No coracao do mar - Charlotte Rogan

obedecer. Não fizemos mais nenhuma tentativa de erguer a vela — era quase
como se a determinação da Sra. Grant dependesse inteiramente de sua oposição
a Hardie para se manter.
Naquele mesmo dia, ou no seguinte, ou talvez depois, um barco pesqueiro
islandês apareceu no horizonte e nos recolheu. Esse ponto foi debatido com
insistência durante o julgamento: fomos resgatados quanto tempo depois de
Hardie ter sido jogado do barco? Por quantos dias ficamos sem água? Não sei ao
certo, mas o exercício de redação deste diário me dá a convicção de que o barco
pesqueiro apareceu uma semana após a morte de Hardie. Hannah garantiu que
sabia:
— Nove dias — declarou sob juramento.
Em suas conclusões, a acusação ressaltou que era significativo o fato de não
haver concordância entre nós e afirmou que o período era menor, de apenas um
ou dois dias, talvez, o que tornava a morte de Hardie “inútil, frívola e
inegavelmente um ato criminoso”.
Só quando os pescadores islandeses tentaram colocar as italianas de pé foi que
reparamos que duas delas estavam mortas. A terceira agarrava-se às
companheiras como se fossem todas apenas uma, mas a Sra. Grant disse-lhe
alguma coisa e ela finalmente permitiu que os pescadores jogassem os
cadáveres putrefatos pela lateral do barco. Lembro-me das mãos fortes que me
puxaram, e também de minha má vontade em largar o leme que fora deixado
sob minha responsabilidade. Lembro-me do cheiro sufocante de peixe que vinha
do porão do barco pesqueiro e também da cortesia do comandante e seus
tripulantes, que, embora rudes e barbados, pareciam representar o máximo de
cavalheirismo e civilidade.
Preocupados com nossa saúde, os pescadores nos serviram o que tinham de
melhor em termos de comida. Passamos dois dias no pesqueiro à procura de
outros barcos salva-vidas enquanto esperávamos um paquete que nos levaria
para Boston. O Sr. Nilsson decidiu permanecer no barco dos pescadores,
alegando que preferia ir até a Islândia com eles e de lá seguir para Estocolmo.
Ficamos ainda cinco dias no segundo barco, de modo que quando chegamos a
Boston havíamos recuperado parte de nossas forças.
Imagino que isso tenha nos prejudicado, porque a primeira impressão que
passamos às autoridades não foi a de pessoas quase mortas de fome. Quando o
julgamento começou, os pescadores já estavam de novo na Islândia, e só
tínhamos o depoimento escrito do comandante, que jamais imaginara que
seríamos presas e acusadas.
Quando o Dr. Cole pediu que eu falasse sobre o resgate, tive dificuldade em
encontrar palavras para descrever o que senti ao ver o barco pesqueiro surgir da
bruma como em um sonho. Falei que guardaria essa lembrança como um
tesouro em um pequeno cofre para os momentos em que a vida parecesse muito