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TESTEMUNHAS<br />
Foram semanas de coleta de provas e preparação <strong>do</strong> processo. Durante esse<br />
tempo, eu só via Hannah e a Sra. Grant quan<strong>do</strong> éramos chamadas para alguma<br />
audiência, porque elas ficavam confinadas em outra ala da prisão; desde o início<br />
<strong>do</strong> julgamento, no entanto, vejo-as to<strong>do</strong>s os dias na caminhonete da prisão, que<br />
nos leva e traz <strong>do</strong> tribunal. Conversamos muito pouco, mas várias vezes no<br />
caminho e, mais tarde, no tribunal surpreendi a Sra. Grant me olhan<strong>do</strong> de um<br />
jeito avalia<strong>do</strong>r. Outras vezes ela parece cochichar com Hannah a meu respeito,<br />
mas há longos momentos em que apenas contempla o chão ou olha para o vazio;<br />
e eu fico me perguntan<strong>do</strong> se ainda estará pensan<strong>do</strong> nas ideias grandiosas e<br />
poderosas que eu teria incuti<strong>do</strong> em sua cabeça no barco?<br />
Todas as manhãs fazemos o mesmo caminho: atravessamos uma ponte de<br />
pedra, passamos diante de uma igreja com um campanário alto e em seguida<br />
pegamos uma rua estreita com prédios em tijolo, que refletem um tom vermelho<br />
como sangue quan<strong>do</strong> banha<strong>do</strong>s pela luz <strong>do</strong> sol nascente. De tarde fazemos o<br />
inverso, mas nessa hora as casas parecem desbotadas e prestes a desabar sobre<br />
suas fundações, mais <strong>do</strong> que sustentadas por elas. Vemos pessoas paradas às<br />
portas, apáticas, esperan<strong>do</strong> pelo destino. Em que pensam? Foi amor ou outra<br />
motivação que levou um rapaz atrevi<strong>do</strong> a parar de repente sob um pórtico e<br />
beijar na boca a jovem que caminhava a seu la<strong>do</strong>?<br />
Salvo raras ocasiões, não dirijo a palavra a Hannah ou à Sra. Grant. Meus<br />
advoga<strong>do</strong>s recomendaram que eu pense por mim mesma, e na maior parte <strong>do</strong><br />
tempo é o que faço. Uma exceção foi quan<strong>do</strong> estávamos sen<strong>do</strong> levadas de volta<br />
para a prisão após o primeiro dia de julgamento. As duas carcereiras que nos<br />
acompanhavam conversavam entre si, e Hannah aproveitou a oportunidade para<br />
me perguntar, em um tom que poderia ser considera<strong>do</strong> sarcástico:<br />
— O que acha <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> júri, Grace? São de seu agra<strong>do</strong>?<br />
É claro que eu tinha curiosidade em ver o rosto das pessoas que nos julgariam,<br />
mas além de considerá-las gente <strong>do</strong> tipo mais comum possível, não percebera<br />
nada de especial nelas. Respondi que pareciam ótimos e que esperava que<br />
ouvissem os fatos com mentes abertas e corações pie<strong>do</strong>sos.<br />
— Em que senti<strong>do</strong> eles lhe parecem ótimos? Acha-os particularmente<br />
atraentes? É isso?<br />
— Por “ótimos” quero dizer atenciosos e inteligentes — expliquei. — Bem o<br />
tipo de gente que se poderia esperar.<br />
Contei então a Hannah que o Sr. Reichmann dissera que tínhamos sorte por<br />
<strong>do</strong>is <strong>do</strong>s jura<strong>do</strong>s terem perdi<strong>do</strong> parentes na tragédia <strong>do</strong> Titanic.<br />
— Ah, sim! Uma sorte e tanto! — exclamou Hannah.<br />
Não entendi o que ela quis dizer com isso, mas tive a certeza de que não era eu