong>do</strong>. A partir dali, t<strong>em</strong>-se uma<br />
carreira previsível e s<strong>em</strong> desafios.<br />
Motivo 1 - A perda de valores <strong>do</strong><br />
serviço público<br />
O desenvolvimento brasileiro no século 20<br />
foi fundamentalmente uma obra <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res<br />
públicos. Mesmos os cérebros que vinham<br />
de fora <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, tinham <strong>em</strong> elites da burocracia<br />
a matéria prima para <strong>em</strong>preender os<br />
grandes avanços necessários ao desenvolvimento.<br />
Banco <strong>do</strong> Brasil e Itamarati, posteriormente<br />
o Banco Central, o Planejamento,<br />
as estatais, s<strong>em</strong>pre foram fornece<strong>do</strong>ras de<br />
quadros técnicos de alta qualidade. E esses<br />
servi<strong>do</strong>res públicos tinham como missão<br />
transformar o país.<br />
Para manter acesa a chama, foram criadas<br />
instituições públicas de formação, desde a<br />
Fundação Getúlio Vargas às Escolas públicas,<br />
a ENAP (Escola Nacional de Administração<br />
Pública), a Escola de Administração<br />
Fazendária.<br />
No perío<strong>do</strong> Bresser-Pereira no Planejamento,<br />
e <strong>em</strong> bom perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo Lula e início<br />
<strong>do</strong> governo Dilma, sentia-se uma sede de<br />
modernização no serviço público, de participar,<br />
de trazer novas ferramentas de gestão<br />
e planejamento.<br />
Hoje <strong>em</strong> dia, perderam-se os liames que<br />
uniam as gerações anteriores às novas gerações<br />
de concurseiros.<br />
Motivo 2 - O concurso <strong>em</strong> detrimento<br />
da carreira<br />
Os concursos foram essenciais para impedir<br />
o aparelhamento da administração pública.<br />
Mas aboliu-se a carreira, ao jogar os concursa<strong>do</strong>s<br />
<strong>em</strong> cargos de relevo s<strong>em</strong> o devi<strong>do</strong><br />
preparativo.<br />
Deveria haver um início mais modesto, e um<br />
plano de cargos e salários que fizess<strong>em</strong> o<br />
concurseiro crescer dentro <strong>do</strong> serviço público,<br />
entender as diversas etapas <strong>do</strong> seu trabalho,<br />
assimilar os valores e vestir a camisa<br />
de servi<strong>do</strong>r público. Com muito orgulho.<br />
Empenha<strong>do</strong>s na luta comum<br />
para um serviço público <strong>do</strong><br />
tamanho <strong>do</strong> Brasil!
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