No coracao do mar - Charlotte Rogan

precisava decidir. Eu só precisava decidir o que o Sr. Reichmann alegaria em
meu nome diante do juiz.
No tribunal, na manhã seguinte, era eu quem estava preocupada com a hora.
A audiência estava marcada para as dez, mas quinze minutos antes o Sr.
Reichmann ainda não havia chegado. Hannah e a Sra. Grant tinham ido às salas
de conferências encontrar com seus advogados, e fiquei sozinha em um longo
corredor, sentada em um banco com uma carcereira, ora certa de que o Sr.
Reichmann não colocaria em risco meu caso, ora tomada por receios e dúvidas.
“Onde está meu advogado?”, eu não parava de perguntar à carcereira; e diversas
vezes ela respondeu com muita gentileza, em seu sotaque irlandês: “Daqui a
pouco ele chega. Conheço o Sr. Reichmann, e garanto que é pessoa confiável.”
Quando afinal ele apareceu, engoli minha raiva acumulada e perguntei:
— Está tudo bem? Fiquei preocupada, achando que o senhor podia ter sofrido
algum acidente!
Ele era todo sorrisos, sem qualquer vestígio das incertezas demonstradas no dia
anterior.
— Fique tranquila, a audiência foi remarcada para o meio-dia — explicou ele,
largando a pasta no chão, a seus pés.
Achei que deveriam ter me informado da mudança de horário, mas estava tão
aliviada que logo esqueci a angústia que seu atraso me causara. A carcereira
deixou-nos sozinhos, e o Sr. Reichmann sentou-se a meu lado.
— Pensou sobre o que lhe falei? — perguntou ele.
De novo senti que havia uma resposta certa para a pergunta, e por um
momento fiquei confusa por não saber o que ele esperava de mim. Acabei
contando a verdade, na fervente esperança de que coincidisse com o que ele
queria ouvir. Olhei dentro de seus olhos, que haviam deixado de refletir
divertimento e agora pareciam poços escuros de preocupação.
— Quando fui na direção do Sr. Hardie e de Hannah, eu não sabia direito o
que pretendia. Creio que buscava algo que fizesse a atmosfera no barco salvavidas
voltar ao que era antes de a Sra. Grant tentar provar que o Sr. Hardie era
culpado de alguma coisa. Claro que foi tolice minha, pois o que eu, que não tinha
condições de me comparar a eles, poderia fazer para acabar com a discórdia
que se estabelecera e que ameaçava todos os passageiros?
— Então aleguemos inocência! — exclamou o Sr. Reichmann, espalmando a
mão na coxa.
Vê-lo tão satisfeito deixou-me estranhamente feliz, mas minha felicidade foi
encoberta por uma sensação esquisita de estar de novo no barco salva-vidas, de
voltar a fazer uma escolha sem de fato saber as consequências de minha decisão.
Mas essa sensação logo passou, e entrei na sala de audiências com passo
tranquilo, satisfeita por ter cumprido minha parte, satisfeita por agora poder
relaxar e deixar o Sr. Reichmann fazer seu trabalho.