No coracao do mar - Charlotte Rogan

meu ombro e disse:
— Não deixe de recolher a cobertura de lona, para que os cobertores não
fiquem encharcados.
Achei estranho que já tivesse chegado de novo a minha vez, mas como
ninguém se manifestou, dirigi-me para a dianteira do barco e enfiei-me sob os
cobertores com cheiro de mofo. Acho que não cheguei a dormir, apenas deixei
meus pensamentos à deriva, mergulhando ainda mais dentro de mim. Ali havia
bolsões de calor — não exatamente lembranças, mas espaços onde os
parâmetros da vida eram menos rigorosos, menos inflexíveis. Talvez essa
tendência a pensar só em mim demonstrasse egocentrismo, mas eu tinha a
impressão de não possuir ego nem centro. Não passava de corpo. Desempenhava
mecanicamente as tarefas que me eram atribuídas, como se tivesse entrado no
mesmo estado de transe que eu observara na Sra. Cook. A menor de minhas
sensações me monopolizava, me fascinava; mas eu me interessava muito pouco
pelo que acontecia com os outros. Quando Mary Ann me sacudiu para me tirar
do estado de torpor e tomar meu lugar no meio das cobertas, voltei a meu assento
e fiquei sabendo que, enquanto eu dormia, a Sra. Cook sacrificara-se, jogando-se
no mar. Não senti nada, apenas uma leve curiosidade quanto ao que a motivara.
— Ordens de Hardie — murmurou Hannah.
— Vocês sabem que a Sra. Cook sempre fazia o que os outros mandavam —
completou Greta.
Senti medo ao pensar que poderiam dizer o mesmo de mim.
Não tenho como confirmar nem negar o envolvimento de Hardie na morte da
Sra. Cook. Meus advogados insistiram bastante nesse ponto, mas só pude dizer que
estava dormindo quando aconteceu. Parece que Hannah, durante o depoimento,
afirmou que meu horário de repouso fora mais cedo aquele dia, que ninguém
tinha permissão para repetir o turno a não ser por motivo de doença e que de
modo algum eu estava no dormitório durante o incidente. Apenas a Sra. Cook,
que foi quem tocou meu ombro para me dizer que era minha vez, e Mary Ann,
que ocupou o lugar no dormitório depois de mim, poderiam testemunhar, mas as
duas estão mortas, e parece que ninguém mais se lembra da pouca influência
que tive no incidente. Além do mais, mesmo se eu de fato tivesse estado
acordada, não sei o que ficaria provado, mas, bem, eu não estava. Segundo o Sr.
Reichmann, os advogados de Hannah e da Sra. Grant tentavam mostrar que
tínhamos motivo para temer o Sr. Hardie e que o incidente com a Sra. Cook nos
dera um motivo válido para o que aconteceu depois. Porém, por mais que o Sr.
Reichmann me bombardeasse com perguntas, respondi que quando chegasse
minha vez de depor eu afirmaria com muita convicção que não havia motivo
para isso em meu coração e que, por não estar presente, não tinha ideia do que o
Sr. Hardie poderia ter dito à Sra. Cook.
Bom, quando deixei o abrigo formado pela lona úmida, a Sra. Hewitt,