No coracao do mar - Charlotte Rogan

cruz em sua testa, primeiro mergulhando a mão por cima da amurada, como se
o oceano fosse apenas uma bacia de água benta convenientemente colocada a
seu lado para um caso de necessidade como aquele. A partir daí, Mary Ann
pareceu mais tranquila, e um dia ou dois depois disso teve a prova física de que
afinal não estava grávida.
Com tantas mulheres a bordo, algumas talvez tenham precisado lidar com o
problema do sangramento, mas se isso de fato aconteceu, elas foram discretas e
não disseram uma palavra sobre o assunto. Eu me perguntava se o drama que
enfrentávamos e a desidratação que afetava nossas glândulas salivares não
estariam inibindo também o fluxo menstrual. De todo modo, quando Mary Ann
cutucou meu cotovelo e segredou em meu ouvido que suas regras tinham
chegado, fiquei indecisa sobre o que dizer. Aproveitei a ocasião para atrair a
atenção de Hannah, e ela me deu vários pedaços de pano, rasgados de uma
anágua velha, que Mary Ann conseguiu adaptar às suas necessidades. Depois de
resolvido o problema, fiz um sinal de agradecimento para Hannah. Pela segunda
vez trocamos um olhar mais longo do que seria necessário. Seu meio-sorriso, que
no início parecia uma reação amigável a meu agradecimento, logo murchou e
ela assumiu uma expressão bem diferente, quase como se estivesse assustada
com algo que via em minhas feições ou por cima de meu ombro. Embora minha
primeira reação tenha sido a de me virar subitamente para me proteger do que
quer que estivesse às minhas costas, não quis romper o contato tão tocante quanto
perturbador, e, por fim, foi Hannah quem primeiro desviou o olhar, quando a Sra.
Grant chamou-a para pedir-lhe a sacola onde guardava os pedaços de pano.
Naquela noite, a quinta que passávamos no barco, a pergunta que os homens
não paravam de fazer era se o proprietário do Empress Alexandra mantinha ou
não o navio em bom estado de conservação. O Sr. Preston insistia em afirmar
que essa era uma questão determinante; não conseguia entender como uma
minoria nada desprezível podia pensar que isso não tinha a menor relevância.
Não mais. Não quando nada podia ser feito. Em uma tentativa de provar essa
tese, o Sr. Sinclair convidou-nos a participar do que chamou de experimento
mental.
— Imaginem que nesta discussão trocamos a palavra “navio” pela palavra
“mundo”. O que aconteceria se o mundo estivesse em mau estado de
conservação mas não nos fosse possível saber? Além disso, essa ideia nem
sequer nos ocorreria. Isso faria alguma diferença?
Após uma pequena pausa para reflexão, ele prosseguiu:
— E agora imaginem que de algum modo descobrimos que, sim, o mundo foi
vergonhosamente negligenciado pela pessoa responsável por sua conservação.
Isso muda alguma coisa? Muda nossa maneira de levarmos a vida na terra?
Minha posição é de que, no caso do mundo e também no caso do Empress
Alexandra, nos deparamos com o aqui e agora de nossa situação e de que os fatos