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sua culpa que minha pequena Emmy está morta?<br />
Sua voz saía entrecortada e baixa, e os outros passageiros tinham muda<strong>do</strong> de<br />
assunto, por isso talvez não nos ouvissem. Só Mary Ann, que me ajudava a<br />
confortar a Sra. Fleming, a escutava; de novo ela tentou tranquilizá-la:<br />
— Ora vamos, minha querida. Uma pessoa a mais ou a menos não faz<br />
diferença.<br />
— Não foi uma — sussurrou acidamente a Sra. Fleming, como se revelasse<br />
um segre<strong>do</strong> terrível. — Foi ela e Hardie. São duas pessoas, não são? Pelas minhas<br />
contas, sim.<br />
— Pois então devemos dar graças a Deus por isso — retrucou Mary Ann. —<br />
Sem o Sr. Hardie estaríamos perdi<strong>do</strong>s.<br />
— Mesmo com ele estaremos perdi<strong>do</strong>s! — grasniu a Sra. Fleming. — Anote<br />
minhas palavras.<br />
Mary Ann e eu trocamos um olhar, mas a Sra. Fleming mergulhou em um<br />
silêncio extenua<strong>do</strong>. Mantive os braços ao re<strong>do</strong>r de seus ombros durante toda a<br />
tarde, sussurran<strong>do</strong> palavras de incentivo, como se faz com uma criança. Ela<br />
a<strong>do</strong>rmeceu por um instante, mas, assim que acor<strong>do</strong>u, recomeçou:<br />
— Era para ter si<strong>do</strong> você. Emmy podia estar aqui a meu la<strong>do</strong>, mas seu <strong>mar</strong>i<strong>do</strong><br />
comprou a passagem, não foi? Só pode ser essa a explicação. Se não fosse por<br />
seu dinheiro, o barco não estaria superlota<strong>do</strong>. Se não fosse por seu dinheiro,<br />
minha pequena Emmy não estaria morta.<br />
Mantive a calma, pois ela certamente estava transtornada e falava bobagens.<br />
Expliquei que ninguém podia entrar no Empress Alexandra sem passagem.<br />
— Pode fingir que não me entende, se quiser — retrucou ela friamente, mas<br />
logo sua calma passageira desapareceu e ela se pôs a gritar: — Era para ter si<strong>do</strong><br />
ela! Era para ter si<strong>do</strong> ela!<br />
Foram necessários três homens para <strong>do</strong>miná-la. Por fim a Sra. Fleming<br />
acalmou-se e desabou entre Hannah e mim, de novo a<strong>do</strong>rmecida, ou em transe.<br />
Para não acordá-la, quan<strong>do</strong> chegou minha vez, Mary Ann me substituiu na tarefa<br />
de tirar a água <strong>do</strong> barco.<br />
Por causa das nuvens, o sol sumiu em vez de se pôr, mas mesmo sob a luz<br />
cada vez mais reduzida eu podia ver que a Sra. Fleming conseguira uma espécie<br />
de paz. Quan<strong>do</strong> perguntou pelo balde, julguei que o queria por razões íntimas. Eu<br />
não podia imaginar que pensasse em beber água <strong>do</strong> <strong>mar</strong>. Não a vi bebê-la, mas<br />
durante a noite percebi que tremia. Ajeitei o cobertor que caíra de seus ombros,<br />
e Hannah e eu nos revezamos para mantê-la contra nossos corpos. Em<br />
determina<strong>do</strong> momento, ela murmurou palavras incoerentes, e de manhã estava<br />
morta. Muito depois disso, quan<strong>do</strong> o Sr. Hoffman já se aliara ao Sr. Hardie, a Sra.<br />
Grant usou esse incidente como exemplo da traição de Hoffman, afirman<strong>do</strong> que<br />
ele matara a Sra. Fleming com a verdade.