No coracao do mar - Charlotte Rogan

Um homem franzino sentado ao meu lado murmurou:
— Podíamos trocar os tonéis por essa pobre criança!
Para isso, no entanto, seria agora necessário dar meia-volta, mas a compaixão
que por um breve momento sentíramos pelo menino já fazia parte de um
passado em vias de submergir, por isso nos mantivemos em silêncio. Apenas o
homem franzino falou, mas sua voz fraca mal podia ser ouvida em meio ao
gemido ritmado dos toletes dos remos, do rugido do fogo e da cacofonia de
comandos e gritos de angústia.
— É só um menino. Quanto pode pesar uma criança desse tamanho?
Mais tarde eu viria a descobrir que o homem franzino era um diácono
anglicano, mas naquele momento eu ainda ignorava os nomes e as profissões de
meus companheiros de viagem. Ninguém lhe respondeu. Os remadores
limitaram-se a curvar ainda mais o corpo para melhor executar sua tarefa, e nós
os acompanhamos, pois parecia não nos restar outra coisa a fazer.
Não muito depois, avistamos três homens que nadavam em nossa direção com
braçadas vigorosas. Um após o outro, agarraram-se à corda de salvamento que
circundava o barco, forçando-o para baixo de tal forma que um imenso volume
de água começou a entrar pela borda. Um deles chamou minha atenção. O rosto
bem barbeado estava lívido de frio, mas era evidente o brilho de alívio que
emanava de seus olhos de um azul glacial. Sob as ordens de Hardie, no entanto,
os remadores sentados mais perto dele esmagaram o primeiro par de mãos antes
de golpear as do homem de olhos azuis. Ouvi o ruído da madeira esmagando
ossos. Hardie então ergueu sua pesada bota e enfiou-a no rosto do homem,
extraindo dele um grito de angústia e surpresa. Eu não conseguia desviar o olhar;
jamais um ser humano me inspirou sentimentos tão fortes quanto aquele
desconhecido.
Se eu fosse descrever o que acontecia a estibordo do barco salva-vidas 14,
daria necessariamente a impressão de que mil outros dramas não se
desenrolavam ao mesmo tempo nas águas turbulentas a bombordo e na popa.
Em algum lugar ali perto devia estar Henry, meu marido, ou dentro de um barco
golpeando desafortunados que tentassem subir, como nós agora fazíamos, ou
tentando ele mesmo alcançar a nado a segurança de um salva-vidas e sendo
também rechaçado. Eu me reconfortava ao pensar no ímpeto com que Henry
conseguira para mim um lugar no barco, certa de que ele demonstraria igual
firmeza em seu favor; mas será que Henry conseguiria agir como Hardie se sua
vida estivesse em jogo? Eu conseguiria? A ideia da crueldade do Sr. Hardie me
voltava sempre à lembrança — sua conduta fora sem dúvida terrível, e
certamente nenhum de nós teria tido coragem para tomar as tenebrosas e
instantâneas decisões exigidas de um chefe em tais circunstâncias; mas com
certeza foram elas que nos salvaram. Pergunto a mim mesma se é justo falar
em crueldade se qualquer outra ação teria significado nossa morte certa.