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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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NOITE<br />

Era níti<strong>do</strong> o bem que um pouco de comida no estômago fazia para nosso esta<strong>do</strong><br />

de espírito. Enquanto nos apertávamos uns contra os outros para combater a<br />

friagem noturna, a Sra. Cook se lançava em mais uma de suas histórias<br />

recheadas de fofocas e suposições, citan<strong>do</strong> detalhes pessoais sobre a família real<br />

que simplesmente não poderiam ter chega<strong>do</strong> a seu conhecimento. Ainda assim,<br />

ela nos distraía, e eu me pegava atenta a cada uma de suas palavras, como todas<br />

as outras mulheres perto de mim. Quan<strong>do</strong> seu estoque de comentários maliciosos<br />

sobre o assunto se esgotava, era a vez de Mary Ann nos falar das pessoas de seu<br />

círculo social, mas as histórias careciam de coesão e eram tão cheias de suspiros<br />

e exclamações quanto de palavras.<br />

Havia outro tipo de história que proliferava no barco, em especial à noite,<br />

quan<strong>do</strong> buscávamos passar o tempo como fosse possível. Eram histórias secretas,<br />

histórias contadas com sussurros, fiapos de histórias talvez baseadas em uma<br />

simples impressão, em um fragmento de diálogo ou em um brilho diferente no<br />

olho de alguém. Isabelle sabia como ninguém diagnosticar expressões: “Viu o<br />

olhar que o Sr. Hardie me dirigiu agora mesmo?”, ela perguntava, por exemplo,<br />

com um estremecimento, para depois acrescentar: “Só uma pessoa sem o<br />

mínimo de civilidade olharia assim para alguém.” Um único olhar ensejava<br />

biografias especulativas completas, e foi esse tipo de especulação que tanto<br />

interessou aos promotores e que eles to<strong>mar</strong>am como fato. Isabelle creditava a<br />

Hannah e à Sra. Grant a invenção de um código de comunicação que não incluía<br />

palavras, apenas movimentos de cabeça e olhares, os quais Isabelle costumava<br />

decifrar para quem estivesse por perto. Um dia ela me contou que quan<strong>do</strong><br />

Hannah fitara o Sr. Hoffman com uma expressão mais sombria que o normal<br />

tratava-se, na verdade, de bruxaria, de uma maldição silenciosa; e quan<strong>do</strong> mais<br />

tarde Hoffman quase caiu <strong>do</strong> barco ao tropeçar, ela me dirigiu um olhar cheio de<br />

significa<strong>do</strong> e articulou com os lábios sem emitir som: “Está ven<strong>do</strong>?”<br />

Às vezes alguém se apropriava de uma história que lhe fora contada em<br />

segre<strong>do</strong>, retransmitin<strong>do</strong>-a como se fosse sua. O resulta<strong>do</strong>, claro, era que as<br />

histórias acabavam modificadas. O que eu contara a Mary Ann sobre como<br />

planejava conquistar a mãe de Henry voltou depois para mim na versão de que<br />

minha sogra se recusara a me receber. Não há nada que se possa fazer para<br />

combater rumores falsos sem que acabemos pioran<strong>do</strong> a situação, por isso não<br />

tentei esclarecer o caso, mas desde então decidi guardar para mim to<strong>do</strong> e<br />

qualquer assunto pessoal.<br />

Ouvi por acaso a Sra. Cook contar à Sra. McCain que testemunhara uma<br />

discussão entre o Sr. Hardie e o comandante Sutter no dia em que partimos. Ela<br />

falou que na ocasião não sabia quem era o Sr. Hardie, e que só mais tarde fez a

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