No coracao do mar - Charlotte Rogan

O EMPRESS ALEXANDRA
Os outros ocupantes do barco salva-vidas diziam ter reparado no Sr. Hardie a
bordo do Empress Alexandra, executando suas tarefas com olhares sombrios e já
transparecendo a maldade que havia em seu coração, mas eu o vi pela primeira
vez apenas no dia do desastre. Para mim, a tripulação e o pessoal de bordo não
passavam de mobiliário ou equipamentos uniformizados colocados em lugares
estratégicos para conveniência dos passageiros, e por passageiros me refiro a
Henry e eu. Eu estava deslumbrada não apenas com o esplendor do navio, mas
também com Henry, que provava ter uma personalidade à altura de sua origem
e seus recursos. Em Londres, ele me proporcionara condições para renovar o
guarda-roupa, o que me permitia circular de um lado para outro nos conveses
como uma princesa de conto de fadas, observando com olhos atentos porém
seletivos o que me cercava. Por isso reparava nos lustres, nas taças de
champanhe e nos crepúsculos que manchavam o céu com baldes de tintas de
cores variadas, mas não no mecanismo intricado que garantia a pontualidade das
refeições ou permitia que o navio mantivesse seu curso. Já mencionei que vi o
coronel e a Sra. Forester a bordo; depois, acabei me lembrando também da Sra.
McCain, que era encontrada com frequência nas mesas de bridge ou solidamente
instalada na sala de leitura do primeiro convés com um livro de ficção nas mãos,
mas não posso dizer que me lembro de sua acompanhante, a Sra. Cook, nem de
sua criada, Lisette.
Mais tarde, tive muito tempo para pensar no navio — em tudo de que eu me
lembrava ou não —, e tentei aplicar o que o Sr. Sinclair nos falara sobre
lembrança e esquecimento. O Dr. Cole me disse que a mente pode forçosamente
suprimir experiências traumáticas, e suponho que seja verdade, embora às vezes
eu tenha a impressão de que a impossibilidade de nos lembrarmos de algo não é
tanto resultado de uma tendência patológica quanto uma consequência natural
inevitável, pois a todo instante há centenas de coisas capazes de chamar nossa
atenção, mas nossos sentidos são capazes de identificar e assimilar apenas uma
ou duas.
Lembro-me, sim, de um incidente relacionado à tripulação do Empress
Alexandra. O navio se preparava para partir de Liverpool e eu estava debruçada
na amurada observando, espantada, a multidão que fora nos desejar boa viagem,
e então vi o comandante Sutter atravessar o convés com passadas largas, como
se fizesse grande esforço para não correr. As botas produziam forte ruído, e ele
era seguido por vários marinheiros curvados sob o peso de dois enormes baús de
madeira fechados com sólidos cadeados. A todo instante o comandante olhava
para trás, murmurava “Bando de imbecis!”, depois voltava a olhar para a frente
e gritava “Com licença, com licença!”, a fim de abrir caminho por entre os