Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
passageiros.<br />
— Eu não faria muito esforço para encontrá-lo — falei, com um arrepio<br />
involuntário. — Afinal de contas, nós o jogamos no <strong>mar</strong>, quanto a isso não há<br />
dúvida.<br />
— Nisso a senhora tem razão — admitiu o Sr. Glover, com um olhar inquieto.<br />
Percebi que eu tremia descontroladamente e que o Sr. Glover não sabia como<br />
me acal<strong>mar</strong>, portanto acrescentei:<br />
— Mesmo que eu nunca mais queira botar os olhos no Sr. Hardie, acho que<br />
espero que ele esteja vivo.<br />
Imaginei que fosse o que o Sr. Glover gostaria que eu dissesse. Porque, se<br />
Hardie estivesse vivo, significaria que eu não matara ninguém, e minha intuição<br />
me dizia que o Sr. Glover não queria me ver como alguém com sangue nas<br />
mãos. Mais ce<strong>do</strong> naquela manhã eu pensara em pedir que ele entregasse a<br />
Felicity Close uma carta que eu lhe escrevera, mas depois refleti melhor. Eu<br />
tinha vontade de explicar para ela meu amor por Henry, dizer que embora a<br />
fortuna dele tenha si<strong>do</strong> a primeira coisa a me atrair, eu o a<strong>mar</strong>a de to<strong>do</strong> o<br />
coração. Queria que ela soubesse disso em consideração a Henry, não a mim.<br />
Mas por instinto eu sempre soube quan<strong>do</strong> falar e quan<strong>do</strong> me calar, por isso não<br />
disse nada ao Sr. Glover sobre Felicity e mais tarde rasguei a carta e joguei-a no<br />
lixo. Para compensar, repeti “Espero mesmo que o Sr. Hardie esteja vivo!” com<br />
a maior convicção possível, o que fez o Sr. Glover to<strong>mar</strong> a liberdade de colocar a<br />
mão em meu braço para me confortar.<br />
<strong>No</strong> dia seguinte, o Sr. Reichmann foi até a prisão fazer-me duas perguntas.<br />
Primeiro, queria saber se eu ajudara a empurrar o Sr. Hardie <strong>do</strong> barco; e se a<br />
resposta fosse afirmativa, queria saber em que momento eu havia toma<strong>do</strong> essa<br />
decisão.<br />
— Acho que ajudei, sim, a empurrá-lo — respondi, hesitante.<br />
Perguntei se ele lera o diário que eu lhe entregara uma semana antes, e ele<br />
garantiu que sim. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, pediu que eu repetisse mais uma vez os fatos<br />
que resultaram na morte <strong>do</strong> Sr. Hardie, porque estava confuso e não sabia se eu<br />
tinha i<strong>do</strong> para os fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> barco com a intenção de ajudar Hannah ou com a<br />
intenção de ajudar o Sr. Hardie.<br />
— Talvez a senhora tenha se levanta<strong>do</strong> pensan<strong>do</strong> em ir ajudar o homem que<br />
admirava e a quem creditava o ato de ter salva<strong>do</strong> sua vida. Talvez o Sr. Hardie<br />
não tenha entendi<strong>do</strong> a intenção e por isso começou a lutar com a senhora, e só<br />
então a senhora decidiu passar a apoiar Hannah.<br />
— O senhor tem razão ao supor que eu não tinha certeza <strong>do</strong> que pretendia<br />
fazer quan<strong>do</strong> me levantei e atravessei o barco.<br />
— Então fez isso quase automaticamente, como se seguisse instruções?<br />
— Não acho que tenha si<strong>do</strong> automático. Eu não parava de pensar, de me<br />
perguntar o que seria correto fazer.