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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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DIA TRÊS<br />

<strong>No</strong> terceiro dia, parte <strong>do</strong> choque diminuíra. As pupilas <strong>do</strong>s olhos de Maria<br />

voltaram ao tamanho normal, e uma vez ela chegou a fazer uma careta boba<br />

para o pequeno Charles quan<strong>do</strong> ele apareceu por debaixo da saia da mãe.<br />

Tínhamos navega<strong>do</strong> para tão longe que não encontrávamos mais vestígios <strong>do</strong><br />

naufrágio, ou talvez fosse o contrário, teríamos permaneci<strong>do</strong> no mesmo lugar e<br />

os destroços é que se movimentaram. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, não restava nada <strong>do</strong><br />

Empress Alexandra. O navio podia até nunca ter existi<strong>do</strong>, mas então como<br />

explicar nossa terrível situação? Eu pensava no Empress como muitas vezes<br />

penso em Deus — responsável por tu<strong>do</strong>, mas fora <strong>do</strong> alcance de nossa visão e<br />

talvez aniquila<strong>do</strong>, estraçalha<strong>do</strong> nas rochas da própria criação.<br />

O diácono afirmou que a experiência tinha renova<strong>do</strong> sua fé em Deus, ou que<br />

pelo menos isso logo aconteceria; já a Sra. Grant disse que o naufrágio reforçara<br />

sua convicção de que Deus não existia; e a pequena Mary Ann encerrou o<br />

assunto com um “Shhhh, isso não importa” e começou a cantar um hino sobre os<br />

perigos <strong>do</strong> <strong>mar</strong>, no que foi seguida por to<strong>do</strong>s. Sentíamo-nos enalteci<strong>do</strong>s, ao<br />

mesmo tempo mártires e escolhi<strong>do</strong>s. Fiquei comovida ao ver que até a Sra. Grant<br />

juntara-se a nós na cantoria, tão grande era nosso senso de união e nossa alegria<br />

por continuarmos vivos.<br />

Se Mary Ann parecia infantil em acreditar na verdade literal da Bíblia, eu era<br />

uma anglicana pragmática. Aprovava tu<strong>do</strong> que pudesse contribuir para a moral,<br />

mas jamais fazia distinção entre os princípios em que eu acreditava e os que me<br />

eram indiferentes. Reverenciava a Bíblia como o calhamaço sempre fecha<strong>do</strong><br />

que repousava sobre a mesa da sala de leitura de minha mãe, onde nos<br />

reuníamos antes de deitar para ouvi-la contar uma história. Eu tinha também<br />

uma Bíblia só minha, na qual a professora da escola <strong>do</strong>minical <strong>mar</strong>cava<br />

passagens que eu deveria memorizar, mas era pequena, comum, de forma que<br />

aos onze anos, após o crisma, guardei-a em uma gaveta e nunca mais voltei a<br />

abri-la.<br />

O Sr. Hardie continuava confiante, assusta<strong>do</strong>ramente alegre, até.<br />

— Estamos com sorte com relação ao tempo. O vento sopra <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este e está<br />

fraco. Quanto mais altas as nuvens, mais seco o ar. O tempo bom deve continuar.<br />

Eu nunca me perguntara sobre isso antes, e nunca me perguntei depois, mas<br />

naquele dia quis saber por que as nuvens eram brancas, já que supostamente são<br />

formadas por água, que é incolor. Indaguei ao Sr. Hardie por imaginar que ele,<br />

mais <strong>do</strong> que os outros, saberia a resposta, mas ele disse apenas:<br />

— O <strong>mar</strong> é azul, ou preto, ou tem uma infinidade de cores, e a espuma das<br />

ondas quan<strong>do</strong> quebram é branca; e tu<strong>do</strong> isso também é feito de água.<br />

O Sr. Sinclair, que eu já vira passear pelo convés em sua cadeira de rodas mas

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