Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Habitante Irreal”, de Paulo Scott<br />
ÒHabitante IrealÓ Ž o olhar de Paulo Scott sobre as rela ›es de poder demonstradas nas<br />
suas mutantes formas: o sexo, a coloniza ‹o, a corrup ‹o<br />
Texto de Mário Rufino<br />
Paulo Scott (Rio de Janeiro, 1966) tem em<br />
ÒHabitante IrealÓ (Tinta da China Edi ›es) um<br />
romance complexo e de indispens‡vel releitura.<br />
Esta obra galardoada com o PrŽmio Machado<br />
de Assis 2012 n‹o Ž de interp reta ‹o un’voca.<br />
A estrutura, a hist—ria e a caracteriza ‹o<br />
psicol—gica das personagens foram pensadas<br />
para pluralizar as possibilidades de descodifica<br />
‹o. A capacidade de descodificar o texto<br />
depende da forma ‹o liter‡ria do leitor .<br />
As influ ncias de Alencar e Darcy Ribeiro s‹o<br />
evidentes. Paulo Scott v o leitor como<br />
indiv’duo inteligente e exigente. A postura do<br />
autor Ž clara: ele procura compreender o outro<br />
e, no processo, compreender-se, tambŽm.<br />
O processo de escrita foi moroso. Segundo o<br />
autor, com quem conversei sobre o livro no<br />
Festival Liter‡rio da Madeira, ÒO ÒHabitante<br />
IrrealÓ foi um exerc’cio que durou sete anos de<br />
pesquisa e seis anos de redac ‹o, passando<br />
por tr s vers›es e ainda uma quarta vers‹o,<br />
que Ž a adapta ‹o da te rceira. Eu comecei a<br />
primeira, mas larguei tudo; comecei a segunda,<br />
mas larguei tudo; comecei a terceira que virou<br />
essa quarta.Ó<br />
A obra foca a quest‹o ind’gena, o autoconhec -<br />
imento como indiv’duo e, contextualizado por<br />
uma forte vertente sociol—gica, a evolu ‹o<br />
pol’tica no Brasil durante 20 anos. Segundo o<br />
autor, Òesse arco que come a em 89 e que<br />
parte de uma promessa, ou de uma ambi ‹o, e<br />
se realiza atŽ 2009 Ñ ar co de 20 anos do livrofaz<br />
uma reflex‹o do que foi a minha gera ‹o. A<br />
minha gera ‹o falhou como todas as gera ›es<br />
que vieram antes.Ó<br />
Ma’na, a ’ndia, Ž a personagem central. Mesmo<br />
quando n‹o est‡ ÒfisicamenteÓ presente na<br />
hist—ria, Ž ela que comanda a vida das<br />
personagens.<br />
A irrealidade permite a manipula ‹o temporal<br />
da narrativa. Uma das interpreta ›es poss’veis<br />
Ž a de que, a partir de determinado e fulcral<br />
momento da hist—ria, tudo o que se sucede Ž o<br />
futuro desejado por Ma’na. AtŽ certo ponto,<br />
Ma’na Ž um sinal do profundo respeito do autor<br />
pelas mulheres. O leitor est‡ perante Òum livro<br />
de maternidade. Todas as mulheres, todas sem<br />
excep ‹o, s‹o a r ela ‹o com o que ge rem, o<br />
futuro que elas geram.Ó<br />
ÒHabitante IrealÓ Ž o olhar de Paulo Scott sobre<br />
as rela ›es de poder demonstradas nas suas<br />
mutantes formas: o sexo, a coloniza ‹o, a<br />
corrup ‹o.<br />
Um dos muitos aspectos interessantes Ž a<br />
transforma ‹o do conceito de colonizador e da<br />
sua rela ‹o com o colonizado. O colonizado r,<br />
nesta obra, Ž a sociedade maiorit‡ria perante a<br />
minoria. ƒ ela que vai espoliando essa minoria,<br />
presente no Brasil antes do ÒdescobrimentoÓ,<br />
dos seus direitos e da dignidade. O escritor,<br />
que se assume como um cruzamento de v‡rias<br />
culturas e ÒsanguesÓ, demonst rou indigna ‹o<br />
ao afirmar o seguinte: ÒO ’ndio, no Brasil, Ž<br />
menos do que bicho. Voc tem o negro numa<br />
situa ‹o bastante dif’cil, mas a situa ‹o do<br />
’ndio Ž de invisibilidade. êndio Ž bicho.Ó<br />
O simbolismo inerente ao jogo de poderes<br />
amplia as possibilidades de interpreta ‹o.<br />
ÒHabitante IrealÓ s‹o "v‡rios livros", qui ‡<br />
polŽmicos, num s— livro. E pertence,<br />
certamente, ˆ melhor literatura.<br />
Cr—nica<br />
13