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a fonte de sua raiva: eu apenas representava um alvo conveniente. Toda vez que<br />
olhava para Hannah, eu tinha dificuldade em reconhecê-la: a Hannah que<br />
parecia tão independente e intrépida no barco agora se transfor<strong>mar</strong>a em uma<br />
criatura taciturna e questiona<strong>do</strong>ra. Talvez as qualidades que me encantaram nela<br />
tivessem si<strong>do</strong> suprimidas pelas circunstâncias, ou quem sabe não passassem de<br />
fruto de minha imaginação. Minha opinião sobre o assunto mudava de um dia<br />
para o outro, mas eu tinha assuntos muito mais prementes com os quais me<br />
preocupar, de forma que Hannah deixara de me parecer tão importante quanto<br />
no passa<strong>do</strong>.<br />
— Não dê atenção a Hannah — interveio a Sra. Grant. — Ela só está irritada<br />
porque não há mulheres no júri.<br />
Tolamente, exclamei:<br />
— E como poderia haver? É preciso ter direito ao voto para compor um júri, e<br />
as mulheres não têm!<br />
Levei um instante para perceber que tocara exatamente no ponto que Hannah<br />
queria. Assustada, preferi calar-me, e durante algum tempo seguimos em<br />
silêncio. Estávamos quase chegan<strong>do</strong> ao pórtico sob o qual eu vira o casal se<br />
beijar quan<strong>do</strong> Hannah me disse baixinho:<br />
— Um júri forma<strong>do</strong> só por homens é perfeito para você, não?<br />
Limitei-me a olhar pela janela e deixei-a ficar com a última palavra. Não era<br />
comigo que ela estava zangada, e se o mun<strong>do</strong> precisava mudar para satisfazê-la,<br />
só me restava desejar-lhe boa sorte.<br />
Foi durante outra dessas viagens de volta que Hannah inclinou-se para perto de<br />
mim, a fim de que eu conseguisse ouvi-la apesar da trepidação da caminhonete,<br />
e sussurrou no meu ouvi<strong>do</strong>:<br />
— Você não é tão fraca quanto parece.<br />
Antes <strong>do</strong> naufrágio, eu nunca dera grande importância à força física, pelo<br />
menos em relação a mim; entretanto, minha resistência surpreendeu-me e foi<br />
uma grande bênção. É claro que aqueles que ficaram destruí<strong>do</strong>s, mental ou<br />
fisicamente, não foram processa<strong>do</strong>s. Hannah e a Sra. Grant argumentaram que,<br />
de certa forma, estávamos sen<strong>do</strong> punidas por sermos fortes, mas não vejo por<br />
esse prisma. Quan<strong>do</strong> tive oportunidade de to<strong>mar</strong> a palavra durante outra<br />
audiência, agradeci ao Senhor por me proteger até então, e disse que contava<br />
com Ele e com o júri para pesar as provas e to<strong>mar</strong> a decisão certa. <strong>No</strong>ssos<br />
advoga<strong>do</strong>s afir<strong>mar</strong>am que nenhuma das três representava uma ameaça à<br />
sociedade: não precisávamos ser reabilitadas nem temidas, pois qual seria a<br />
probabilidade de voltarmos a nos encontrar em situação semelhante?<br />
Ao longo daqueles vinte e um dias à deriva, estive rodeada de pessoas que<br />
enlouqueceram ou faleceram durante a noite, mas isso não aconteceu comigo.<br />
Não sei por quê. Em seu pronunciamento inicial, o advoga<strong>do</strong> de acusação<br />
perguntou: