No coracao do mar - Charlotte Rogan

direção que o Sr. Hardie indicara. — Precisamos ficar de olhos abertos. Sugiro
que alguém fique de guarda, Sr. Hardie. Penso que devemos nos dividir em
equipes de quatro, sendo cada um responsável por um arco de noventa graus, em
turnos de uma hora.
O passo seguinte foi nos dividir em nove grupos, excluindo o Sr. Hardie, claro,
mas também Hannah e a própria Sra. Grant, com a alegação de que assumiriam
tarefas mais gerais e nos ajudariam quando necessário. Ocorreu-me que Hardie
não aceitava receber ordens de uma mulher, pois, enquanto a ouvia, o rosto dele
endureceu-se, como se talhado em madeira.
Várias vezes durante a manhã perguntaram ao Sr. Hardie o que ele achava
sobre essa história das luzes, mas ele guardou a opinião para si. Talvez estivesse
ofendido porque a Sra. Grant não o consultara antes de fazer a nova distribuição
de tarefas. “Falta pouco agora” era só o que respondia, deixando por conta de
nossa imaginação do que é que ele estava falando. No início achei que se
referisse à chegada do navio que nos levaria para um lugar seguro, mas depois
de ser atingida por um jato de água do mar pensei que talvez fosse a chuva, que
ameaçava mas não caía. Só agora, nas últimas semanas, percebi que ele se
referia a algo inteiramente diferente, a alguma rivalidade incipiente entre a Sra.
Grant e ele, a uma crise de liderança ou a um momento inadiável em que as
pessoas abririam os olhos e reconheceriam seu comando. Na época, porém, tais
conjeturas não me ocorreram por me faltar qualquer base concreta.
O Sr. Hardie fez com que circulassem os biscoitos do café da manhã e a
caneca com água, com a recomendação de que não tomássemos mais do que o
terço de xícara que cabia a cada um. Limitei-me à minha parte, mas poucos
fizeram o mesmo. Com olhar implacável, Hardie percebeu que, enquanto várias
pessoas disputavam a caneca, parte do precioso líquido se perdia no chão.
— Vejam o que estão fazendo, parecem crianças — advertiu ele, e a partir
daquele dia passou a medir a porção exata antes de passar a caneca a cada um.
Quando mais uma vez a Sra. Fleming perguntou-se em voz alta o que teria
acontecido à filha, Isabelle explodiu:
— Ela tem o direito de saber! Eu não iria querer que me escondessem a
verdade.
Apesar do veemente protesto da Sra. Grant e de sua insistência em dizer que
Isabelle não sabia do que estava falando, o Sr. Preston interveio:
— Eu também vi.
Isso fez com que a Sra. Fleming se erguesse de um salto e abrisse caminho por
entre os passageiros para agachar-se no fundo do barco perto de onde estavam
sentados Isabelle e o Sr. Preston. Ela agarrou-os pelas mangas e encheu-os de
perguntas:
— Viu o quê? O que vocês viram? Em que barco ela entrou? Não no que saiu
logo depois, aquele que jogou todas as pessoas na água, espero.