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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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chegamos ao convés, após a explosão. Em seguida apareceu o Sr. Hardie e eu<br />

perdi de vista o oficial, que pareceu satisfeito por nos deixar a cargo <strong>do</strong> Sr.<br />

Hardie e assim se ver livre para cuidar de outros assuntos. Confesso ter fica<strong>do</strong><br />

desorientada pelo caos reinante, pois depois disso a única coisa de que me lembro<br />

é de ter si<strong>do</strong> erguida por braços fortes. Entrevi pela última vez o rosto angustia<strong>do</strong><br />

de Henry enquanto o barco salva-vidas descia. Depois disso, nunca mais o vi.<br />

O Sr. Hardie falou outras coisas encoraja<strong>do</strong>ras. Voltou a dizer que, além de<br />

estarmos em uma rota <strong>mar</strong>ítima muito frequentada, navegávamos na direção<br />

<strong>do</strong>s Grandes Bancos, e esse nome me transmitiu uma sensação de segurança e<br />

solidez, como os penhascos de Dover ou o prédio de mármore onde Henry<br />

trabalhava.<br />

— Não é como se estivéssemos em águas inexploradas — concluiu ele.<br />

Mas como poderiam ser exploradas?, pensei enquanto olhava ao re<strong>do</strong>r, aflita.<br />

Não havia nada que permitisse distinguir um pedaço <strong>do</strong> oceano <strong>do</strong> outro, nenhum<br />

ponto de referência ou relevo, nada além da imensidão azul que se estendia por<br />

to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s <strong>do</strong> pontinho insignificante que era nosso barco.<br />

Desde o início senti admiração por Hardie. Ele tinha o maxilar quadra<strong>do</strong>, o<br />

queixo proeminente, e poderia ter si<strong>do</strong> um homem bonito se suas feições e seu<br />

porte não pagassem o preço de uma vida inteira no <strong>mar</strong>. Seus olhos penetrantes<br />

não pareciam engana<strong>do</strong>res nem desonestos, como se poderia esperar de um<br />

<strong>mar</strong>inheiro. Mesmo nas dimensões reduzidas <strong>do</strong> barco salva-vidas ele quase<br />

nunca ficava para<strong>do</strong>. Não parecia ter me<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>mar</strong>; com certeza o respeitava, e<br />

era o único de nós a aceitar aquela situação. To<strong>do</strong>s os demais ofereciam<br />

resistência. Mary Ann não cessava de se queixar para quem se dispusesse a ouvila:<br />

“Por que nós? Por que nós, meu bom Deus? Por que nós?” Maria perguntava a<br />

mesma coisa em seu dialeto castelhano. O diácono tentava dar respostas<br />

convincentes às perguntas das duas, mas o Sr. Hardie tinha pouca paciência para<br />

esse tipo de conversa.<br />

— A gente nasce, sofre, depois morre. Por que acham que mereciam sorte<br />

diferente? — perguntava ele a si mesmo, em voz alta, quan<strong>do</strong> as respostas gentis<br />

<strong>do</strong> diácono não conseguiam tranquilizá-las.<br />

Após cada comentário áspero de Hardie, o coronel Marsh murmurava “Ele<br />

jamais faria isso no regimento”, como se pudéssemos facilmente estar em<br />

algum outro lugar; em terra firme, talvez, ou a cavalo, com o próprio coronel no<br />

coman<strong>do</strong>.<br />

As observações de Hardie continham quase sempre detalhes precisos,<br />

enquanto as <strong>do</strong> coronel, <strong>do</strong> diácono e principalmente as da Sra. Grant eram mais<br />

de ordem geral e até mesmo de cunho filosófico. Ele dizia: “Com um pouco de<br />

cuida<strong>do</strong>, podemos ter comida suficiente para cinco dias, talvez seis”, e vejo<br />

agora que era dessa disposição para quantificar nossa situação, para determinar<br />

com tanta exatidão que estávamos entre os paralelos quarenta e três e quarenta e

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