No coracao do mar - Charlotte Rogan

passageiros que tentavam localizar os familiares no cais abaixo.
— Por que não os levaram diretamente para a sala do cofre? — perguntou o
comandante a seus homens, em um sussurro irritado, no instante em que passou
por mim. — Por que não colocaram logo um cartaz? Assim qualquer ladrão
saberia exatamente o que procurar! — completou ele.
Segui-os a certa distância, fingindo observar os rostos na multidão toda vez que
o comandante se virava para repreender seus homens, mas ele estava
preocupado demais para reparar em mim. Quando desceu um lance de escada,
mantive-me bem longe, com o coração acelerado como se estivesse
transgredindo alguma lei tácita, mas não tive problema em entender o que era
dito no vão da escada. O grupo logo parou diante de uma porta ao lado da sala do
comissário de bordo e o comandante gritou:
— Sr. Blake, trouxe a chave?
Continuei escondida, mas logo dei meia-volta e subi as escadas correndo para
não ser descoberta quando terminassem o serviço, o que com certeza não
tardaria a acontecer. Acredito que aquela porta desse para a sala do cofre onde
haviam guardado a caixa com o colar que Henry comprara para mim em
Londres, além de meus anéis e seu relógio de família. Foi assim que fiquei
sabendo que era verdade o que Penelope Cumberland me contou mais tarde
sobre duas arcas cheias de ouro.
Henry tinha mais interesse do que eu nos outros passageiros, mas era muito
atencioso comigo, satisfazendo plenamente minha necessidade de companhia —
que na verdade sempre foi pouca. Ele não mais ficaria acordado até tarde para
jogar cartas e falar sobre política na sala de fumar se eu pedisse, o que nunca fiz.
Eu adorava ter tempo para mim, para escovar o cabelo e arrumar sozinha nossa
cabine antes de Henry chegar para deitar. Gostava de olhar pela escotilha e
observar a lua refletida na água e gostava de saborear minha sorte de ter
conhecido Henry no momento em que imaginara que precisaria trabalhar como
governanta. Da segurança isolada de meu camarote, entre lençóis belgas e com
pia de porcelana à minha disposição, eu podia passar em revista os
acontecimentos do ano anterior e tentar descobrir seu sentido; mas a única
conclusão a que consegui chegar sobre meus pais foi que eram fracos.
Os sócios de meu pai, que o haviam enganado nos negócios, na verdade
também contribuíram para acabar com sua vida, pois, quando ficou claro que ele
não detinha nenhuma das patentes das quais dependia sua atividade e pelas quais
hipotecara não apenas os escritórios como também a casa onde vivíamos, ele
enfiou uma bala na cabeça. Como papai imaginava que uma viúva com duas
filhas sobreviveria sem ele? O que minha mãe fez foi erguer as mãos para os
céus e deixar o cabelo desgrenhado cair pelo rosto, a tal ponto que, nas suas idas
e vindas das lojas, até as crianças que mendigavam por perto corriam assustadas
para a sarjeta, com o dedo apontado para ela. Minha irmã, Miranda, logo