No coracao do mar - Charlotte Rogan

— O senhor nunca gostou dele mesmo, não é? — prosseguiu ela. — Foi só
para agradar a minha mãe que o senhor o comprou para o pequeno Hans.
Embora esses comentários parecessem dirigidos a ele, Hardie não respondeu,
preferindo concentrar-se nas muitas tarefas que se impusera e que nenhum de
nós compreendia. Por fim, a Sra. Grant tirou um pedaço de pano de uma sacola
que mantinha sob seus pés, enrolou-o bem e colocou-o nas mãos de Rebecca.
— Ele está a salvo, querida. Seu cãozinho está a salvo.
Balançando-se para a frente e para trás no fundo do barco, sem se incomodar
com a água acumulada, Rebecca afagou seu animalzinho imaginário pelo resto
da tarde.
Com o vento mantendo-se forte, não levou muito tempo para o barco cortar o
oceano a toda velocidade. Os responsáveis pelos baldes estavam concentrados
em sua tarefa, porém o nível da água no fundo aumentava muito depressa, e
imaginei que talvez houvesse um vazamento. Quando chegou a minha vez de
baldear a água, comecei a examinar a madeira próxima a meus pés na tentativa
de descobrir algo que parecesse um buraco. De repente me vi contemplando a
água que se agitava ao redor de meus tornozelos. Foi como se eu tivesse
acordado de um sono profundo. Não sei quanto tempo eu passara olhando o
vazio, mas quando “acordei” estava tomada por uma fraqueza profunda, minha
vista perdera o foco e eu ouvia apenas trechos desconexos das conversas em voz
baixa que se desenrolavam a meu redor. Por exemplo, ouvi claramente quando
Hannah afirmou:
— Havia alguma coisa entre Hardie e aquele tal oficial Blake. Poderíamos
estar a salvo agora.
Mas só entendi a última parte da resposta da Sra. Grant:
— ... nada referente à navegação... esperar nossa hora.
Quando Hardie largou a vela, anunciando “Está ventando demais” e “Com
essa água toda, o barco está muito pesado para navegar”, e apossou-se de um
balde, nem a Sra. Grant protestou, pois na mesma hora o barco se aprumou e o
mar, que a todo instante ultrapassava a borda, passou a lançar apenas borrifos
intermitentes. Foi o momento certo de parar, pois a água agora batia no alto de
minhas canelas. Redobrei meus esforços com o balde, mas a fraqueza que
anuviava minha mente atingia também minhas pernas. Foi então que Hardie
disse, imagino que em voz baixa, embora eu tenha a sensação de que todos o
ouviram, e nesse caso ele deve ter gritado para sua voz se sobressair ao vento e
às batidas da vela improvisada que se agitava na proa do barco, onde havia sido
colocada para secar:
— Se não aliviarmos o peso, afundaremos como uma maldita pedra.
Não havia razão para duvidar dele. Observei a pilha de cobertores molhados,
os tonéis de água e as latas de biscoito que Hardie só faltava esconder embaixo
de seu banco, o amontoado de objetos pessoais guardado sob os assentos ou