No coracao do mar - Charlotte Rogan

Mary Ann.
O Sr. Preston ficou extremamente agitado.
— Homens! — exclamou ele. — Todos os homens devem se reunir aqui atrás.
— Para quê? — perguntou o Sr. Nilsson.
— Tenho certeza de que há outra solução — argumentou a Sra. Grant.
Mas logo ela se calou, ocupando-se com um balde que tomara de outra
pessoa.
— Hardie tem razão! Nós, homens, devemos fazer um sorteio entre nós para
determinar quem se jogará no oceano — sugeriu o Sr. Preston, com uma voz
estridente e trêmula.
No mesmo instante, Hardie contou:
— Oito.
Um terror súbito me invadiu, mas que só me pertencia remotamente. Eu
conseguia analisá-lo com o mesmo distanciamento com que analisava meus
dentes batendo, a saraivada de gotas de chuva que atingia meu rosto, o filete
constante de água que abria caminho por dentro da minha gola e escorria pelo
pescoço, o batimento arrítmico de meu coração.
— Por que os homens? — protestou Nilsson. — Por que só os homens?
— E as mulheres? — perguntou Mary Ann. — Eles ainda pensam em mandar
uma de nós?
— Claro que não — respondi. — O que acha? Mas também duvido que
impeçam se uma delas se oferecer.
Naquele momento, não percebi que nós duas acreditávamos no conceito
“eles”, um grupo onisciente de tomadores de decisão que ocupava um lugar
acima de nós na estrutura do poder, um “eles” que decidia e tirava proveito das
vantagens ou sofria as consequências de seus erros. Reparei, no entanto, como
Mary Ann ficou aliviada ao saber que ninguém apelaria a seu heroísmo e,
confiante, colocou sua mãozinha inútil dentro da minha.
Como em um passe de mágica, Hardie ergueu um punhado de minúsculas
lascas de madeira que pareciam estar ali de propósito.
— Somente os homens — reforçou ele. — Duas lascas são curtas, as demais
são longas. As lascas curtas perdem.
Não sei o que nos levava a pensar que a diferença entre a vida e a morte se
resumia a duas pessoas a menos, mas ninguém questionou tal raciocínio. Se
Hardie dizia que dois era o número mágico, então era. Partíamos do princípio de
que ele sabia o que estava falando.
Cerca de um minuto se passou. A faixa escura de água turbulenta estava agora
a uma distância de apenas vinte e cinco ou trinta vezes o comprimento do barco.
Ao longe, relâmpagos bifurcados rasgavam o céu de chumbo.
— Não estou forçando ninguém — declarou Hardie, antes de ele mesmo
começar o sorteio, escolhendo uma das lascas de madeira.