No coracao do mar - Charlotte Rogan

desditosa do reinado de Nicolau e a insensibilidade do poder autocrático.
— Bom — emendou o Sr. Hardie —, o navio não é tão grande quanto outros,
por isso os proprietários quiseram um nome grandioso para compensar o
tamanho. Mas estava bem equipado e podia ter gerado um belo lucro...
Nesse ponto a voz de Hardie foi murchando e ele perdeu o foco do que dizia.
Começou a resmungar sobre trabalhar em troca de nada e sobre armadores que
pensavam que títulos pomposos podiam substituir o bom senso, mas então deve
ter percebido que exagerava na loquacidade, pois de súbito voltou à história
contando que por fim o navio acabou sendo vendido para “um sujeitinho
americano que sabia como fazer aquilo lá dar um bom dinheiro”.
Mary Ann, que gostava de qualquer assunto relacionado a casamento,
perguntou ao Sr. Sinclair se a cerimônia de Nicolau e Alexandra tinha sido
pomposa.
— Sei apenas que aconteceu no Palácio de Inverno, em São Petersburgo —
respondeu o Sr. Sinclair —, e o Palácio de Inverno é mais do que pomposo.
Diante dessa resposta, Mary Ann cutucou-me de leve e sussurrou:
— O navio foi feito para você, Grace. Seu sobrenome é Winter, inverno em
inglês, e vocês acabam de se casar!
Ainda que na ocasião Henry se encontrasse em Londres a negócios e que só
tenha decidido levar-me junto no último minuto — porque, segundo ele, não
suportava a ideia de deixar-me e porque queria casar comigo longe das garras da
mãe, que me parecia cada vez mais uma gigantesca ave de rapina —, eu me
sentia ao mesmo tempo eleita e condenada ao imaginar que o transatlântico
Empress Alexandra fora concebido especialmente para nós dois. Nos dias que se
seguiram, construí para mim mesma um fantástico lugar imaginário chamado
Palácio de Inverno, onde Henry e eu viveríamos. Tinha salas arejadas que se
comunicavam com varandas ensolaradas e janelas em arco que se abriam para
extensos gramados cor de esmeralda. Reproduzia a arquitetura de minha mente,
e eu passava horas explorando seus corredores e modificando detalhes de um
projeto maleável.
Para a viagem de ida, Henry escolhera um barco pequeno. Não éramos ainda
marido e mulher, mas afirmamos o contrário para o comandante, portanto
Henry queria evitar ao máximo encontrar com algum conhecido antes de
colocar uma aliança em meu dedo. Ele imaginava que seria divertido fazer de
conta que não tínhamos recursos, antes de reabastecer nosso guarda-roupa em
Londres. Não confessei a ele que eu não tinha guarda-roupa a reabastecer e ri ao
pensar que agora estava apenas fingindo ser pobre!
Havia outros sete passageiros no barco, mas apenas uma mulher além de
mim. Fazíamos as refeições com o comandante, como uma família, e nós
mesmos nos servíamos das travessas que eram passadas de uma extremidade à
outra da mesa. Um dia a conversa girou sobre o voto feminino, e alguém pediu a