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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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algum motivo, não a quisesse mais após nossa trágica experiência.<br />

— Nesse caso, você poderia trabalhar como governanta — consolei-a. —<br />

Assim teria muitos filhos, de certa maneira.<br />

Ela olhou-me com uma expressão estranha, enquanto uma pequena lágrima<br />

escorria por sua face salgada. Mais tarde, ela me perguntou se Henry e eu não<br />

queríamos filhos, e respondi que sim, claro. Mas eu queria um filho pelo mesmo<br />

motivo que uma rainha: para ter um herdeiro, não para me distrair.<br />

Falei para o Dr. Cole que eu tinha consciência de estar sen<strong>do</strong> indelicada, mas<br />

que Mary Ann me provocava e também que estávamos com os nervos à flor da<br />

pele, o que às vezes nos fazia dar voz a irritações que em circunstâncias normais<br />

teríamos reprimi<strong>do</strong>.<br />

— Que tipo de irritação a senhora costuma reprimir? — quis saber o Dr. Cole,<br />

e, por alguma razão, achei a pergunta extremamente irritante.<br />

— Creio que eu esteja irritada agora mesmo — respondi. — E se o senhor não<br />

tivesse pergunta<strong>do</strong> isso, eu teria reprimi<strong>do</strong> a vontade de dizer que o senhor me<br />

lembra meu pai, que bem ou mal conseguiu se manter enquanto seus sócios o<br />

apoiaram, mas que no final das contas não foi páreo para os esquemas calculistas<br />

deles.<br />

Não sei por que tu<strong>do</strong> isso, pois metade <strong>do</strong> que eu dizia era influenciada pelo<br />

fato de eu ver nossos encontros como um jogo, não como uma forma de me<br />

aprofundar nos mistérios de meu ego. <strong>No</strong> entanto, minhas consultas com o<br />

psiquiatra faziam meus dias passarem mais depressa, e eu sempre voltava<br />

renovada para a cela, satisfeita com a possibilidade de falar com alguém que não<br />

fosse Florence — ela agora começara a pensar que to<strong>do</strong> o sistema judicial<br />

criminal havia si<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> com o único propósito de destruí-la; às vezes<br />

murmurava coisas como “Lamento que você tenha se envolvi<strong>do</strong> em tu<strong>do</strong> isso,<br />

mas você entende, não é? Eles não recuarão por nada. Você viu bem como estão<br />

atrás de mim desde o início”.<br />

Um dia ela perguntou se eu tinha mata<strong>do</strong> alguém, e respondi que achava que<br />

sim. A maior parte <strong>do</strong> tempo eu a ignorava, mas havia dias em que ela grudava o<br />

rosto nas barras da cela e fica horas ali murmuran<strong>do</strong> coisas sobre os filhos, o<br />

<strong>mar</strong>i<strong>do</strong> ou o juiz encarrega<strong>do</strong> de seu caso; e vez ou outra alguma coisa que ela<br />

dizia despertava meu interesse. Eu acabara de voltar <strong>do</strong> banheiro, e quan<strong>do</strong> a<br />

carcereira fechou a porta da cela às minhas costas, pensei ter ouvi<strong>do</strong> Florence<br />

mencionar o nome <strong>do</strong> Dr. Cole. Na mesma hora comecei a prestar atenção. Por<br />

um momento me perguntei se devia responder ou não, e, em caso positivo, o que<br />

dizer. Por fim, falei: “Perdão? Disse algo?”, mas ela já mudara de assunto, agora<br />

falava sobre defesa por insanidade e transferência para um manicômio, por isso<br />

não ousei fazer outras perguntas, por me<strong>do</strong> de contar mais sobre mim <strong>do</strong> que<br />

queria que ela soubesse. Um calafrio percorreu meu corpo, e comecei a<br />

suspeitar de que Florence tivesse si<strong>do</strong> colocada na cela diante da minha para

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