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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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para longe <strong>do</strong>s destroços em chamas apenas com meia lotação.<br />

Às quatro horas comemos um pedaço de pão duro com queijo. Como o<br />

coronel Marsh tinha um relógio de bolso enorme, o Sr. Hardie o encarregara de<br />

controlar a hora. De vez em quan<strong>do</strong> ele gritava: “A hora, coronel!”, ao que<br />

Marsh puxava o relógio <strong>do</strong> bolso e anunciava o horário. Assumia um ar<br />

importante ao executar essa tarefa, mas ao mesmo tempo dava a impressão de<br />

que tentava modestamente minimizar o que via como um papel crucial no<br />

funcionamento <strong>do</strong> barco. Mais ce<strong>do</strong>, o Sr. Hardie mencionara a possibilidade de<br />

usar o relógio para avaliar nossa longitude, e os <strong>do</strong>is tinham discuti<strong>do</strong> longamente<br />

sobre como proceder. Talvez motiva<strong>do</strong> por essa troca de ideias, o coronel sentiu<br />

confiança para sugerir:<br />

— Não acha que poderia nos dar um pouco mais <strong>do</strong> que isto para comer e<br />

beber? <strong>No</strong>sso estoque me parece enorme, consideran<strong>do</strong> que os navios da rota<br />

comercial devem aparecer a qualquer momento.<br />

De fato, as latas de biscoito e os tonéis de água ocupavam um espaço<br />

considerável na traseira <strong>do</strong> barco. O Sr. Hardie, no entanto, não alterou o plano<br />

de racionamento de comida e água. <strong>No</strong> início, rimos dessa decisão. “Hardie é<br />

um chefe durão”, comentávamos, quase com afeto. Ainda que mal nos<br />

conhecêssemos, começava a se for<strong>mar</strong> dentro <strong>do</strong> barco um sentimento coletivo,<br />

no centro <strong>do</strong> qual estava Hardie, como um grão de areia áspero no coração de<br />

uma pérola.<br />

As nuvens altas assumiam tons rosa<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s, como um teto perfura<strong>do</strong><br />

aqui e ali por feixes de luz prateada.<br />

— Vejam! — exclamou a Sra. Hewitt, uma ex-proprietária de hotel.<br />

To<strong>do</strong>s paramos para observar, pois um <strong>do</strong>s raios de sol alcançara diretamente<br />

o nosso barco, e assim seguimos flutuan<strong>do</strong>, boquiabertos e ilumina<strong>do</strong>s, em<br />

silêncio, até que a voz de Mary Ann entoou o cântico “Ó Deus, eterno protetor”.<br />

Como era previsível, uma jovem francesa de nome Lisette começou a chorar, e<br />

foi somente na nota final que o céu se fechou e o barco salva-vidas passou a<br />

navegar sob a sombra de uma nuvem.<br />

Muito se especulou sobre qual teria si<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> desse fenômeno natural<br />

ou sobrenatural.<br />

— Em minha opinião, podemos traçar um paralelo entre o raio de luz e o fato<br />

de termos si<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong>s para sermos resgata<strong>do</strong>s neste barco — sugeriu o<br />

diácono.<br />

— Ainda não estamos nem perto de ser resgata<strong>do</strong>s — retrucou Hannah.<br />

Comecei a dizer “Ajuda-te e o céu te ajudará”, mas parei após as primeiras<br />

palavras, ao perceber o olhar de avaliação, calculista até, que a Sra. Grant me<br />

lançava. Dessa vez ela se abstivera de cantar e parecia voltada para dentro de si<br />

mesma, alheia ao espírito geral de ca<strong>mar</strong>adagem que nos inspirava aquele<br />

esplêndi<strong>do</strong> entardecer e à gratidão por termos si<strong>do</strong> poupa<strong>do</strong>s até aquele

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